Relato
sobre a Oficina de Segurança Alimentar
Food Jam
Fórum Social
Mundial – Porto Alegre - RS
Este
artigo visa retratar os debates ocorridos durante os dias 26 a
29/01/2001, na oficina "Food Jam", que integrou a
programação oficial do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre -
Brasil. A oficina consistiu na apresentação e discussão de
temas e experiências na área de segurança alimentar de diversos
países e continentes, objetivando aprofundar uma rede de debates
para continuidade desse intercâmbio, em articulação com a
agenda de outras organizações e redes já em curso. Vale
ressaltar que a oficina "Food Jam" representou um
desdobramento de uma primeira oficina, realizada no Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE),
aproveitando a presença de diversos especialistas no tema, do
Brasil e de outros países, que participavam do Congresso
Internacional de Sociologia Rural, realizado no Rio de Janeiro, em
agosto de 2000. Na oportunidade, estabeleceu-se uma coordenação
responsável por sua organização composta por IBASE/RIAD - Rede
Interamericana de Agricultura e Democracia, UFRRJ/REDCAPA –
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e pesquisadores
pertencentes à Universidade de Ryerson (Toronto – Canadá),
Universidade de Toronto, Universidade de Cornell (USA),
Universidade de Nebraska (USA) e Thames Valley University
(Inglaterra).
A idealização
da oficina "Food Jam" foi inspirada na dinâmica das
sessões de Jazz, onde os músicos promovem de forma coletiva a
afinação e a harmonia musical, exercitando a liberdade do
improviso. No contexto da oficina, o concerto das diversas experiências
locais em segurança alimentar procurou desenvolver interações
harmônicas em torno de preocupações comuns, que apontassem
alternativas concretas de garantia da segurança alimentar. A ênfase
no debate de experiências, com seus respectivos êxitos, limites
e desafios ressalta a convicção de que a diversidade, e não a
uniformização e padronização, representa uma fonte de soluções
para os desafios enfrentados nas diferentes escalas local,
regional, global. A programação contemplou inicialmente uma
discussão sobre Comércio Internacional e Segurança Alimentar,
que serviu como pano de fundo para a sequência de debates. A cada
dia, após uma breve síntese crítica da coordenação, foram
apresentadas experiências locais, com alguns improvisos que
permitiram construir uma compreensão mais dinâmica e integral da
questão da segurança alimentar ao redor do mundo. A estas
apresentações seguiram debates entre os participantes sobre os
temas relatados.
O debate sobre o
Comércio Internacional e Segurança Alimentar, realizado a partir
do painel apresentado por Adriano Campolino (Action Aid - Brasil)
destacou, de início, a premissa de que a questão da segurança
alimentar constitui um problema comum que afeta ao Norte e ao Sul,
embora com enfoques e intensidades variadas. A preocupação com o
sistema agroalimentar não se dá apenas em função da quantidade
suficiente e qualidade dos alimentos nem do número de pessoas a
alimentar. Os avanços observados no processo de liberalização
da economia, em especial da agricultura, bem como no uso da
biotecnologia, controlada por poucas empresas comerciais e
dissociada dos aspectos éticos e morais, vêm produzindo um forte
impacto sobre a garantia da segurança alimentar, trazendo à tona
preocupações relativas à sustentabilidade deste atual modelo,
à soberania alimentar dos estados nacionais e ao futuro democrático
desta questão.
