Cade
Direito
e Legislação Anti-racista
Sérgio
Martins
O que é
Direito ?
Direito
e lei
Direito
e conflitos inter-individuais
Direito
e Constituição Federal
Implicações
da Prática do racismo para o direito
O
Sujeito da Discriminação
Da
Prática da Discriminação e do Preconceito como Crime
Da
Prática da Discriminação e do preconceito com Ato Ilícito
Considerações
finais
Bibliografia
O que é
Direito ?
A
primeira tarefa que este trabalho nos impõe é a busca de um
conjunto de definições mínimas sobre uma pergunta básica: o
que é direito? A questão, aparentemente simples, está presente
na cabeça dos profissionais de direito gerando infindáveis
debates teóricos com posições bastante antagônicas.
Lévy-Bruhl
lembra que, neste debate, a etimologia pouco nos
auxiliará. A palavra “direito”, em inglês,
right; em alemão, recht; em italiano, diritto,
liga-se a uma metáfora na qual uma figura geométrica
assumiu, primeiro um sentido moral, e depois jurídico.
O direito é linha reta, que se opõe à curva, ou
à oblíqua, e aparenta-se às noções de retidão,
de franqueza, de lealdade nas relações humanas.
Mas essa acepção é muito frágil para definir as
complexas redes de significados que o direito
nos oferece na organização da sociedade moderna.
Hoje, há um consenso, na órbita dos debates sobre
direito, de que estamos diante de um fenômeno
complexo, portador de diversas faces, que poderá
ser objeto de investigação dos diversos ramos de conhecimento da
ciência jurídica: História do Direito, Filosofia
do Direito, Sociologia do Direito, Dogmática Jurídica,
ou áreas afins, tais como, antropologia social
e ciência política, todos com plena capacidade
de revelar aspectos relevantes sobre o Direito.
Para
além das investigações teóricas, qualquer pessoa é capaz
de identificar aspectos que dizem respeito à organização
de suas vidas no dia a dia, tais como: regras que proíbem ou impõem
certos tipos de comportamentos, sob cominação de pena; regras
exigindo que as pessoas compensem
aqueles que, de alguma maneira, por elas
foram ofendidos; regras que especificam o que deve ser
feito para outorgar testamentos, celebrar contratos ou outros
instrumentos que confiram direitos e criem obrigações; tribunais
que determinam quais são as normas e quando foram violadas,
estabelecendo castigo ou compensação a serem pagos; um poder
legislativo para fazer novas regras e abolir as antigas.
Isso
significa que o Direito exerce uma influência
bastante considerável no comportamento da sociedade
moderna, definindo as condutas humanas como ações lícitas e ilícitas. Encontramos lei que proíbe o homicídio ou que exige o pagamento do imposto
de renda ou, ainda, que estabelece o que fazer
para conseguir licença para o casamento.
As
regras do Direito consistem na atribuição de efeitos jurídicos
aos fatos da vida, dando-lhes um peculiar modo de ser. O direito
elege determinadas categorias de fatos, humanos ou naturais, e
qualifica-os juridicamente, fazendo-os ingressar numa estrutura
normativa. A incidência de
uma norma legal sobre determinado acontecimento o converte em um
fato jurídico. Intensificam-se, por conseguinte, como
realidades próprias e diversas, o mundo dos fatos e o mundo jurídico.
Nem todos os fatos da vida são relevantes para o direito. Apenas
alguns deles, pelo fenômeno da juridicização, passam do mundo
dos fatos para o mundo jurídico. Tomemos como exemplo o fato de
um jovem completar 21 anos de idade.
Para o mundo jurídico, este é momento em que o jovem
adquire plena capacidade cível podendo agir (postular em
juízo) em nome próprio, realizar todos os atos e negócios jurídicos
sem autorização dos pais ou responsáveis.
Umas
das maneiras de distinguir o direito é dividi-lo
pelos qualitativos de subjetivo e objetivo. O
direito subjetivo seria aquele que pertence a
uma pessoa ou coletividade. É a faculdade que
lhe é dada de exercer esta ou aquela atividade.
Podemos exemplificá-lo como direito à liberdade,
ao trabalho. Seu sentido objetivo entende-se
como um conjunto de normas que se aplica aos indivíduos
e que deve ser observado sob pena de incorrer
numa sanção.
É
inegável que o
direito, através da lei, exerce um papel de controle social ao
estabelecer normas de condutas que devem ser observadas pelos
indivíduos sob pena de sanções — como privação da vida, da liberdade, de bens econômicos
e outros —, um mal que é aplicado ao transgressor,
mesmo contra sua vontade, se necessário empregando até
força física. No entanto, o próprio Hans Kelsen, que define o
direito como um conjunto de ordens coativas, afirma também que não
pertence à essência do Direito obter à força a conduta
conforme prescrita pela ordem jurídica.
Esta conduta não é obtida à força através da efetivação
do ato coativo, pois esse ato deve precisamente ser efetivado
quando ocorre, não a conduta prescrita, mas a conduta proibida, a
conduta que é contrária
ao Direito.
Essa
afirmação pretende significar que o Direito, pelo
estabelecimento de sanções, motiva os indivíduos
a realizarem a conduta prescrita, na medida em
que o desejo de evitar a sanção intervém em seu
comportamento. Deve-se responder que esta motivação
constitui apenas uma função possível e não uma
função necessária do Direito. A conduta conforme
o Direito, que é a conduta prescrita, pode ser
provocada por outros motivos e, muito freqüentemente,
é provocada, também, por idéias religiosas ou
morais. Ou seja, o cumprimento das condutas de
direito, expresso na lei, não se dá apenas pela
coação psíquica que este exerce junto aos indivíduos.
Existem também aspectos educacionais que
o Direito desenvolve na sociedade, fundindo-se
praticamente com outras normas morais e éticas.
Direito
e lei
A
pergunta que nos fazemos é: a lei encerra todo o conteúdo de
Direito de uma determinada sociedade ou pode existir um
determinado Direito que não esteja contido em lei? Esse é um
debate bastante caloroso no mundo do Direito, no qual podemos
identificar importantes correntes de pensamento.
A
corrente representada pelo juspositivismo define
o direito como um conjunto de comandos ditados
pelo soberano, considerando normas jurídicas todas
as normas criadas conforme determinado modo estabelecido
pelo próprio ordenamento jurídico prévio, não
importando o fato de estas normas serem ou não
efetivamente aplicadas na sociedade. Para o juspositivismo,
na definição do direito deve ser excluída toda
qualificação fundada num juízo de valor e que
comporte a distinção do próprio Direito em bom
e mau, justo e injusto.
