Representação
contra Alfredo Stroessner
MARCOS
ROLIM, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, e TARCISO DAL MASO JARDIM, Diretor do Centro de Proteção
Internacional de Direitos Humanos, vêm, respeitosamente, perante
Vossa Excelência, com fulcro no art. 7º , inciso I, alínea
“a” e inciso II, alínea “d”, do Código Penal Brasileiro,
e nas Convenções Internacionais, Preceitos e Princípios
Constitucionais pátrios a seguir detalhados,
REPRESENTAR
contra
ALFREDO STROESSNER, ex-presidente da República do Paraguai,
residente e domiciliado na QI 09, cj. 04, casa 04, Lago Sul,
Brasília - DF
pelas
seguintes razões de fato e de direito:
I - DOS
FATOS
1.
Na condição de Presidente da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados o Deputado Marcos Rolim realizou,
de 27 a 29 do mês de maio de 2000, visita ao Paraguai, com a
finalidade de buscar documentos e testemunhos sobre as violações
de Direitos Humanos ocorridos naquele país durante o governo do
general Alfredo Stroessner.
2.
Além dos depoimentos colhidos de pessoas torturadas - de
mulheres e homens que ficaram encarceradas durante anos, nas
piores condições, sem jamais responder ao devido processo legal;
de mães cujos filhos nasceram em prisões desumanas e de pessoas
com idade avançada que convivem com a dor causada pelo
desaparecimento de familiares - há farta documentação que se
soma a sentenças judiciais, formando provas da participação
direta e da responsabilidade penal do Senhor Alfredo Stroessner
pelos crimes de “Lesa Humanidade” ocorridos no país vizinho.
3.
Esta história criminosa, marcada pela dor, pelas perseguições,
pelas torturas e mortes, inicia-se em 1954, quando Alfredo
Stroessner, um jovem militar, controla o Poder paraguaio após um
golpe de estado por ele liderado quando era comandante em chefe
das Forças Armadas do país. Segundo o documento Testimonio
contra el Olvido: Reseña de la infamia y el terror (Paraguay,
1954-1989), publicado em 1998 pelo “Comité de Iglesias para
Ayuda de Emergencia”, sob autorização da Corte Suprema de
Justiça do Paraguai, o período ditatorial teve quatro etapas: 1ª
- consolidação da ditadura (1954-1962); 2ª - construção do
sistema e fortalecimento do poder (1963-1975); 3ª - máximo
desenvolvimento de um sistema quase totalitário (1975-1986) e 4ª
o ocaso (1986-1989).
Esta publicação teve por base a descoberta de arquivos da
ditadura, em dezembro de 1992,
encontrados no Departamento de Investigações da Polícia
de Assunção.
4.
Com base nestes dados, soube-se que já em 1958 havia pelo
menos 14 lugares de confinamento dos opositores políticos.
Lugares que não apenas confinavam pessoas, mas que foram
transformados em verdadeiros campos de concentração. Nessa época,
a tortura já era rotineira, os presos eram raramente processados
e o confinamento era utilizado com assiduidade para castigar
opositores.
O ano de 1958 foi emblemático para o movimento sindicalista, pois
iniciou-se uma campanha, liderada pela Confederação Geral de
Trabalhadores, pelo fim do Estado de Sítio, pela convocação de
uma Assembléia Constituinte, entre outras reivindicações, que
culminaram na greve geral de 27 de agosto. Durante estes fatos, vários
dirigentes foram presos, entre os quais os líderes do Partido
Comunista Antonio Maidana, Alfredo Alcorta, Julio Rojaz. Embora
condenados a três anos, eles ficaram detidos cerca de duas décadas.
O Estado de Sítio permitia a não aplicação dos direitos
fundamentais, incluindo a prisão por tempo indeterminado,
independente de julgamento. E, como o Estado de Sítio paraguaio
foi sendo renovado de 1954 até 1987, muitas pessoas ficaram
detidas arbitrariamente por mais de 20 anos.
5.
Ainda datada de 1958, há uma lista assinada por Juan
Candia, Chefe do Departamento de Investigações, apontando o nome
de 234 pessoas consideradas adversários políticos do governo,
envolvendo nessa intolerância principalmente os comunistas, mas não
só (podia incluir até mesmo membros do governista Partido
Colorado). Essa repressão genocida tinha o amparo legal do Estado
de Sítio e de leis como a de nº 294 que, a pretexto da defesa da
democracia, dava enormes poderes de repressão ao Presidente,
incluindo a hipótese de imputar penas privativas de liberdade a
quem “difundir la doctrina comunista o cualquier outra doctrina
que se proponga destruir o cambiar por la violencia la organización
democrática republicana de la nación” (art. 2).
6.
Em 1959, como reforço das idéias sindicais, o movimento
estudantil e parte do
próprio Partido Colorado reivindicam a democratização, processo
que culminaria em várias detenções e na dissolução do
Parlamento e da Junta de Governo do Partido Colorado.
Com tal radicalização, muitos grupos de vocação para a
luta armada se formaram, como a “União Nacional Paraguaia”, o
“Movimento Revolucionário Paraguaio” (M.R.P. 14 de Maio) e a
“Frente de Libertação Nacional” (FULNA), caracterizando na década
de 1960 um verdadeiro conflito armado de caráter não
internacional.
Sobre este período há uma lista de 81 mortos integrantes do
“14 de maio” e da FULNA.
7.
Com a repressão
aos movimentos guerrilheiros, inicia uma fase de controle sobre várias
atividades sociais (sindicais, eclesiásticas, estudantis, artísticas,
entre outras). Concomitantemente, desenvolveu-se
o culto à personalidade. Assim, inundou-se o país com
cartazes e outdoors
difundindo o slogan “PAZ, PROGRESO Y BIENESTAR COM
STROESSNER”, que as rádios e os jornais repetiam todos os dias.
Este regime sempre
foi amparado por um legalismo repressor. Assim, desde 1970,
Stroessner contava com outro instrumento legal para justificar a
repressão: a Lei nº 209, “de Defesa da Paz Pública e da
Liberdade das Pessoas”. Como
ressaltam Alfredo Paz et alli: “Bajo el amparo de esta ley
liberticida, la ’democracia sin comunismo‘ proseguiría, en
estos años, su campaña de verdadero extermínio de los
comunistas. Era un ofício lleno de riesgos ser comunista en el
Paraguay de entonces”.
8.
O ano de 1976 foi indiscutivelmente o marco dessa etapa de
reforço repressivo. Milhares de pessoas viveram a experiência
das prisões para “averiguações”, sobre possível
envolvimento com a Organização Política Militar (OPM).
Muitos sofreram tortura
e outras foram
assassinadas ou desapareceram. Exatamente desta época foi
encontrada, no “Arquivo do Terror”, uma curiosa ficha do então
Chefe do Departamento de Investigações e principal torturador do
Stroessner, Pastor M.
Coronel, onde
questionava:
“¿QUE
HACER COM LOS DETENIDOS?
1º
Aplicación de la Ley
2º
Desaparición Física
3ª
La Alternativa Aplicada”
9.
A ficha não explica
em que consiste esta
enigmática terceira
alternativa, mas certamente significava um crime de lesa
humanidade. Afinal, este fichamento, que provavelmente teria
servido para alguma palestra, finalizava com os seguintes dizeres:
DERECHOS
HUMANOS
“Con
Derechos Humanos o sin Derechos Humanos, seguiremos en el poder
construyendo y progresando, orgullosos de nuestro gobierno y de
nuestro partido.”
10.
A política de paz e
democracia sem comunismo não se restringia às prisões
arbitrárias e torturas, nem se limitava a afetar a integridade física
das vítimas. Os mecanismos repressores de Stroessner afetaram a
vida de milhares de pessoas, mediante o desaparecimento forçado e
a execução extrajudicial. Assim, serão referidos, em seguida,
alguns casos extraídos de processos judiciais movidos por vítimas
contra agentes do Estado:
A-
MARIO SCHAERER PRONO
11.
