11.
OS MEIOS JURÍDICOS: O EXERCÍCIO DA CIDADANIA AMBIENTAL
PERANTE O PODER JUDICIÁRIO
Ainda há um caminho a ser percorrido para
que o Poder Judiciário dê respostas eficaz às demandas
sociais. Os problemas do meio ambiente são revestidos de
uma característica que se choca com as práticas comuns
desse Poder: eles são velozes e devem ser estancados com
rapidez.
Por outro lado, os pedidos em juízo nem
sempre são baratos. A complexidade das causas, envolvendo
aspectos científicos, técnicos, de pesquisa de campo e
mesmo laboratórios pode tornar os processos judiciais
lentos, no caso de isenção de custos, ou caros, no caso
de necessidade de uma pronta resposta. No fundo, há um
choque entre a origem tecnológica de muitos problemas
ambientais, com o tratamento artesanal que recebe no
judiciário. Por isso, as lutas ambientais passam, também,
pela busca da modernização, aperfeiçoamento e
democratização desse Poder.
Tendo em vista tais características, o uso
dos instrumentos judiciais deve ser cautelosamente medido
e as medidas devem ser escolhidas com cuidado, a fim de
que o resultado tenha um mínimo de possibilidades
eficazes. Lembramos, para esses casos, a necessidade da
presença de um advogado tecnicamente razoável, dada a
complexidade e dispersão das normas jurídicas que
regulam o meio ambiente.
11.1.
As Medidas Cautelares
Existem casos que, por sua urgência, não
admitem a espera por um julgamento ordinário. É preciso
que haja alguma medida para estancar um prejuízo ou
evitar um prejuízo potencial. Havendo essa circunstância,
a alternativa é usar o processo cautelar, que tem como
finalidade evitar lesão grave e de difícil reparação,
caso o ato ou atividade não seja paralisado (art. 798 do
Código de Processo Civil). Normalmente, o juiz, para
conceder uma liminar, ouve a outra parte, mas em casos em
que o perigo está comprovado e o receio do autor é
fundado, poderá concedê-la, sem ouvir o outro lado, já
que, se essa medida não for tomada, a decisão será
ineficaz. Qualquer vítima atual ou potencial do dano
poderá requerer essa medida.
11.2.
Execução de Obrigações de Fazer e de Não Fazer
Se uma pessoa física ou jurídica e mesmo o
Poder Público se negarem a cumprir, por exemplo, uma
decisão judicial, podem os credores fazê-lo e cobrar
dele o montando do valor que gastaram. Nesse caso, o
credor encarrega-se de executar a obrigação às custas
do devedor, que poderá pagar até mais do que a garantia,
mas, dada sua inação, não tem o direito de reclamar
(art. 632 e seguintes, do Código de Processo Civil).
Este procedimento tem limites, já que, na
maioria dos casos, os atingidos não têm capacidade
financeira para arcar com os custos das obras e correções
que devem ser feitas.
11.3.
A Ação Popular
Quando surgiu a Lei nº 4.717, de 26 de junho
de 1965, regulamentando a Ação Popular, houve um avanço
jurídico significativo para as reivindicações
populares. Até aquele momento, os direitos sociais só
poderiam ser pedidos com base no art. 159 do Código
Civil, que impunha condições limitadoras para o exercício
dos direitos ambientais: o titular da ação só poderia
ser o ofendido e a culpabilidade ou o dolo deveriam ser
demonstrados para fundamentar a obrigação de indenizar.
O art. 1º da Lei nº 4.717/65 determina ser
qualquer cidadão parte legítima para pleitear a anulação
ou a declaração de atos lesivos ao patrimônio da União,
Distrito Federal, Estados e municípios, entidades autárquicas
e sociedades de economia mista.
O sentido de cidadania traduzido por essa
lei, e que condicionava a titularidade da ação, era o
proponente ser portador do título de eleitor.
A lei citada trouxe um avanço considerável,
alargando o conceito de patrimônio público, que não
mais se restringe a bens ou direitos estritamente econômicos,
mas abrange, também, os de valor artístico, estético,
histórico ou turístico (art. 1º, 1º). Bens não econômicos
foram previstos pela lei, e dentre eles destaca-se a proteção
ao meio ambiente, às jazidas arqueológicas e a preservação
de paisagens notáveis.
Apesar da restrição quanto à titularidade,
a Ação Popular é um instrumento hábil para os cidadãos
exercerem seu dever de anular atos que atentem contra o
patrimônio público.