Com
efeito, o Direito prescinde de seu conteúdo, ou
seja, da matéria regulada, porque o conteúdo do
Direito é infinitamente variado. Assim, as normas
jurídicas são elaboradas a partir de fatos hipoteticamente
considerados. Com o surgimento da doutrina realista
do direito, no interior do pensamento juspositivista,
passou a se afirmar que uma norma que não seja
aplicada, isto é, que não seja eficaz, não é,
conseqüentemente, Direito, considerando-o como
o conjunto de regras que são efetivamente seguidas
numa determinada sociedade. No entanto, para Bobbio
a preocupação da doutrina realista do direito,
quando trata de eficácia da norma jurídica, não
se refere ao comportamento dos cidadãos, não pretende
afirmar que são direitos seguidos pelos
cidadãos. Para o autor, quando a escola realista
fala de eficácia, está se referindo ao comportamento
dos juízes, daqueles que devem fazer respeitar
as regras de conduta impostas aos cidadãos. Assim,
as verdadeiras normas jurídicas seriam aquelas
aplicadas pelos juízes, no exercício de suas funções,
na resolução das controvérsias. Com efeito, as
normas que procedem do legislador, mas que não
chegam ao juiz, não são Direito.
Em
contraposição ao juspositivismo, o pensamento jusnaturalista
estabelece o seu conteúdo como
critério de validade de uma norma jurídica. Assim, para
que uma norma de direito seja válida, deve ser justa, concluindo
que nem todo direito
existente é, portanto, válido, porque nem sempre é justo. Para
o pensamento juspositivista uma norma
jurídica é justa pelo único fato de ser válida, isto é,
foi criada por um órgão e autoridade com legitimidade para fazê-lo.
O debate sobre validade da norma jurídica, para os segundos, diz
respeito à maior proximidade da norma com os valores fundamentais
em que o Direito deve se inspirar.
Uma das críticas ao pensamento juspositivista diz respeito ao monopólio
que o Estado possui para criar Direito e, ao mesmo
tempo, aplicá-lo. Para Eugen Ehrlich a idéia de
que todo Direito deriva do Estado, apenas quer
dizer que, uma norma, independente de como surgiu,
só se transforma em norma jurídica quando é reconhecida
como tal pelo Estado. Mas, segundo o autor, é
possível encontrar na sociedade um direito vivo
que domine as relações sociais. Apesar de não
estar fixado em leis promulgadas pelo Estado,
exerce um papel de organização da vida em sociedade.
Um
dos motivos apontados pelo autor para o fracasso da leis
promulgadas pelo Estado é o fato de a iniciativa para
garantir sua aplicação depender da ação das partes e esta,
muitas vezes, falha por completo. Algumas leis permanecem
desconhecidas para a maioria da população e é comum, em outras
situações, as partes beneficiadas carecerem de meios para levar
à frente suas reivindicações.
Direito
e conflitos inter-individuais
A existência do Direito como um conjunto de instrumentos que
a sociedade dispõe para exercer o chamado controle
social — impondo modelos culturais, ideais coletivos
e valores, que persegue na tentativa de superar
os conflitos e tensões sociais —, nem sempre é
suficiente para evitar o surgimento das disputas
entre indivíduos e as transgressões às normas
jurídicas. Esses conflitos caracterizam-se por
situações em que uma pessoa dispensa
tratamento discriminatório a uma outra,
ou pretendendo um determinado bem, decide tomá-lo,
retirando-o do domínio de outra pessoa. A partir
da resistência de outrem,
há o surgimento
de um conflito. A princípio, o direito
impõe que, para pôr fim a essa situação, seja
chamado o Estado-juiz, que virá dizer, através
de uma sentença judicial, qual a vontade do ordenamento
jurídico para o caso concreto. Por isso, é correto
afirmar que a decisão judicial, em determinado
caso, se constitui no Direito concretizado. Daí
a importância que o Poder Judiciário possui na
resolução de casos
a ele apresentados pelas partes em conflito.
Mas,
nem sempre os conflitos entre indivíduos são deduzidos em juízo,
podendo existir a autocomposição, presente das seguintes formas:
na desistência, com a renúncia voluntária de um dos sujeitos em
sua pretensão; na submissão, com sacrifício de um dos sujeitos
de seus interesses ou direitos, e na transação, que se dá através
de concessões recíprocas. Há ainda a autotutela, onde o sujeito
com sua própria força e na medida dela, trata de conseguir a
satisfação de sua pretensão.
Podemos
afirmar que os indivíduos garantem seus direitos
à medida que
não se conformam com as intervenções injustas,
resistindo às pretensões de outros indivíduos
e do próprio Estado. Quando verificamos a ausência da resistência às intervenções injustas, quer sejam
nas relações interindividuais ou na ação estatal,
ou constatamos, ainda, a inércia dos cidadãos
diante da omissão do Estado em protegê-los ou
realizá-los, temos aí um direito morto,
que não é exercido pelos seus titulares.
Como
ficamos diante do desconhecimento de algum direito ou
diante da banalização de intervenções injustas?
Sabemos, empiricamente, que muitos indivíduos não conhecem
seus direitos, ou não acreditam em justiça ou no Poder Judiciário como forma
de garanti-los de maneira eficaz
ou, às vezes, não reconhecem como ilegais e injustas as intervenções
sofridas.
Hoje,
no Brasil, é muito difícil afirmar que os afro-brasileiros
possuem consciência suficiente de seus direitos
para resistirem a um obstáculo de cunho discriminatório.
Por outro lado, os poucos casos levados ao Poder
Judiciário têm recebido um tratamento de
matéria sem relevância para o mundo do Direito.
Em nossa opinião, isso reflete
o papel conservador que
o Poder Judiciário tem desempenhado no
país desconhecendo reiteradamente seu papel como
garantidor dos direitos violados de indivíduos
historicamente
desfavorecidos.
No
Brasil, o exercício da cidadania só adquire universalidade no
momento do sufrágio universal. Em seguida, evapora-se como um éter,
reingressando o suposto cidadão a um sistema hierárquico que
aproxima ou afasta os indivíduos da garantia ao exercício dos
direitos segundo critérios tais como: cor da pele, etnia,
classe, ocupação, local de moradia etc... Muitas vezes o indivíduo
discriminado recolhe-se a uma posição de inércia
que se justifica na seguinte máxima: “as coisas são
assim mesmo não adianta fazer nada”. O quadro de aparente
conformismo revela, em parte,
uma sociedade onde a cidadania
é de baixa intensidade participativa e o acesso à Justiça
ainda não foi universalizado.