Mesmo em países
com produção suficiente de alimentos sobrevivem preocupações sérias
relativas à qualidade e ao acesso aos alimentos. No Canadá, a
situação de fome é um problema novo e, apesar de atingir um
percentual baixo da população - em torno de 5% - tem crescido
muito na última década, demandando novas ações e políticas
mais permanentes para o seu enfrentamento. Na Europa, o domínio
da “agricultura produtivista” nos últimos 40 anos provocou a
destruição de 70% da agricultura familiar, produzindo desequilíbrios
ambientais e profundos riscos à saúde humana, a exemplo da
manifestação da doença da "vaca louca". A ajuda pública
ainda é fortemente canalizada para esse setor da agricultura,
embora já haja maior consciência de que este modelo produtivo,
além de ser mais caro, cria muitos problemas. Em países como o
Brasil e México, a hegemonia do modelo que privilegia a produção
para exportação e a participação crescente no comércio
internacional tem comprometido o abastecimento interno e provocado
a destruição acelerada das políticas de suporte à agricultura
familiar.
A expansão
do comércio global tem se dado de forma muito desigual,
observando-se redução da participação de continentes como América
Latina e África, enquanto EUA, Europa, Japão e Canadá controlam
fatias cada vez maiores do fluxo comercial. No marco da hegemonia
liberal predominam as soluções centradas no comércio
internacional, onde é grande o controle das corporações
transnacionais e dos países ricos, que decidem sem considerar os
interesses das sociedades nacionais e à revelia da produção
para o abastecimento interno. Os países em desenvolvimento são
forçados a promover abertura comercial, o que tem significado
aumento das importações e maior incentivo às exportações.
Mesmo priorizando a produção para exportação, com alguns países
chegando a estabelecer recordes de transações, a crescente
deterioração dos termos de trocas tem produzido ganhos relativos
cada vez menores e seguidos déficits na balança comercial dos países
em desenvolvimento. Nestas condições, o comércio internacional
tem sido um instrumento de destruição da agricultura nestes países,
com o consequente aumento do êxodo rural e crescimento da
pobreza.
Apesar das
vitoriosas manifestações da sociedade civil contra as políticas
promotoras de desigualdades das principais instâncias
multilaterais de desenvolvimento (BIRD, FMI, OMC), os acordos e
negociações comerciais em curso na OMC, em especial o TRIPS –
Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio,
constituem fortes ameaças para a segurança alimentar,
principalmente para os países em desenvolvimento. Há ainda os
avanços na formação de blocos reguladores do comércio
internacional, com grande expectativa em relação à implementação
da ALCA - Área de Livre Comércio das Américas, reunindo todo o
continente americano, com exceção de Cuba. Neste ambiente de
regulamentação transnacional, o comércio tem exercido múltiplas
funções, seja como porta para atração de financiamentos
externos com volumes de recursos que superam o valor do comércio
propriamente dito, seja como instrumento para reestruturação e
controle das economias nacionais de acordo com as regras adotadas
e sob pena de sanções.
Além disso, este
modelo de regulamentação tem favorecido a transferência para o
setor privado do controle sobre a produção de alimentos,
concentrando-se nas mãos de poucas empresas. A Monsanto, por
exemplo, atingiu, em dois anos, 60% do mercado de sementes de
milho no Brasil, incorporando diversas empresas nacionais do ramo.
A ampliação do patenteamento para a agricultura, seres vivos e
remédios tem suscitado pressões dos países ricos para a aprovação
de leis nacionais que confiram às empresas direitos monopólicos
de propriedade intelectual sobre o uso dos recursos naturais,
reduzindo o controle das comunidades locais sobre seu patrimônio
natural.
Este contexto tem
suscitado e aprofundado evidências sobre a dissociação entre
crescimento econômico e melhoria das condições de vida e bem
estar da população. Ou seja, apesar dos índices positivos de
crescimento da economia global, não tem ocorrido distribuição
de riqueza capaz de promover a redução das desigualdades e da
pobreza mundial, ampliando cada vez mais o fosso entre os dois
mundos: o rico e o pobre. Os danos ambientais e sociais causados
pela vigência das atuais regras de desregulamentação da
economia - em especial aqueles relativos ao controle e redução
da biodiversidade, à destruição de economias locais e à
precarização da mão de obra e deterioração do trabalho -
constituem evidências concretas de que o crescimento econômico
produz influência sobre o meio ambiente e as relações sociais.