Mário Schaerer Prono e sua esposa Guilermina Kanonnikoff
foram presos em 5 de abril de 1976. Ela,
que à época estava grávida, ficou presa mais de um ano,
tendo seu filho nascido na prisão. Guilermina declarou em juízo
que viu seu marido em várias oportunidades, enquanto estava no
Departamento de Investigações e, inclusive, escutou seus gritos
durante sessões de torturas. A última vez que o viu se
encontrava em estado grave. Várias outras pessoas, que se
encontravam detidas no Departamento de Investigações, viram seu
marido em estado grave. A versão oficial do governo foi a de que
Prono havia morrido em um enfrentamento com a policia.
12.
Esse processo foi movido contra o Chefe do Departamento de
Investigações, Pastor M. Coronel, o Chefe da Polícia, General
Francisco Alcibíades Brítez Borges, os agentes de investigações
Camilo Almada Morel, Juan Martinez e Lucilo Benitez, o
ex-presidente Alfredo Stroessner e seu Ministro do Interior Sabino
Augusto Montanaro. A sentença de primeira instância condenou
Coronel, Martínez, Almada e Benitez a uma pena de 25 anos de
privação de liberdade por homicídio qualificado. E condenou Brítez
a 5 anos por encobrimento do crime.
B
- MIGUEL ANGEL SOLER
13.
Miguel Angel Soler, filho de um ex-Ministro de Relações
Exteriores do Paraguai, advogado e Secretário Geral do Partido
Comunista Paraguaio, foi seqüestrado em sua casa, em Assunção,
e ilegalmente preso pela polícia paraguaia, juntamente com sua
esposa e filha, em 30 de novembro de 1975. Segundo testemunhas
ouvidas no processo judicial, ao entrar no Departamento de
Investigações, Soler gritou: “Viva o Partido Comunista! Sou
Miguel Angel Soler”. Uma das testemunhas, Maurício Schwartzmann,
que foi torturado na mesma câmara de torturas, disse ter visto,
no local onde fora torturado Miguel Angel Soler, uma cama ortopédica
com elásticos de ferro e braceletes apropriada para choques elétricos
e um refletor. Também depõe que havia sangue no chão, cobrindo
toda a extensão da sala.
14.
Prudencio Vidal Bogarín, preso político que também
estava no Departamento de Investigações nesses dias, afirma ter
escutado, quando estava amanhecendo o dia seguinte da detenção
de Miguel Angel Soler, uma conversa em guarani entre dois
policiais partícipes da sessão de tortura de Soler. Um deles
disse que “el viejo” (referindo-se ao então Presidente da República)
havia ordenado, por telefone, que atuassem sem complacência e, a
fim de cumprir tal ordem, Pastor Coronel, o general Brítez Borges
e o Coronel Guanes Serrano castigaram-no com suas próprias mãos.
Apesar de todos os testemunhos de que Miguel Angel Soler entrou
vivo no Departamento de Investigações, sua entrada não foi
registrada, as autoridades jamais deram informações sobre seu
paradeiro e ele nunca mais foi visto.
15.
Nesse processo, em que o próprio Alfredo Stroessner figura
como acusado por delitos de homicídio, violação de domicílio,
abuso de autoridade, seqüestro e torturas, há a
“interessante” decisão que
considerou que a contagem da prescrição só inicia a partir do
golpe de Estado que encerrou a era de Stroessner, já que não
estavam dadas as condições para que se pudessem exercer ações
judiciais pertinentes.
C
- CARLOS JOSE MANCUELLO
16.
Carlos Jose Mancuello, estudante de engenharia em La Plata,
Argentina, foi preso em 25 de novembro de 1974 na aduana paraguaia
de Puerto Falcón (fronteira com a Argentina) com sua esposa
Gladys Esther Ríos de Mancuello e uma filha de oito meses. Foi
recolhido à ala onde
se encontravam os presos Amilcar Oviedo y Maria Magdalena Galeano.
De acordo com as provas recolhidas, Carlos Jose Mancuello foi
submetido a todo tipo de torturas no Departamento de Investigações.
Seus familiares levavam-lhe roupas, alimentos e medicamentos e
retiravam suas vestimentas ensangüentadas. No dia 21 de setembro
de 1975, os familiares foram surpreendidos com a impossibilidade
de prestarem qualquer ajuda, em razão de os guardas afirmarem que
Carlos José Mancuello não se encontrava mais no Departamento.
Na mesma data foi transladado um grupo de prisioneiros políticos
para “Investigaciones a Emboscada”, mas, também alí, Carlos
José Macuello não foi encontrado. Está desaparecido até hoje.
17.
Neste caso, tem-se a declaração informativa do oficial
Jorge Pane Zárate, afirmando que o destino do grupo de quatro
detentos, entre os quais figurava Mancuello, estava vinculado a
ordens diretas de Alfredo Stroessner e de Pastor Coronel.
D
- AGUSTIN GOIBURU
18.
Agustin Goiburu era médico da Policlínica da Polícia em
1959. Ali começou a denunciar as torturas a que eram submetidos
os estudantes presos em decorrência das manifestações
oposicionistas. Foi um dos fundadores do Movimento Popular
Colorado – MOPOCO. Em razão dessas denúncias, começou a
sofrer perseguições, e por isso refugiou-se na Argentina. Em
novembro de 1969, quando estava pescando no rio Paraná (perto de
Posadas – Argentina), foi seqüestrado. Após três meses do seqüestro,
um oficial da Marinha foi visitar sua esposa e lhe informou que
Agustin Goiburu estava preso na Marinha em Assunção. Ante tal
circunstância, começou-se a denunciar o fato até que o governo
reconheceu sua prisão. Informado que sua vida estava em risco,
Agustin Goiburu preparou sua fuga, o que de fato aconteceu,
refugiando-se na Embaixada do Chile e, mais tarde, dirigindo-se a
Santiago (Chile). De
Santiago voltou a Posadas, Argentina. Em 9 de fevereiro de 1977,
às 11horas, ao sair do hospital San Martin, em Buenos Aires, foi
interceptado por dois carros, de onde saíram os policiais que
novamente o seqüestraram. Desde essa data
Agustin Goiburu se encontra desaparecido.
19.
Mais tarde a esposa de Agustin Goiburu descobriu que as
autoridades militares da Argentina entregaram seu marido ao
Paraguai, mantendo-o preso no sótão do Regimento de Escolta
Presidencial. Desde então não há mais notícias sobre seu
paradeiro.
20.
No decorrer do processo judicial, movido por sua esposa
contra os torturadores e os responsáveis pelo seu
desaparecimento, solicitou por carta rogatória informações
sobre Goiburu a alguns dos acusados, entre os quais
o General Stroessner, que negou conhecimento ou participação
nos fatos.
E
- MARTINO ROLON
21.
Martino Rolon pertencia às Ligas Agrárias e era diácono
da Igreja de Misiones. Foi
acusado pelo governo stronista de haver estado na Organização
Político Militar – OPM. Acusa-se o governo stronista de ter
utilizado esta organização para justificar a prisão massiva de
cerca de mil pessoas no ano de 1976. Martino Rolon foi preso no
dia 4 de abril de 1976, juntamente com a esposa e seus filhos.
Foram levados ao Departamento de
Investigações, onde a esposa e os filhos permaneceram
presos por um mês. Quanto
ao Senhor Martino Rolon, o governo apresentou a
versão de que teria sido baleado em um enfrentamento e que
sua esposa teria reconhecido o corpo. Todavia, Martino Rolon,
depois da sua prisão, nunca mais foi visto.
F
- MARCIANO e DERLIZ VILLAGRA
22.
Derliz Villagra era Secretário-Geral da Juventude do
Partido Comunista Paraguaio. Seu pai, Marciano Villagra, era
dirigente do Partido Comunista, tendo sido preso e torturado
muitas vezes. Derliz
Villagra foi preso em 1965, ficando preso até 1972, quando saiu
do Paraguai, juntamente com seu pai.
Em 1975 retornou clandestinamente e, no mesmo ano, foi
novamente preso e torturado. Foi visto pela última vez no
Departamento de Investigações, em 30 de novembro de 1975. Desde
então não há mais notícias sobre a vítima.
