|   Caderno 
                        ‘Segurança Alimentar’  
                          Renato 
                        S. Maluf (CPDA/UFRRJ, Brasil)   Francisco 
                        Menezes (IBASE, Brasil)   Com 
                        a colaboração de Susana Bleil Marques (Partes 1 1. 
                        Um conceito em disputa e construção   
                         O termo 
                        "Segurança Alimentar" começou a ser utilizado 
                        após o fim da Primeira Guerra Mundial. Com a traumática 
                        experiência da guerra, vivenciada sobretudo na Europa, 
                        tornou-se claro que um país poderia dominar o outro controlando 
                        seu fornecimento de alimentos. A alimentação seria, assim, 
                        uma arma poderosa, principalmente se aplicada por uma 
                        potência em um país que não tivesse a capacidade de produzir 
                        por conta própria e suficientemente seus alimentos. Portanto, 
                        esta questão adquiria um significado de segurança nacional 
                        para cada país, apontando para a necessidade de formação 
                        de estoques "estratégicos" de alimentos e fortalecendo 
                        a idéia de que a soberania de um país dependia de sua 
                        capacidade de auto-suprimento de alimentos.  
                          O entendimento 
                        de que a questão alimentar está estritamente ligada à 
                        capacidade de produção manteve-se até a década de setenta. 
                        Na Ia. Conferência Mundial de Segurança Alimentar, promovida 
                        pela FAO, em 1974, em um momento em que os estoques mundiais 
                        de alimentos estavam bastante escassos, com quebras de 
                        safra em importantes países produtores, a idéia de que 
                        a Segurança Alimentar estava quase que exclusivamente 
                        ligada à e produção agrícola era dominante. Isto veio, 
                        inclusive, a fortalecer o argumento da indústria química 
                        na defesa da Revolução Verde. Procurava-se convencer a 
                        todos, de que o flagelo da fome e da desnutrição no mundo 
                        desapareceria com o aumento significativo da produção 
                        agrícola, o que estaria assegurado com o emprego maciço 
                        de insumos químicos (fertilizantes e agrotóxicos). A produção 
                        mundial, ainda na década de setenta, se recuperou -embora 
                        não da mesma forma como prometia a Revolução Verde- e 
                        nem por isto desapareceram os males da desnutrição e da 
                        fome, que continuaram atingindo tão gravemente parcela 
                        importante da população mundial.  
                          É 
                        neste contexto que começa a se perceber que, mais do que 
                        a oferta, a capacidade de acesso aos alimentos por parte 
                        dos povos em todo o planeta mostra-se como a questão crucial 
                        para a Segurança Alimentar. Claro está que fatores ligados 
                        à capacidade de produção também podem ser causadores de 
                        agudas crises de insegurança alimentar, como as situações 
                        de guerra e conseqüente desestruturação da capacidade 
                        de produção, como tem ocorrido em diversos países da África. 
                        Ou a situação de bloqueio econômico, sofrida geralmente 
                        por países que se recusam a se submeter às políticas das 
                        grandes potências econômicas e militares. Ou em situações 
                        de catástrofes naturais, em que a agricultura e a distribuição 
                        de alimentos nos países atingidos é, parcial ou totalmente, 
                        destruída.    A 
                        FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura 
                        e a Alimentação) estima que, presentemente, um total  
                        de 800 milhões de pessoas passa fome, continuamente, 
                        em todo o mundo. A maior parte dessas pessoas está localizada 
                        nas partes mais pobres do planeta, em especial na África, 
                        alguns países da Ásia e da América Latina. Mas deve também 
                        ser registrado o crescimento de bolsões de miséria e fome, 
                        mesmo em países desenvolvidos. Embora a fome e da desnutrição, 
                        sejam as manifestações mais cruéis da situação de insegurança 
                        alimentar, e a incapacidade de acesso aos alimentos a 
                        sua principal causa, outros aspectos devem também ser 
                        considerados, de maneira que se identifiquem as condições 
                        necessárias para que prevaleçam melhores condições alimentares, 
                        seja nos planos locais e nacionais ou no plano global. 
                            Um 
                        primeiro ponto diz respeito à qualidade dos alimentos 
                        e sua sanidade. Ou seja, todos devem ter acesso a alimentos 
                        de boa qualidade nutricional e que sejam isentos de componentes 
                        químicos que possam prejudicar a saúde humana. Estes dois 
                        elementos são da maior importância em um contexto atual 
                        que favorece o desbalanceamento nutricional das dietas 
                        alimentares, bem como o envenenamento dos alimentos, em 
                        nome de uma maior produtividade agrícola ou com a utilização 
                        de tecnologias cujos efeitos sobre a saúde humana permanecem 
                        desconhecidos.     Outro 
                        ponto refere-se ao respeito aos hábitos e à cultura alimentar. 
                        Exige-se aqui que se considere a dimensão do patrimônio 
                        cultural que está intrínseco nas preferências alimentares 
                        das comunidades locais e nas suas práticas de preparo 
                        e consumo. Pretende-se compreender e defender esta herança, 
                        que é passada de pais para filhos e que possui uma lógica 
                        associada às condições ambientais e sociais daquela comunidade, 
                        bem como de sua própria história. Não se quer dizer com 
                        isto que todos os hábitos alimentares são sempre saudáveis. 
                        É preciso haver um aprimoramento desses hábitos, quando 
                        necessário, mas sempre atento às características específicas 
                        desses grupos sociais.    Um 
                        terceiro ponto está na sustentabilidade do sistema alimentar. 
                        A segurança alimentar depende não apenas da existência 
                        de um sistema que garanta, presentemente, a produção, 
                        distribuição e consumo de alimentos em quantidade e qualidade 
                        adequadas, mas que também não venha a comprometer a mesma 
                        capacidade futura de produção, distribuição e consumo. 
                        Cresce a importância dessa condição frente aos atritos 
                        produzidos por modelos alimentares  
                        atuais, que colocam em risco a segurança alimentar 
                        no futuro.     Dentro 
                        da ótica aqui definida, pode-se afirmar que a segurança 
                        alimentar está regida por determinados princípios. O primeiro 
                        deles é que a segurança alimentar e a segurança nutricional 
                        são como “duas faces da mesma moeda”, não podendo se garantir 
                        uma delas sem que a outra também esteja garantida. O segundo 
                        princípio está no fato de que somente será assegurada 
                        a segurança alimentar e nutricional através de uma participação 
                        conjunta de governo e sociedade, sem que com isto se diluam 
                        os papéis específicos que cabe a cada parte. Por fim, 
                        é preciso que se considere o direito humano à alimentação 
                        como primordial, que antecede a qualquer outra situação, 
                        de natureza política ou econômica, pois é parte componente 
                        do direito à própria vida.     A 
                        questão alimentar mexe com interesses diversos e até contrários, 
                        o que faz com que a definição do significado da segurança 
                        alimentar se transforme em um espaço de disputa.Além do mais, não é um conceito já estabelecido, mas em 
                        construção. Visto sob estes dois aspectos fica clara a 
                        importância da elaboração de uma argumentação sólida, 
                        fundamentada nos princípios já enunciados e que se faz 
                        a partir de um debate amplo e ao mesmo tempo consistente. Dentro 
                        dessa perspectiva propõe-se uma concepção que busca ser 
                        suficientemente abrangente para dar conta de todas as 
                        preocupações antes assinaladas e também intersetorial, 
                        ou seja, em que cada categoria trabalhada esteja em direta 
                        articulação com as demais, formando um conjunto que somente 
                        adquire seu sentido pleno, quando compreendido de uma 
                        forma integrada.    Segurança Alimentar e Nutricional é a garantia do direito de todos ao 
                        acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente 
                        e de modo permanente, com base em práticas alimentares 
                        saudáveis e respeitando as características culturais de 
                        cada povo, manifestadas no ato de se alimentar. Esta condição 
                        não pode comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, 
                        nem sequer o sistema alimentar futuro, devendo se realizar 
                        em bases sustentáveis. É responsabilidade dos estados 
                        nacionais assegurarem este direito e devem fazê-lo em 
                        obrigatória articulação com a sociedade civil, dentro 
                        das formas possíveis para exercê-lo. 
                          2. 
                        Segurança alimentar como direito à alimentação  
                          A 
                        premissa de considerar o direito à alimentação como primordial 
                        requer, desde logo, sua incorporação ao debate hoje travado 
                        em torno dos direitos econômicos, sociais e culturais, 
                        mas e também promover através de iniciativas que exijam 
                        dos estados nacionais e dos organismos multilaterais a 
                        observância desses direitos.  
                          O 
                        direito à alimentação e à proteção contra a fome é há 
                        muito tempo reconhecido em acordos internacionais (multilaterais 
                        e regionais). O artigo 25 da Declaração Universal dos 
                        Direitos Humanos das Nações Unidas estabelece claramente 
                        a segurança alimentar entre os direitos humanos fundamentais. 
                        Contudo, ainda não se dispõe de mecanismos que o tornem 
                        efetivo.    Uma 
                        das propostas para a formalização do direito à alimentação 
                        é a de criar um código de conduta para reger o comportamento 
                        dos que estão implicados na realização do direito à alimentação, 
                        cujo conteúdo legal e os compromissos dos Estados constariam 
                        da convenção internacional relativa aos direitos econômicos, 
                        sociais e culturais. Na mesma direção vai a proposta de 
                        uma convenção global de segurança alimentar no âmbito 
                        das Nações Unidas que a coloque em alta prioridade nas 
                        leis internacionais e a faça respeitada por todos os organismos, 
                        particularmente a OMC, ao mesmo tempo apoiando os planos 
                        nacionais de segurança alimentar. Trata-se, contudo, de 
                        um processo longo e complexo de mobilização de energia 
                        política e de negociação  
                          3. 
                        Segurança Alimentar como eixo estratégico de desenvolvimento  
                          As 
                        estratégias de desenvolvimento centradas na segurança 
                        alimentar aqui sugeridas contribuem na implementação do 
                        direito à alimentação antes referido. A proposição de 
                        colocar a segurança alimentar como um eixo estratégico 
                        de desenvolvimento, pressupõe o reconhecimento de que 
                        há uma questão alimentar nos processos de desenvolvimento 
                        que se deve a três fatores. Primeiro, estar adequadamente 
                        alimentado constitui um direito humano básico enquanto 
                        condição vital da existência. Segundo, o conjunto de atividades 
                        ligadas à produção, distribuição e consumo de alimentos 
                        (o sistema alimentar) desempenha um papel central na configuração 
                        econômica, social e cultural dos países. Terceiro, as 
                        questões ligadas aos alimentos e à alimentação sempre 
                        foram fonte de preocupações e de mobilizações sociais, 
                        e objetos permanentes das políticas públicas.  
                          As 
                        estratégias econômicas e as políticas públicas derivadas 
                        desta concepção diferenciam-se bastante dos enfoques convencionais 
                        sobre a questão alimentar, ao sugerir uma perspectiva 
                        que ultrapassa os limites tanto dos enfoques setoriais 
                        (agrícolas ou nutricionais) como das ações simplesmente 
                        suplementares ou compensatórias. Ao conceito de segurança 
                        alimentar é atribuido um estatuto analogo ao conferido 
                        à eqüidade social e à sustentabilidade, todos eles colocados 
                        como objetivos nucleadores de politicas publicas.  
                          Habitualmente, 
                        a ênfase é posta na disponibilidade de renda como o determinante 
                        principal do acesso adequado aos alimentos e, conseqüentemente, 
                        da segurança alimentar; sendo a disponibilidade de renda 
                        uma expressão do grau de eqüidade social. A capacidade 
                        de adquirir alimentos, por sua vez, impactaria a produção 
                        e o consumo. Nestes termos, o equacionamento da insuficiência 
                        de renda (ou da pobreza) mediante, por exemplo, políticas 