Em
pesquisa
realizada nas cidades de Nova Iguaçu e Volta Redonda
(Estado do Rio de Janeiro), onde procuramos investigar
a atitude dos afro-brasileiros quando sofrem discriminação,
57,9 % dos
entrevistados afirmaram que nada fizeram e 20,2%
apenas reagiram verbalmente. Naquela ocasião constatamos
que havia um total desconhecimento da Lei 1.390/51
(Afonso Arinos) que definia a prática de preconceito
como contravenção penal.
A
pergunta que introduzimos nessa reflexão é a seguinte: o que
restou de conflituoso nas relações raciais no
Brasil? Fazemos referência à concepção de conflito capaz de
forjar um nova forma
de tratamento por parte da sociedade e do Estado. A maioria da
população negra vive em guetos, sofrendo todas as formas de
privações e constantes abusos em seus direitos formais por parte
do aparato do Estado, representado pelas corporações responsáveis
pela segurança dos cidadãos. Apesar disso, não consegue fazer
uma ligação entre a sua condição social e um modelo de exclusão
baseado na idéia de raça. O modelo de desenvolvimento adotado no
país permitiu que os afro-brasileiros permanecessem praticamente
sem mobilidade sócio-econômica. Paradoxalmente, a sociedade
incorporou toda a sua produção cultural e religiosa. Daí
afirmarmos que (in spirit) os afro-brasileiros foram incorporado
na sociedade brasileira, gerando assim um sentimento de integração.
Então,
se não existem conflitos abertos, por que estamos
aqui buscando uma equação no campo do Direito
e da cidadania para um problema que não causa
cisões na sociedade brasileira? Aí está, no nosso
ponto de vista, o marco das reflexões sobre todo
o trabalho desenvolvido pelas entidades do Movimento
Negro em defesa da cidadania da população negra,
muitas vezes acusadas de dividir a população ao
denunciarem práticas discriminatórias.
Até
onde conhecemos, o modelo de ordem jurídica ocidental, de cunho
liberal, se afirmou através da proteção dos indivíduos naquilo
que possuem como características universais: a dignidade humana,
a vida, a liberdade. Assim, uma legislação anti-racista tem como
escopo proteger um indivíduo afro-brasileiro de qualquer lesão
aos seus direitos em razão da discriminação — da separação
pelas partes. A discriminação é responsável pela diferenciação
de tratamento, constituindo-se um ato antijurídico em si.
A
lesão se dá no desrespeito ao direito ao tratamento igualitário,
à dignidade da pessoa humana, à subjetividade representada na
condição de indivíduo afro-brasileiro.
Após
relacionarmos algumas peculiaridades do Direito,
que segundo os juspositivistas têm na lei sua
maior manifestação, podemos afirmar que em diversos
diplomas legais existem dispositivos que protegem
os indivíduos afro-brasileiros da prática da discriminação
e do preconceito racial.
Vale
registrar que o dispositivo legal tem como objetivo garantir aos
indivíduos-cidadãos a inviolabilidade no exercício de seus
direitos, enquanto portador de dignidade humana. Assim,
encontraremos dispositivos garantidores de direitos e proibições
legais contra a discriminação e preconceito racial, de cor ou
etnia, na Constituição Federal, na legislação civil e
criminal, na legislação trabalhista, no Código de defesa do
consumidor, no Estatuto da Criança e dos Adolescentes e nos
tratados internacionais.
Direito
e Constituição Federal
Uma
outra forma de classificação do Direito é a divisão entre
regras de comportamentos e regras de estrutura e organização. No
entanto, para que essas normas sejam colocadas para o conjunto da
sociedade é necessário que aqueles que as outorgam estejam
investidos de legitimidade. Legitimidade entendida como capacidade
de representação política de um conjuntos de pessoas. É inegável
que as sociedades modernas comportam indivíduos, classes e grupos
corporativos que representam os mais variados interesses e
ideais.
Com
isso, dificilmente, sem um mínimo de consenso, conseguiríamos
livrar a sociedade de lutas fragmentárias dos mais diversos
interesses. As constituições modernas surgem, no aspecto
antropológico, como pactos fundamentais que comportam a confluência
de diversos interesses antagônicos a fim de preservar o espaço
social onde, supostamente, é posssível gozar da igualdade de
oportunidades.
No
aspecto jurídico-positivo, as constituições exercem a função
de fundamento lógico de validade de todo o ordenamento jurídico
(conjunto de legislação). Eqüivalem a normas supremas que
regularão a criação de outras normas.
A
história constitucional brasileira apresenta uma alternância
entre constituições democráticas, que se originaram de um órgão
constituinte composto de representantes do povo eleitos com o fim
de as elaborar, como são exemplos as de 1891, 1934, 1946 e 1988;
e as outorgadas, elaboradas e estabelecidas sem a participação
do povo, impostas pelos governantes, como foram as cartas de 1824,
1937, 1967 e 1969. Tal fenômeno de instabilidade constitucional
revela a constante turbulência sócio-política e econômica em
que o país vive, e seus reflexos na forma de organização político-jurídica
do Estado brasileiro.
Para
o nosso trabalho, interessa aprofundar mais detidamente as normas
constitucionais garantidoras de direitos fundamentais. Segundo o
prof. José Afonso da Silva, existem diversas expressões
utilizadas para designar os direitos fundamentais e seus
significados: direitos naturais, por se entender que se tratava de
direitos inerentes à natureza do homem, também chamados de
direitos inatos, que cabem ao homem só pelo fato de ser homem;
direitos humanos, expressão preferida nos documentos
internacionais; direitos individuais, referente aos direitos do
indivíduo isolado, correspondendo ao que se tem denominado
direitos civis ou liberdades civis.
É
utilizado na Constituição para exprimir o conjunto dos direitos
fundamentais concernentes à vida, à igualdade, à liberdade, à
segurança e à propriedade; direitos públicos subjetivos,
constituem um conceito técnico-jurídico do Estado liberal, que
exprime a situação jurídica subjetiva do indivíduo em relação
ao Estado, onde por meio do Direito Constitucional concede-se um
conjunto de direitos objetivos.
Segundo
José Afonso, podemos classificar os direitos
fundamentais em cinco grupos: direitos individuais,
art.5º; direitos coletivos, art.5º; direitos sociais,
art.6º e 193 e ss.; direitos à nacionalidade,
art. 12 e os direitos políticos, arts. 14 a 17.
A Constituição Federal não incluiu entre os direitos
sociais os direitos fundados nas relações econômicas.