G
- AMILCAR MARIA OVIEDO
23.
Foi preso em via pública de Assunção, no dia 23 de
novembro de 1974, sendo levado ao Departamento de Investigações.
Durante vinte e seis meses os familiares levavam roupas, comidas e
remédios para Amilcar Maria Oviedo. Muitas vezes o viram em
estado grave por conta das torturas a que era submetido. Em 21 de
setembro de 1976, o guarda Agustín Belotto, sem justificar,
chamou os familiares e
deu-lhes a notícia de que a partir de então estavam proibidos de
visitar a vítima. Desde essa data se desconhece o paradeiro de Amílcar
Maria Oviedo.
H.
RODOLFO e BENJAMIN RAMIREZ VILLALBA
24.
Rodolfo e Benjamin Ramirez Villalba foram presos em 23 de
novembro de 1974; Rodolfo, ao regressar da Argentina, e Benjamin,
em um Bairro central de Assuncão. Levados ao Departamento de
Investigações, ficaram na mesma cela de Amílcar Maria Oviedo e
Carlos Jose Mancuello. Desapareceram
no mesmo dia em que desapareceu Amílcar Maria Oviedo, isto é, no
dia 21 de setembro de 1976. A
justificativa foi a de que se lhes aplicaram a “Ley de Fuga”,
versão que foi confirmada, em juízo, por Lucilo Benítez,
policial que participou das torturas a que as vítimas foram
submetidas. Nesse processo, o Juiz do feito pediu a extradição
de Stroessner e chegou a decretar sua prisão, com a finalidade de
garantir a extradição do ex-presidente.
I
- IRMÃOS LOPEZ MAIDANA
25.
Os irmãos Elixto, Francisco, Adolfo e Policarpo López
Maidana eram membros das Ligas Agrárias. Ao tomarem conhecimento
da morte de um de seus companheiros, Dionisio Rodas, em circunstâncias
estranhas, resolveram fugir do país, mas foram capturados e
presos ao cruzar o rio Paraná, em 15 de maio de 1976. Então,
foram levados à delegação de Governo de San Juan Bautista,
Misiones, onde permaneceram presos sem ordem judicial. No dia 21
de maio, do mesmo ano, foram vistos por José Gerardo Talavera,
Inocencio Aquino e Evaristo Gutiérrez, que ouviram a voz do
subcomissário Camilo Almada dando ordens de transferir os irmãos
Lopez Maidana. Desde então, não se tem mais notícias do
paradeiro dos irmãos.
J
- ESTANISLAO SOTELO, MARIO RUIZ DIAZ, SECUNDINO SEGOVIA BRITEZ,
FELICIANO VERDUN, FEDERICO GUTIERREZ, ADOLFO CESAR BRITOS ULIAMBRE,
GUMERCINDO BRITEZ e REINAL GUTIERREZ.
26.
Em 8 de março de 1980, um grupo de camponeses da colônia
Acaray, situada há poucos quilômetros da Cidade Puerto
Presidente Stroessner, tomou uma decisão desesperada. Acossados
pela pressão que o Exército paraguaio lhes fazia para
abandonarem suas terras (como pequena digressão, diga-se que
muitos militares se apropriaram de terras, expulsando camponeses),
tomaram à força um ônibus com o propósito de chegar à Assunção
para solicitar às autoridades do “Instituto de Bienestar
Rural" (IBR) os títulos de propriedade de seus campos e
denunciar à opinião pública sua situação de angústia.
27.
Os camponeses, fichados imediatamente como guerrilheiros
pela polícia, embora não tenham portado armas, tiveram uma
resposta brutal. Forças da II Divisão de Infantaria, armadas e
apoiadas por helicópteros e aviões, cercaram os camponeses perto
de “Campo 8”, onde foram massacrados. Muitos morreram e
Estanislao Sotelo, Mario Ruiz Diaz, Secundino Segovia Britez,
Feliciano Verdun, Federico Gutierrez, Adolfo Cesar Britos,
Concepcion Gonzalez, Fulfencio Castillo Uliambre, Gumercindo
Britez e Reinaldo Gutierrez desapareceram e o paradeiro do grupo
é desconhecido até hoje.
K
– CASO PRO-CHINO
28.
Em março de 1982, a polícia anunciou que havia desvendado
outro núcleo comunista, de tendência chinesa, que seguiriam
orientações de Oscar Creydt. Cerca de 40 pessoas foram detidas e
conduzidas ao Departamento de Investigações. Na maioria
agricultores, essas pessoas foram gravemente torturadas, em
especial o líder desse núcleo, Antonio González Arce. Houve 38
pessoas enquadradas na Lei 209, amargando extensa reclusão. Neste
processo, que durou até 1985, quando as vítimas foram soltas,
houve a morte de uma detenta, Leónidas, após ser torturada e não
obter atendimento médico.
Quantos
são os desaparecidos?
29.
Apesar da descoberta do Arquivo do Terror, constituído de
cinco toneladas de documentos, que já foram pesquisados por
centenas de jornalistas e historiadores, não há um consenso
sobre a quantidade de paraguaios que foram presos, torturados e
posteriormente desapareceram. Calcula-se que o número dos
desaparecidos durante o governo Stroessner, isto é, de 1954 a
1989, ultrapasse 300
pessoas, segundo o historiador
Alfredo Boccia Paz. Sobre uma amostragem das detenções arbitrárias
no período stronista, ver a já citada obra “Testimonio del
Olvido” (páginas 41 a 144), que lista 2.427 detenções,
incluindo comprovações de torturas.
Operação
Condor
30.
Hoje, não há dúvidas que a política repressiva e
anticomunista não se limitava às fronteiras paraguaias. Com os
golpes militares que se desencadearam no Cone Sul, durante a década
de 60 e 70, intensificaram-se as articulações dos países com o
objetivo de combater os oposicionistas, culminando com o plano das
ditaduras da região conhecido como Operação Condor²³.
31.
Talvez nunca se soubesse a exata origem da Operação
Condor, se os militares paraguaios não tivessem deixado entre os
documentos que constituem o Arquivo do Terror, descoberto em
dependências policiais, em 1992, as provas da articulação
repressiva. Lá podem ser encontrados os documentos que noticiam
as primeiras reuniões e conferências entre os diferentes órgãos
de repressão dos países que integravam a Operação Condor
32.
O primeiro informe que faz referência a esta operação
surge de um agente especial do FBI, lotado em Buenos Aires,
chamado Robert Scherrer que, uma semana depois do assassinato do
ex-Chanceler chileno Orlando Letelier, informava que:
“El
Operativo Cóndor es el nombre en clave para la recolección,
intercambio y almacenamiento de información secreta relativa a
los denominados ‘izquierdistas’, comunistas y marxistas que se
estableció recientemente entre los servicios de inteligencia en
América del Sur (...) El operativo tiene previstas operaciones
conjuntas contra objetivos terroristas en los países miembros,
Una tercera fase, y más secreta, implica la formación de grupos
especiales de los países miembros que deberán viajar hacia países
no miembros para llevar a cabo castigos incluido el asesinato de
terroristas o simpatizantes de organizaciones terroristas de los
países miembros de operativo” (Cable de Robert Scherrer al
cuartel general del FBI, octubre de 1976).
33.
As operações de elementos repressivos envolviam no
caso concreto dois ou
mais países. Presos argentinos, chilenos e uruguaios
seriam rotineiramente interrogados no Departamento de
Investigações de Assunção por militares e policiais de seus próprios
países. Um dos casos paradigmáticos – por estar completamente
documentado – começou em fins de março de 1977 em Assunção,
onde foram presos cinco ativistas rioplatenses do movimento de
esquerda. Eram os uruguaios Nelson
Santana e Gustavo Insaurralde; e os argentinos José Nell, Dora
Marta Landi e José Logoluso.
34.