Com isto, acena-se para um novo paradigma baseado no pressuposto
de que o contexto econômico deve ser concebido de forma integrada
ao patrimônio natural e às condições sociais, que devem fazer
parte das regras e acordos comerciais e cujos reveses devem ser
computados nos indicadores econômicos.
Nesse sentido,
uma das principais reações da sociedade civil organizada está
orientada para a inclusão de cláusulas sociais e ambientais nas
atuais regras e acordos vigentes, de modo a subordinar o
crescimento econômico ao respeito e à garantia dos direitos
humanos, em especial dos DESCs - direitos econômicos, sociais e
culturais. Os efeitos da globalização devem visar a promoção
da inclusão social, extrapolando a área comercial e financeira e
admitindo a circulação livre de pessoas, a equidade salarial e o
acesso digno aos bens e serviços. Insiste-se também na importância
de incorporar aspectos morais e éticos na discussão sobre uso da
tecnologia e nas regras de regulamentação do comércio. As
formas e os meios de produção e de distribuição de bens e
serviços devem ser levadas em conta no comércio internacional,
de modo que os critérios ligados à sustentabilidade,
desenvolvimento humano, respeito ao meio ambiente e garantia dos
direitos representem pressupostos para a realização do comércio
e dos investimentos.
As experiências
presentes na oficina representam exemplos de reações concretas
encabeçadas pela sociedade civil e governos cujos avanços,
limites e desafios podem contribuir para uma maior disseminação
de iniciativas e políticas de segurança alimentar. A seguir serão
apresentadas breves notas e questões sobre as experiências
debatidas na oficina, como uma tentativa de reconstituir o
ambiente diverso e plural que marcou o evento.
·
Este quadro mais geral foi bem complementado com o exemplo do México,
apresentado por Ana de Ita (Ceccam – Centro de Estudios para el
Cambio en el Campo Mexicano). No México, ocorreu a privatização
das empresas públicas que protegiam a agricultura familiar,
inclusive aquelas que promoviam a comercialização com garantia
de preços adequados aos pequenos agricultores. Até 1989, havia
restrições às importações enquanto estratégia de
fortalecimento da agricultura nacional. A abertura comercial e
implantação do NAFTA provocou o aumento do déficit comercial e
eliminou a competitividade com os produtos dos Estados Unidos, que
ampliou a exportação de alimentos para o México. As políticas
de liberalização, juntamente com a revolução biotecnológica,
são considerados os dois grandes inimigos da soberania alimentar,
cabendo ressaltar que o debate sobre
transgênicos tem sido muito intenso no país,
especialmente por tratar-se de centro de origem do milho.
·
O governo do Rio Grande do Sul – Brasil, através de painel
apresentado por Sílvio Isopo Porto, presidente da CEASA - Central
de Abastecimento do Estado do Rio Grande do Sul, trouxe a experiência
da Merenda Escolar, que é um componente do Plano Estadual de
Segurança Alimentar Nutricional e Sustentável,
enfocando aspectos do mercado institucional, ou seja, das compras
realizadas pelo poder público no âmbito da alimentação
escolar. Um dos principais objetivos desta política visa reverter
o quadro atual da Merenda Escolar no Brasil, caracterizado pelo
abastecimento concentrado em grandes empresas e à base de
alimentos formulados, de forma a ampliar o acesso da agricultura
familiar no programa e a presença de produtos agroecológicos no
cardápio das escolas. Vale ressaltar a preocupação da experiência
em estabelecer o vínculo rural-urbano, bem como a relação
direta com as questões agrárias e agrícolas, haja vista a
centralidade da agricultura familiar na concepção e implementação
do Plano Estadual de Segurança Alimentar.