Podemos encontrá-los estabelecidos no Pacto Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
e no Art. 22 da Declaração Universal dos Direitos
do Homem. Mas não basta que o direito esteja declarado
e reconhecido na Constituição, porque sempre
existirão momentos de violação nas relações interindividuais
e ocasiões onde se verificará a omissão das autoridades
em desempenharem seus papéis de garantia e realização
de algumas obrigações que lhes são impostas pela
Magna Carta. Muitas vezes, para que o direito
seja garantido, será necessária ação de resistência
à violação por parte de seu titular, conduzida
pelo entendimento de que aquela invasão é injusta
e não tem amparo no sistema de direitos que regula
nossas vida em sociedade, porque interfere no
gozo e exercício dos “meus” direitos de cidadão.
ALGUNS
DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS GARANTIDORES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Art.
5º
Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo‑se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
Comentários:
A Constituição Federal consagrou como direito fundamental o
dever do Estado de tratar a todos com igualdade sem qualquer forma
de distinção; ainda estabeleceu como bens fundamentais sujeitos
à proteção: a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a
propriedade. O princípio da isonomia acima consagrado não se
aplica apenas ao Estado, deverá ser tomado pelo conjunto dos
cidadãos como um valor constitucional que deveremos garantir nas
relações cotidianas.
I
-
II
- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude da lei.
Comentário:
O Estado Democrático de Direito tem como principal objetivo
livrar o indivíduo da tirania dos poderosos e da arbitrariedade
dos ditadores. Neste inciso fica bem claro que a lei é o
instrumento de mediação das relações dos cidadãos com o
Estado. Assim o cidadão possui inteira liberdade para fazer tudo
que não seja proibido pela lei.
III
- ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;
Comentário:
A constituição proíbe a tortura que poderá ser física ou
mental e o tratamento desumano e degradante. Este dispositivo
aplica‑se aos órgãos estatais e a todos os cidadãos.
IV
-
V
- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além
da indenização por dano material, moral ou à imagem;
Comentário:
A Constituição Federal inovou atribuindo aos cidadãos o direito
de ingressarem na justiça quando houver algum dano moral, ou seja
algum ato que traga dor psíquica ou prejuízo à reputação dos
indivíduos.
X
- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo
dano material ou moral decorrente da violação;
Comentário:
o dispositivo declara invioláveis a honra e imagem das pessoas. A
honra é conjunto de qualidade que caracterizam a dignidade da
pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. A
imagem consiste nos aspectos físicos inseparáveis do indivíduo.
Vedações
constitucionais da prática de qualquer forma de discriminação e
da prática do racismo.
XLI
- a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos
e liberdades fundamentais;
XLII
- a prática de racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Comentário:
A Constituição Federal faz uma rigorosa proibição de qualquer
forma de discriminação contra os direitos fundamentais e as
liberdades fundamentais (direito de ir e vir, liberdade de
pensamento, de culto etc.). No inciso XLII foi rigorosa no sentido
de proibir a prática da discriminação racial considerando um
crime em que não se admite o pagamento de fiança para o acusado
aguardar o julgamento em liberdade e poderá o responsável ser
punido a qualquer momento.
Implicações
da Prática do racismo para o direito
Nas
interelações que vivemos diariamente é muito comum
encontrarmos pessoas que afirmam possuir determinado
direito ou que, vivendo determinadas situações
conflituosas, clamam por uma certa medida de justiça.
Na maioria da vezes, sustentam suas pretensões
jurídicas em um conhecimento geral da legislação
vigente ou em
um sentimento de justiça que, em muitos
casos, equipara-se à idéia da existência de um
princípio natural de justiça que teria como objetivo
corrigir a situação que emergiu, diante dos padrões
de comportamento, como algo injusto, desleal.
No
entanto, para nós, não resta a menor dúvida de que, no momento
em que emerge a situação conflitiva, que se tornará o objeto da
demanda judicial, há uma vinculação imediata entre o suposto
direito lesado com um
valor — de Justiça — que deverá
ser garantido
através da ação do Poder Judiciário, que resolverá,
definitivamente, o conflito. Com isso, queremos afirmar que, para
o senso comum, há uma vinculação entre as idéias de Direito
e Justiça, dando origem a algo que contém um valor que revela o
que há de mais reto
possível produzido pela comunidade humana. Neste sentido, a
garantia da eficácia de uma legislação que regula determinados
comportamentos, possui maiores possibilidades de êxito quando a
comunidade para qual foi elaborada consegue internalizar o comando
normativo que emana dessa legislação como valores a serem
observados pela sociedade.
Delito,
no direito penal, e ato ilícito, no direito civil,
são definições que deverão ganhar vida nas práticas
cotidianas, sob pena de as normas que as definem
perderem completo sentido. Por outro lado, não
podemos perder de vista que a regulação jurídica,
no que diz respeito a comportamentos, se dá no
campo da garantia e delimitação da atuação dos
indivíduos, à medida que garante a extensão de
direitos para todos, delimitando automaticamente
a esfera de interferência de todos em relação
aos seus
concidadãos. Os direitos garantidos a cada
pessoa na sociedade impõem um elevado
grau de renúncia a certos comportamentos
que prejudicariam os demais. Assim, ao cidadão
é permitido tudo que não é proibido, ou ainda,
tudo que não ocasionar
prejuízo ao direito alheio, sob pena de
ser chamado a repor o prejuízo causado na esfera
civil ou arcar com as sanções decorrentes da norma proibitiva que foi
descomprida.
Constantemente,
as entidades da sociedade civil que atuam na defesa
jurídica dos discriminados, são interrogadas sobre
a veracidade do problema racial no Brasil, e,
conseqüentemente, sobre a relevância do trabalho
desenvolvido. São questionamentos que trazem as
próprias respostas: “ No Brasil não tem racismo,
isso só existe lá fora, nos Estados Unidos e na
África”;
“Aqui as pessoas chamam os outros de macaca
ou asfalto brincando”; “Essas
pessoas que falam de racismo é que são
racistas, recalcadas”; “Não sou discriminada porque
conheço o meu lugar”. Temos constatado que os
argumentos acima citados surgem de todos os estratos
sociais.
Por
que a prática da discriminação no Brasil foi naturalizada? É
possível mudarmos esse quadro? Temos força para impedir que
a própria legislação caia na ineficácia, reforçando a
cultura da impunidade? É exatamente nesse ponto que afirmamos que
o problema da prática da discriminação e do preconceito devem
ser tratados pela sociedade e o Estado como uma questão de
Direitos Humanos. O conjunto da sociedade brasileira,
principalmente o poder judiciário, precisa se posicionar de forma
nítida contra a prática da discriminação racial demonstrando
um compromisso com a garantia dos direitos constitucionais e reconhecendo
a condição de humano e cidadão deste povo que tanto
contribuiu com o país. Temos diversos diplomas legais
que protegem o cidadão contra qualquer forma de discriminação,
mas não temos o sentimento de valor (protegido) de justiça.