Este caso
motivou uma ampla mobilização da polícia paraguaia que, nos
dias seguintes, prendeu várias dezenas de pessoas vinculadas a
uma suposta organização destinada a falsificar documentos para
amparar extremistas montoneros. Prontamente os aliados da Operação
Condor foram alertados. No dia 9 de abril de 1977, um comissário
paraguaio escreveu uma nota a seus superiores informando:
“elevar
a su conocimiento el resumen de las actividades del equipo de
trabajo que se constituyó en esta Dirección los días 5, 6 y 7
de los corrientes, integrado por el Cnel. Benito Guanes y el Tte.
1º Angels Spada y Sgto. Juan Carlos Camicha, de la Jefatura de
Area 234; José Montenegro
y alejandro Stada del S.I.D.E., ambos de la República Argentina y
el Mayor Carlos Calcagno del Servicio de Inteligencia del Ejército
del Uruguay, con relación a los procedimeientos efectuados por
esa Jefatura...”
(Archivos paraguayos. Nota del Comisario Alberto Cantero al Jefe
del Departamento de Investigaciones, Pastor Coronel)
35.
Os detidos haviam sido torturados e interrogados por uma
equipe multinacional, que compartilhava
a informação
obtida, repassando-a aos respectivos policiais, sobre os
antecedentes de cada um deles. Em meados do mês de maio, do mesmo
ano, foi tomada uma decisão: os presos seriam transladados para a
Argentina. Não há notícias, mas provavelmente lá foram
submetidos a novos interrogatórios e torturas. Todos os
argentinos e uruguaios figuram hoje como desaparecidos no
Paraguai.
36.
O caminho inverso também foi feito muitas vezes: cidadãos
paraguaios presos na Argentina eram devolvidos aos militares do
Paraguai. Os arquivos paraguaios permitiram comprovar numerosos
casos de intercâmbio de prisioneiros, como o da médica paraguaia
Gladys Meillinger de Sannemannn, que realizou um incrível roteiro
clandestino pelas prisões da região. Presa em 1976, na província
argentina de Misiones, foi transferida
meses depois ao Departamento de Investigações de Assunção.
No ano seguinte, foi enviada de volta à Escola de Mecânica da
Armada de Buenos Aires, donde, graças às pressões do governo
alemão, logrou a saída e refugiou-se no país europeu.
37.
A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Paraguai,
relacionou 60 nomes de paraguaios desaparecidos na Argentina.
Dessa lista, há casos já provados de pessoas que foram apenas
seqüestradas e devolvidas às autoridades paraguaias e,
posteriormente, foram desaparecidas.
Participação
do Senhor Alfredo Stroessner na Prática dos Crimes de Lesa
Humanidade
38.
Alfredo Stroessner responde atualmente a 6(seis)
processos judiciais perante a Justiça paraguaia, por crimes de
tortura, mortes e desaparecimentos forçados. Ademais, no processo
sobre violações sofridas pelos irmãos Ramirez Villalba,
inicialmente propostos contra os principais torturadores (LUCILO
BENITES, ALCEBIADES BRETEZ BORGES, PASTOR CORONEL, ALBERTO CANTERO
E AUSTIN BELOTTO), foi ampliada a responsabilidade, a pedido do
"Fiscal General" (correspondente ao nosso
Procurador-Geral da República), nos seguintes termos:
"Ampliar el sumario en la investigación a la mude los
hermanos RAMIREZ VILLALEA e incluir como precesado al Ex
Presidente de la República ALFREDO STROESSNER....".
39.
E no processo sobre violações sofridas por Amilcar
Maria Oviedo, corrobora-se o A.I. nº 226, de 12 de dezembro de
1989, do Tribunal de Apelação Penal, 3ª Sala, causa "Excepcion
de prescripcion planteada a favor de PASTOR MELCÍADES CORONEL Y
ALBERTO CANTERO sobre detención ilegal y otros en capital",
quando sentenciou-se: "Además,
reiteramos que deberá incluirse en ellos al presunto instigador
principal de estos delitos, el ex-presidente Alfredo Stroessner,
que posiblemente incentivaba la violencia desde el gobierno,
violando los derechos humanos y amparaba a los delincuentes, hacièndolos
gozar de todos los privilegios, extendiendo um manto de impunidad
insostenible".
40.
Neste
último caso, a decisão citada é reforçada pela convicção da
responsabilidade penal do General Stroessner nos seguintes termos:
"Esta opinión se
encuentra corroborada em todos sus términos en esta causa, cuando
LUIS ALBERTO CAYETANO WAGNER LEZCANO, al momento de comparecer
ante este Juzgado, a fs. 52/3 vlta. de autos decia ....'quedando
el cuarteto conformado por los hermanos Ramirez, Bejamin y
Rodolfo, Amilcar Oviedo y Carlos Mancuello, quienes posteriormente
le comentaron que en esse dia recibieran la visita del Presidente
Stroessner o más bien fueron presentados....´
"
41.
Na
mesma sentença o magistrado continua, textus:
"EUCLIDES ROBERTO ACEVEDO CANDIA, cuando fue preguntado se
quién daba las órdenes para las torturas y quienes las cumplia
dijo........'que sin ninguna duda el que daba las órdenes era
PASTOR CORONEL, quién a su vez recebia órdenes de Presidente de
la República en la sala de torturas. LUCILO BENITEZ recebia órdenes
de Pastor Coronel a traves de un Walkie Talkie, con fondo musical
de Los Chalchaleros, escuchaba
la voz de Pastor Coronel que decía en guarani
aprietenle, aprietenle, en la pileta.....' Es concluyente,
a partir de todos estos indicativos, que en princípio la
participación del ex-presidente Alfredo Stroessner esta fuera de
toda duda. Inclusive el Gral. Brítez Borges cuando fue indagado
por el Juzgado Habia dicho, conforme consta a fs. 92/6 de autos
'....que normalmente visitaba al entonces presidente de la República,
una vez al mes, en dichas ocasiones recibia las respectivas
instrucciones, el Presidente le solía decir
Britez, Ud. Es un flojo, quiero más acción...'.
Participação
Brasileira na Violação de Direitos Humanos no Paraguai.
42.
Também existe uma farta documentação, em anexo, que
demonstra a clara e evidente participação brasileira na violação
dos direitos humanos no Paraguai. Entre estes documentos, podemos
referir: os Pedidos de Busca, de informações sobre militantes
políticos que circulavam entre os organismos do Brasil e
Paraguai; correspondências, ofícios e convites que as
autoridades trocavam, via de regra, através das Embaixadas; as
Conferências dos Exércitos Americanos, das quais o Brasil se fez
representar, entre outros.
43.
Em visita recente ao Paraguai, o Deputado Marcos Rolim teve
a oportunidade de ouvir pessoas que afirmam terem sidas torturadas
e interrogadas por
agentes brasileiros. O Senhor JOSÉ
DE ROSARIO MARTINEZ IRALA, por exemplo, disse que foi
preso no dia 22 de abril de 1976 e levado ao campo de concentração
chamado "Abrahan-cué", onde foi submetido a torturas
durante 6 horas por
uma equipe de policiais, entre eles um oficial
brasileiro que era tratado pelo codinome "Caxias".
Ele, segundo o depoente, dava as instruções aos demais policiais
sobre a aplicação das torturas.
44.
Este depoente relatou que as torturas eram tão violentas,
que chegou a vomitar sangue e, em determinado momento, desmaiou,
sendo reanimado pelo sargento brasileiro, que lhe aplicou
massagens e ofereceu um comprimido de aspirina. O depoente não
soube fornecer maiores detalhes sobre o policial brasileiro, pois
tinha dificuldades de compreender o idioma português, dizendo
apenas que estava com farda policial e exercia a função de chefe
da equipe.
45.
Outro importante relato, dado pelo Presidente do Senado
Paraguaio, Senador Juan Carlos Galaverna, ressaltou o seqüestro
por agentes brasileiros de quatro cidadãos paraguaios, na cidade
de Foz de Iguaçú, Estado do Paraná, e entregues às autoridades
paraguaias como opositores do Governo Stroessner. Os seqüestrados
são: Anibal Abatte Selei, Rodolfo Monjelos, Alejandro Stump e
Cesar Cabral. Este episódio já mereceu ampla publicidade nos
meios de comunicação do Brasil.