Por derradeiro, é preciso ressaltar que a
Lei nº 6.513/77 ampliou a incidência do Mandado de
Segurança e da Ação Popular.
11.4.
A Ação de Responsabilidade Civil por Danos
A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que
estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente,
legitimou o Ministério Público da União e dos Estados
para compor Ação de Responsabilidade Civil por danos
causados ao meio ambiente, conforme dispõe seu artigo 14,
1º.
A abertura da titularidade para o Ministério
Público trouxe um aspecto positivo, por ele se constituir
num corpo competente a participante das lides forenses,
com a vantagem de não responder pelas despesas
processuais, nem correr o risco de sucumbência. Ela
trouxe, pela mesma razão, um aspecto negativo, quando
restringiu a titularidade tão-somente ao Ministério Público.
A Lei 6.938/81 traz um avanço fundamental
para as ações de reparação de dano ecológico: ela não
estabelece tetos para valores indenizatórios e fundamenta
a obrigação de indenizar na responsabilidade objetiva,
isto é, a responsabilidade factualmente comprovada, de
tudo que concorrer para o dano, sem perquirir sobre a
existência de dolo ou culpa, o que torna o procedimento
mais simples, com resultados mais rápidos.
11.5.
A Ação Civil Pública
A Lei nº 7.347, de 24 de junho de 1985,
regulamentou a ação civil pública. Tal ação é cabível
nos casos de danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor e a bens de direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico.
O avanço jurídico desse documento está no
fato de abrir o exercício da titularidade da ação para
o Ministério Público, associações com legitimidade e
Poder Público. Esses titulares são competentes para
propor ações que procurem resguardar direitos difusos,
isto é, direitos de grupos sociais, que são ou podem ser
prejudicados por atos, por exemplo, que agridam o meio
ambiente ou a qualidade de vida.
O dinheiro arrecadado por essas ações, em
caso de ganho dos autores, será encaminhado para um fundo
que administrará as indenizações através de um
Conselho Federal e Conselhos Estaduais, no sentido da
reparação dos bens lesados.
Esse instrumento legal, talvez seja o mais
avançado instrumento jurídico existente no Brasil para
tratar dos problemas ambientais. É uma Lei que responde
às demandas pela constituição de um processo civil
social, ao mesmo tempo em que socializa a prestação
jurisdicional e democratiza o acesso à Justiça. Sua
titularidade também é difusa, podendo ser proposta por
alguém que não é o ofendido na causa discutida. A Lei nº
8.078, que dispõe sobre a proteção do consumidor,
ampliou os direitos previstos no documento legal aqui
analisado.
11.6.
A Ação Popular Constitucional
O artigo 5º, LXXIII da Constituição
Federal prevê a Ação Popular Constitucional, que tem
como finalidade anular ato lesivo ao patrimônio público
ou entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico
e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,
isento de custos judiciais e do ônus da sucumbência.
A Ação Popular Constitucional é mais
abrangente que a prevista pela Lei nº 4.717/65, o que,
necessariamente, implicará profundas modificações nesse
documento original.
Como lembra Édis Milaré, a limitação da
titularidade continua, pois a ação só pode ser proposta
por cidadão-eleitor com a intervenção obrigatória de
advogado contratado, o que pode dificultar sua proposição.
11.7.
O Mandado de Segurança Individual e Coletivo
O direito líquido e certo ferido por ato
ilegal ou abusivo de autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica é resguardado pelo mandado de segurança
(art. 5º, LXIX, da Constituição Federal). Qualquer
cidadão pode impetrá-lo, desde que o direito seja
inquestionável e possa ser provado no ato de pedir
O artigo 5º, LXX, da Constituição Federal
prevê o mandado de segurança coletivo, que poderá ser
impetrado por partidos políticos com representação no
Congresso Nacional, organização sindical, entidade de
classe ou associação legalmente constituída há pelo
menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou
associados.
Logo, os interesses difusos, como os
relativos às questões do meio ambiente, podem ser objeto
desse mandato. Mas é preciso ressaltar que, em medidas
como essa, há necessidade de demonstração inequívoca
da certeza e liquidez do direito ferido, o que é uma
condição geral para a concessão da ordem.
11.8.