O debate da
experiência levantou desafios colocados pelo mercado
institucional, como a necessidade da busca de equilíbrio entre o
excesso de oferta de determinados produtos em certas regiões vis-à-vis
a carência em outras, considerando os obstáculos que podem ser
apresentados pela burocracia. As exigências de institucionalidade
podem representar, também, um impedimento à maior participação
da agricultura familiar. Outro importante desafio levantado
consiste na superação da cultura de setorialização do poder público,
que dificulta o trabalho integrado entre instâncias afins e a
construção de políticas públicas na área da segurança
alimentar. Como limite, destacou-se a descontinuidade da Merenda
Escolar nos períodos de férias e após a idade escolar e a ausência
de ações de agricultura em áreas urbanas e periurbanas. A
agricultura urbana possui um grande potencial enquanto solução
parcial para o abastecimento local, devendo haver maior atenção
dos governos para a questão.
·
A experiência da ONG FoodShare, de Toronto-Canadá, apresentada
por Harriet Friedman, professora e pesquisadora da Universidade de
Toronto, compreende uma parceria entre ONG e Governo que combina
componentes de mercado com ações comunitárias, na perspectiva
da educação e do acesso alimentar a baixo custo e com qualidade
no contexto urbano. Um aspecto marcante na experiência foi a sua
reformulação na condição de política pública em segurança
alimentar, combinando a prática de advocacy com propostas
abrangentes para a área de emprego e renda e eliminação da
fome, após 10 anos de funcionamento em bases consideradas
assistencialistas. Há um esforço no sentido de promover a
diversificação de produtos, de modo a contemplar hábitos
alimentares de populações migrantes como a africana e a
caribenha.
O debate da
experiência ressaltou o conflito entre os aspectos emergencial e
estrutural que perpassa a discussão sobre segurança alimentar,
salientando que ambas devem ser enfrentadas com ações e políticas
específicas. Os principais desafios apresentados foram: como
proteger as políticas locais de segurança alimentar no longo
prazo, considerando as influências e os efeitos das macro políticas
e do contexto externo; como promover a relação direta do campo
com o consumo urbano, em um contexto de alta especialização agrícola
e alta concentração das redes de supermercados; como trabalhar a
educação alimentar com as culturas imigrantes, geralmente os
mais pobres e onde predomina o hábito fast-food; como apoiar a
produção e o consumo de produtos orgânicos; como desenvolver
programas de segurança alimentar envolvendo ONGs e Governo, sem
constituir relações de dependência ou de subordinação?
·
O diretor para a América do Sul do Programa Mundial de Alimentos
do Banco Mundial, James Conway, propôs a titulação das terras
ocupadas e trabalhadas atualmente pela população pobre nos meios
rural e urbano, como uma solução a longo prazo para a fome e a
pobreza deste contigente. Foi sugerido ainda o alimento como uma
ferramenta de desenvolvimento para facilitar o processo de obtenção
das terras. O Programa Mundial de Alimentos tem muitas experiências
em que a produção de alimento tem sido inserida como uma
ferramenta de desenvolvimento para facilitar a aquisição de
terras em países como: Egito, Indonésia, Bangladesh, Peru e Colômbia.
As iniciativas para implementação deste programa, apesar dos êxitos
alcançados, ainda apresentam muitos sinais de fracasso. Avalia-se
que o neoliberalismo econômico está fortalecendo as grandes
propriedades e latifúndios e a agricultura familiar vem sendo
lentamente reduzida em muitos países da América do Sul. Apesar
disto, pretende-se continuar promovendo situações práticas
nesta direção, que sejam capazes de atingir o objetivo de
erradicação da fome e
da pobreza.
·
Na África Central, a exemplo do Tchad e Senegal, a situação de
fome é mais evidente. Há um déficit
permanente na produção de alimentos e a população
abaixo da linha da pobreza gira em torno de 70%. As difíceis
condições naturais, com grandes extensões de terras áridas,
representam sérios agravantes dessa situação, embora a ausência
de políticas de incentivo à produção de cereais e a sucessão
de programas de ajustes estruturais nos últimos vinte anos na
linha da privatização e liberalização da agricultura sejam
apontados como os principais responsáveis pelo quadro de fome
existente.