Na prática, é como se o problema da discriminação e do
preconceito não se constituíssem um problema para o direito e para justiça, nem para a
sociedade, nem para o poder judiciário.
Anthony W. Marx , em seu trabalho comparativo entre as relações raciais
no Brasil, na África do Sul e nos Estados Unidos,
sustenta que a ausência de exclusão formal em
nosso país, restringiu a possibilidade de desenvolvimento
de uma solidariedade baseada na identidade racial.
Assim, o mito da democracia racial teria sufocado
uma reação com base na identidade racial. Conseqüentemente,
as mobilizações contra as desigualdades e ausência
de oportunidades.
Por sua vez, o apartheid,
na África do Sul, e Jim Crow, nos Estados Unidos,
teriam incentivado o desenvolvimento da contramobilização
por parte dos negros.
Concordamos,
em parte, com Anthony W. Marx, embora a identidade africana
tenha sido inoperante, no sentido de constituir-se em
elemento de internalização para produção de uma solidariedade,
ao menos, na maioria da população. Essa mesma identidade racial
constituiu-se um elemento de resistência na área
religiosa e produziu uma matriz cultural extensamente incorporada
à cultura nacional.
Se
por um lado a ausência de racismo legal impediu
o desenvolvimento de uma solidariedade com base
na identidade, por outro lado no Brasil, os Afro-brasileiros
não contaram com a existência de espaço público
capaz de garantir a legitimidade de um debate
sobre igualdade de tratamento. Os chamados princípios
do Estado Moderno. O espaço público que por natureza
trata‑se de uma dimensão da sociedade onde
se prioriza os princípios basilares do Estado
Moderno, ou seja, a busca do bem comum e o tratamento
igualitário dos cidadãos em oposição aos interesses
privados e particulares, a rigor, no Brasil, é
frágil e instável. Com efeito, não favoreceu o
desenvolvimento de uma cultura de respeito e garantias
ao exercício de direitos.
O
Sujeito da Discriminação
Na
maioria dos casos suscitados à esfera judicial os acusados que
respondem pelas práticas discriminatórias de cunho racial
defendem-se afirmando que possuem amigos negros ou que também
descendem de negro, na tentativa de demonstrarem que suas práticas
não possuem intenção discriminatória ou preconceituosa;
outros afirmam que as expressões pejorativas utilizadas são
recorrentes nas práticas cotidianas como atos de brincadeiras.
Aqui nos deparamos com a idéia de que somente as práticas
discriminatórias manifestadas pelo chamado “ódio” racial
seriam capazes de produzir uma espécie de dano racial. Este
pensamento opera com a premissa de que a sociedade brasileira é
miscigenada e as relações raciais são harmônicas. Assim as práticas
discriminatórias seriam menos perniciosas.
Acreditamos
que a respeito deste pensamento bastante solidificado em nossa
sociedade devemos refletir a seguinte questão: Se não há ódio
racial no Brasil, a partir de qual motivação o racista
brasileiro discrimina um indivíduo negro. Poderemos chegar à
conclusão de que para discriminar não seja necessário o ódio
racial. Se observamos a prática da discriminação racial no país
verificaremos que o racista no Brasil opera com a idéia de que os
indivíduos negros devem ser rejeitados tanto no plano material
como no plano imaginário. Os indivíduos negros são encarados
como incompatíveis com alguns lugares e funções tais como:
secretárias, atendentes de shopping centers, garçons em
restaurantes ditos nobres, cargos de chefia etc.. Há em nossa
sociedade uma construção mental negativa e racista a respeito
dos negros que está viva e se manifesta nas práticas discriminatórias.
Ora, qual a diferença para o indivíduo que foi discriminado se o
ato teve como fundo o ódio racial ou a rejeição racial? O
sujeito discriminado suportará os mesmos ônus em qualquer forma
de discriminação concretizada. Serão sempre humanidade negada,
oportunidades perdidas, direitos lesados etc...
A
discriminação e preconceito são práticas que exigem
do praticante uma conduta a priori que se consubstancia
em uma identificação negativa da vítima, tais
como (negro incapaz, mulher incompetente, sujeito
gordo, sujeito feio), para que posteriormente
perpetue‑se o tratamento diferenciado em
face da vítima. No momento da exteriorização
da discriminação o agressor conhece quem está
sendo atingido pelo seu ato e tem o exato conhecimento
dos parâmetros utilizados para fazer a identificação
negativa de sua vítima.
O
sistema que permite a comparação é
binário e exclui a vítima
do merecimento de uma postura igualitária por parte do
agressor. É o negro x branco, mulher x homem, judeu x
não-judeu. Em se tratando de discriminação e preconceito
racial, os parâmetros utilizados para a justificativa da exclusão
na forma de tratamento são informados por pensamentos baseados na
idéia de superioridade racial, bastante presente na sociedade.
O
sujeito da discriminação e do preconceito não
é qualquer sujeito, e sim
aquele cuja identidade não se coaduna com
uma determinada identidade idealizada e tida como
superiora. O sujeito da discriminação e do preconceito
racial de cor, no Brasil, é o negro, que na definição
do Antropólogo Jacques D’ask pode ser “qualquer
pessoa de
origem ou ascendência africana, suscetível de
ser discriminada por não corresponder, parcial
ou totalmente, aos padrões estéticos ocidentais
e cuja projeção de uma imagem inferior ou depreciada
representa a negação do reconhecimento igualitário,
fonte de uma exclusão e de uma opressão fundamentadas
na dupla negação dos valores da identidade grupal
e das heranças cultural e histórica”.
No
Brasil, a identidade racial é elemento que interfere em
um maior ou menor reconhecimento
dos direitos à cidadania. Isso significa que temos um recorte de
cunho racial, historicamente construído, que opera na sociedade
fazendo a seleção dos indivíduos conforme sua identidade étnica
para fins do reconhecimento ao direito de exercício da cidadania
e ao tratamento igualitário. Possuir características ocidentais
confere maior proximidade a cidadania.