46.
Outro episódio que parece ter caído no esquecimento,
agora relatado pelo Ex-Deputado brasileiro LYCIO HAUER, foi uma
verdadeira chacina que até hoje permanece sem explicações.
Segundo o ex-parlamentar, nos meados de dezembro de 1961, oito
guerrilheiros paraguaios, sentindo-se acuados pelas forças
militares de Strossner, atravessaram a fronteira, portando armas típicas
de guerrilha – metralhadoras, pistolas e dinamite – e
solicitaram asilo ao Delegado de Paranhos(MS), Hilário Lopes, a
quem depuseram as armas. Entretanto, foram os rebeldes localizados
pelas forças paraguaias e, em 25 de dezembro, véspera da
chacina, um avião militar paraguaio, segundo testemunhas e
palavras do próprio guarda-campo brasileiro, Sr. Procópio Alves
Nogueira, pousou no campo de Amambaí(MS), dele descendo quatro
paraguaios. Um deles, o major piloto, foi posteriormente
identificado como sendo Epifânio Cardozo. Tal avião lá
permaneceu por mais de uma hora, tendo os militares paraguaios saído
a pé até o centro da localidade e voltado de automóvel. Segundo
consta, estiveram com o escrivão de polícia local Inocêncio
Rodrigues, vulgo Santinho, servindo então de Delegado, no lugar
do Tenente da Força Pública de Mato Grosso, Manuel Ayres, e
negociando a entrega dos rebeldes, na base de corrupção, pelo
preço de 80.000 (oitenta mil) guaranis por cabeça. Isto era
comum à época, na região,????t???L?????????l??w????span style="mso-spacerun: yes">
/span>segundo o ex-parlamentar.
47.
Conta o Delegado de Amambaí, Inocêncio Rodrigues, o
Santinho, que, no dia 26 de dezembro, recebeu um ofício do
Delegado de Paranhos, Hilário Lopes, solicitando-lhe que fosse
buscar os oitos rebeldes paraguaios, que lá não podiam
permanecer. Assim, chegou a Paranhos às 17 horas daquele mesmo
dia, amarrou os rebeldes com corda de pesca, colocou-os em um
caminhão, dirigido por João Tavares, que estava acompanhado de
um filho deste, o menor Waldemar Tavares, e de Breno dos Santos, e
transportou-os, já noite, para Amambaí. Por volta de 22 horas,
quando estava a 20 km de Paranhos, foi atacado por um grupo de 15
a 20 homens, que lhes tomaram os rebeldes e fuzilaram-nos
sumariamente, em pleno território brasileiro. Dessa chacina,
feridos mas dados como mortos, escaparam milagrosamente Remígio
Jimenes e Gualberto Arce, mais tarde recolhidos ao Hospital
Militar de 11º R.C. de Ponta Porã.
DO
DIREITO
Asilo
político como um instituto de direito internacional
48.
A construção do instituto do asilo no plano
interamericano e universal possui desenvolvimentos diferenciados,
em especial na modalidade do asilo diplomático, mas também na
regulamentação convencional e consuetudinária do asilo
territorial. A própria terminologia não se encontra
sistematizada sequer no plano interamericano, apesar de a construção
jurídica separar claramente o asilo diplomático do asilo
territorial. Contudo, há associações do primeiro com o asilo
político e do segundo com o refúgio político. O fato é que há,
de um lado, o asilo concedido em legações ou em aeronaves,
navios e acampamentos militares (chamado de asilo diplomático) e,
de outro lado, o asilo concedido em território do Estado de
acolhida (chamado de asilo territorial).
49.
A Convenção sobre Asilo de Havana (1928) proíbe o que
seria chamado de asilo diplomático para crimes comuns ou para
desertores de terra e mar (art.
1), permitindo o asilo para delinqüentes políticos, como um
direito ou tolerância humanitária (art. 2). O art. 1 desta
Convenção é alterado pela Convenção Sobre Asilo Político de
Montevidéu (1933), não admitindo esse tipo de asilo para
acusados por delitos comuns que estiverem sendo processados ou já
condenados por tribunais ordinários. Contudo, a qualificação da
delinqüência política cabe ao Estado que concede o asilo (art.
2º desta Convenção), que possui caráter de instituição
humanitária (art. 3). O direito ao asilo seria consagrado na
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948),
associado ao sentido de asilo territorial e à existência de
perseguição que não seja motivada por delitos comuns, de acordo
com a legislação de cada país e com as convenções
internacionais (art. XXVII).
50.
Nota-se que estamos diante de um instituto associado à
construção humanitária das relações entre os indivíduos e o
poderio estatal, idéia por definitivo consagrada, no mesmo ano de
1948, a partir da noção de asilo (territorial) definido no art.
14 da Declaração Universal de Direitos Humanos (doravante DUDH).
Este dispositivo ressalta (parágrafo 2) que se trata de um
direito incompatível de ser invocado contra uma ação judicial
realmente originada por delitos comuns ou por atos opostos aos
propósitos e princípios das Nações Unidas. Ora, as Nações
Unidas possuem, entre outros, o objetivo de promover e estimular o
respeito pelos direitos humanos (art.1, §3º, da Carta da ONU) e
o fim de respeitar de maneira universal e efetiva os direitos
humanos, incluindo a cooperação estatal, em conjunto ou
separadamente, para cumprimento destes propósitos (art. 55, c, e
56 da Carta da ONU). Ademais, a DUDH é considerada hoje como uma
norma imperativa (jus
cogens), atingindo este status
por via consuetudinária (além de ser obrigatória por via
indireta, como menções em Constituições – e.g., de Portugal;
em tratados – e. g., Convenção Americana sobre Direitos
Humanos; ou em Conferências, e.g. Conferência Internacional de
Direitos Humanos em Teerã).
Dessa forma a DUDH, no que contradiz
seus dispositivos, derroga tratados celebrados após sua
aprovação e cessa a vigência de acordos elaborados antes de 10
de dezembro de 1948.
51.
Após a DUDH as normas internacionais sobre o asilo tendem
a intensificar o aspecto político do delito, inclusive em casos
de processos judiciais internos por delito comum ou em deserções,
ao mesmo tempo em que não mais admite o asilo político em crimes
de lesa humanidade. Admitir o asilo, cuja natureza é humanitária,
para proteger pessoas que cometeram sistemáticas e generalizadas
violações de direitos humanos, seria a contradição
personificada.
52.
As Convenções sobre asilos diplomático e territorial,
elaboradas em Caracas (1954), revisam o direito interamericano
precedente, ao condicionar todas as situações a delitos políticos
ou delitos comuns com fins políticos, cabendo aos Estados de
acolhida em todas as situações averiguar a natureza do crime.
Também a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (1969), em
seu art. 22, §7º, reduz o asilo (no sentido territorial) a
delitos políticos ou comuns conexos com políticos, de acordo com
a legislação interna de cada Estado ou
convenções internacionais. Pois a Convenção sobre Asilo
Territorial de Caracas, em seu art. II,
considerada esse tipo de asilo como um instituto destinado
a abrigar pessoas perseguidas por crenças, opiniões ou filiação
política ou por atos que possam ser considerados como delitos políticos.
E se o indivíduo incorrer também em crimes considerados comuns,
o que deve ser analisado é a predominância dos fins políticos
(art. IV). A análise da finalidade política do ato criminoso não
é uma questão puramente de verificação da intencionalidade do
acusado, mas se trata da configuração jurídica de um instituto
que tolera atos cometidos a sabor das divergências internas com o
limite de não incluir a barbárie e os crimes internacionais.
53.
Foi exatamente nesse sentido que, interpretando o art. 14
da DUDH, tem-se o art. 1, §2º, da Declaração das Nações
Unidas sobre o Asilo Territorial [resolução 2312 (XXII), de
1967]: Não poderá invocar
o direito de buscar asilo, ou de desfrutar deste, nenhuma pessoa a
respeito da qual existam motivos fundados para considerar que
cometeu um delito contra a paz, um delito de guerra ou um delito
contra a humanidade, dos definidos nos instrumentos internacionais
elaborados para adotar disposições a respeito de tais delitos.