                        de emprego e de salários permitiria o consumo dos alimentos 
                        e estimularia a produção destes bens.  
                          Este 
                        enfoque capta um lado do problema, sem dúvida essencial, 
                        mas não todo ele. Isto porque a questão alimentar mantém 
                        uma relação de mútua determinação com a eqüidade social, 
                        não sendo apenas uma resultante desta última. Assim, o 
                        tratamento dos vários aspectos envolvidos na questão alimentar 
                        também contribui para uma maior eqüidade social. A relação 
                        entre ambas é um reflexo e, ao mesmo tempo, contribui 
                        para a configuração do padrão de desenvolvimento sócio-econômico 
                        vigente numa sociedade. Assim, se o requisito de renda 
                        monetária e o enfrentamento da pobreza contribuem para 
                        a segurança alimentar, não é menos verdade que as formas 
                        sociais em que se organiza a produção dos alimentos e 
                        as condições em que se dá o acesso a estes bens são também 
                        determinantes da eqüidade social.  
                          Para 
                        alterar as referidas formas sociais e condições de acesso 
                        é preciso promover profunda reorientação nas estratégias 
                        de desenvolvimento em vigôr na maioria dos países do Terceiro 
                        Mundo, que estão em visível contradição com os objetivos 
                        da segurança alimentar e da eqüidade social. Mesmo naqueles 
                        países onde há crescimento econômico, este tende a ter 
                        um forte componente de exclusão social. Associar crescimento 
                        econômico com crescente eqüidade social talvez seja o 
                        principal desafio para a formulação de estratégias econômicas 
                        que tenham em conta razões de justiça social e de sustentabilidade 
                        ambiental.     Esta 
                        perspectiva tende a atribuir maior relevância aos mercados 
                        domésticos e à produção de bens de consumo generalizado, 
                        caso em que os alimentos e o sistema agroalimentar desempenhariam 
                        um papel central e o objetivo da segurança alimentar adquiriria 
                        seu significado pleno. O potencial para caminhar nesta 
                        direção é sem dúvida maior para os países onde a promoção 
                        de crescente eqüidade social e a conseqüente inclusão 
                        dos atuais excluídos resultariam, pela dimensão da sua 
                        população, num mercado interno com porte significativo. 
                            Uma 
                        importante conseqüência deste enfoque é que as políticas 
                        de segurança alimentar teriam como universo o conjunto 
                        da população, e não apenas os segmentos em situação de 
                        pobreza extrema, e como campo de intervenção os determinantes 
                        das condições de acesso (trabalho e renda) e de produção 
                        (estrutura produtiva, disponibilidade e preços) dos alimentos 
                        básicos.    4. 
                        Pobreza e segurança alimentar    A pobreza 
                        ocupa o lugar de determinante principal da insegurança 
                        alimentar, isto é, do não acesso regular a uma alimentação 
                        adequada, dando origem aos fenômenos da fome e da desnutrição. 
                        Assim, as políticas e programas de segurança alimentar 
                        têm que ser capazes de apoiar estratégias de desenvolvimento 
                        de médio e longo prazo na direção indicada anteriormente, 
                        ao mesmo tempo em que se implementam ações ou instrumentos 
                        de transferência de renda e de alimentos com natureza 
                        suplementar ou emergencial para fazer frente às carências 
                        imediatas geradas pela pobreza. Outras fontes de insegurança 
                        alimentar causadoras de situações emergenciais são a ocorrência 
                        de guerras e conflitos armados e os embargos impostos 
                        aos países, e também nestes casos os segmentos mais pobres 
                        são os mais fortemente afetados.   
                          A 
                        retomada das discussões sobre as desigualdades sociais 
                        favorece o enfrentamento da problemática alimentar sobretudo 
                        em relação às carências agudas. Porém, é preciso evitar 
                        que a questão alimentar fique inteiramente subordinada 
                        ao tema da pobreza e seu tratamento reduzido à disponibilidade 
                        de renda monetária. O objetivo de uma vida saudável sob 
                        modelos sociais equitativos e sustentáveis requer muito 
                        mais do que dispôr de renda para adquirir alimentos.  
                          Os países 
                        do Terceiro Mundo apresentam um quadro mais ou menos generalizado 
                        de i) concentração de renda, ii) níveis crescentes de 
                        pobreza urbana e iii) incidência decrescente da pobreza 
                        rural, ainda que o meio rural apresente os índices mais 
                        elevados. Estas tendências manifestaram-se num ritmo mais 
                        rápido na América Latina, em relação ao que se verifica 
                        na África e na Ásia. A referida redução no número absoluto 
                        de pobres rurais se dá em função principalmente da migração 
                        rural-urbana. A fome, consequência da pobreza, afeta, 
                        desde logo, a população rural onde se localizam cerca 
                        de 3/4 do total de subnutridos do mundo, porém, o fenômeno 
                        da urbanização estende-a às cidades.  
                          Os estilos 
                        de desenvolvimento que emergem pós-ajuste estrutural tendem 
                        a gerar mais desigualdades que os anteriores -ainda que 
                        se possa verificar alguma redução na pobreza relativa- 
                        e ampliam a importância das políticas sociais baseadas 
                        em redes de segurança social com cobertura universal. 
                        Mesmo nos países (como os da América Latina) que apresentaram 
                        uma gradual melhora em indicadores como os de mortalidade 
                        infantil e de desnutrição, a insegurança alimentar ainda 
                        afeta a maioria dos países e uma parcela significativa 
                        de suas populações.  
                          O 
                        consumo alimentar constitui-se num indicador fundamental 
                        para a caracterização da pobreza. Na maioria dos países, 
                        os gastos necessários para uma família adquirir o que 
                        se considera uma “cesta básica de alimentos” são a principal 
                        (em alguns lugares, a única) referência para determinar 
                        o valor do salário-mínimo e, quando existe, a linha oficial 
                        de pobreza e de indigência. A atualização da noção de 
                        “cesta basica” é uma necessidade colocada em muitos paises. 
                        Além do que, é indispensavel acrescentar à renda monetaria 
                        o acesso a bens e serviços não-monetarios (saneamento 
                        basico, alimentação escolar, etc.) que também determinam 
                        a condição alimentar e o bem-estar da população.  
                          No espaço 
                        urbano, além das iniciativas relativas às oportunidades 
                        de trabalho e à geração de renda, as políticas e programas 
                        de segurança alimentar envolvem um conjunto variado de 
                        ações tanto no sentido de enfrentar carências nutricionais 
                        como no de assegurar a qualidade dos alimentos e de tornar 
                        mais saudáveis os hábitos alimentares.    
                         A pobreza 
                        rural, a fome nos campos e o êxodo resultam, em grande 
                        medida, da falência da atividade produtiva rural de pequena 
                        e média dimensão, com detaque à produção agricola, ao 
                        que se somam outros fatores. As rendas não-agricolas rurais 
                        ou urbanas, que integram a reprodução das familias rurais, 
                        podem dar importante contribuição para os que dispõem 
                        de recursos para desenvolvê-las (turismo rural, artesanato, 
                        trabalho qualificado, etc.), porém, frequentemente, elas 
                        se constituem em fonte precaria de recursos alternativos 
                        (ocupações de baixa remuneração). Acrescente-se a questão 
                        das expectativas futuras dos jovens filhos dos agricultores, 
                        elemento chave para qualquer estratégia voltada às familias 
                        rurais. As transferências de renda pela extensão de direitos 
                        sociais ao campo (previdência rural) têm grande potencial 
                        de retirar da pobreza as famílias rurais afetadas pelo 
                        êxodo dos mais jovens.  
                          Por último, 
                        sugere-se adotar um enfoque espacial que valorize as dinâmicas 
                        dos territórios,  de modo a evidenciar a interação entre o urbano e o rural presente 
                        em muitos casos, e as redes sociais essencias à reprodução 
                        das familias neles localizadas.    
                         5. 
                        Produção de alimentos e eqüidade social  
                          A 
                        ênfase conferida às condições de acesso aos alimentos 
                        pelas famílias como condicionante para a segurança alimentar 
                        não significa dar como equacionada a questão da produção 
                        agroalimentar, principalmente quando se vai além da mera 
                        oferta ou disponibilidade de alimentos para considerar 
                        os aspectos sociais, econômicos, espaciais e ambientais 
                        da produção e do abastecimento alimentar. Além do que, 
                        ambos os aspectos -acesso e disponibilidade- estão presentes, 
                        conjuntamente, quando se trata da agricultura realizada 
                        em bases familiares (agricultores familiares ou como camponeses) 
                        ou comunitárias (indígenas e outras), e dos pequenos empreendimentos 
                        urbanos fornecedores de alimentos.    
                         A 
                        revisão das atuais estratégias de desenvolvimento na direção 
                        aqui sugerida resultaria no fortalecimento dos mercados 
                        domésticos e da produção de bens de consumo massivo, onde 
                        está incluído o sistema agroalimentar. Mais do que isto, 
                        os estimulos provenientes do mercado interno são em parte 
                        oriundos da própria capacidade de geração de emprego no 
                        conjunto das atividades de produção e distribuição dos 
                        alimentos. Nestes termos, o sistema agroalimentar pode 
                        se tornar econômica e estratégicamente importante e, portanto, 
                        uma prioridade das políticas públicas.    
                         O 
                        fato das atividades agroalimentares concentrarem parte 
                        significativa da atividade econômica e da população ativa 
                        na maioria dos paises quer dizer que também é grande a 
                        contribuição das referidas atividades às características 
                        perversas de suas sociedades. Como exemplo pode-se mencionar 
                        a concentração da propriedade da terra e a extensão da 
                        miséria rural, as precárias condições vigentes nos pequenos 
                        e médios emprendimentos comerciais e industriais urbanos, 
                        os salários médios relativamente mais baixos da indústria 
                        alimentar, e os impactos ambientais do padrão tecnológico 
                        predominante.     A 
                        superação de tais características e a busca de maior eficiência 
                        e qualidade sob padrões não socialmente excludentes tornam-se, 
                        então, elementos cruciais. Nesta direção atuariam os programas 
                        de reforma agrária e de fortalecimento da agricultura 
                        familiar e das comunidades indígenas, a regularização 
                        das relações de trabalho no campo e a previdência social 
                        rural, a revisão do pacote tecnológico, as alternativas 
                        de agroindustrialização de pequena e média escala, o aprimoramento 
                        do pequeno varejo, etc.    As 
                        condições em que se dá o acesso aos alimentos pela população 
                        é também determinada pelas formas sociais sob as quais 
                        os alimentos são produzidos e ofertados -tipo de exploração 
                        agrícola, grau de concentração econômica do processamento 
                        agroindustrial e da distribuição comercial, padrões de 
                        concorrência nos mercados de alimentos, etc. Três aspectos 
                        devem ser destacados a respeito. O primeiro refere-se 
                        ao crescente controle exercido pelas grandes corporações 
                        agroindustriais e comerciais nos mercados de matérias-primas 
                        e de produtos finais, e a articulação estreita entre as 
                        etapas produtivas, de distribuição e de consumo dos alimentos. 
                        Os padrões de consumo (em certa medida impostos) orientam 
                        cada vez mais a produção desses bens, inclusive na etapa 
                        agrícola. Estas características limitam, mas não impedem, 
                        a implementação de estratégias alternativas para assegurar 
                        a possibilidade de escolha pelos consumidores, e 
                        a reprodução em condições dignas de um amplo conjunto 
                        de pequenos e médios empreendimentos rurais e urbanos.  
                          Os 
                        processos de segmentação dos mercados de alimentos e de 
                        diferenciação de produtos criam novas possibilidades como 
                        por exemplo os produtos artesanais, os produtos orgânicos 
                        ou agro-ecológicos e os produtos com denominação de origem. 
                          