Da
Prática da Discriminação e do Preconceito como Crime
A
conduta que contrariar a norma, incidindo no tipo
penal definido em lei, será denomina como ato
antijurídico, ou seja, um comportamento contrário
ao que prescreve o Direito. Deve o infrator responder
pela responsabilidade penal, se a conduta praticada
estiver expressamente proibida em dispositivo
penal como um delito ou um crime. Citemos como
exemplo, o fato de um pessoa que dispara uma arma
de fogo contra
alguém, vindo este a falecer. Na esfera
penal o infrator estará sujeito a um processo
criminal porque sua conduta incidiu no tipo penal
(matar alguém), contrariando a norma que estabelecia
como dever legal “não matar”. Será julgado pelo
fato imputado, definido como crime no Art. 121
do Código Penal, sujeito às penas cominadas, se
for condenado, de reclusão de seis a vinte anos.
Para
o direito penal brasileiro, a prática da discriminação e do
preconceito por raça, etnia, cor, religião ou procedência
nacional consiste em um delito previsto na lei 7.716/89, alterada
pela lei 9.459/97. As referidas legislações foram promulgadas em
consonância com o Art. 5º, inciso XLI, que estabeleceu, em foro
Constitucional, a prática do racismo como crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão.
A
lei 9.459, de 13.05.1997, corrigiu a Lei
7.716, de 15.01.1989, modificando os arts.
1º e 20º, e revogando o art. 1º da Lei 8.081 e
a Lei 8.882, de 03.06.1994. Além de punir, com
penas de até cinco anos de reclusão, e multas,
os crimes resultantes de discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional,
introduziu no Art.140 do Código Penal o parágrafo
terceiro, tipificando a injúria com utilização
de elementos relacionados a raça, cor, etnia,
religião ou origem, com penas de reclusão de um
a três anos, mais multas.
a)
Condutas definidas como crime de prática de discriminação e
preconceito de raça, cor, etnia, ou procedência nacional.
Lei
nº 7.716, de 05 de Janeiro de 1989, alterada pela Lei 9. 459, de
Maio de 1997.
Art.
1º
Serão
punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação
e de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional. Acrescentado pela Lei 9.459, de 13 de maio de 1997.
Comentários:
O Artigo primeiro estabelece que as condutas abaixo
descritas são consideradas crimes de discriminação
ou de preconceito. Portanto estão proibidas sob
pena do infrator estar sujeito a um processo criminal
que será movido pelo Ministério Público. O bem
jurídico protegido pela lei é o direito ao tratamento
igualitário. Neste sentido a lei reforça o dispositivo
do Art. 5º ''caput'' e regulamenta o inciso XLII.
Art.
2º (vetado)
Art.
3º
Impedir
ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer
cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das
concessionárias de serviços públicos.
Pena:
reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Comentários:
Impedir é criar obstáculo, proibir, obstruir, estorvar, embaraçar,
de qualquer maneira, o acesso de alguém, que esteja habilitado, a
qualquer cargo, nas entidades descritas. Obstar é opor-se, causar
embaraço. Ambos os verbos são sinônimos. O dispositivo visa
proteger o tratamento igualitário entre os postulantes
devidamente capacitados a cargos no serviço público.
Art.
4º
Negar
ou obstar emprego em empresa privada.
Pena:
reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Comentários:
Basta a negativa ou impedimento para que se materialize o crime. São
figuras semelhantes (esta e a hipótese infra) tratadas de forma
diversa. O dispositivo visa proteger o tratamento igualitário ao
acesso a vagas de trabalho oferecidas pelas empresa da iniciativa
privada.
Art.
5º
Recusar
ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a
servir, atender ou receber cliente ou comprador:
Pena:
reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Comentários:
Permitir o ingresso mas não o atender, servir,
ou receber, calcado em preconceito ou discriminação,
também caracteriza o crime. Cometerá o crime o
preposto, o dono ou o empregado do estabelecimento.
O dispositivo visa
proteger o tratamento igualitário nos estabelecimentos
comerciais.
Art.
6º
Recusar,
negar, ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento
de ensino público de qualquer grau.
Pena:
reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.
Comentários:
Recusar e negar têm o mesmo sentido: opor-se, rejeitar. É
bastante a recusa de inscrever ou impedir o ingresso de aluno em
estabelecimento de ensino, não importa se público ou privado,
nem o grau em questão. O dispositivo visa proteger o tratamento
igualitário no acesso aos estabelecimentos de ensino.
Parágrafo
Único - Se o crime for praticado contra menor de 18 (dezoito)
anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).
Art.
7º
Impedir
o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão,
estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.
Pena:
reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.
Comentários:
Hotel, estalagem, pensão ou qualquer estabelecimento similar:
quando impedido o acesso ou negada a hospedagem. Não importa onde
estejam localizados esses estabelecimentos. O simples obstáculo
ou a
oposição à hospedagem é indicativo do crime. Permitir
o ingresso mas recusar hospedagem configurará o crime,
porque de nada adiantará o ingresso nesses locais se houver
recusa em hospedar a pessoa. O dispositivo visa proteger o
tratamento igualitário no acesso aos serviços acima mencionados.
Art.
8º
Impedir
o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias,
ou locais semelhantes, abertos ao público.
Pena:
reclusão de 1 (um)
a 3 (três) anos.
Art.
9º
Impedir
o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos,
casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público:
Pena:
reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Comentários:
vide anterior
Art.
10º
Impedir
o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros,
bares, termas ou casas de massagem ou estabelecimentos com as
mesmas finalidades:
Pena:
reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
vide anterior
Art.
11º
Impedir
o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou
residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:
Pena:
reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Comentários:
Consuma-se o crime ao se impedir qualquer pessoa de ter acesso a
esses locais, determinando-lhe uma entrada específica e
causando-lhe constrangimento e vergonha. O dispositivo visa
proteger o tratamento igualitário no acesso às entradas sociais
em edifícios públicos e privados.
Art.
12º
Impedir
o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios,
barcos, ônibus, trens, metrô, ou qualquer outro meio de
transporte concedido:
Pena:
reclusão de 1(um) a 3 (três) anos.
Comentários:
Incide também o tipo penal em restrições ao acesso ou uso de
helicóptero, táxi aéreo, charrete, táxi, motocicleta-táxi.
O dispositivo visa proteger o tratamento igualitário no acesso
aos meios de transportes.
Art.
13º
Impedir
ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças
Armadas:
Pena:
reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Comentários:
As forças Armadas constituem-se
da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
As polícias militares e os corpos de bombeiros,
como forças auxiliares e reserva do Exército,
não escapam a essa norma, assim como, também é
crime obstar ou impedir o acesso ao serviço dessas
coorporações. O dispositivo visa proteger o tratamento
igualitário dos postulantes, devidamente capacitados,
no acesso ao serviço das Forças Armadas.