Este princípio de que o Estado não pode conceder asilo para
criminosos de guerra ou de lesa humanidade foi reforçado pelos
Princípios de Cooperação Internacional para Identificação,
Detenção, Extradição e Castigo dos Culpados de Crimes de
Guerra ou de Crimes de Lesa Humanidade [Resolução 3074 (XXVIII)
da Assembléia Geral, de 1973]. Estes princípios são a linha de
interpretação do dispositivo, que aparece em certos tratados
interamericanos que proíbem a classificação de política a
certas condutas, como o art. 15 da Convenção Interamericana para
Previnir e Sancionar a Tortura: Nada
do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como
limitação do direito de asilo, quando este proceda [...].
Exatamente, o asilo não procede em caso de crimes de guerra,
crimes contra a paz e crimes de lesa humanidade,
mesmo quando cometidos no exercício de funções políticas.
54.
E, se buscarmos a associação do asilo territorial com o
status de refugiados, temos a taxativa disposição presente no
art. 1, F, a, da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados,
sobre a não aplicação dessa Convenção para pessoas sobre as
quais existam fundados motivos para considerar que cometeu um
crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a
humanidade, definidos em instrumentos internacionais. O inc. III
do art.3º, da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, proíbe
nesse sentido o benefício da condição de refugiado aos indivíduos
que tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime
contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos
terroristas ou tráfico de drogas.
55.
Todos os tratados citados foram ratificados pelo Brasil e o
Paraguai e as deliberações internacionais respaldadas por suas
delegações. Portanto devem ser seguidos de forma obrigatória
pelos poderes constituídos internos. Isto significa que um
genocida, exterminador e torturador como Stroessner não deveria,
em tese, ser beneficiado com o asilo. No caso de sua concessão, o
asilo não deveria impedir a extradição ou o julgamento interno,
quando cabíveis. Pode-se sustentar que, em 1989, diante da
solicitação do asilo e face às alegações apresentadas segundo
as quais Strossner corria, efetivamente, risco de vida por conta
do câmbio político no Paraguai, cabia ao Brasil, como Estado
Democrático de Direito, protegê-lo. Esta imposição, de
natureza ética, poderia mesmo legitimar-se plenamente. O que não
parece aceitável, nem justo, é que o instituto de asilo, no caso
concreto, tenha sido ao longo dos anos o instrumento funcional
para a consagração da impunidade. Para confirmar os adjetivos
com os quais circunscrevemos as responsabilidades criminosas de
Strossner, basta conferir a lista de vítimas retirados dos
arquivos da ditadura e compilada no documento Testimonio
contra el Olvido: Reseña de la infamia y el terror (Paraguay,
1954-1989), publicado pelo “Comité de Iglesias para Ayuda
de Emergencia” sob autorização da Corte Suprema de Justiça do
Paraguai. Estes documentos provam o terrorismo de Estado e o genocídio
concertado entre os países sul-americanos conhecido como Operação
Condor.
O
asilo como um princípio do direito constitucional brasileiro e a
possibilidade de julgamento de um asilado político
56.
O asilo político é um princípio constitucional que rege
nossas relações internacionais (inc. X do art. 4º da CF). A
terminologia asilo político
engloba no direito brasileiro o asilo diplomático e o asilo
territorial, já que internamente aquele não está somente
associado ao asilo diplomático. Ao contrário, no art. 28 do
Estatuto do Estrangeiro menciona-se o conceito de asilado político
no sentido territorial (“estrangeiro admitido no Território
Nacional”). O asilo, como vimos, é incompatível com crimes de
lesa humanidade, crimes de guerra, crimes contra a paz e
terrorismo de Estado. Essa compreensão do asilo é dada pelas
obrigações assumidas pelo Brasil que o delineiam, mas também
porque só podemos compreender este princípio associado aos
demais. E, sob este prisma, não podemos esquecer outro princípio
que rege nossas relações internacionais: o da prevalência dos
direitos humanos (art. 4º, inc. II, da CF). Tampouco podemos
esquecer um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: a
dignidade humana (art. 1º, inc. III).
57.
A “concessão do asilo político”, segundo entendimento
doutrinário, cabe ao Poder Executivo Federal, em razão de ser um
ato de política externa.
Entretanto, não se trata de ato inquestionável e absoluto.
Segundo o direito internacional, trata-se de um ato de soberania
estatal admitir pessoas em seu território que julgar conveniente,
não as entregando ou expulsando quando perseguidas por motivos ou
delitos políticos (ver arts. I e III da Convenção sobre Asilo
Territorial de 1954). Cabe ao Estado como um todo, e não somente
ao Poder Executivo, exercer tal soberania. Uma vez concedido o
asilo político pelo Executivo, estamos diante o exercício prima
facie de um princípio constitucional, que não deve se manter
no desvio do aspecto político da natureza criminosa, em relação
à extradição e ao julgamento interno, quando da ponderação
com os princípios da prevalência dos direitos humanos e da
dignidade humana.
58.
Devemos ter em mente um modelo de princípios, onde viceja
o consenso de ser governado por princípios comuns, e não apenas
por normas elaboradas por acordos políticos. Como Dworkin pontua,
“Os
membros de uma sociedade de princípio admitem que seus direitos e
deveres políticos não se esgotam nas decisões particulares
tomadas por suas instituições políticas, mas dependem, em
termos mais gerais, do sistema de princípios que essas decisões
pressupõem e endossam.”
59.
O princípio “concessão de asilo político” é uma espécie
facultativa e discricionária de benefício estatal, cujo objetivo
central é dar acolhida por razões humanitárias a pessoas
perseguidas politicamente ou que cometeram delitos políticos.
Cabe ao executivo federal brasileiro a avaliação do caráter político
da situação concreta. Contudo, não podemos esquecer que os
princípios são “mandatos de otimização”, a serem
realizados na maior medida possível, dentro de possibilidades jurídicas
e reais existentes, conforme esclarece Robert Alexy.
Dessa forma, segundo Alexy, as colisões entre princípios não é
uma questão de validade, mas uma dimensão de peso que implica um
ceder perante o outro.
Em outros termos, esta última situação envolve um “mandato de
ponderação”, que está inserido na ótica da fundamentação
dos enunciados sobre a intensidade de afetação e sobre a importância
do cumprimento dos princípios opostos, fazendo valer plenamente
argumentos empíricos que se referem às peculiaridades do objeto
de decisão e às conseqüências das possíveis decisões.
Assim, como a concessão de asilo político não deve ser otimizada
para proteger pessoas que cometeram crimes de lesa humanidade,
julgar o asilado por tais crimes ou extraditá-lo afetaria a
concessão com baixa intensidade. Especialmente porque a ponderação,
dessa concessão do asilo a Stroessner, dá-se em relação aos
princípios da prevalência dos direitos humanos e da dignidade
humana na possibilidade concreta de julgá-lo no Brasil. Não
resta dúvida que a importância destes princípios no caso
concreto sobressaem-se, em especial porque o primeiro princípio
também cumpre o papel de um instrumento hermenêutico, por
encerrar a idéia de “prevalência”. A conseqüência de não
admitir o julgamento de Stroessner seria admitir o uso discricionário
do asilo político, por parte do executivo, com a finalidade de
proteger criminosos de lesa humanidade, mesmo quando internamente
temos competência para julgar tais crimes.
60.
Nessa ponderação deve-se ter em mente a intensidade de
afetação de um princípio e a importância de satisfazer o
outro. Parece claro que é baixíssima a afetação da “concessão
do asilo político” na hipótese de julgar o asilado por ter
cometido crimes de lesa humanidade, seja a competência para
julgar tais crimes de outro país ou do próprio Brasil. Em
contrapartida, é inegável a importância histórica de não
deixar impune um criminoso de tal envergadura. A propósito, sobre
a necessidade de os Estados tomarem todas as medidas internas
contra a impunidade de violadores dos direitos humanos, temos uma
recente recomendação da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (E/CN.4/RES/1999/34, de 23 de abril de 1999).
61.