O Tchad, cujo
painel foi apresentado pelo dirigente sindical rural Kolyang
Palabele (APM Afrique – Tchad), é um exemplo de país deficitário
na questão alimentar, dependendo a cada ano de 40 a 100 mil
toneladas de grãos para consumo interno. Dos 39 milhões de ha.
de terras cultiváveis (30% da área do país), só 1 milhão é
cultivada com cereais, enquanto a produção para fins comerciais,
a exemplo do algodão, concentra a maior parte das subvenções
agrícolas. As Ongs e organizações de produtores vêm
trabalhando na perspectiva de regularizar o abastecimento
alimentar mediante a construção e administração de silos
familiares e comunitários de acordo com os costumes e a cultura
das comunidades. Os silos familiares têm finalidades distintas
conforme sejam da mulher (gastos domésticos) ou do homem
(investimento). O silo comunitário vem sendo gerido com regras e
prioridades segundo as decisões e valores da comunidade e está
orientado para amenizar os profundos efeitos da fome que se
espalha como um vírus nos períodos críticos.
No Senegal, através
de painel apresentado por Ousseynou Sane (APM Afrique –
Senegal), foi demonstrado coexistirem dois tipos de agricultura: a
agricultura familiar, que se concentra quase totalmente na produção
para consumo, e a empresa agrícola, que é prioritária para as
políticas governamentais. Até o início dos anos 80, a política
agrícola contava com forte intervenção estatal, inclusive na
promoção do cooperativismo em oposição à livre organização
camponesa. A partir daí sobrevieram 4 programas de ajuste
estrutural que têm inviabilizado a agricultura familiar no
contexto do mercado devido aos baixos preços dos produtos agrícolas
e aos altos custos dos insumos.
O debate da
experiência agregou a importância de conceber a água para
consumo humano enquanto elemento estratégico da segurança
alimentar, especialmente nas regiões áridas e semi-áridas, onde
a dificuldade para o abastecimento doméstico é muito grande nos
períodos de seca. Foi ressaltada a experiência do “Programa 1
Milhão de Cisternas”, em curso no semi-árido brasileiro, que
vem sendo desenvolvido por Ongs e organizações de produtores e
com financiamento do governo federal, salientando-se a importância
de insistir em uma maior conexão entre a disponibilidade de água
para uso doméstico, e não somente para irrigação, e o conceito
de segurança alimentar.
·Vicente Garcés,
de CERAI, Espanha, despertou vivo interesse ao apresentar um
painel acerca do problema da “vaca louca” na Europa. Depois de
descrever as características da doença que ataca o gado europeu
e a trajetória de sua disseminação, apresentou dados que
revelam as dificuldades para seu controle. Mostrou a gravidade da
atitude das autoridades européias ao esconderem dos consumidores
a realidade da situação, durante um longo período. Esta atitude
teve como conseqüência uma crescente desconfiança dos
consumidores quanto à real situação de segurança alimentar na
Europa. E mostrou, em que medida, isto levou a que se formasse uma
consciência que já não aceita com facilidade qualquer produto
alimentar que se pretenda colocar no mercado.
·
A Confederação Campesina Francesa, em painel apresentado por seu
dirigente François Dufour, manifestou sua oposição ao avanço
da agricultura produtivista, que está orientada cada vez mais
para promover a standardização dos produtos, a concentração da
produção nas regiões mais produtivas, e o aceleramento do ciclo
de desenvolvimento animal e vegetal. O principal dilema apontado
deste modelo de produção é o fato de produzir para além das
necessidades de consumo, visando atender um mercado externo que é
caracterizado pela presença de subsídios e pela liberalização
seletiva (existência de barreiras e tarifas), além de altamente
concentrado, com 2/3 das trocas de bens e serviços ocorrendo
intra empresas. Para a Confederação Francesa, a agricultura deve
ser uma atividade forte em todos os países e a agricultura
familiar deve ter a múltipla função de produzir alimentos e
garantir ocupação de pessoal, em total respeito ao meio
ambiente.