                          O 
                        segundo aspecto diz respeito à ao principal pressuposto 
                        da segurança alimentar, a saber, dispôr de poder de compra 
                        para adquirir alimentos em quantidade e qualidade adequadas, 
                        porém, de um modo que reduza o peso relativo dos gastos 
                        com alimentação na renda familiar. Este objetivo depende 
                        dos instrumentos que promovem a elevação da renda monetária 
                        e sua distribuição equânime (emprego-trabalho, salários 
                        e outras rendas do trabalho, e tributos). Contudo, ele 
                        depende também do custo relativo dos alimentos pois este 
                        último é um dos principais determinantes da renda real 
                        das famílias, principalmente, dos estratos de menor renda. 
                        Iniciativas para reduzir os custos da alimentação incluem 
                        o aumento da produtividade agrícola com base em técnicas 
                        social e ambientalmente adequadas, a redução do elevado 
                        nível de perdas, o enfrentamento de gargalos na infra-estrutura 
                        de transporte e armazenamento, e a aproximação de produtores 
                        e consumidores em mercados regionais.    
                         O 
                        terceiro aspecto refere-se à tensão, comumente encontrada 
                        entre os objetivos de assegurar uma renda mínima aos pequenos 
                        produtores rurais e o de preservar o poder de compra dos 
                        consumidores. Ela se manifesta de forma mais dramática 
                        nos pequenos países de baixa renda com mercado interno 
                        reduzido. A combinação de instrumentos 
                        de proteção da produção interna e de subvenção de preços 
                        e crédito, somados a acordos preferenciais que permitiam 
                        destinar parte da produção aos países industrializados, 
                        foi sendo gradativamente abandonada pelo custo fiscal 
                        do protecionismo, pela disponibilidade de alimentos importados 
                        baratos (via ajuda alimentar e liberalização comercial 
                        unilateral), e pela revisão dos acordos preferenciais.  
                          Nos 
                        países em que a população rural constitui a maior parcela 
                        da população, os instrumentos de proteção da produção 
                        agroalimentar local adquirem maior importância. Os recursos 
                        disponíveis podem dirigir-se tanto aos produtos essenciais 
                        de mercado interno como aos de exportação, segundo sejam 
                        as melhores possibilidades de geração de renda aos agricultores 
                        e o abastecimento do mercado interno. Em todos os casos, 
                        colocam-se como ferramentas essenciais o associativismo 
                        entre produtores e sua capacitação para agregar valor 
                        aos seus produtos, a redução da intermediação mercantil 
                        e o estabelecimento de bases mais equânimes de negociação 
                        entre ambos agentes; mas o enfrentamento do mercado pode, 
                        em alguns casos, colidir com a conservação de valores 
                        das sociedades rurais como ocorre na África.  
                          A 
                        ‘equação africana’ pós-independência (esforços em culturas 
                        rentáveis, população rural auto-suficiente, modernização 
                        da produção de víveres e alimentação das cidades a baixo 
                        custo via importação ou ajuda externa) viu-se comprometida 
                        a partir dos anos 70, gerando fome, migração e êxodo rural. 
                        A auto-suficiência foi, então, incorporada como objetivo 
                        perseguido oficialmente pelos Estados, mesmo que tenham 
                        recorrido amplamente à ajuda alimentar. Os investimentos 
                        naquela direção nem sempre foram bem sucedidos, como foi 
                        o caso dos projetos de arroz irrigado em alguns países 
                        cujo custo impediu-o de competir com o produto importado. 
                        A história posterior é comum às demais regiões do mundo, 
                        com a progressiva retração do Estado, a abertura comercial 
                        e os impactos do ajuste estrutural, ao que se acrescenta 
                        a situação atual de forte dependência de ajuda alimentar. 
                        As várias propostas atuais para este continente apontam 
                        para estratégias assentadas na proteção do mercado interno, 
                        na combinação da produção de víveres com culturas de exportação 
                        e na profissionalização dos agricultores.   
                         A 
                        referência ao continente africano facilita introduzir 
                        a questão de gênero presente na segurança alimentar, que 
                        se manifesta no papel central desempenhado pelas mulheres 
                        na obtenção, na preparação e na partição dos alimentos 
                        entre os membros da família. O papel das mulheres como 
                        produtoras é especialmente grande na África, pois chegam 
                        a produzir 50-60% dos alimentos em muitos países. Na condição 
                        de produtoras, às mulheres deve ser assegurado acesso 
                        igual aos recursos produtivos (terra, crédito, assistência 
                        técnica, etc.).  
                          As 
                        ações públicas de abastecimento podem contribuir de vários 
                        modos para promover a produção e a distribuição dos alimentos 
                        sob formas sociais mais equitativas. Ao apoiar pequenos 
                        e médios empreendimentos rurais e urbanos dedicados ao 
                        cultivo, transformação e comercialização de produtos agroalimentares 
                        amplia-se, ao mesmo tempo, a disponibilidade de alimentos 
                        de qualidade de um modo menos custoso, valorizando a diversidade 
                        nos hábitos de cultivo e de consumo. Uma segunda contribuição 
                        das ações de abastecimento relaciona-se com o acesso aos 
                        alimentos por todos os segmentos da população, em condições 
                        apropriadas em termos da quantidade, preço e qualidade 
                        dos alimentos, e da composição da cesta de consumo. Enquadram-se, 
                        aqui, as ações nas esferas da intermediação mercantil 
                        e do comércio de varejo, no consumo de alimentos preparados 
                        (refeições prontas e outras formas), na organização de 
                        compras comunitárias e na promoção de programas de distribuição 
                        de alimentos.    A 
                        conexão entre o abastecimento e a produção agroalimentar 
                        reflete também uma estratégia de “juntar as duas pontas”, 
                        quais sejam, os produtores agrícolas e os consumidores, 
                        porém, evitando-se o risco de que produtores agrícolas 
                        venham a se tornar comerciantes. Naturalmente coloca-se 
                        a questão de como a intermediação comercial, mesmo reduzida,  
                        desempenha o seu papel e quais instrumentos regulatórios 
                        devem estar disponíveis para permitem evitar que os interesses 
                        comerciais se sobreponham aos de produtores e consumidores. 
                        O funcionamento do mercado de produtos agroalimentares 
                        deve ser objeto de regulação pública, enquanto que o poder 
                        público deve investir no fortalecimento dos pequenos e 
                        médios empreendimentos com vistas a promover um modelo 
                        de desenvolvimento socialmente justo. Chama a atenção 
                        o papel dos serviços de abastecimento como geradores de 
                        ocupação a um número considerável de pessoas.  
                          Uma 
                        referência especial deve ser feita à proposta de estimular 
                        o desenvolvimento dos circuitos regionais de produção, 
                        distribuição e consumo de alimentos. Estes circuitos formam-se 
                        no âmbito das regiões no interior dos países ou no entorno 
                        dos núcleos urbanos de média dimensão, sendo constituídos 
                        da agricultura de base familiar, de pequenas empresas 
                        cooperativas ou privadas de beneficiamento e de processamento 
                        de matérias-primas agrícolas, e de empreendimentos urbanos 
                        industriais e comerciais também de pequeno porte ligados 
                        à transformação, distribuição e consumo de produtos alimentares. 
                        Os bens típicos dos circuitos regionais são expressões 
                        de diversidade pois são produtos tradicionais de uma região, 
                        refletem hábitos de consumo peculiares e guardam relação 
                        com uma dada base de recursos naturais.    
                         Criar 
                        condições favoráveis à consolidação de tais circuitos 
                        envolve, entre outras iniciativas, aquelas voltadas à 
                        melhorar a qualidade e à aumentar o valor agregado dos 
                        produtos oriundos da agricultura de base familiar, e à 
                        capacitação dos agentes produtivos e comerciais. Esta 
                        é uma forma de, simultaneamente, a) promover atividades 
                        econômicas em bases equitativas e sustentáveis, b) ampliar 
                        a oferta de alimentos de um modo que expressa a diversidade 
                        de hábitos de consumo e c) induzir a concorrência em mercados 
                        controlados por grandes corporações agroalimentares.   
                          As 
                        ações no sentido de promover e fortalecer o processamento 
                        de alimentos em unidades de tipo artesanal (pequenas agroindústrias 
                        e indústrias caseiras) e o comércio varejista de alimentos 
                        de pequena escala devem basear-se no requisito de qualidade 
                        dos produtos (e regularidade da produção), já que não 
                        se está sugerindo a preservação de um comércio local ou 
                        regional marginal (ou ilegal) com produtos de baixa qualidade. 
                        Ao contrário, pretende-se superar a perversidade contida 
                        nos modelos excludentes em que um número expressivo de 
                        produtores e fornecedores em condições precárias ofertam 
                        alimentos com pouca qualidade a um contingente também 
                        expressivo de consumidores de baixa renda. O desafio consiste 
                        em ter uma ação pública que, em lugar da mera punição, 
                        promova a passagem de pequenos produtores e fornecedores 
                        ao mercado formal, em paralelo à educação alimentar e 
                        à defesa dos direitos do consumidor. Na verdade, aqui 
                        se localizam algumas das principais demandas e possibilidades 
                        de ações públicas locais e regionais voltadas à oferta 
                        e ao consumo de alimentos com segurança alimentar.  
                          6. 
                        Segurança alimentar, agricultura familiar e desenvolvimento 
                        local   A 
                        atividade agrícola continua sendo a mais importante fonte 
                        de renda (e de alimentos) para a maioria das unidades 
                        familiares rurais. Uma característica importante das iniciativas 
                        que promovem a produção agroalimentar é a de que elas  possibilitam enfrentar, em simultâneo, tanto a necessidade 
                        de criar oportunidades de trabalho e de apropriação de 
                        renda a essas famílias, como a de ampliar e melhorar a 
                        oferta de alimentos em âmbito regional e nacional.   
                          Generaliza-se, 
                        hoje, a perspectiva de agregar valor aos produtos oriundos 
                        da agricultura realizada em bases familiares, através 
                        do processamento agroindustrial e da incorporação de serviços 
                        a esses bens com base em empreendimentos de pequena e 
                        média escalas. Amplia-se, também, a adoção de marcas ou 
                        de selos de qualidade com vários apelos (produtos coloniais, 
                        "da roça", da agricultura orgânica ou agroecológios, 
                        etc.).    As 
                        questões de mercado despontam, em geral, como o principal 
                        determinante das possibilidades de êxito dos programas 
                        de apoio à produção agroalimentar, ao lado do acesso ao 
                        crédito em condições adequadas.    Destaque 
                        especial deve ser dado ao chamado mercado institucional 
                        que engloba as compras governamentais de alimentos para 
                        serem utilizados em programas e organismos públicos (alimentação 
                        escolar, hospitais, presídios, distribuição de cestas 
                        básicas, etc.). Alguns deles, como a alimentação escolar, 
                        têm papel central no acesso aos alimentos por uma parcela 
                        vulnerável e numericamente expressiva da população. Em 
                        países onde as compras governamentais são significativas 
                        e conta-se com uma gestão transparente, a participação 
                        de pequenos e médios fornecedores -notadamente, as associações 
                        de pequenos produtores agrícolas- nos programas públicos 
                        de alimentação, dos quais sempre estiveram excluídos, 
                        pode constituir-se em importante instrumento de alavancagem 
                        para estes produtores.    O 
                        associativismo, em suas distintas formas, cumpre um papel 
                        vital nos projetos envolvendo pequenos e médios produtores. 
                        A experiência demonstra que o grau de associativismo é 
                        fortalecido pelos laços comunitários entre os participantes 
                        e pela valorização das redes de economia solidária, sobretudo 
                        na gestão do crédito e na comercialização da produção. 
                        Estes elementos permitem também amenizar os impactos das 
                        interrupções de programas em função da renovação dos mandatos 
                        na administração pública.  
                          Cabe mencionar, 
                        ainda, que abordar a produção mercantil não implica desconsiderar 
                        o papel que cumpre a produção para auto-consumo como componente 
                        da reprodução das famílias rurais e, portanto, da sua 
                        segurança alimentar. Tida como sinônimo de atraso pelos 
                        adeptos da modernização fundada na especialização produtiva, 
                        a presença da produção para auto-consumo sempre constituiu-se 
                        num importante instrumento de proteção frente às incertezas 
                        e oscilações da produção mercantil. A inexistência de 
                        condições de produção para auto-consumo pela carência 
                        de recursos (água, área útil, etc.), ou a perda destas 
                        condições devida a opções como a da especialização produtiva, 
                        são causas de insuficiência alimentar que se somam aos 
                        indicadores de pobreza rural medidos em termos da renda 
                        monetária.    Em 
                        muitos países tem sido registrada uma direta correlação 
                        entre o acesso à terra e aos alimentos no meio rural. 
                        Ou seja, aonde se realizou um processo de reforma agrária 
                        e esta se manteve com razoável grau de consolidação, a 
                        situação alimentar e nutricional dessas populações mostra-se 
                        adequada. Em sentido inverso, aonde permanece a terra 
                        concentrada e com contingentes elevados de trabalhadores 
                        rurais e suas famílias sem terra, é grave a situação de 
                        insegurança alimentar. Acrescente-se que o retrocesso 
                        ou a reversão dos programas de redistribuição de terras 
                        na maioria dos países onde eles foram implementados em 
                        décadas passadas vem causando impactos sociais negativos 
                        maiores do que a penúria a que haviam sido relegados os 
                        beneficiários destes programas.     O 
                        Brasil é o exemplo mais vivo desse último caso, não tendo 
                        ainda realizado uma ampla reforma agrária, como requer 
                        sua situação fundiária. A determinação de uma situação 
                        de insegurança alimentar está diretamente relacionada 
                        com essa situação de conflito e exclusão no campo. Do 
                        enorme contingente de 30 milhões de pessoas que passam 
                        fome neste país, metade está na área rural, embora apenas 
                        21% de sua população total viva no campo. Estudos recentes 
                        têm revelado que em assentamentos de reforma agrária no 
                        Brasil, que já possuem razoável grau de consolidação, 
                        o estado nutricional encontrado chega a ser superior àquele 
                        disfrutado pela agricultura familiar convencional. Em 
                        contraposição, nos acampamentos de sem-terra em áreas 
                        ocupadas, que ainda não foram reconhecidas e, portanto, 
                        não se encontram em condições de produzir, o quadro de 
                        desnutrição é gravissimo.    A 
                        reforma agrária propicia quatro favoráveis impactos sobre 
                        a segurança alimentar:   a)      
                        É uma importante política de geração de trabalho 
                        e renda, aumentando a possibilidade de acesso aos alimentos 
                        que são adquiridos para consumo;   b)      
                        Cria as condições para que as famílias possam produzir 
                        os próprios alimentos que vão consumir;   c)      
                        Fortalece a chamada “segurança alimentar local” 
                        através da garantia de produção de alimentos para as áreas 
                        próximas,   d)      
                        As opções produtivas usualmente adotadas pela agricultura 
                        reformada tendem ao cultivo de alimentos básicos integrantes 
                        da tradição dos agricultores.     
                          Diante 
                        dessas evidências pode-se afirmar que a reforma agrária, 
                        em países aonde ainda não foi realizada ou precisa ser 
                        retomada, pode ser um meio fundamental para a redução 
                        da insegurança alimentar.    Dedicar-se 
                        à produção de alimentos para o mercado interno e, mesmo, 
                        para exportação, não se constitui na única e obrigatória 
                        alternativa visando promover a segurança alimentar das 
                        famílias no meio rural. Esta pode ser obtida através da 
                        exploração de produtos não-alimentares, de atividades 
                        rurais não-agrícolas e de ocupações urbanas, todas com 
                        o objetivo de assegurar trabalho e renda às famílias rurais 
                        que são, no mais das vezes, pluriativas.   
                         A 
                        oferta de bens privados, por sua vez, não é a única relação 
                        mantida pelos agricultores com a sociedade, pois esta 
                        abrange um conjunto de outras funções caracterizadas como 
                        bens públicos tais como a preservação da paisagem, a diversidade 
                        agrobiológica, a herança cultural e a própria segurança 
                        alimentar. Para contemplar as múltiplas funções a serem 
                        preenchidas pela agricultura -a multifuncionalidade da 
                        agricultura- é preciso estabelecer um novo pacto entre 
                        os agricultores e a sociedade que espera respostas dos 
                        primeiros sobre o território, a qualidade e a ética. Este 
                        último ponto é tão mais importante quando se considera 
                        que nem toda a agricultura é multifuncional, já que há 
                        a agricultura especializada que, aliás, constitui-se na 
                        principal beneficiária das políticas de subvenção pública. 