Esta orientação é seguida pelo Supremo Tribunal Federal
na avaliação de não extradição por crimes políticos, no
sentido de afirmar que não há incompatibilidade absoluta entre o
instituto do asilo político e o da extradição, já que o STF não
está vinculado ao juízo formulado pelo poder executivo. Essa
formulação foi feita inicialmente por Victor Nunes Leal (no caso
do cubano Arsênio Pelayo Hernandez Bravo),
mas recentemente foi mantido no caso do filho do ditador
Stroessner: Gustavo Adolfo Stroessner Mora.
Nesse caso o relator Min. Celso de Mello afirma que a “concessão
do asilo territorial, por si só, não serve de escudo para
indeferimento da extradição” (fl. 70), já o Min. Sepúlveda
Pertence é mais incisivo em seu voto, após pedido de vista, litteris:
“o princípio da inextraditabilidade do delinqüente político não
pode servir de valhacouto sistemático a ex-governantes corruptos
ou sanguinários, apenas porque derrubados do poder” (fl. 114).
62.
E o §3º do
art. 77 do Estatuto do Estrangeiro dispõe que o STF poderá
deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes
de Estados ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de
anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que
importem propaganda de guerra ou de processos violentos para
subverter a ordem política ou social. Ora, Stroessner é um
assassino, terrorista de Estado, seqüestrador de várias pessoas
(a fim de “desaparecê-las”), torturador e subversor da ordem
social e política do Paraguai. Portanto, o ex-ditador paraguaio não
é um criminoso político, em especial porque o direito
internacional contemporâneo e a legislação brasileira não
admitem o caráter político em casos que envolvam crimes de lesa
humanidade. Dessa forma, demonstrar-se-á a competência
brasileira para julgar o genocídio e os atos que envolvem os
desaparecimentos forçados levados a cabo pelo Alfredo Stroessner,
no espírito da própria Convenção sobre Asilo Territorial. Por
fim, lembra-se do
art. VI desta Convenção, ao advertir que nenhum Estado está
obrigado a estabelecer em sua legislação ou em suas disposições
ou atos administrativos aplicáveis a estrangeiros distinção
alguma motivada pelo único fato de que se trate de asilados ou de
refugiados políticos.
Genocídio
63.
Segundo o art. 7º, I, d, do Código Penal, ficam sujeito
à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes de
genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no
Brasil. Portanto, é um caso de extraterritorialidade
incondicionada, que exigiria somente o fato de o agente estar no
Brasil, como é o caso. Ademais, o §1º, do art. 7º mencionado,
dispõe que nessa hipótese o agente é punido pela lei
brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.
64.
Após ter ratificado a Convenção para a Prevenção e
Repressão do Crime de Genocídio em 1952, o Brasil tipificou este
crime mediante a Lei n.º 2.889, de 1º de outubro de 1956. O art.
1º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, afirma que
1º.
Quem, com intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo
nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a.matar
membros do grupo;
b.causar
lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c.submeter
intencionalmente o grupo a condições de existência capazes
de
ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
d.adotar
medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e.efetuar
a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
65.
Não resta dúvida que Stroessner e os demais ditadores do
Cone Sul membros da Operação Condor identificaram e tentaram
destruir parte identificada dos grupos nacionais da Argentina,
Paraguai, Brasil, Chile, Uruguai e Bolívia. Os chamados
subversivos eram claramente identificados entre os nacionais, pois
eram opositores aos regimes, guerrilheiros e, em geral integravam
a elite cultural destes países. Apesar de o tipo não incluir
puramente o genocídio político, o entendimento de eliminar parte
é justamente a tentativa de destruir um segmento da elite
educada, líderes e outros subgrupos identificados[38].
E, no caso, se trata de um genocídio de nacionais claramente
identificados nos países envolvidos na Operação Condor. Esta
identificação trabalhava com um sofisticado banco de dados entre
as ditaduras sobre as pessoas consideradas subversivas, conforme
decorre da proposta da Primeira Reunião de Trabalho de Inteligência
Nacional, assinada pelo Coronel chileno Manuel Contreras Sepúlveda,
que tinha como um dos principais
fins: “Establecer en un País de los que aquí se
encuentram representados, un Archivo Centralizado de Antecedentes
de Personas, Organizaciones y otras Actividades, conectadas
directa o indirectamente con la Suberversión”.
Esta reunião ocorreu em Santiago em outubro de 1975, mas estes
objetivos e troca de informações se constatam em períodos bem
mais recentes, como demonstra o projeto de acordo de combate
antisubversivo discutido na XVII Conferência de Exércitos
Americanos (CEA), realizado em Mar del Plata em novembro de 1987.
66.
Assim, estes grupos foram assassinados, torturados e,
inclusive, efetuou-se a transferência forçada de crianças
(filhas de desaparecidos), além de ter-se impedido o direito à
pluralidade. Ademais, o genocídio de nacionais não implica que
os genocidas sejam de outro grupo nacional, o que inclui todas as
mortes, torturas e desaparecimentos cometidos no Paraguai,
inclusive as vítimas de nacionalidade paraguaia.
A concepção de “autogenocídio” foi internacionalmente
reconhecida nos massacres de Kampuchea (Camboja), cometidos pelo
Khmer Vermelho, entre abril de 1975 e março de 1979, contra seus
concidadãos e, até mesmo, contra membros dissidentes do próprio
Khmer.
E, como está no Auto de Processamento espanhol contra Augusto
Pinochet, o fato de não constar o termo genocídio político na
Convenção de 1948 não significa, verbis:
“[...]
que quedara al margen del genocidio la destrucción de grupos por
motivos políticos. Mucho más precisamente lo que esto significa
es que esos motivos políticos tienen que concretarse en un grupo
nacional, étnico, racial o religioso para que la conducta de su
destrucción total o parcial pueda ser constitutiva de genocídio
[...] En conclusión, si no puede eliminarse la motivación política
cuando esa acción genocida es por razones étnica o religiosas,
con mayor razón no puede prescindirse de la calificación como
genocídio cuando la base de la acción delictiva está formada
por la motivación política y el objeto de la agresión es
exatamente el mismo grupo de personas (grupo nacional, al que
pertenece también el agresor, como sector predominante por el uso
de la fuerza), a través de los mismos medios comisivos –
muertes, secuestro seguido de desaparición, torturas, agresiones
sexuales, o desplazamientos forzosos – y con la misma finalidad
de eliminar la discrepancia ideológica y de oposición política,
que en todo caso se manifiesta en unos y otros supuestos.”
67.
Não se pode esquecer que o art. 3º, da Lei nº 2.889,
envolve na responsabilidade penal por genocídio, as pessoas que
incitam, direta e indiretamente, alguém a cometer qualquer desses
crimes. E, como o genocídio tentado ou consumado é considerado
um crime hediondo pelo parágrafo único da Lei 8.072/90, não
podemos esquecer o art. 5º, inciso XLIII, da Constituição
Federal, que considera responsável penal por este tipo de crime os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem
(esta regra vale, também, para a tortura e para o terrorismo de
Estado). Sendo, de acordo com o art. 4 da mesma Lei nº 2.889, a
pena agravada de um terço quando se é governante. Tampouco se
deve esquecer que o art. 6º afirma que esses crimes não serão
considerados crimes políticos para efeitos de extradição.
68.
Por fim, alerta-se para o fato da inexistência de prescrição
para este caso de genocídio, não só porque houve vítimas de
mortes na década de 80 (não perfazendo ainda os 20 anos
definidos na lei brasileira, como o caso Pro-chino), mas
fundamentalmente porque há envolvimento de crimes permanentes, em
especial os relacionados com o desaparecimento forçado de
pessoas, como os ainda insolúveis seqüestros e
ocultações de cadáveres.
Desaparecimento
forçado de pessoas e violações ao direito internacional humanitário
69.