Encaminhamentos finais????g?????r??fG??¾/font>font face="Arial" size="2">
A parte final da
oficina foi aberta com informe de Michael Windfuhr (FIAN) sobre a
agenda de segurança alimentar em 2001. Michael destacou a
mobilização de organizações e redes da sociedade civil para
que em novembro desse ano seja realizada em Roma uma avaliação
dos 5 anos da Cúpula Mundial (Roma + 5). Mas também assinalou
que os governos não vêm encaminhando em seus países os
processos de avaliação, como haviam se comprometido durante a Cúpula,
nem estão se mostrando dispostos a estimular a realização dessa
avaliação, no nível global.
Por fim, a
oficina do Food Jam concentrou-se na apresentação de sugestões
e recomendações na perspectiva da continuidade deste intercâmbio,
destacando-se os seguintes pontos:
-
Apresentação de uma Declaração da Oficina de Segurança
Alimentar a ser entregue na secretaria do FSM, devendo integrar o
site do Fórum.
-
Apresentação de uma Declaração específica da África,
com os mesmos encaminhamentos da Declaração geral.
-
Para o próximo Fórum, deverá ser realizada, no último
dia, uma sessão conjunta com todas as oficinas que trabalham
temas relacionados com a segurança alimentar e nutricional.
-
Deverá ser iniciada a construção de um Banco de Experiências
de Segurança Alimentar para a documentação de casos, bem ou mal
sucedidos, para servir como referência de informação e intercâmbio.
Em breve será proposto um formulário para ser utilizado nesse
trabalho. A Ryerson university centralizará esta iniciativa.
-
A Ryerson University (Toronto-Canadá) apresentou duas
possibilidades de continuidade desse intercâmbio: uma, com a
realização de um Congresso sobre “Cidades Alimentando
Pessoas”, que é parte de um projeto já em curso, e outra de
concessão de bolsas de estudos na área de Agricultura Urbana,
financiadas pelo IDRC – International Development Research
Centre.
-
Diante da constatação sobre a ausência da questão de gênero
nesta oficina, decidiu-se incluir pelo menos uma experiência
sobre gênero e segurança alimentar no próximo Fórum.
-
Serão buscados os textos de todas as exposições de
experiências, temas e as sínteses diárias apresentadas, para
funcionar como memória da oficina.
-
Em 2001, em dois eventos ainda não confirmados, poderá se
realizar uma nova oficina, dando continuidade ao Food Jam. O
primeiro evento se realizaria em julho, em Minneapolis (USA) ou no
segundo, em setembro, em Havana (Cuba) no Foro Mundial de
Soberania Alimentaria.
Salvador,
março de 2001
Alexandre
Menezes
DECLARAÇÃO
DA OFICINA DE SEGURANÇA ALIMENTAR NO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
(29/01/2001)
Na virada do século XXI, os povos
do mundo enfrentam uma escolha histórica. A escolha entre um mundo de profunda exclusão social, ou um
mundo de inclusão, onde todas as pessoas compartilhem com mais
equidade das riquezas produzidas e da responsabilidade de
participação no processo de criação dessas riquezas. E onde o
Estado assuma o papel de promover o desenvolvimento humano sustentável,
a partir de um amplo processo de participação popular na construção
das políticas públicas.
Na área de segurança alimentar,
isso significa um escolha
-
entre a globalização baseada em relações
financeiras, mantendo e fazendo crescer a miséria e a fome ou a
construção de uma comunidade global, fundada em valores
humanistas e que respeita a diversidade
-
entre intensificar modelos de monocultura,
ultrapassados e produtivistas, ou elaborar sistemas agroecologicos
que promovam diversidade biológica, regional, cultural e
alimentar
-
entre um modelo imposto por empresas transnacionais,
com concentração do poder e a alienação das pessoas, ou
sistemas democráticos de produção e distribuição de alimentos
-
entre modelos que excluem as mulheres e aqueles que
promovem a equidade de gênero.