                        A multifuncionalidade é uma noção que abrange todos os 
                        aspectos e serviços não-comerciais associados a uma agricultura 
                        de fato capacitada (self-reliant) 
                        e sustentável. Como se verá adiante 
                        a utilização desta noção como instrumento de políticas 
                        públicas tem provocado repercussões nas negociações comerciais 
                        internacionais.    Ressalte-se, 
                        ainda, o papel ativo que pode (e deve) ser exercido pelas 
                        administração pública no nível local desencadeando processos, 
                        em lugar de apenas responder às solicitações de agentes 
                        econômicos, grupos sociais ou cidadãos individuais. Esse 
                        papel será mais relevante quando as administrações melhor 
                        assumirem sua condição de  
                        agentes promotores de desenvolvimento no âmbito 
                        local ou regional, tendo a segurança alimentar como um 
                        dos eixos estratégicos de intervenção.   
                         7. 
                        Contexto internacional da segurança alimentar  
                          A 
                        relação entre segurança alimentar e as estratégias e políticas 
                        de desenvolvimento envolve aspectos que se encontram sob 
                        impacto da nova ordem internacional.    
                         Três 
                        elementos se destacam neste contexto. O primeiro refere-se 
                        aos novos mecanismos de regulação do comércio agroalimentar 
                        mundial, marcados até agora pela incerteza acerca dos 
                        rumos da liberalização comercial e do protecionismo no 
                        âmbito da OMC. Um dos elementos de controvérsia refere-se 
                        à consideração da segurança alimentar (no sentido de food 
                        security) como um tema comercial ou não comercial. 
                        Em paralelo, amplia-se a importância da regulamentação 
                        voltada à segurança dos alimentos (food safety), cujas repercussões vão até a esfera da produção rural.  
                          O 
                        segundo elemento é a constituição de blocos econômicos 
                        regionais que apresentam distintos graus de integração 
                        e também diferentes possibilidades em termos da adoção 
                        de estratégias de desenvolvimento e de segurança alimentar. 
                        As iniciativas no âmbito do Terceiro Mundo, até o momento, 
                        revelam  que a condição de ‘bloco periférico’ coloca limites à formulação 
                        e à adoção de políticas supra-nacionais soberanas acordadas 
                        entre seus membros. O Mercosul, por exemplo, é integrado 
                        por um país (Brasil) com elevada desigualdade social e 
                        expressivo contingente populacional com acesso irregular 
                        ou insuficiente aos alimentos, num bloco que se destaca 
                        como grande exportador de produtos agroalimentares.  
                         O 
                      terceiro elemento diz respeito às tendências do sistema 
                      agroalimentar crescentemente internacionalizado, que se 
                      caracterizam pela coexistência de processos de padronização 
                      e de diferenciação na produção e no consumo de alimentos. 
                      Assim, de um lado, temos os processos bastante conhecidos 
                      de concentração da produção agroalimentar (e da propriedade 
                      da terra) que ameaçam as agriculturas de base familiar e 
                      camponesa, mesmo em regiões e cadeias produtivas onde ela 
                      tem presença tradicional. Por outro lado, assiste-se à criação 
                      simultânea de novas oportunidades de mercado, muitas delas 
                      acessíveis ao pequenos agricultores que ainda têm nos alimentos 
                      uma importante fonte de renda. A 
                        mera exposição à competição internacional não é o caminho 
                        para a busca de maior eficiência produtiva, devido aos 
                        componentes “espúrios” desta competição e a natureza intrinsecamente 
                        excludente da dinâmica das economias capitalistas. 
                        Vale mencionar a permanência da prática de dumping 
                        por parte dos países industrializados, mesmo que sob formas 
                        legitimadas pelas regras atuais de comércio. O fato dos 
                        preços praticados nos mercados internos, e não os custos 
                        de produção, serem a referência para caracterizar a prática 
                        de dumping (exportação 
                        a preços inferiores aos praticados no mercado interno) 
                        acaba por facilitar esta prática. As subvenções destinadas 
                        aos agricultores com o sentido de assegurar que eles recebam 
                        um preço superior aos preços internos (como no caso europeu) 
                        possibilitam, quando os preços internos são menores ou 
                        iguais aos internacionais,  
                        que a exportação se faça a um preço abaixo do custo 
                        expresso nos preços recebidos pelos agricultores, mas 
                        nos níveis praticados no mercado interno, sem que se caracterize 
                        dumping.    O 
                        enfoque baseado na autocapacidade alimentar, abordado 
                        adiante, também valoriza implicitamente a opção de submeter 
                        os sistemas produtivos nacionais a pressões competitivas 
                        como elemento indutor de eficiência (às vezes chamada 
                        de modernização). Porém, é fácil constatar que parcela 
                        importante da agricultura de base familiar pode ser vítima 
                        da maior eficiência e capitalização, no que se poderia 
                        denominar de ‘armadilha da modernização’.   
                         A 
                        principal conclusão desta breve abordagem do contexto 
                        internacional é que, mesmo que se admita um maior grau 
                        de abertura externa dos países por razões que extrapolam 
                        a dimensão meramente econômica, sustenta-se que os objetivos 
                        e políticas de desenvolvimento -entre os quais se insere 
                        o da segurança alimentar- devem prevalecer sobre os objetivos 
                        e políticas estritamente comerciais, e orientar os esforços 
                        de regulamentação do comércio internacional. Ao considerar 
                        a ordem internacional é inevitável incorporar questões 
                        de soberania à noção de segurança alimentar, valendo-se 
                        do princípio da soberania alimentar que se fundamenta 
                        no caráter essencial e politicamente sensível dos alimentos 
                        e nos aspectos culturais associados a estes bens. Tomando 
                        a definição proposta na Declaração de Yaoundé (1996), 
                        a soberania alimentar dos povos se exprime na capacidade 
                        dos Estados e das pessoas de:   - 
                        produzir os alimentos necessários à população em todas 
                        as regiões do mundo, de modo a reduzir a dependência ligada 
                        à ajuda alimentar;   - 
                        controlar, conservar e utilizar seus recursos genéticos 
                        e seus conhecimentos próprios;   - 
                        garantir a disponibilidade e o acesso de todos a uma alimentação 
                        sadia, diversificada e que respeite a diversidade das 
                        culturas e hábitos alimentares;   - 
                        tomar decisões de modo autônomo concernentes a suas políticas 
                        agroalimentares    A 
                        busca de algum grau de auto-suficiência na produção de 
                        alimentos básicos constitui-se num princípio ainda válido 
                        de soberania alimentar a ser adaptado ao ambiente atual 
                        de maior abertura econômica.    As iniciativas 
                        de integração econômica regional que explorem as complementariedades 
                        e regulem os conflitos entre os países-membros podem contribuir 
                        nesta direção desde que elas não se limitem a simplesmente 
                        reproduzir as demandas por liberalização comercial. Mesmo 
                        a importação de alimentos, em algumas circunstâncias, 
                        serve como instrumento auxiliar na regulação dos mercados.  
                          Argumentos 
                        de (in)eficiência são a justificativa básica para desqualificar 
                        questões como as que são aqui levantadas sob o rótulo 
                        da soberania e da segurança alimentares, em favor de uma 
                        estratégia de inserção internacional com benefícios incertos 
                        e restritos a pequena parcela da população. A efetivação 
                        do direito à alimentação tem, entre seus componentes, 
                        o exercício soberano de políticas de segurança alimentar 
                        que se sobrepõem aos supostos princípios de ‘boa economia’ 
                        ou à lógica mercantil estrita.    Com 
                        relação à ajuda alimentar destinada aos paises mais pobres, 
                        sabe-se que ela serviu de instrumento comercial para os 
                        paises donantes, e que gera impactos significativos sobre 
                        os sistemas agroalimentares nacionais dos paises que a 
                        recebem, especialmente sobre os pequenos produtores. O 
                        recurso de alguns Estados à ajuda alimentar como forma 
                        menos custosa de prover alimentos à sua população prejudica 
                        os esforços dos agricultores de satisfazerem as necessidades 
                        de víveres de uma população crescente, que se vê agravada 
                        pela repercussão sobre os preços internos quando ocorre 
                        a venda dos produtos recebidos à título de ajuda alimentar. 
                        Nota-se, também, o isolamento da ajuda alimentar das demais 
                        ações de integração, quando os beneficiários daquela ajuda 
                        integram os mais desprovidos.    As 
                        propostas atuais caminham no sentido de constituir um 
                        sistema de ajuda alimentar que incorpore uma concepção 
                        de cidadania dos seus beneficiarios e que contribua à 
                        autonomia destes paises no médio prazo. Menciona-se, por 
                        exemplo, os programas nos quais os recursos são destinados 
                        a construir infraestrutura, adquirindo-se cereais em regiões 
                        proximas com excedente para a formação de estoques geridos 
                        pela comunidade que seria treinada para recompô-los e 
                        para comercializar sua propria produção. Referência especial 
                        deve ser feita à renovação em curso da Conveção de Lomé 
                        -maior programa de ajuda alimentar do mundo, entre a União 
                        Européia e países da Africa, Caribe e Pacífico- que prevê 
                        exportações favorecidas à Europa e um fundo de financiamento 
                        de programas de desenvolvimento.    8. 
                        Segurança alimentar e comércio internacional  
                          Organismos 
                        internacionais como a OMC e a própria FAO vem substituindo 
                        aquilo que consideram como uma preocupação excessiva com 
                        a auto-suficiência alimentar (food self-sufficiency) por estratégias fundadas na autocapacidade 
                        alimentar (food 
                        self-reliance). Esta nova diretriz vale-se da já referida 
                        ênfase nos problemas de acesso aos alimentos como sendo 
                        o principal condicionante da segurança alimentar dos países 
                        e das famílias, privilegiando-se a capacidade dos países 
                        acessarem os alimentos -que estariam disponíveis em quantidade 
                        suficiente em termos globais- pela via do comércio internacional 
                        ou, no limite, via ajuda alimentar.   
                         Reedição 
                        de antigas teses sobre as potencialidades do comércio 
                        internacional, reafirmadas nos recentes acordos firmados 
                        no âmbito da OMC, esta perspectiva recebeu a adesão, mesmo 
                        que com ressalvas, da própria FAO. Esta sugere em seus 
                        documentos o ajuste à realidade de interdependência global 
                        pela adoção de estratégias voltadas "para fora" 
                        e uma abordagem orientada para a liberalização dos mercados 
                        domésticos e internacionais, acompanhadas de políticas 
                        nacionais que assegurem que os efeitos positivos do comércio 
                        internacional na renda e no emprego atinjam os segmentos 
                        mais pobres e que estes estejam protegidos dos efeitos 
                        negativos da maior abertura comercial. As ressalvas dirigem-se 
                        aos efeitos da liberalização dos mercados na distribuição 
                        espacial da produção e do consumo globais e na estabilidade 
                        dos preços, e à eventual elevação dos preços relativos 
                        das mercadorias alimentares com a abertura dos mercados 
                        e a redução dos subsídios atualmente vigentes (vista como 
                        um estímulo a ser repassado aos preços domésticos de modo 
                        a encorajar a produção).    O 
                        recurso às importações, por seu turno, permitiria satisfazer 
                        as necessidades de consumo de forma mais barata do que 
                        basear-se na produção doméstica, desde que os importadores 
                        possam ter no mercado mundial uma fonte confiável e eficiente 
                        de oferta e os exportadores disponham de crescentes mercados 
                        externos para os seus produtos. Essa proposição é acompanhada 
                        do reconhecimento de que podem haver razões específicas 
                        para que alguns países busquem uma substancial auto-suficiência 
                        alimentar. Uma outra ressalva deriva dos receios quanto 
                        às medidas que restringem as exportações, aos constrangimentos 
                        da capacidade para importar, e aos termos de troca decrescentes 
                        para os produtos dos ‘países em desenvolvimento’.  
                          As 
                        projeções da oferta e da demanda globais de alimentos, 
                        mesmo que positivas, são indicadores de disponibilidade 
                        física que não dão conta da lógica mercantil que preside 
                        o acesso aos alimentos, mesmo que por doação. Ao que somam 
                        problemas de método não desprezíveis. Não por acaso as 
                        projeções sobre o mercado internacional de produtos agroalimentares 
                        têm chegado a conclusões díspares em aspectos importantes, 
                        especialmente, após a elevação real dos preços e a redução 
                        no nível dos estoques internacionais de grãos, ocorridas 
                        em 1995/96. Algumas delas sustentam que se interromperá 
                        a tendência secular de queda dos preços que se apoiava 
                        fortemente nos grandes superávits 
                        de produção e no elevado nível de estoques das nações 
                        industrializadas, dando lugar a um cenário futuro de escassez 
                        e instabilidade. Outras afirmam que os acontecimentos 
                        recentes não passaram de abalo temporário rapidamente 
                        absorvido pelo mercado, de modo a se restabelecer a situação 
                        anterior de oferta suficiente e preços tendencialmente 
                        declinantes.    Apesar 
                        da discrepância entre as projeções, pode-se concluir que 
                        o comércio desses produtos se ampliará nas próximas décadas 
                        por razões de demanda (incrementos de renda e da urbanização) 
                        e porque a maioria dos países em desenvolvimento tornarem-se 
                        importadores líquidos de cereais (sobretudo grãos forrageiros) 
                        e de carnes. É também óbvio que a ampliação da capacidade 
                        de acesso dos atuais excluídos -a consecução da segurança 
                        alimentar- impactaria significativamente os sistemas alimentares, 
                        notadamente na esfera agrícola ou rural. Estimativa 
                        de meados da década de 1990 calcula que a demanda insolvente 
                        mundial por alimentos implicaria um acréscimo de 400 milhões 
                        de toneladas de equivalentes-cereais, o que representa 
                        20 vezes o nível de ajuda alimentar atual. Nestes 
                        termos, um horizonte de médio e longo prazos conduziria 
                        a discussão para a análise das condições para a ampliação 
                        sustentável da oferta mundial de alimentos, trazendo à 
                        tôna questões relativas aos limites técnicos e aos requisitos 
                        políticos para tanto.    Aquele 
                        tipo de formulação induz, muito frequentemente, à falsa 
                        contraposição “produzir internamente todos os alimentos 
                        necessários versus 
                        especializar-se naqueles produtos em que se é mais competitivo”. 
                        Contraposição que não encontra sustentação na história 
                        de como os países enfrentam a questão alimentar, a qual 
                        nunca se fez pela opção por qualquer um dos extremos da 
                        contraposição. A produção doméstica de alimentos sempre 
                        foi econômica e politicamente relevante mesmo nos países 
                        muito dependentes do comércio exterior, assim como as 
                        importações de alimentos fazem parte do abastecimento 
                        de todos os países, em maior ou menor grau, como recurso 
                        permanente ou eventual.    A 
                        associação do objetivo da segurança alimentar com um elevado 
                        grau de auto-suficiência produtiva nacional dos alimentos 
                        considerados essenciais tem uma longa e diversificada 
                        história. A auto-suficiência pode abarcar um número expressivo 
                        ou reduzido de produtos, e pode se definir nacionalmente 
                        ou no âmbito de blocos supranacionais. Ela não implica 
                        em exclusiva orientação para o mercado doméstico, como 
                        a convencional diferenciação entre produção para mercado 
                        interno versus exportações enganosamente faria supor; há inúmeros casos em 
                        que a auto-suficiência combina-se com a condição de país 
                        exportador de produtos agroalimentares, em alguns, inclusive, 
                        coincidindo os principais 
                        produtos de exportação e os de consumo interno massivo.  
                          A 
                        questão relevante a discutir, em lugar do estabelecimento 
                        de dicotomias, é o papel a ser atribuído aos mercados, 
                        em especial, ao comércio internacional, para o objetivo 
                        da segurança alimentar, e também quais são os instrumentos 
                        adequados para sua regulação na direção deste e de outros 
                        objetivos análogos. Contrariamente ao que se afirma, o 
                        comércio internacional não tem se revelado um instrumento 
                        de segurança alimentar, seja como fonte confiável e eficiente 
                        para os importadores, seja como mercado em expansão para 
                        os exportadores, por dois motivos principais.   
                          O 
                        primeiro motivo é fornecido pelos resultados dos esforços 
                        de liberalização comercial no âmbito da OMC que, apesar 
                        de ainda insignificantes, já provocaram a elevação do 
                        componente importado da oferta de produtos agroalimentares 
                        na grande maioria dos Terceiro Mundo, em ritmo frequentemente 
                        superior ao do crescimento das suas exportações. Poucos 
                        deles estão capacitados para exportar produtos manufaturados, 
                        segmento onde se concentra o dinamismo do comércio de 
                        mercadorias. Assim, pode-se concluir 