O Mandado de Injunção
A Constituição Federal, em seu artigo 5º,
LXXI, prevê o denominado mandado de injunção, que será
concedido sempre que a falta de norma regulamentadora
torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Como o meio ambiente ecologicamente
equilibrado é um direito constitucional, nada impede a
impetração de um mandado de injunção, quando houver
quebra desse direito, sem que haja norma regulamentadora
do imperativo genérico da Constituição Federal. Todo
cidadão pode lançar mão dessa medida, que diz respeito
a todos os direitos constitucionais ainda não
regulamentados.
11.9.
Outros Expedientes Processuais
O movimento ambiental deve lançar mão de
todos os recursos para fazer valer os direitos que
defende. Às vezes, uma notificação por cartório
pedindo informações já é um instrumento hábil para a
continuidade das lutas. Assim, em certos casos, basta
pedir esclarecimentos por uma carta microfilmada e enviada
por cartório, para que haja modificações sensíveis na
situação.
Também não podem ser esquecidas as ações
cautelares inominadas, previstas pelo art. 798 e
seguintes, do Código de Processo Civil. Tais ações, nas
quais é possível até ser pedida liminar, sem ouvir a
outra parte, possibilitaram em muitos casos, a obtenção
fulminante de direitos (Constituição Federal. Art. 804
do mesmo Código).
As notificações, protestos e interpelações,
previstas pelos artigos 867 e 873 do Código de Processo
Civil, têm como objetivo a prevenção de
responsabilidade, a conservação e ressalva de direitos,
ou a manifestação formal de intenção, e são outros
instrumentos que podem ser usados pelo cidadão para
mostrar ao poluidor, ao degradador ou à autoridade omissa
ou conivente que a sociedade está alerta e disposta a
combater.
11.10.
Os Instrumentos Penais
O Direito Penal do Brasil pertence a um tempo
em que a consciência ambientalista ainda não existia.
Ele foi instituído pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940, sofrendo modificações posteriores que
não descaracterizaram o seu espírito.
Com estas características, é claro que os
crimes ambientais têm dificuldade de serem apenados, até
porque não encontramos no Código Penal tipos que definam
condutas delituosas contra o meio ambiente.
Assim, o Ministério Público tem de procurar
nos crimes contra a saúde pública, bens jurídicos
lesados, que não correspondem à complexidade e gravidade
dos delitos ambientais, já que, na maioria das vezes, o
dano oriundo atinge um universo sensivelmente maior do que
os crimes comuns. Além disso, a metodologia do Direito
Penal clássico, separando de forma nítida o autor do
delito da vítima, não consegue dar conta de crimes ecológicos
onde a vítima e o autor podem se confundir.
Ademais, como os crimes previstos são sempre
dependentes de uma ação dolosa (quando o agente quer o
resultado), ou culposa (quando o delito é cometido por
negligência, imprudência ou imperícia), torna-se difícil
estabelecer o nexo causal entre os atos e resultados
danosos ao meio ambiente. Acresça-se a isso o atraso
científico na aplicação penal, que, às vezes, nem
consegue mensurar a gravidade do dano cometido, seja por
desconhecimento, seja por não incorporar a compreensão
dos fatos novos trazidos pela tecnologia de produção e
pelas desigualdades sociais. A responsabilidade objetiva,
que é considerada por outras normas de ordenamento jurídico,
ainda não foi estudada a contento pelos doutrinadores do
Direito Penal, para se verificar a possibilidade de sua
aplicação nesse ramo jurídico, nos casos de crimes
contra o meio ambiente.
Além de tudo, a titularidade da ação
penal, em caso de danos à saúde pública ou à vida, está
nas mãos tão-somente do Ministério Público (art. 24 do
Código de Processo Penal e art. 110 do Código Penal),
podendo o ofendido apenas postular em caráter subsidiário,
em caso de silêncio daquele Órgão Público (art. 29 do
Código de Processo Penal, art. 100, 3º do Código Penal
e art. 5º, LIX, da Constituição Federal).
Édis Milaré apresenta alguns artigos do Código
Penal que prestam tutela de modo mediato: o art. 163 que
define o crime de dano ao patrimônio público ou
particular, que inclui também a fauna e a flora (e de
modo mediato, o meio ambiente); o art. 165, que tipifica o
dano em coisa tombada; o art. 166, que tipifica a alteração
de locais especialmente protegido como crime; o art. 250,
1º, 1, que dá como criminosa a conduta de provocar incêndios
em mata ou floresta; o art. 252, referente ao uso de gás
tóxico ou asfixiante; o art. 259 que incrimina a conduta
de difusão de doença ou praga que possa causar dano à
floresta; e os arts. 270 e 271, que prevêem o
envenenamento, corrupção ou poluição de água potável,
considerando tais condutas como crimes contra a saúde pública.