Art.
14º
Impedir
ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência
familiar ou social:
Pena:
reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Comentários:
Meio é o recurso empregado para atingir um objetivo. Forma é a
maneira, o jeito, o modo. O dispositivo visa proteger o convívio
familiar e social e a liberdade para contrair núpcias entre os
indivíduos.
Art.
15º (vetado)
Art.
16º
Constitui
efeito da condenação a perda do cargo ou função
pública, para servidor público, e a suspensão
do funcionamento do estabelecimento particular
por prazo não superior 3 (três) meses.
Art.
17º (vetado)
Art.
18º
Os
efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei não são automáticos,
devendo ser motivadamente declarados na sentença.
Art.
19º (vetado)
Art.
20
Praticar,
induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional. Acrescentado pela
Lei 9.459, de 13 de maio de 1997.
Pena:
reclusão de um a três anos e multa
Comentários:
Praticar o crime é realizá-lo com esforço próprio.
O próprio agente o comete. Induzir é persuadir,
aconselhar, argumentar. Pressupõe a iniciativa
à prática, que pode ocorrer por qualquer meio.
Incitar é instigar, provocar a prática do crime,
por qualquer meio ou de qualquer forma, sem necessidade
de que isso aconteça
através de meios de comunicação social
ou publicação. O dispositivo penal visa proteger
o tratamento igualitário que todos os cidadãos
possuem como direito subjetivo independente de
raça, cor, etnia ou procedência nacional.
§
1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos,
emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a
cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
Pena:
reclusão de dois a cinco anos e multa.
§
2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por
intermédio dos meios de comunicação ou publicação de qualquer
natureza.
Pena:
reclusão de dois a cinco anos e multa.
§
3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar que
seja ouvido o Ministério Público, ou que, a pedido deste, ainda
antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I
- o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares
do material respectivo;
II
- a cassação das respectivas transmissões radiofônicas ou
televisivas.
§
4º Na hipótese do § 2º, constitui
efeito de condenação, após o trânsito em julgado da
decisão, a destruição do material apreendido.
b)
conduta definida como crime contra honra utilizando-se de
elementos referentes à raça, cor, acrescentado pela Lei
9.459, de 13 de maio de 1997.
Código
Penal
Art.
140
Injuriar
alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro:
Pena:
detenção, de 1 (um) a 6(seis) meses, ou multa.
§
3º Se a injúria consiste da utilização de elementos
relacionados à raça, cor, etnia, religião ou origem:
Pena:
reclusão,
de 1( um )a 3 ( três) anos e multa.
Comentário:
De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de
"negro", "preto", "pretão",
"negão", "turco", "africano",
"judeu", "baiano", "japa", etc.
desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada
com a cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima
de 1 (um) ano de reclusão, além de multa.
Da
Prática da Discriminação e do preconceito com Ato Ilícito
Na
esfera civil, a responsabilidade se define pelo dever de reparar
os interesses privados, não importando tenha o ato praticado
infringido disposição penal. A responsabilidade civil, de forma
simples, pode ser definida como sendo a obrigação de reparar o
dano causado a outrem. O dever de reparação tem fundamento na
culpa ou no risco decorrente do ato ilícito do agente. O
fundamento está na razão da obrigação de recompor o patrimônio
diminuído com a lesão ao direito subjetivo.
O
réu pode ser civilmente obrigado à indenização do dano, e o
fator gerador do prejuízo poderá não ser considerado uma
conduta definida como crime. Isso quer dizer que pode um réu ser
absolvido no juízo criminal, pela prática de um fato
inicialmente considerado delituoso, e ser obrigado a indenizar à
vítima, ao seu representante legal ou aos seus herdeiros, ou,
ainda, reparar o dano provocado, perante o juízo cível.
Vejamos
algumas hipóteses em que em caso de absolvição
a vítima ainda poderá ingressar com Ação Cível
de indenização:
I
‑ Absolvição criminal pela ausência de prova sobre a
existência do fato. Dá‑se quando não é reconhecida
categoricamente a inexistência do fato material, nem que o fato
existiu, por força da dubitoriedade da prova, dando ensejo à
aplicação do princípio “in dubio pro reu”. Na área cível
poderá ser provada a existência do fato, pois, para tanto não
haverá impedimento ao exercício da ação de reparação do dano
originário da conduta do agente.
II
‑ Absolvição criminal por não constituir o fato infração
penal. Trata‑se de caso atípico narrado na denúncia. Uma
vez absolvido o réu poderá ingressar com ação cível e
demostrar que ainda que não tenha sido um ilícito penal, pode
constituir ilícito civil.
III
‑Absolvição criminal por não existir prova de ter o réu
concorrido para a prática da infração penal. Se nos autos do
processo não tiver prova suficiente da participação do acusado
na prática criminosa, o mesmo poderá ser absolvido. No entanto,
se o ofendido obtiver prova poderá ingressar com a ação cível.
IV
‑ Absolvição criminal por não existir prova
suficiente para condenação. Ocorre quando nos
autos do processo não tenha prova suficiente para
convencer o julgador da veracidade do conjunto
dos elementos para comprovação de um crime. Contudo,
nada obstará o direito do exercício da ação de
reparação.
O
ato ilícito pode ser entendido como todo ato que venha a produzir
lesão a um bem jurídico. Logo, o ato ilícito pressupõe uma lesão
de direitos personalíssimos
ou reais, ou a violação de preceitos legais de interesses
privados. A ação ou a omissão envolvendo infração de um dever
legal, contratual ou social, pode constituir ato ilícito.
Dano
quer dizer, de forma genérica, ofensa, mal. Na esfera jurídica a
concepção é mais ampla, pois corresponde ao prejuízo originário
de ato de terceiro que cause diminuição no patrimônio
juridicamente tutelado. O sentido normal de dano está sempre
ligado à idéia de prejuízo ou perda, caracterizando a diminuição
do patrimônio atingido. O dano pode ser considerado como:
a)
Patrimonial, quando ocorre prejuízo ao patrimônio. Corresponde
ao dano material, porque refere-se à perda ou ao prejuízo
praticado diretamente a um bem patrimonial diminuindo o valor,
anulando ou não a utilidade dele.
b)
Moral, quando são alcançados os bens de
ordem moral, tais como: direito à honra, à família,
à liberdade, ao trabalho. Existem duas modalidades
de danos morais a saber: o dano moral com reflexo
violador que cause perdas
no patrimônio material e o dano moral que
cause lesões ao patrimônio ideal, em contraposição
ao patrimônio material, compreendendo tudo aquilo
que não seja suscetível de valor econômico: a
dor moral, a ofensa à dignidade, etc... Na prática,
torna-se difícil estabelecer a quantia em dinheiro
que corresponda à extensão do dano moral experimentado
pela vítima. Recomenda-se que o valor a ser estabelecido
leve em consideração a extensão do dano moral
experimentado pela vítima. Neste sentido, temos
entendido que o dano causado por discriminação
e preconceito, com base na raça, cor ou etnia
extrapolam a competência dos juizados Especiais
Cíveis que fixam em 40 salários mínimos o valor
da ação a ser apreciada.
a)
fundamento legal para reparação de danos morais e materiais
Código
Civil
Art.