                        que os resultados dos acordos, de fato, tornaram os países 
                        e, especialmente, seus pequenos produtores menos capazes 
                        (self-reliant) 
                        e sustentáveis. O segundo motivo liga-se aos constrangimentos 
                        colocados ao manejo da política cambial e às incertezas 
                        resultantes da instabilidade financeira que, há tempos, 
                        caracteriza a economia internacional. A política cambial 
                        é, como se sabe, um instrumento vital na determinação 
                        dos fluxos comerciais.    Dois 
                        outros fatores devem ser acrescentados na análise do papel 
                        do comércio internacional para a segurança alimentar. 
                        Primeiro, a importância específica que é atribuída à produção 
                        própria de alimentos faz da questão da auto-suficiência 
                        um tema politicamente sensível na maioria dos países. 
                        Isto é tanto mais verdade quanto maior a dimensão do país 
                        (em termos geográficos e populacionais), caso em que as 
                        aquisições externas de alimentos limitam-se a alguns produtos 
                        particulares e a circunstâncias excepcionais. Segundo, 
                        a crescente onda de resistência social e política ao predomínio 
                        de uma lógica mercantil estrita num quadro de ‘globalização 
                        da pobreza’ coloca um novo elemento às negociações internacionais 
                        sobre comércio e outros temas.    Vale 
                        dizer, as formas de regulação do comércio internacional 
                        sofrem pressões de dois tipos. A principal delas vai na 
                        direção de que a OMC aprofunde a perspectiva liberalizante 
                        que presidiu os acordos da Rodada Uruguai do GATT e cujos 
                        resultados estiveram muito aquém do esperado por seus 
                        defensores. No caso dos produtos agroalimentares, o enquadramento 
                        das políticas de suporte à produção doméstica deverá constituir-se 
                        num dos principais objetivos das negociações futuras. 
                        A outra fonte de pressão são os acontecimentos na esfera 
                        financeira internacional que podem vir a reforçar os argumentos 
                        dos que defendem a introdução de mecanismos protetores 
                        anti-especulativos no plano internacional, e dos que apontam 
                        a conveniência da adoção de políticas ativas de apoio 
                        à produção doméstica em face da fragilidade das contas 
                        externas dos países do Terceiro Mundo. A referida ‘globalização 
                        da pobreza’ atingindo os países mais avançados -sem embargo 
                        da sua extrema gravidade nos países do Terceiro Mundo- 
                        poderá também favorecer uma ampliação das ressalvas à 
                        lógica mercantil estrita que ora preside os acordos internacionais. 
                            A 
                        tarefa mais complexa constitui-se, sem dúvida, o estabelecimento 
                        de novas referências para a regulação do comércio internacional 
                        com base num enfoque onde a segurança alimentar deixaria 
                        de ser apenas uma ressalva tolerável ao funcionamento 
                        das forças de mercado. Há, aqui, um elemento de controvérsia 
                        referente à consideração da segurança alimentar (no sentido 
                        de food security) como um tema comercial e as 
                        formas de inseri-la nos acordos promovidos pela OMC. Na 
                        linha de considerá-la como uma preocupação não comercial 
                        (non-trade concerns) 
                        integrante dos acordos sobre comércio, uma das propostas 
                        seria a de criar uma “caixa de segurança alimentar” no 
                        acordo agrícola na qual seriam previstas cláusulas de 
                        exceção ao livre-comércio dos alimentos e mecanismos de 
                        compensações a seus eventuais danos a serem examinados 
                        caso a caso. Isto significaria atribuir à segurança alimentar 
                        um estatuto semelhante ao das chamadas cláusulas sociais 
                        e ambientais. Nesta mesma linha, porém mais plausível 
                        aos moldes atuais da OMC, há sugestões de acrescentar 
                        uma emenda à “caixa verde” em que estão previstas as circunstâncias 
                        em que se admite o apoio doméstico fornecido aos agricultores.  
                          Este 
                        tipo de encaminhamento não seria suficiente para os enfoques 
                        baseados no direito à alimentação, alguns dos quais vão 
                        ao ponto de sustentar que o comércio de alimentos essenciais 
                        seja retirado do âmbito da OMC. Os alimentos não devem 
                        ser considerados exclusivamente  
                        como mercadorias e muito menos serem utilizados 
                        como instrumentos de pressão para fins políticos ou de 
                        conquista de mercados, assim como a questão alimentar 
                        não pode ser reduzida a seus aspectos exclusivamente econômicos. 
                        Mais do que cláusulas específicas no acordo agrícola, 
                        a introdução da segurança alimentar na OMC requereria, 
                        em primeiro lugar, admitir o direito dos povos alimentarem-se 
                        a si mesmos com base em políticas agroalimentares nacionais 
                        e regionais, e a desenvolver uma agricultura própria que 
                        preencha múltiplas funções todas elas essenciais para 
                        se obter a segurança alimentar. Em segundo lugar, haveria 
                        que alterar alguns mecanismos gerais, principalmente desde 
                        a perspectiva dos países de baixa renda importadores de 
                        alimentos, visando criar estabilidade na oferta de alimentos, 
                        apoiar maior diversidade dos sistemas de produção e distribuição 
                        de alimentos tornando-os sustentáveis e equitativos no 
                        longo prazo, e permitir que os países protejam os setores 
                        mais vulneráveis e mantenham estoques de segurança. Em 
                        terceiro lugar, os demais acordos da OMC que afetam a 
                        segurança alimentar devem ser tomados em conta, como são 
                        os casos do TRIPS, do SPS e de várias decisões ministeriais. 
                        Sugere-se, por fim, a criação de um Comitê sobre Comércio 
                        e Segurança Alimentar, à semelhança do que ja existe sobre 
                        ambiente.    Como conclusão, 
                        sugere-se rejeitar a contraposição entre uma estratégia 
                        voltada para a auto-suficiência e uma baseada na autocapacidade, 
                        assim formulada com o objetivo de sustentar a correspondente 
                        adoção dessa última como a mais adequada ao contexto atual. 
                        Em primeiro lugar, porque esse enfoque equivoca-se quanto 
                        à natureza dos chamados ‘mecanismos de mercado’ e coloca 
                        o abastecimento alimentar sob o domínio de formas de regulação 
                        privada com pouco, por vezes nenhum, sentido público. 
                        Formas de regulação com um sentido público requerem, ademais, 
                        o suporte das agências de estado e o concurso de organismos 
                        e convênios internacionais. Nos mercados internacionais 
                        é que se revela, da forma mais clara, a dimensão institucional 
                        dos mercados, de modo que fatores como a atuação dos governos 
                        e dos referidos organismos colocam-se como tão ou mais 
                        importantes que os aspectos ligados à eficiência produtiva 
                        para a determinação da confiabilidade do mercado internacional 
                        como fonte de renda e de abastecimento alimentar.  
                          Em 
                        segundo lugar, porque desconhece a importância específica 
                        da produção doméstica de alimentos, e como ela se combina, 
                        nos distintos países, com o comércio internacional dos 
                        produtos agroalimentares. Admitir o suposto de economia 
                        aberta não implica abandonar toda e qualquer referência 
                        à auto-suficiência produtiva e aderir, incondicionalmente, 
                        ao enfoque da autocapacidade. Trata-se, isto sim, de reconhecer 
                        o lugar peculiar e estratégico ocupado pela produção doméstica 
                        de alimentos, e de atribuir um papel definido, porém, 
                        realista às trocas internacionais no abastecimento alimentar, 
                        em simultâneo à busca por estabelecer novas formas de 
                        regulação das mesmas.    Em 
                        terceiro lugar, por fim, porque o comércio internacional, 
                        como tal, está longe de constituir-se em fonte confiável 
                        de segurança alimentar para os países em geral.  
                          9. 
                        Consumo, segurança dos alimentos e direitos do consumidor  
                          A 
                        abordagem do consumo de alimentos deve considerar o grau 
                        de heterogeneidade social dos países, particularmente 
                        no Terceiro Mundo onde as desigualdades de renda tendem 
                        a ser mais elevadas.     Os 
                        gastos com alimentação têm um peso muito distinto na composição 
                        das despesas das famílias nos diferentes estratos de renda, 
                        sendo que o acesso regular e adequado aos alimentos nos 
                        estratos inferiores é custoso (absorve parcela significativa 
                        da renda familiar) e pode comprometer o acesso a outros 
                        bens e serviços necessários a uma vida digna. Este aspecto 
                        deve ser contemplado pelas políticas de emprego e renda 
                        (particularmente as políticas salarial e previdenciária), 
                        e as relativas à produção.    Graves 
                        problemas por insuficiência de alimentação provocada por 
                        restrições de renda coexistem com padrões de consumo típicos 
                        das camadas de renda mais elevada, análogos aos encontrados 
                        nos países industrializados. Isto implica que as políticas 
                        de segurança alimentar têm o duplo desafio de enfrentar, 
                        simultaneamente, a carência alimentar (a fome) e os problemas 
                        derivados de hábitos alimentares inadequados (gerando 
                        a obesidade e outros). Quanto à primeira, seu caráter 
                        vital faz com que as políticas antes mencionadas sejam 
                        acompanhadas de programas de suplementação alimentar; 
                        já o segundo tipo de problema requer medidas preventivas 
                        educativas frente a um fenômeno que se tornou uma questão 
                        de saúde pública pois se manifesta inclusive entre as 
                        camadas populares.    Circunstâncias 
                        da vida contemporânea e os impactos de poderosos instrumentos 
                        de propaganda têm alterado a forma de aquisição e de consumo 
                        dos alimentos (por exemplo, consumo de produtos elaborados 
                        em lugar de produtos in 
                        natura) e a própria composição da cesta habitual de 
                        compras. Preocupações quanto à adequação nutricional, 
                        por sua vez, fazem com que se questione a essencialidade 
                        de vários produtos de consumo generalizado, reproduzindo 
                        o antigo embate entre a imposição de preceitos nutricionais 
                        versus o respeito a hábitos alimentares adquiridos.    
                         A 
                        evolução do perfil do consumo na direção de um padrão 
                        de alimentação em que têm grande ou crescente importância 
                        a utilização de alimentos preparados e a refeição realizada 
                        fora do domicílio nos núcleos urbanos de médio e grande 
                        porte acarretam importantes implicações em termos de ações 
                        e políticas públicas de segurança alimentar. As refeições 
                        fora do domicilio colocam novas exigências para a ação 
                        do poder público que ultrapassam a convencional atuação 
                        normatizadora e fiscalizadora dos serviços de alimentação. 
                        Uma iniciativa que vem ganhando importância é o oferecimento 
                        de refeições de qualidade a preços acessíveis através 
                        da implantação de restaurantes populares nas zonas centrais 
                        das cidades de maior porte. A experiência tem revelado 
                        que, além do benefício aos usuários destes restaurantes, 
                        sua existência gera impactos positivos nos serviços de 
                        alimentação das zonas onde eles estão localizados. A concessão 
                        de subsídio no preço da refeição parece ser um recurso 
                        inevitável para adequá-lo à baixa renda dos usuários, 
                        embora o montante de tal subsídio seja relativa e absolutamente 
                        pouco expressivo em face dos impactos diretos e indiretos 
                        dos referidos restaurantes.    Os 
                        atributos de qualidade dos alimentos tornaram-se, também, 
                        um requisito comercial em função da referida demanda crescente 
                        por produtos elaborados (isto é, com serviços neles incorporados), 
                        e da preocupação com a segurança dos alimentos (no sentido 
                        de food safety). 
                        Esta preocupação é acentuada pelo modelo de produção e 
                        de consumo que promove o distanciamento entre ambas as 
                        esferas e o recurso a técnicas e insumos produtivos visando 
                        o aumento da produtividade e a diferenciação do bens finais 
                        de consumo.     As 
                        normas internacionais relativas aos alimentos são de responsabilidade 
                        da Comissão Internacional do Codex 
                        Alimentarius, organismo criado na década de 1960 sob 
                        a égide da FAO e da OMS, atualmente composto por 165 países. 
                        A importância crescente adquirida pelo Codex 
                        foi reforçada por suas deliberações terem sido admitidas 
                        como referência para as negociações comerciais realizadas 
                        no âmbito da OMC. Os países membros comprometem-se a criar 
                        comissões nacionais do Codex visando estabelecer normas nacionais que venham a ser compatíveis 
                        com aquelas deliberadas em nível internacional. Tais comissões 
                        deveriam constituir-se em importante espaço de participação 
                        das entidades representativas dos consumidores de modo 
                        a contrabalançar a enorme influência nelas exercidas pelas 
                        grandes corporações internacionais, como vem tentanto 
                        fazer a duras penas a Consumers 
                        International, única organização não-gvernamental 
                        participante da Comissão Internacional do Codex. 
                            É 
                        de se esperar conflitos crescentes frente às iniciativas 
                        para introduzir o princípio da precaução entre as regras 
                        que governam o comércio mundial de alimentos. Este princípio, 
                        consagrado em tratados internacionais sobre o meio-ambiente, 
                        foi recentemente estendido pela França para a vigilância 
                        sanitária dos alimentos em 1998, e tornou-se objeto de 
                        deliberação específica por parte da pela União Européia, 
                        em Fevereiro de 2.000. Ele preconiza que na ausência de 
                        certeza científica absoluta sobre os riscos potenciais 
                        para a saúde humana (bem como para o ambiente, os animais 
                        e vegetais), a dúvida deve beneficiar os consumidores, 
                        ficando os governos autorizados a recorrerem a medidas 
                        provisórias visando protegê-los, com destaque às de caráter 
                        sanitário e fito-sanitário e à suspensão da comercialização 
                        do(s) bem(ns) em questão. Embora sem se referirem explicitamente 
                        ao princípio, o acordo da Rodada Uruguai do GATT e o acordo 
                        fito-sanitário da OMC também prevêm o recurso a tais medidas, 
                        ainda que pondo ênfase em que sejam mínimos seus impactos 
                        sobre o livre-comércio. Contudo, as divergências entre 
                        os países na definição deste princípio e as suspeitas 
                        de sua aplicação de forma discriminatória, somadas à indefectível 
                        defesa do livre-comércio, permitem prever acesa polêmica 
                        sobre a sua adoção.    Ainda 
                        referente à qualidade dos alimentos as entidades de defesa 
                        dos consumidores lutam pela garantia dos seguintes direitos: 
                          a) 
                        direito de acesso a alimentos seguros   b) 
                        direito à informação, inclusive face ao risco de informações 
                        erradas e mesmo enganosas   c) 
                        direito à reclamar e à justa compensação por danos 
                          d) 
                        direito à uma educação alimentar que dote o consumidor 
                        de habilidades e conhecimentos que permitam escolher e 
                        consumir de forma segura e adequada os alimentos, com 
                        vistas à introdução de práticas saudáveis de alimentação 
                          e) 
                        direito de ser escutado, através da participação dos consumidores 
                        na formulação de políticas públicas, na avaliação de normas 
                        e regulamentos e na implementação de ações relativas aos 
                        alimentos   f) 
                        direito a um ambiente saudável com vistas a promover um 
                        consumo sustentável, em função dos impactos ambientais 
                        da produção, do processamento e do consumo (no aspecto 
                        do descarte) de alimentos    As 
                        entidades de consumidores vêm tendo destacado papel em 
                        campanhas de segurança alimentar, notadamente na mais 
                        recente delas ligada aos produtos OGM’s. Contudo, seria 
                        fundamental que elas fossem além do tema da qualidade 
                        dos alimentos consumidos de modo a englobar desde o acesso 
                        à terra até o consumo, incluindo-se aí uma articulação 
                        mais estreita entre campo e cidade.   
                         Os 
                        crescentes requisitos de qualidade dos alimentos e de 
                        instrumentos para assegurá-la resultaram na generalização 
                        da perspectiva da rastreabilidade dos produtos, que vem 
                        sendo rapidamente adotada pelos principais agentes das 
                        cadeias agroalimentares, ao mesmo tempo em que aumentaram 
                        as exigências em termos da confiabilidade da certificação 
                        e do registro dos alimentos e da estrutura e do modo de 
                        atuação dos serviços públicos de vigilância sanitária. 
                        As informações prestadas 
                        pelo fabricante são consideradas suficientes a menos que 
                        surjam problemas derivados do uso do respectivo produto. 
                        Trata-se de um mecanismo claramente insuficiente para 
                        assegurar a qualidade dos mesmos, além de não ser adequado 
                        à realidade dos pequenos produtores em face das exigências 
                        estabelecidas nas normas de fabricação.   
                         Seria 
                        fundamental que a regulamentação e o funcionamento dos 
                        serviços de vigilância sanitária buscassem promover atividades 
                        de produção desses bens em bases mais eqüitativas, em 
                        lugar de simplesmente punir os pequenos produtores que 
                        não se enquadram nas normas dadas.    10. 
                        Sustentabilidade alimentar 
                           