As penas brandas e anódinas aparecem não
somente no Código de Proteção à Fauna, no Código
Florestal, no Código de Águas, no Código de Pesca e no
Código de Mineração.
As penas mais intensas só vão aparecer em
outras leis, como as de nºs 7.803, 7.804 e 7.805, todas
de 18 de julho de 1989, que instituíram o Programa Nossa
Natureza, na Lei nº 7.643, de 18 de dezembro de 1987, que
proibiu a pesca de cetáceos e a Lei nº 7.653, de 12 de
fevereiro de 1988, que transformou em crimes inafiançáveis
as condutas contravencionais do Código de Caça.
A Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961, que
dispõe sobre monumentos históricos e arqueológicos, em
seu art. 29, remete os danificadores ou os que exploram
irregularmente esses sítios, aos tipos previstos pelos
artigos 163 a 167 do Código Penal, isto é, o dano, em
suas várias manifestações.
11.11.
Algumas Leis Esparsas Úteis
A luta ambiental também poderá lançar mão
de algumas outras legislações: Lei nº 6.001, de 19 de
dezembro de 1973, o Estatuto do Índio, nos casos freqüentes
de etnocídio, genocídio e degradação ambiental nas
terras indígenas.
Para o relacionamento com outros movimentos
ou entidades, convém consultar o Cadastro Nacional de
Entidades Ambientalistas, criado pela Resolução do
CONAMA nº 6, de 15 de junho de 1989.
As câmaras técnicas do CONAMA, criadas pela
Resolução nº 7, de 17 de outubro de 1990, poderão
subsidiar trabalhos, pesquisas e reivindicações das
comunidades organizadas.
A participação da cidadania ambiental na análise
do RIMA está normada na Resolução do CONAMA nº 89, de
3 de dezembro de 1987, que trata da análise do RIMA em
audiência pública.
O Decreto nº 99.556, de 1º de outubro de
1990, dispõe sobre a proteção das cavidades naturais
subterrâneas do território nacional e é base para a ação
de movimentos de preservação espeleológica e arqueológica.
A Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989,
criou o Fundo do Meio Ambiente e o Decreto nº 98.161, de
21 de setembro de 1989, dispõe sobre a administração
deste Fundo. Ele tem uma significação financeira
crescente e deve estar sob a fiscalização da cidadania,
que dele precisa participar.
O Decreto nº 49.974-A, de 21 de janeiro de
1961, que promulgou o Código Nacional de Saúde, tem como
finalidade, dentre outras, a preservação e uso racional
do meio ambiente.
11.12.
Conclusão
Como já foi dito, todas as medidas
apresentadas estão condicionadas a um sistema ainda
problemático. Ademais, é preciso sempre ressaltar que
esses instrumentos terão mais força quanto mais forem
usados. Infelizmente, pelas mais variadas razões, o
acionamento dessas medidas ainda é pequeno. No Brasil,
ainda não houve uma reflexão mais profunda sobre a
dimensão judicial da cidadania, aspecto central para o
respeito dos direitos e para a construção do estado
democrático. Chega a ser uma heresia falarmos sobre o uso
político-transformador do Judiciário, uma vez que a idéia
dominante é a de que ele é um poder neutro e eqüidistante.
É o momento de resgatar a cidadania perdida pelo Judiciário,
que nada mais é do que o povo julgando, em função de
valores, idéias e projetos que se traduzem na interpretação
das leis. Já que o Judiciário é um Poder que opera
quando provocado, cabe aos movimentos sociais levá-los a
provocar enquanto opera.
Outro ponto que ficou neste capítulo é o da
inadequação e atraso das normas penais relativas às
irregularidades ambientais. Elas parecem transitar em um
mundo do passado, onde as graves tensões da sociedade
brasileira não apareciam. Assim, sua capacidade de previsão
de condutas apenáveis é baixa e suas punições não se
revestem de caráter intimidativo ou preventivo. Às
vezes, para os predadores, é mais lucrativo continuar
agindo irregularmente, pagando multa, do que paralisar as
atividades, dado o valor irrisório das penalidades.
A ação perante o Judiciário não é
meramente técnica, nem pode ser individualista. Ela é
social e política, como qualquer outra movimentação da
cidadania e tem como escopo consignar direitos e buscar a
Justiça.
|