159
Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência,
violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a
reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da
responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts.
1.518 a 1.532 e 1537 a 1553.
Comentários:
A prática da discriminação constitui-se, em matéria civil, um
ato ilícito praticado em desacordo com a ordem jurídica,
violando direito subjetivo individual. Causa dano à vítima
criando o dever de repará-lo. No momento em que se verifica a
ocorrência dos fatos discriminatórios surge o direito da vítima
propor uma ação de ressarcimento dos danos que podem ser
patrimoniais ou morais. Teremos a hipótese de danos morais, em
strict senso, danos morais com reflexo patrimonial e danos
patrimoniais.
Considerações
finais
Neste
momento especial da história da sociedade brasileira
em que o Estado reúne esforços para desenvolver
uma prática conseqüente de direitos humanos nos
órgãos estatais, acreditamos que a sociedade civil
precisa o mais urgente possível tomar para si
esta bandeira de proteção dos direitos humanos
para que possamos aprofundar ainda mais nosso
gozo e fruição de nossas liberdades e direitos
sem quaisquer obstáculos. Assim, estaremos realizando
a cada dia o ideal da democracia e o direito que
temos de ser o mais humano possível com todas
as nossas diferenças e peculiaridades, enriquecendo
ainda mais a história do nosso Brasil.
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O
AUTOR Sérgio da Silva Martins é bacharel em Direito e Mestre
em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC/RJ. Coordena
o Programa Combate ao Racismo do CEAP ‑ Centro de Articulação
de Populações
Marginalizadas e
leciona na Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro.
Iniciou sua luta pelos direitos humanos nas Comunidades Eclesiais
de Base,
na cidade de Duque de Caxias. Seu conhecimento sobre o direito
sempre esteve
a serviço das lutas dos setores desfavorecidos: atuou em
movimento de favelados
na defesa de desabrigados por enchentes, na defesa de ocupações,
em sindicatos
Acredita no Direito como instrumento de mudança social e tem
dedicado sua sua
experiência neste caminho.
"Meu aprendizado sobre cidadania e respeito ao outro não se
deu no banco
de uma escola, ou na Universidade. Aprendi essas lições ao lado
de companheiros
que dedicam suas vidas à construção de uma sociedade mais justa
e fraterna".
Direito
e Legislação Anti‑Racista é uma publicação do Centro de
Articulação de Populações Marginalizadas ‑ CEAP
Rua
da Lapa, 200 ‑ gr.809 ‑ Centro Rj ‑ CEP:
20021‑180 ‑ tels: (021)
509‑67711509‑4413fax: (021) 509‑2700 e‑mail:
ceap@ax.apc.org ‑ home Page: www.alternex.com.br\~ceap
Coordenação
Geral: Éle Semog
Rio
de janeiro, 1999.
A
série Cadernos CEAP, parte integrante do projeto Guia de Direitos
do Brasileiro Afro‑Descendente, reflete a preocupação do
CEAP ‑ Centro de Articulação de Populações
Marginalizadas com o processo deformação de consciência crítica
para o exercício da plena cidadania. Esse princípio
institucional, que traduz uma das estratégias de intervenção da
organização no contexto do racismo praticado no Brasil, vem
possibilitando novas posturas sobre a questão e ampliando as
alternativas para o avanço de propostas efetivas de combate às
diversas formas de preconceito e de discriminação.
O
maior desafio que o CEAP tem encontrado ao longo desses 10 anos de
existência da instituição é de sensibilizar homens e mulheres,
negros e brancos, bem como as crianças e os adolescentes, para a
gravidade e os prejuízos que o racismo causa à nação
brasileira.
Para
vencer esse desafio temos contado com parcerias importantes, sensíveis
a essa luta, nos três níveis de governo, na sociedade civil
organizada e na solidariedade internacional, pois há um
convencimento, ainda que não explícito e não generalizado de
que o melhor caminho para a democracia é o respeito pelas diferenças
e pelas singularidades humanas.
A pesquisa Lei, justiça
e Cidadania, realizada em conjunto pelo CPDOC/FGV e do ISER
procurou investigar como são percebidos, exercidos e
garantidos os direitos entre população maior de 16 anos da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Alguns dados obtidos
levam à conclusão de que a população percebe que a Justiça
confere tratamento desigual entre pobres e ricos e negros e
brancos. Cerca de 93,8% e 66,2% dos entrevistados acreditam
que os pobres e os negros, respectivamente, são tratados com
maior rigor ao praticarem um crime. Cf. em Comunicações do
ISER: Lei & Liberdade, 1997.
Pesquisa
sobre discriminação racial em Nova Iguaçu
e Volta Redonda ‑ IBASE/Comissão de
Religiosos(as) Seminaristas e Agentes da Pastoral
Negros do Rio de janeiro, 1987, dados publicados
em Negros no Brasil: Dados da Realidade ‑
co‑edição COM Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e Vozes.
Direito Subjetivo é entendido como o poder de ação,
assente no direito objetivo, e destinado à satisfação de
certo interesse. A norma jurídica de conduta
caracteriza‑se por sua bilateralidade,
dirigindo‑se a duas partes e atribuindo a uma delas a
faculdade de exigir da outra determinado comportamento.
Forma‑se, desse modo, um vínculo, uma relação jurídica
que estabelece um elo entre dois componentes: de um lado, o
direito subjetivo, a possibilidade de exigir; de outro, o
dever jurídico, a obrigação de cumprir. Quando a
exigibilidade de uma conduta se verifica em favor do
particular em face do Estado, diz‑se existir um direito
subjetivo público.
Atenção:
todos os direitos desta edição estão reservados para CEAP -
Centro de articulação de populações marginalizadas. A utilização
parcial ou total desta obra sem prévia autorização implica em
pena, na lei brasileira dos direitos autorais.
PNUD
- Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Ministério da Justiça
Secretaria Nacional de Direitos Humanos Projeto Cidadania e
Direitos Humanos