                         A 
                        exemplo da discussão conceitual sobre a segurança alimentar, 
                        o conceito de sustentabilidade também é fruto de intensa 
                        disputa e ainda não aparece como uma noção acabada. Isto 
                        vai se refletir, da mesma forma, sobre o entendimento 
                        acerca da noção de agricultura sustentável. Para órgãos 
                        como a FAO, ou na declaração que emergiu da chamada Agenda 
                        21, trata-se de um conjunto de regras ou práticas produtivas, 
                        com preocupações muito restritas ao aspecto ambiental. 
                        Para um conjunto de  
                        ONGs e movimentos sociais que trabalham com o tema, 
                        vai-se além da questão da produção agrícola, compreendendo-se 
                        a sustentabilidade em suas dimensões ambiental, mas também 
                        social, econômica e política. Pensar de forma articulada 
                        estas dimensões permite deslocar o foco dessa discussão 
                        para o homem, em toda a diversidade que comporta.  
                          A 
                        agricultura como é concebida nos padrões convencionais 
                        gera dois tipos de ameaça à sua sustentabilidade. A primeira 
                        se dá através da intensificação da atividade agrícola, 
                        pela adoção de práticas monocultoras e de uso excessivo 
                        de insumos químicos e mecanização pesada. A segunda, ocorre 
                        pela sobreutilização dos recursos naturais e pela mobilização 
                        de ecossistemas extremamente frágeis. Nos países em desenvolvimento, 
                        em muitos casos, esse esgotamento dos recursos naturais 
                        acontece pela pressão exercida por populações que são 
                        vítimas de processos de concentração fundiária, sendo 
                        obrigados a seguir uma lógica de curtíssimo prazo para 
                        garantir sua sobrevivência imediata.   
                         No 
                        contexto atual em que está organizada a produção de alimentos, 
                        no mundo atual, a compatibilização da sustentabilidade 
                        com a segurança alimentar é um desafio cercado de dificuldades, 
                        mas também carregada de muitas oportunidades. A necessidade 
                        de manter a oferta de alimentos em condições de atender 
                        milhões de consumidores em cada país traduz a maior dessas 
                        dificuldades. A FAO propõe a intensificação da produção, 
                        com diversificação, mas sua viabilidade parece duvidosa, 
                        já que a intensificação se faz a partir da especialização 
                        e da dependência crescente dos insumos industriais.  
                          O 
                        melhor caminho na busca de um sistema alimentar sustentável 
                        parece ser o fortalecimento da agricultura familiar ou 
                        camponesa, enquanto formação social mais adequada para 
                        garantir a segurança alimentar em condições sustentáveis. 
                        Isto devido às próprias características que lhes são inerentes. 
                        De um lado, por a sua identificação com modelos produtivos 
                        que dão ênfase à diversificação da produção, . Por outro 
                        lado, pela e a maior mobilidade para diferentes destinações 
                        do resultado de seu trabalho, podendo variar entre os 
                        extremos de depender exclusivamente de fontes externas 
                        do mercado ou recuar até o completo auto-abastecimento. 
                            Considere-se, 
                        ainda, a maior disposição desse produtor em entregar à 
                        sociedade os produtos de seu trabalho sem exigir que sua 
                        taxa de retorno seja superior ou igual à de outras atividades 
                        que poderia exercer, por não trabalhar subordinado à lógica 
                        do lucro. Isto possibilita que sua manutenção na atividade 
                        agropecuária não fique independente de mudanças conjunturais, 
                        o que o faz responder favoravelmente a favorecendo o atributo 
                        da estabilidade na segurança alimentar. Some-se a estes 
                        aspectos, o fato dessa modalidade de agricultura, embora 
                        também utilizando maquinaria e insumos químicos, o faça 
                        em menor grau, valendo-se de outros recursos, como a força 
                        animal e a adubação orgânica. Por isso emprega mais mão 
                        de obra, fortalecendo a equidade e reduzindo a pobreza 
                        rural. O recurso da produção 
                        para autoconsumo, por sua vez, pode atenuar o problema 
                        da desnutrição no meio  
                        rural.     Dentro 
                        da realidade da maior parte dos países em desenvolvimento, 
                        algumas propostas devem ser encorajadas. A primeira refere-se 
                        à necessidade de um ordenamento territorial, distinguindo-se 
                        as terras impróprias para a agricultura ou mesmo para 
                        outros usos, as terras de uso restrito e aquelas mais 
                        indicadas para o cultivo. A segunda orientação está relacionada 
                        à concessão de estímulos (preços de suporte, crédito agrícola, 
                        etc.) para aqueles que adotam tecnologias benignas ou 
                        de recuperação ambiental, incentivando-se um modelo agrícola 
                        de base agroecológica.    Mesmo 
                        no contexto de primazia do mercado global, que tende a 
                        aprofundar o processo de exclusão da agricultura de base 
                        familiar, também neste âmbito são oferecidas oportunidades 
                        possíveis de serem aproveitadas. Expandem-se os mercados 
                        de produtos chamados “naturais”, orgânicos ou daquilo 
                        que se denomina produtos de “clientela”, cujas variedades 
                        encontram especial acolhida nos países desenvolvidos.  
                          O 
                        encontro de objetivos da sustentabilidade e da segurança 
                        alimentar também se define no campo ideológico, pela afirmação 
                        da supremacia do direito à alimentação e aos recursos 
                        naturais enquanto bens públicos que devem ser assegurados 
                        a todos. E pela identificação de que a desigualdade é 
                        a causa principal da incapacidade de acesso aos alimentos, 
                        bem como elemento desencadeador de práticas de apropriação 
                        de bens naturais, que perdem seu caráter público para 
                        assumirem o papel privado de instrumento para a acumulação 
                        do capital. Esta compreensão desautoriza a mitificação 
                        do chamado “livre mercado”. Na busca de consecução articulada 
                        dos objetivos contidos nas categorias da sustentabilidade 
                        e da segurança alimentar reforça-se a necessidade da regulação 
                        dos mercados e o papel indispensável do Estado nessa mediação.  
                          Há que 
                        se explorar todas as possibilidades de encontro e concertação 
                        entre os atores sociais envolvidos com os dois temas, 
                        incluindo-se aí agricultores, consumidores, ambientalistas, 
                        etc.    A 
                        partir dos sentidos aqui enunciados é que se expressa 
                        a idéia da “sustentabilidade alimentar” como marco teórico-político 
                        de trabalho, buscando enfrentar articuladamente as preocupações 
                        com respeito às diversas dimensões que se mostram comuns 
                        à agricultura sustentável e à segurança alimentar.  
                          11. 
                        Impactos dos OGMs na Segurança Alimentar   
                          Pode-se 
                        afirmar que a luta contra a imposição dos Organismos Geneticamente 
                        Modificados adquiriu para a segurança alimentar mundial 
                        um significado de grandes riscos e possibilidades.  
                          Assiste-se, 
                        nos últimos anos, a uma aglutinação, até então não experimentada, 
                        dos principais atores sociais que se mobilizam em torno 
                        das bandeiras da segurança alimentar e da sustentabilidade. 
                        O enfrentamento do problema dos OGMs, mais do que em qualquer 
                        outra situação, vem logrando articular camponeses, ambientalistas, 
                        consumidores e mesmo cientistas em prol de um mesmo objetivo. 
                        E a preocupação despertada na opinião pública mundial 
                        surpreende e obriga à revisão das próprias estratégias 
                        das transnacionais envolvidas com os produtos transgênicos. 
                        Mas este parece ser um embate que está apenas em seu início, 
                        obrigando um atento acompanhamento sobre a movimentação 
                        daquelas empresas.    No debate 
                        sobre a segurança alimentar, é preciso que se enfrente 
                        o argumento propagado pelos grupos interessados na produção 
                        dos transgênicos de que estes produtos se constituem na 
                        solução do problema da fome no mundo. Trata-se da mesma 
                        falácia utilizada no período da “Revolução Verde”, quando 
                        também se afirmava que esta acabaria com a fome no mundo. 
                        Não deve ser subestimada a força deste recurso publicitário 
                        empregado pelas transnacionais,  
                        de que os OGMs podem acabar com a fome, sobretudo 
                        nos países não desenvolvidos, onde esse problema assume 
                        proporções de calamidade.    É 
                        preciso que esta afirmação seja energicamente desmentida, 
                        mostrando-se que a  fome vai acabar no dia em que estiver superada a exclusão de 
                        milhões de pessoas e que a estas seja reconhecido e assegurado 
                        um direito que é anterior a qualquer outro, que é o de 
                        poder adquirir ou produzir alimentos sadios e de qualidade. 
                        E devem ser transmitidas as inquietações cientificamente 
                        reconhecidas, como a ameaça à biodiversidade, a não assegurada 
                        inocuidade desses alimentos e o oligopólio que vem se 
                        constituindo por trás dessas empresas, visando a controlar 
                        não apenas o mercado de sementes, mas todo o pacote tecnológico 
                        da produção alimentar.    Ao lado 
                        de uma argumentação consistente, que coloca os temas centrais 
                        da segurança alimentar em debate para um vasto público, 
                        E’ necessário, ainda, que se proceda à constituição de 
                        propostas para o enfrentamento à investida dos transgênicos. 
                        Evidentemente, muito do que é encaminhado em cada país 
                        diz respeito às particularidades locais, mas duas propostas 
                        vêm encontrando receptividade mais ampla: a moratória 
                        para plantio e comercialização de transgênicos e a rotulagem 
                        desses produtos.    A 
                        moratória dos OGMs baseia-se na constatação de não ter 
                        existido o tempo mínimo necessário de investigação para 
                        poder se afirmar que os transgênicos são inofensivos à 
                        natureza e à saúde. O açodamento em lançar estes produtos 
                        no mercado é gerado pela pressa em fazer retornar o capital 
                        investido pelas  
                        empresas transnacionais envolvidas nesta aventura, 
                        não podendo ser aceito pela opinião pública mundial. Por 
                        outro lado, é uma proposta que possibilita aos movimentos 
                        sociais mobilizados nesta luta ganharem tempo para fazer 
                        crescer ainda mais esta mobilização.  
                          Quanto 
                        à rotulagem dos produtos transgênicos deve-se considerar 
                        dois aspectos bastante distintos. De um lado, deve ser 
                        tratado como um direito inquestionável do consumidor ser 
                        informado sobre aquilo que consome. E isto vale para qualquer 
                        produto. No caso dos transgênicos pode se tornar em um 
                        embaraço para as indústrias processadoras de alimentos 
                        a obrigação de declarar a presença de componentes geneticamente 
                        modificados, embora em muitos países seja incerta a confiabilidade 
                        deste tipo de informação. De outro lado, há que se ter 
                        cuidado com a defesa dessa proposta, já que ela traz em 
                        si mesma a admissão da permissão do comércio de alimentos 
                        transgênicos.    Um 
                        ponto ainda a se atentar na luta atualmente travada é 
                        a necessidade de denunciar energicamente a utilização 
                        de alimentos transgênicos na ajuda alimentar internacional. 
                        Diversas firmas agroalimentares têm obtido contratos com 
                        o Programa Mundial contra a Fome, da FAO/ONU, visando 
                        dar uma destinação aos seus estoques de alimentos geneticamente 
                        modificados rejeitados pelos mercados de diversos países, 
                        o que é eticamente inaceitável.     
                         12. 
                        Patrimônio cultural da alimentação em risco  
                          Cada sociedade, 
                        ao longo da sua história, construiu (e continua a construir) 
                        um conjunto de práticas alimentares que constituem seu 
                        patrimônio cultural. São estas tradições, peculiares a 
                        cada grupo social, que permitem às pessoas se reconhecerem 
                        como integrantes do mesmo tecido social. Estas escolhas 
                        alimentares e estas práticas de cozinha estiveram sempre 
                        associadas à região e às condições locais de existência. 
                        Dentre todos os elementos que compõem a cadeia alimentar 
                        são as diferentes cozinhas que melhor exprimem as tradições 
                        e costumes de uma sociedade.    No final 
                        deste século, observa-se uma ruptura radical destes sistemas 
                        alimentares. A urbanização acelerada fez com que produtos 
                        do mundo inteiro se misturassem, transformando progressivamente 
                        os hábitos alimentares. Os exemplos recentes desta globalização 
                        alimentar  são 
                        o hamburguer e a coca-cola, símbolos do que é mais moderno, 
                        seguro (enquanto alimento higiênico), fácil e rápido de 
                        comer.    Os efeitos 
                        culturais, econômicos e sociais deste padrão alimentar 
                        são sentidos diferentemente segundo as classes sociais. 
                        De fato, são os grupos mais pobres os mais atingidos por 
                        esta massificação alimentar. Carecendo de informação, 
                        são os mais atingidos pela propaganda e estratégias de 
                        marketing. Os pequenos produtores, por sua vez, encontram 
                        dificuldades de comercialização de seus produtos, os quais 
                        não dispõem do mesmo apelo publicitário.   
                         De que 
                        forma é possível, enquanto cidadãos e consumidores, defender 
                        e preservar a diversidade cultural alimentar de uma sociedade 
                        ?    Desde logo, 
                        é fundamental que cada sociedade possa conhecer sua história 
                        agrícola e alimentar, e que este patrimônio seja valorizado 
                        enquanto tal. Vale dizer, cada sociedade deve poder compreender 
                        que seus hábitos mais antigos guardam uma identidade. 
                        Além do que, é preciso destacar que graças a esta cultura 
                        alimentar elas puderam se manter, durante séculos, auto-suficientes 
                        e com um maior controle sobre a  
                        qualidade de seus produtos alimentares. Uma vez 
                        decifrada sua cultura alimentar fica mais fácil o restabelecimento 
                        de algumas práticas alimentares, mesmo que estas tenham 
                        sido completamente abandonadas.     Entretanto, 
                        para que este processo seja bem sucedido é fundamental 
                        que as sociedades rurais sejam preservadas e ajudadas, 
                        com políticas específicas, especialmente no que se refere 
                        à agricultura familiar. Os produtos alimentares devem 
                        ser transformados localmente e segundo a tradição destas 
                        regiões, desenvolvendo-se em simultâneo ações que estimulem 
                        sua.comercialização em feiras e mercados regionais 
                        e, mesmo, através das redes de supermercados.   
                          13. 
                        Práticas alimentares e valor nutricional da alimentação 
                            Os 
                        alimentos sofreram um processo de grande transformação 
                        nos últimos cinquenta anos. A indústria tem alterado perigosamente 
                        as caracteristicas inerentes aos alimentos, comprometendo 
                        sua qualidade. Neste sentido, o processo agroalimentar 
                        passou  a 
                        depender de elementos químicos tanto na produção agrícola 
                        quanto na transformação industrial. Como conseqüência, 
                        o padrão alimentar apresenta-se com uma grande quantidade 
                        de gordura animal, proteína, sal e açúcar e carece de 
                        fibras, vitaminas, minerais, carboidratos complexos e 
                        óleos vegetais. Observa-se inúmeras doenças relacionadas 
                        diretamente a este regime alimentar como diferentes tipos 
                        de câncer, as alergias, as doenças do aparelho circulatório 
                        e a obesidade. As populações mais pobres do planeta sofrem 
                        não apenas da fome (o não acesso à alimentação) mas também 
                        das doenças ditas “modernas” relacionadas à qualidade 
                        dos alimentos.    Este 
                        processo tem afastado progressivamente os alimentos de 
                        sua origem, a terra, tornando-os meros produtos industriais. 
                        Observa-se assim uma enorme distância entre os produtores 
                        e os consumidores. Para uma população que é cada vez mais 
                        urbana, a escolha dos alimentos mais indicados ao seu 
                        bem estar tornou-se um problema. Face a uma imensa variedade 
                        de cores e sabores, as escolhas são feitas sem que as 
                        pessoas tenham todas as informações necessárias. Os critérios 
                        que guiam as escolhas são sobretudo o preço, o aspecto 
                        e a facilidade de preparo e não as qualidades nutricionais 
                        dos produtos.     Quais 
                        seriam as alternativas para se conseguir uma alimentação 
                        saudável, ou seja, que pudesse estar adequada às necessidades 
                        dos indivíduos ?  
                            Em 
                        primeiro lugar é preciso um trabalho de reeducação alimentar. 