Identificamos nessa oficina, entre
vários e importantes aspectos abordados
- que
o conceito de segurança alimentar tem se popularizado,
incorporando e articulando entre si questões de acesso,
disponibilidade e de qualidade da alimentação
- que
a insegurança alimentar atinge povos em todas as partes do mundo,
como por exemplo no Brasil, no Canada, no Chade, na Espanha, na
França, no México e no Senegal
- que
a contaminação e transformação genética dos alimentos coloca
em grave risco a saúde das pessoas e demais seres vivos (como por
exemplo, a questão dos trangênicos e o ‘mal da vaca louca’)
- que
a visão produtivista e mercantilista tem levado a destruição do
meio ambiente e a negligências com o ser humano
- que
há um descaso das políticas publicas nacionais e internacionais
com as populações em situação de extrema vulnerabilidade, como
nos casos do Senegal, Chade e semi-árido brasileiro
- que
a insegurança alimentar é consequência tanto de políticas
globais (como a divida externa e a liberalização do comércio),
quanto da negligência de governos nacionais e locais, como no
caso da falta de reformas agrárias efetivas
- que
as situações de má-nutrição atingem pobres e ricos, haja
visto o crescimento do consumo de calorias vazias (refrigerantes)
e de alimentos de baixa qualidade nutricional (fast food)
- que
associado aos problemas de fome, tem crescido o numero de obesos
nas populações pobres
- que
a contaminação e a falta de disponibilidade e de acesso a água
tornam ainda mais vulneráveis as populações, especialmente os
pobres
- que
há várias iniciativas de promoção da segurança alimentar a
partir de organizações locais e movimentos populares
- que
existem experiências positivas de governos locais com a participação
popular
- que
o compromisso com a qualidade de vida e a boa administração dos
recursos públicos são fundamentais para o sucesso dessas ações
- que
é positivo estabelecer parcerias entre sociedade civil, governos
e universidades
Acreditamos e afirmamos
-
que alimentação
é um direito humano básico, e que governos a todos os níveis
têm obrigação de assegurar esse direito
-
que toda pessoa tem direito a alimentos em
quantidade e qualidade suficientes para garantir uma vida saudável
com todas as informações necessárias acerca daquilo que está
sendo consumido
-
que toda pessoa tem direito ao acesso a alimentos
culturalmente adequados
-
que toda pessoa tem direito ao acesso a alimentos de
forma a não comprometer sua dignidade e auto-estima
-
que alimentos e sua comercialização nunca devem
ser usados como arma política ou econômica
-
que alimentos e sua comercialização nunca devem
ser subjugados a acumulação de lucros
-
que alimentos nunca devem ser usados em pirataria
intelectual
-
que a qualidade dos alimentos depende
fundamentalmente da integridade dos sistemas ecológicos
Propomos que
-
se democratizem os direitos e usos da terra
-
se promova uma comercialização justa dos alimentos
-
se assegurem os direitos de comunidades, regiões e
paises a organizarem seus próprios sistemas de segurança
alimentar
-
se garantam o acesso ao conhecimento cientifico e a
preservação da biodiversidade como bens comuns
-
se promovam discussões públicas sobre acordos
firmados no âmbito dos organismos multilaterais (OMC, OMS,
FAO)
As principais diretrizes do Plano Estadual referem-se à
ampliação do acesso, garantia da qualidade e educação
alimentar, tendo duas linhas orientadoras: uma tecnológica,
que assume a agroecologia como base do sistema produtivo
sustentável, e outra que define a agricultura familiar como
base social prioritária para promoção da segurança
alimentar.
|