                        O consumidor precisa estar consciente das suas escolhas 
                        alimentares bem como das razões pelas quais ele consome 
                        este ou aquele alimento. É importante estar consciente 
                        também dos efeitos destas escolhas sobre a sua saúde, 
                        o meio ambiente e à repartição social da riqueza.     Uma 
                        dieta é saudável na medida em que fornece todos elementos 
                        necessários ao desenvolvimento e a manutenção do organismo. 
                        Assim, é preciso que a dieta seja equilibrada, ou seja, 
                        que seja baseada em glicídios complexos: arroz, batata, 
                        macarrão, farinha e pão. Que os legumes e frutas sejam 
                        privilegiados, fornecendo os minerais, vitaminas e fibras. 
                        Que as proteínas sejam utilizadas com moderação: carne, 
                        peixe, ave, ovo, presunto, leite, queijo e yogurte. Que 
                        sómente pequena quantidade de gordura seja consumida: 
                        manteiga, azeite e óleo. Ao mesmo tempo, é fundamental 
                        que esta dieta seja de alta qualidade, que os elementos 
                        que a compõem sejam frescos (deve-se evitar os alimentos 
                        congelados), naturais (sofrendo o mínimo possível os efeitos 
                        da transformação industrial) e integrais (deve-se evitar 
                        os cereais não integrais e o açúcar refinado). Finalmente, 
                        é essencial que esta dieta seja gostosa e que respeite 
                        os hábitos alimentares regionais.     Em 
                        segundo lugar, cabe aos consumidores o importante papel 
                        de zelar pela manutenção da qualidade dos alimentos em 
                        toda a cadeia alimentar, desde a produção agrícola que 
                        deve ser isenta de produtos químicos até a transformação 
                        industrial, que deve ser realizada sem o comprometimento 
                        da qualidade nutricional do alimento. Este aspecto é melhor 
                        desenvolvido em outra parte do texto.    Em 
                        terceiro lugar, é necessário que os consumidores enquanto 
                        cidadãos defendam uma distribuição mais justa da riqueza. 
                        Os impactos socio-econômicos e ambientais das suas escolhas 
                        alimentares precisam ser realçados.  
                        E’ fundamental que todos compreendam que a partir 
                        das escolhas alimentares pode-se aumentar o poder das 
                        grandes corporações alimentares ou, ao contrário, pode-se 
                        dar importante contribuição ao desenvolvimento da agricultura 
                        familiar que, por sua vez, pode fornecer um alimento seguro, 
                        produzido em harmonia com o meio ambiente e revitalizando 
                        as regiões rurais.  
                          14. 
                        Formulação de políticas públicas e participação da sociedade 
                        civil     A 
                        discussão sobre a formulação de políticas públicas de 
                        segurança alimentar exige considerar a diversidade de 
                        situações existentes entre os países, seja pelas diferentes 
                        necessidades que neles se expressam, seja pelos graus 
                        igualmente diferenciados dos papéis exercidos pelos estados 
                        e dos níveis de organização social neles encontrados.  
                          Mas 
                        nesta análise, pode-se partir de algumas premissas comuns 
                        em meio a toda esta diversidade. A primeira premissa refere-se 
                        ao caráter multidimensional e intersetorial que deve ser 
                        assumido na gestão das políticas públicas de segurança 
                        alimentar, conforme já discutido. A conseqüência prática 
                        da aceitação dessa premissa é que o exercício das políticas 
                        de segurança alimentar deve partir de instâncias interministeriais. 
                        Superando um entendimento equivocado, da segurança alimentar 
                        subordinada à produção de alimentos e, em conseqüência,  
                        tendo sua política definida no limite restrito 
                        do planejamento agrícola. Ao contrário, entendendo a segurança 
                        alimentar como um dos elementos articuladores das macropolíticas, 
                        a elaboração e execução de suas políticas devem se dar 
                        através de intensa articulação nos diferentes campos de 
                        intervenção do estado, como o agrícola, a saúde, a educação, 
                        o trabalho, a tecnologia, o ambiental e no atual contexto 
                        de globalização, as relações internacionais, entre outros.  
                          Uma 
                        outra premissa relevante é a que articula as ações de 
                        natureza emergencial com as estruturais, rompendo com 
                        falsas dicotomias baseadas na separação entre o econômico 
                        e o social, tão consagrada dentro dos esquemas neoliberais 
                        que produzem a concentração da riqueza e a pobreza e depois 
                        administram políticas “sociais” para atenuá-las.  
                          Não podem 
                        ser exercidas políticas de natureza estrutural sem que 
                        sejam considerados os efeitos imediatos que serão provocados 
                        sobre as populações que estão em seu âmbito. Muitos exemplos 
                        podem ser dados, entre eles a necessidade de programas 
                        de reconversão produtiva de agricultores a um modelo diversificado 
                        de agricultura, sem colocar em risco sua sobrevivência 
                        econômica neste período.    Quanto 
                        às políticas emergenciais, elas se concretizam em programas 
                        e ações públicas dirigidas a grupos populacionais específicos, 
                        com o objetivo de suplementar carências alimentares e 
                        nutricionais e que são qualificadas como medidas assistenciais 
                        de natureza compensatória. Tais iniciativas sempre foram 
                        objeto de resistência justamente por apenas amenizarem 
                        os efeitos perversos das situações de injustiça social 
                        e, para alguns, por dificultarem o enfrentamento e a superação 
                        dos fatores promotores da injustiça. Aponta-se, também, 
                        para o fato do assistencialismo constituir-se em campo 
                        propício para práticas populistas e demagógicas, para 
                        o desvio de recursos e para a corrupção. Assim, a admissão 
                        da existência destes programas é quase sempre acompanhada 
                        de ressalvas ao fato deles precisarem existir e reafirmações 
                        da expectativa de que sejam provisórios.  
                          O 
                        que aqui se afirma aqui é que as políticas emergenciais 
                        de segurança alimentar são indispensáveis para o enfrentamento 
                        de problemas que não podem esperar o tempo de resposta 
                        de medidas estruturais que devem estar sendo tomadas simultaneamente. 
                        E estas medidas emergenciais devem trazer obrigatoriamente 
                        componentes ligados a uma transformação estrutural das 
                        condições geradoras das situações que as justificam. No 
                        que se refere especificamente à distribuição de alimentos, 
                        os programas compensatórios devem se caracterizar por 
                        serem:   a) 
                        educativos, em relação aos hábitos e práticas alimentares; 
                          b) 
                        organizativos, para a defesa dos direitos de cidadania; 
                          c) 
                        emancipadores, visando promover a autonomia e não a dependência 
                        dos beneficiários.    Uma política 
                        de distribuição de alimentos, por exemplo, deve incluir 
                        a criação das condições e obrigatoriedade das famílias 
                        “beneficiárias” em ter os filhos  
                        na escola, em constituir conselhos locais com a 
                        participação dos próprios “beneficiários” para o acompanhamento 
                        dessa política, etc.    Embora 
                        se desenvolvam em contexto bastante distinto, cabe uma 
                        menção aos programas de ajuda alimentar nos países ocidentais 
                        mais avançados, inclusive porque seus rumos tendem a repercurtir 
                        no restante do mundo. A insegurança alimentar pela dificuldade 
                        de acesso aos alimentos afeta um contingente significativo 
                        da população destes países, mas raramente é identificada 
                        como tal nos programas e indicadores oficiais. Ela se 
                        deve sobretudo ao preço dos alimentos em face dos demais 
                        bens que integram os gastos das famílias, sendo temporária 
                        e mesmo sazonal (pois se agravando durante o inverno). 
                        Supõe-se que os sistemas de proteção social cobrem todas 
                        as necessidades básicas dos mais pobres e as respostas 
                        dos governos à questão alimentar são, quando muito, parciais. 
                        Os EUA são a principal exceção, sendo o país com maior 
                        percentual (13%) da população atendido por programas de 
                        ajuda alimentar, e também o que tem atuação mais antiga 
                        e programas alimentares mais amplos, porém, com cortes 
                        orçamentários recentes que levaram a um maior envolvimento 
                        da sociedade civil. É importante notar que o reconhecimento 
                        crescente da problemática alimentar vem se dando no bôjo 
                        de reformas nas políticas sociais cuja orientação caracteriza-se 
                        pela maior responsabilização dos beneficiários (e.g., 
                        compromisso de retorno ao trabalho), e pelo relativo desengajamento 
                        do Estado através de mecanismos assentados na ação local 
                        e na participação das comunidades.  
                          O 
                        princípio da atenção pública para assegurar direitos que 
                        devem ser universais, como é o caso do direito à alimentação 
                        suficiente e adequada, sustenta-se mesmo no caso dos programas 
                        em que é conveniente buscar uma maior focalização nos 
                        respectivos beneficiários. Porém, em lugar de contrapôr 
                        ‘universalização versus 
                        focalização’, é possível preservar direitos universais 
                        e atuar de modo a contemplar os diversos grupos de beneficiários 
                        da ação pública. A focalização dos programas pode ser 
                        um elemento de discriminação positiva dos beneficiários, 
                        e não um pretexto para reduzir o papel do Estado mesmo 
                        que sob a justificativa de estabelecer parcerias com a 
                        sociedade. Nestes termos, a focalização visando a eqüidade 
                        social significa definir prioridades e tratar desigualmente 
                        os desiguais, combinando os programas assim orientados 
                        com ações universais que evitem o crescimento dos grupos 
                        prioritários destes mesmos programas.   
                         As 
                        políticas de segurança alimentar devem se constituir em 
                        um espaço privilegiado de exercício do interesse público, 
                        o que pressupõe efetivo envolvimento da sociedade civil. 
                        Ou seja, não se constitui num assunto exclusivamente governamental, 
                        devendo garantir a criação de novos espaços institucionais 
                        que assegurem a constituição de efetivas parcerias e que 
                        sejam adequados à articulação de iniciativas em áreas 
                        bastante diversas.    Não 
                        é simples a constituição dessas instâncias de concertação 
                        entre atores sociais diferenciados em sua essência. Parceria 
                        pressupõe trabalhar em prol de um objetivo mais geral 
                        que é comum entre as partes envolvidas. Ao mesmo tempo, 
                        estas partes não são iguais (se fossem iguais, não seria 
                        uma parceria). Elas possuem papéis diferentes e trabalhar 
                        em parceria significa saber articular positivamente as 
                        diferentes atribuições que cabem a cada parte.  
                          Quem 
                        pode ser parceiro, na implementação de políticas de segurança 
                        alimentar? Examine-se inicialmente as relações estabelecidas 
                        pelo Estado com o setor privado. Este último apresenta 
                        grande e crescente autonomia decisória em relação ao Estado, 
                        além de contar freqüentemente com redes internacionalizadas 
                        com grande velocidade de negociação e de decisão em questões 
                        econômico-financeiras fundamentais. Por seu turno, a atuação 
                        do Estado é marcada por estruturas administrativas pouco 
                        flexíveis e por processos de decisão que demandam negociação 
                        profunda com atores que têm exigências específicas. Tais 
                        processos requerem grande dispêndio de energia política 
                        e podem, por vezes, levar à paralisia decisória. Assim, 
                        esta modalidade de parceria na área da segurança alimentar 
                        apresenta grandes dificuldades de ser concretizada, ainda 
                        mais se considerando que no campo econômico, os interesses 
                        do setor privado voltam-se preferencialmente aos locais 
                        e grupos mais rentáveis. Defronta-se aqui com a situação 
                        de que, constantemente, este setor doa recursos de um 
                        lado enquanto promove danos sociais e ambientais de outro, 
                        Cabe, neste caso, a proposição de um código de conduta 
                        ética para pautar a relação do setor privado com o trabalho 
                        social e com as organizações não-governamentais.  
                          Quanto 
                        às relações de parceria entre o Estado e as organizações 
                        da sociedade civil, há que se considerar, inicialmente, 
                        a representatividade dos segmentos mais pobres da população 
                        em fóruns, conselhos ou outras instâncias equivalentes, 
                        criadas como espaços consultivos ou decisórios dos quais 
                        podem se originar ações em parceria. Assinale-se, que 
                        na grande maioria dos casos, ainda não existe uma consciência 
                        da segurança alimentar  
                        na sociedade civil e menos ainda nesses segmentos 
                        mais vulneráveis. Além disso, freqüentemente inexiste 
                        uma tradição associativa nessas comunidades, o que não 
                        se resolve de imediato pela instalação dessas instâncias. 
                        Daí resulta que o “de baixo para cima” quase sempre não 
                        funciona e em muitos lugares estas instâncias têm existência 
                        mais formal do que real. Considere-se, ainda, que sua 
                        efetividade depende do grau de convergência de propósitos 
                        entre os governos e as organizações da sociedade civil 
                        e do critério de composição dos fóruns de negociação. 
                        A sociedade civil tende a organizar-se sob a lógica da 
                        ação solidária e cooperativa, em contraste com a forte 
                        presença no interior dos governos de uma lógica de conflito 
                        (em lugar da cooperação) e de ação seletiva. Mas todas 
                        estas dificuldades não anulam o fato de que a constituição 
                        desses espaços de parceria e sua regulamentação têm sido 
                        importantes para definir espaços que fogem ao controle 
                        do poder local tradicional, e podem assegurar a definição 
                        de ações que favorecem as comunidades alvo dessas parcerias.  
                          Por 
                        fim, cabe uma referência à importância particular do âmbito 
                        local no desenho e na implementação de ações e programas 
                        públicos de suplementação alimentar. Isto porque é justamente 
                        na identificação de grupos populacionais com carências 
                        específicas e na atuação junto a eles que fica mais evidente 
                        a relevância das instâncias locais. Por esta razão é que 
                        se verifica a tendência já bastante generalizada à implementação 
                        descentralizada de programas alimentares. Sabe-se, ainda, 
                        que as situações emergenciais de carência alimentar tendem 
                        a repercutir diretamente sobre o nível da administração 
                        pública mais próximo do cidadão e sobre as entidades assistenciais 
                        ou caritativas locais. Costuma ser também muito grande 
                        o número de iniciativas tomadas no âmbito dos municípios 
                        ou das comunidades visando propiciar auxílio alimentar 
                        sob a forma de programas públicos, da mobilização de redes 
                        sociais ou mesmo de atitudes isoladas. Portanto, a atuação 
                        junto a grupos populacionais específicos para enfrentar 
                        carências alimentares e para favorecer uma alimentação 
                        adequada constitui-se numa esfera de atuação local visando 
                        o objetivo da segurança alimentar.     
                          Uma 
                        agenda relativa à formulação de políticas públicas de 
                        segurança alimentar e ao estabelecimento de instâncias 
                        representativas e democráticas para sua implementação, 
                        não pode mais se limitar nos planos locais e nacionais. 
                        Torna-se prioritário pensar esta agenda também em um escopo 
                        internacional. Enumeram-se aqui alguns pontos para esta 
                        discussão:   -         
                        Como engajar a comunidade internacional para promover 
                        o direito humano à alimentação?   -         
                        Como subordinar a lógica e o sistema internacional 
                        de regulação do comércio a uma lógica e um sistema que 
                        lhe deve preceder, no campo dos direitos econômicos, sociais 
                        e culturais e que têm na segurança alimentar um de seus 
                        principais eixos?   -         
                        Como garantir um sistema de regulação mundial de 
                        estoques dentro da perspectiva da segurança alimentar? 
                          -         
                        Como estabelecer um código de conduta internacional 
                        que estabeleça novos parâmetros para a ajuda alimentar? 
                          -         
                        Como construir instâncias globais de articulação 
                        e representação da sociedade civil no campo da segurança 
                        alimentar e como viabilizar sua participação nos fóruns 
                        de decisão dessas políticas?  Documentos 
                        Consultados     
                          Action 
                        Aid. WTO and food 
                        security - opportunities for action. London, 1999. 
                            
                          Beau, 
                        C. Peut-on nourrir 
                        le monde?- agricultures durables et sécurités alimentaires 
                        mondiales. Paris, FPH-GEYSER, 1993 (DT 38)  
                           
                          Belik, 
                        W. e Maluf, R. (orgs.). Abastecimento 
                        e segurança alimentar - os limites da liberalização. 
                        Campinas 
                        (SP), IE/UNICAMP-REDCAPA-CPDA, 2.000.     
                          Braun, 
                        J. von et al. Russia’s 
                        food economy in transition: current policy issues and 
                        the long-term outlook. 
                        Washington (DC), IFPRI, 1996. (FAE Discussion Paper 18). 
                            
                          Brun, 
                        J-M. Le défi alimentaire 
                        mondial. Paris, FPH-Solagral, 1996. (DD 72)  
                           
                          Brunel, 
                        S. La faim dans 
                        le monde - comprendre pour agir. Paris, PUF, 1999. 
                            
                          CEPAL. 
                        Quince 
                        años de desempeño económico. América Latina y el Caribe, 
                        1980-1995. 
                        Santiago de Chile, CEPAL, 1996.     
                          David, 
                        M.B.A. e Nonnenberg, M.J.B. Mercosul: 
                        integração regional e o comércio de produtos agrícolas. 
                        R. Janeiro, IPEA, 1997. (Texto para Discussão, 494) 
                            
                          FAO. 
                        World food summit 
                        - synthesis of the technical background documents. 
                        Rome, FAO, 1996.     
                          Friedman, 
                        H. ... (completar depois)     
                          Hervieu, 
                        B. Du droit des peuples à se nourrir eux-mêmes. Paris, 
                        Flammarion, 1996.     
                          Huang, 
                        J. et al. China’s food economy to the twenty-first century: supply, demand and trade. 
                        Washington (DC), IFPRI, 1997. (FAE Discussion Paper 19). 
                            
                          Josling, 
                        T.E. et al. 
                        Agriculture in the GATT. Basingstoke, MacMillan Press, 1996. 
                            
                          Kumar, 
                        P. et al. Cereals prospects 
                        in India to 2020: implications for policy. 
                        Washington (DC), IFPRI, 1995. (2020 Brief 23)  
                           
                          Madeley, 
                        J. The Impact of 
                        Trade Liberalisation on Food Security and Poverty - Overview 
                        on Case Studies by Forum Syd-Sweden. Minneapolis, 
                        IATP, 2.000     
                          Maluf, 
                        R.S. O novo contexto internacional da segurança alimentar, 
                        in Belik, W. 
                        e Maluf, R. (orgs.). Abastecimento 
                        e segurança alimentar - os limites da liberalização. 
                        Campinas 
                        (SP), IE/UNICAMP-REDCAPA-CPDA, 2.000, 37-63.  
                           
                          Maluf, 
                        R.S. Diversidad, desigualdades y la cuestion alimentaria. 
                        Scripta Nova - Revista Eletrónica de Geografia y Ciencias Sociales. 
                        Barcelona, Nº 25, 1998.      
                          Maluf, 
                        R.S. Economic development and the food question in Latin 
                        America. Food 
                        Policy, 
                        1998, 23(2), 155-172.     
                          Marloie, 
                        M. (ed.). La 
                        sécurité alimentaire face à l’Organisation mondiale du 
                        commerce. Paris, Solagral-INRA-FPH, 1998. (Coopération 
                        internationale pour la démocratie N. 8).     
                          Martin, 
                        W. and Winters, A. (eds.). The 
                        Uruguay round and the developing countries. Cambridge 
                        (UK), Cambridge University Press, 1996.     
                          McCalla, 
                        A.F. Food needs 
                        for the 21st century. Washington(DC), World Bank, 
                        1997. (Agricultural Outlook Forum).     
                          Metz, 
                        M. and Thomson, A. Implications 
                        of economic policy for food security - a training manual. 
                        Rome, FAO, 1997. (TMAP, 40).     
                          Pinstrup-Andersen, 
                        P. et al. The world food situation: recent developments, emerging issues, and long-term 
                        prospects. Washington (DC), IFPRI, 1997. (2020 Vision 
                        - Food Policy Report)     
                          Pisani, 
                        E. et Guihéneuf, P-Y. Entre 
                        el mercado y las necesidades humanas - agricultura y seguridad 
                        alimentaria: algunos elementos para el debate. 
                        Paris, 
                        FPH-GEYSER, 1996. (DD 53)     
                          Poisot, 
                        A-S et al. Insecurité alimentaire et aide alimentaire dans les pays occidentaux - 
                        Allemagne, Belgique, Canada, États Unis, Royaume-Uni. 
                        Paris, SOLAGRAL, 2000.     
                          POUR. 
                        Produire, entretenir et accueillir. Paris, 
                        N. 164, 1999.     
                          Reca, 
                        L.G. y Echeverría, R.G. (comps.). Agricultura, 
                        medio ambiente y pobreza rural en América Latina. 
                        Washington 
                        (D.C.), IFPRI/BID, 1998.     
                          Ritchie, 
                        M. The World Trade 
                        Organization and the Human Right to Food Security. 
                        Minneapolis, IATP, 1.999.     
                          Rocher, 
                        J. Après les feux 
                        de paille - politiques de sécurité alimentaire dans les 
                        pays du Sud et mondialisation. Paris, Ed. Charles 
                        L. Meyer-ROGEAD, 1998. (DD 90)     
                          Rymarsky, 
                        C. et Thirion, M-C. La 
                        faim cachée - une réflexion critique sur l’aide alimentaire 
                        en France. 
                        Paris, 
                        Ed. Charles L. Meyer-Solagral, 1997. (DD 81)  
                           
                          Terre 
                        citoyenne. 
                        Paris, FPH. (N. spécial Nov/1996; N. 2 Avr/1998) 
                            
                          WTO. 
                        Participation of 
                        developing countries in world trade: overview of major 
                        trends and underlying factors. Geneve, WTO, 1996. 
                        (Committee on Trade and Development)
 Fichas 
                        de Experiências     
                          A 
                        diversidade sócio-espacial que caracteriza a maioria dos 
                        países implica, obviamente, em problemas e prioridades 
                        diferenciadas, bem como em processos distintos de definição 
                        e encaminhamento dessas prioridades. O recurso à análise 
                        de experiências em curso, por sua vez, permite identificar 
                        as contribuições ou os elementos apropriáveis dessas experiências 
                        que não se circunscrevem a uma realidade particular, mesmo 
                        que cada um deles carregue as marcas da realidade que 
                        os originou. A relevância geral dos aspectos principais 
                        de cada experiência e a adaptação de algumas das soluções 
                        por elas encontradas não implica a postura de construir 
                        práticas ou modelos indicados como a melhor solução (o 
                        famoso enfoque das best 
                        practices). Ao contrário, valoriza-se aqui uma concepção 
                        em que as iniciativas de promoção de desenvolvimento social, 
                        no caso, associadas à promoção da segurança alimentar, 
                        constituem a instauração de processos em que meios e fins 
                        são definidos pelas sociedades-comunidades que os vivenciam 
                        e que envolvem um forte componente de aprendizado social, 
                        processos que extraem energia dos desequilibrios e tensões 
                        que geram, e que devem ser abertos às diversas possíveis 
                        soluções e seus resultados não intencionais. 
                         
 
 2-13)      
                           
                           
                          
  
                           
                            
                          [Fichas 1 a 11 - já em francês]Quadro 1: 
                        Causas da insegurança 
                        alimentar em diversas regiões do mundo
     
                         
                          |   
                                | Africa 
                              subsaha-riana   | África 
                              Norte e Oriente Médio   | Ásia 
                              Ocidental e Sul   | China 
                                | Sudeste 
                              Asiático   | Japão 
                                |   
                          | Tecnologia 
                                | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Problemas 
                              climáticos   | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                |   
                          | Política 
                                agrícola* 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                |   
                          | Acesso 
                              a insumos   | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Acesso 
                              à terra   | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Acesso 
                              à* água   | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Erosão 
                              de florestas, salinisação, poluição  
                               | x 
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Preços 
                                | x 
                                |   
                                |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Abasteci-mento 
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Liberalização 
                                | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                          | Concentração 
                              humana   | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Saúde* 
                                | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                          | Desemprego 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Renda 
                                | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Hábitos 
                              alimentares*   | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Qualidade 
                              alimentos   |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Valor 
                              nutricional   | x 
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                |   
                          | Valor 
                              nutricional+    |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                                | x 
                                |   
                          | Minorias* 
                                | Soudan 
                                | Sahel 
                                | India 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                |   
                          | Gênero 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                |   
                          | Guerra 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                | Timor 
                                |   
                                |   
                          | Desloca-mentos 
                                | Ouganda 
                              Rwanda Burundi   | x 
                                | x 
                                |   
                                | Timor 
                                |   
                                |   
                          | Desastre 
                              econômico   | Rep. 
                              Du Congo   |   
                                | Afghanistan 
                                |   
                                | x 
                                Birmanie 
                                |   
                                |   
                          | Sanções 
                              econômicas   | Sierra 
                              Leone,   Burundi 
                                e 
                              Liberia   | Irak 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | Fome 
                              política*   | Soudan 
                                | Irak 
                                | Afghanistan 
                                | Chine 
                                | Birmanie 
                                |   
                                |    
                         
                           
                         
                         
                          | Europa 
                              Ocidental   | Leste 
                              da Europa + Mongólia e Coréia Norte  
                               | EUA 
                              e Canadá   | México 
                                | América 
                              Central e Caribe   | Países 
                              Andinos   | Brasil 
                              e Sul   |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                | x 
                                Cuba- 
                              Haiti   |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                | x 
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                |   
                          |   
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                          |   
                                | alcoolismo 
                              Russia   | novo 
                              padrão alimentar   |   
                                |   
                                |   
                                | Brasil 
                                frutas, 
                              cebolas   |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                |   
                                | x 
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                          | x 
                                |   
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                                | x 
                                |   
                          |   
                                |   
                                | x 
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                | x 
                                |   
                          |   
                                |   
                                |   
                                | x 
                                | x 
                                |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                | Yougoslavia 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                | Yougoslavia 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                | Sem 
                              Terra   |   
                          |   
                                | x 
                                Coreia 
                              do Norte   |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                | Yougoslavia 
                                 |   
                                |   
                                | Cuba 
                                Haiti 
                                |   
                                |   
                                |   
                          |   
                                | Kosovo 
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                                |   
                          |  |  |  |  |  |  |  |   
                          * 
                        Política agrícola : Avec notemment les effets des politiques 
                        de monocultures pour l'exportation qui se font au détriment 
                        des agricultures vivrières.(Afrique, Asie).  
                         * 
                        Acesso à água : Le problème de l'eau peut être national, 
                        ou une question de répartition. Par exemple au Moyen Orient, 
                        l'eau est rare, au Brésil ce n'est pas un probléme géneral 
                        mais  l'accès 
                        aux ressources  est 
                        inégalitaire.   * 
                        Liberalização: casos analisados em http://www.forumsyd.se/globala.htm 
                          + 
                        Fatores de insegurança alimentar provocados pela liberalização: 
                        importações mais baratas que preços locais (Philippines, 
                        Madagascar, Ghana, Mexico); acréscimo dos preços dos insumos 
                        (id°); prioridade das exportações, omissão das carências 
                        locais (India, Mexico, Philippines, Uruguay, Cambodia); 
                        acréscimo dos sem-terra (vendem às grandes empresas) (Cambodja); 
                        erosão, poluição por causa da monocultura para exportação 
                        (Philippines); diminuição dos serviços publicos (Philippines); 
                        acréscimo das migraçãos para cidades (desemprego, favelas,..); 
                        destabilisação do mercado interno (Philippines, Kenya) 
                          + 
                        Fatores de insegurança alimentar acentuados pela liberalização: 
                        privatização; desemprego massivo (México, India, Sri Lanka); 
                        catástrofe natural (os estados são menos implicados); 
                        carências nas políticas financeira e econômica (América 
                        Central); dificuldades das mulheres; desigualdade no accesso 
                        aos recursos de insumos, água, terra, tecnologia, etc.) 
                          * 
                        Saúde : Les problèmes de santé récurrents de certaines 
                        populations entrainent des déficiences au niveau de la 
                        production des aliments car ils affaiblissent les personnes 
                        , ainsi qu'au niveau de l'assimilation des aliments (notemment 
                        les enfants malades assimilent tres mal la nourriture 
                        qu'ils absorbent). Exemple: 
                        Le sida en Afrique, la malaria, contaminations par l'eau 
                        non potable, etc.     
                          * 
                        Hábitos alimentares : La manière de s'alimenter est cause 
                        d'insécurité. Par exemple, dans le Nord Est du  
                        Brésil certaines carences pourraient être évitées 
                        si la population concernée consommait plus d'oignons et 
                        de fruits, produits qui existent en quantité suffisante 
                        à cet endroit. Les nouveaux modèles alimentaires notemment 
                        aux Etats-unis (où un tiers des personnes souffrent d'obésité), 
                        et au Canada sont aussi des facteurs d'insécurité alimentaires. 
                          * 
                        Minorités : Constatation que le fait d'appartenir à une 
                        minorité aggrave les chances d'insécurité alimentaire. 
                        Par exemple, les Noirs aux Etats-Unis, les Intouchables 
                        en Inde, les Musulmans en Birmanie, les Chrétiens et les 
                        Animistes au Soudan, les Nomades au Sahel, les Indiens 
                        et les Noirs en Amérique Latine, ...   * 
                        Fome política : Dans certains pays la faim des populations 
                        découle d'une volonté politique des dirigeants. Ainsi, 
                        par exemple, Saddam Hussein accentue la faim en Irak causée 
                        par le blocus en revendant la nourriture échangée contre 
                        le pétrole aux pays voisins, afin de financer son maintien 
                        au pouvoir, et d'accentuer cette conséqence du blocus 
                        pour en obtenir la levée. La faim politique peut aussi 
                        être le résultat d'une volonté d'éliminer une population 
                        "genante", comme au Soudan, en Birmanie, en 
                        Afghanistan , en ex-Zaire, au Rwanda, au Kosovo ; le but 
                        de ces famines peut aussi être l'obtention d'argent, de 
                        nourriture, de camions grãce á une couverture médiatique 
                        qui déclenche l'arrivée de l'aide internationale, le pays 
                        acquiert alors une visibilité internationale préalable 
                        á la reconnaissance politique (Afrique).  
 |