Além do genocídio, pode-se julgar Stroessner pelos
desaparecimentos forçados de pessoas ocorridos no Paraguai
durante a ditadura de mais de 35 anos
naquele país. O fundamento para o exercício brasileiro da
jurisdição em casos de crimes de lesa humanidade, independente
se no crime estão envolvidos nacionais ou interesses internos, é
o art. 7º, II, a, do Código
Penal. Este dispositivo admite que estão sujeitos à lei
brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes que, por
tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir. Neste
aspecto, o requisito da legalidade é dado também pelo direito
internacional e pelos princípios que regem as relações
internacionais. Estamos vinculados pelo art. 15 do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos que, em seu §1º,
dispõe que “Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões
que não constituam delitos
de acordo com o direito nacional ou internacional, no momento
em que foram cometidos”. E, em seu §2º, determina que
“Nenhuma disposição do presente Pacto impedirá o julgamento
ou a condenação de qualquer indivíduo por atos ou omissões
que, no momento em que forem cometidos, eram considerados
delituosos de acordo com os princípios gerais de direito
reconhecidos pela comunidade das nações”. Neste último
caso trata-se justamente das normas imperativas (jus
cogens), que incluem a proibição do genocídio, da tortura e
do desaparecimento forçado de pessoas. Essa posição é admitida
pelo Brasil, conforme decorre de parecer de Levi Carneiro, então
Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores,
sobre o genocídio:
“O
genocídio é, primordialmente, um crime internacional. Homologada
pelo Brasil a convenção adotada, nem será talvez preciso que a
lei interna disponha expressamente sobre o crime de que se trata,
pois, em virtude do art. 5º, n. II, a, do Código Penal, estão
‘sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro’,
‘os crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou
a reprimir’.”
70.
Apesar de já estar proibido como norma imperativa, no caso
do desaparecimento forçado de pessoas, que intrinsecamente
envolve o seqüestro, a tortura e o tratamento cruel e desumano
para os desaparecidos e seus familiares, além da ocultação de
cadáver, teríamos vários tratados que nos obrigam a reprimir
tais fatos.
71.
Sem ater-se a cronologia de tais tratados, inicialmente
lembramos da “Convenção
Para Prevenir e Punir aos Atos de Terrorismo Configurados em
Delitos Contra as Pessoas e Extorsão Conexa, Quando Tiverem eles
Transcendência Internacional”, concluída em Washington, em 2
de fevereiro 1971. O Brasil ratificou este tratado em 5 de
Fevereiro de 1999 e promulgou-o mediante o Decreto
Nº 3.018, de 6 de Abril de 1999. Esta Convenção obriga os
Estados a tomarem medidas eficazes para prevenir e sancionar os
atos de terrorismo, em especial, com caráter de crime comum de
transcendência internacional independente da motivação, o seqüestro,
o homicídio e outros atentados contra a vida e a integridade das
pessoas a quem o Estado tem o dever de estender proteção
especial conforme o direito internacional. A princípio, essa
proteção especial diz respeito a representantes, funcionários
ou personalidades oficiais de um Estado, ou funcionários,
personalidades oficiais ou outro agente de uma Organização
Governamental.
72.
Entretanto,
independente da viabilidade da utilização da Convenção contra
atos terroristas para este caso, primeiro, não se pode esquecer
que estamos diante do terrorismo de Estado, que também envolve
seqüestro qualificado e a prática de tortura, e, por via de
conseqüência, é insuscetível de anistia, graça, indulto e
liberdade provisória (Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990). A
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu Informe Anual
de 1985/86 reconheceu, inclusive, que o desaparecimento forçado
de pessoas, a tortura e as execuções sumárias fazem parte do
terrorismo estatal. Recorda-se que a Comissão declarou
(p. 204), ipsis verbis:
“Es
precisamente el empleo de los medios lo que determina si se está
o no ante la existencia de un estado de derecho. Así, mientras
los regímenes no democráticos, sustentados en el empleo de la
fuerza, usualmente combaten el terrorismo insurgente mediante un
terrorismo estatal en el cual no se descarta ningún medio si éstos
conducen al exterminio de la subversión, los regímenes democráticos,
si aspiran a no entrar en contradicción con lo que esencialmente
son, no pueden sustituir una forma de violencia por otra. En
outras palavras, las ejecuciones sumarias, las desapariciones
forzadas, las torturas, las detenciones indefinidas sin debido
processo, las expulsiones administrativas a los disidentes,
irremediablemente generan una espiral de violencia que acaba
destruyendo el estado de derecho y, por ende, la democracia misma.”
73.
Segundo, o Brasil tem a obrigação de combater o
terrorismo, cuja espécie mais grave é o terrorismo de Estado,
que envolve violações sistemáticas e generalizadas, incluindo
seqüestro, torturas, detenções arbitrárias e desaparecimento
forçado.
74.
Ademais,
relevando outra classe de pessoas protegidas, as definidas pelo
direito internacional humanitário (DIH), depara-se no caso do
Paraguai e da Operação Condor com uma sistemática violação de
normas imperativas ligadas a comportamentos na guerra. Todo país
tem obrigação de reprimir as pessoas que cometem estas violações,
em especial as violações graves às quatro Convenções de
Genebra de 1949 (doravante G.I, G. II, G.III, G.IV). Não esqueçam
que o Brasil ratificou tais Convenções em 29
de junho de 1957 e o Paraguai as ratificou em 23
de outubro de 1961. A obrigação é sancionar penalmente pessoas
que cometam ou dêem ordens para que se cometa uma das
infrações graves previstas nestes instrumentos (art. 50 da G.I,
art. 51 da G.II, art. 130 da G.III, art. 147 da G.IV). A regra básica
desta obrigação é a seguinte (art. 51 da G.I, art. 52 da G.II,
art. 131 da G.III, art. 148 da G.IV):
Nenhuma
Alta Parte Contratante poderá desobrigar-se a si própria nem
desobrigar uma outra Parte Contratante das responsabilidades
contraídas por si mesma ou por outra Parte Contratante, por
motivo das infrações previstas no artigo anterior.
75.
Entre as infrações graves temos os seguintes atos contra
as pessoas protegidas pelos respectivos instrumentos: homicídio
intencional, a tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo
as experiências biológicas, o fato de causar intencionalmente
grandes sofrimentos ou atentar gravemente contra a integridade física
ou a saúde (art. 50 da G.I, art. 51 da G.II, art. 130 da G.III,
art. 147 da G.IV); privar uma pessoa protegida de seu direito de
ser julgada regular e imparcialmente (art. 130 da G.III, art. 147
da G.IV); detenção ilegal (arts. 147 da G.IV). Como a situação
no Paraguai possui a classificação de um conflito de caráter não
internacional, aplica-se o art. 3º comum às quatro Convenções,
que protege os não combatentes e os fora de combate em relação
a estas violações. O reconhecimento fático do conflito interno
definido no art. 3º, incluindo a obrigação imprescritível de
condenar quem comete tais violações graves, tem o precedente
chileno contra Osvaldo Roma Mena.
No Paraguai houve a violação destes direitos de muitas pessoas
consideradas guerrilheiros ou combatentes (nos termos do DIH) já
fora de combate e, portanto, prisioneiros de guerra, pois se
tratava de um conflito armado que ultrapassava situações de tensão
e perturbações internas, tais como motins, atos de violência
isolados e esporádicos e outros atos análogos, que não são
considerados conflitos armados (ver art. 1, §2º, do Protocolo II
adicional às Convenções de Genebra). E, da mesma forma, houve
violação dos direitos de muitos civis que não estavam
envolvidos no conflito interno. Conforme determina o já
mencionado art. 3º comum às Convenções de Genebra:
Art.
3º [...]
1)
As pessoas que não tomarem parte diretamente nas
hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tiverem
deposto as armas e as pessoas que tiverem sido postas fora de
combate por enfermidade, ferimento, detenção ou qualquer outra
razão, devem em todas as circunstâncias ser tratadas com
humanidade, sem qualquer outra razão, devem em todas as circunstâncias
ser tratadas com humanidade, sem qualquer discriminação desfavorável
baseada em raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou
fortuna, ou qualquer outro critério análogo.
Nesse
sentido, são e continuam a ser proibidos, sempre e em toda parte,
relativamente às pessoas acima mencionadas:
a)os
atentados à vida e à integridade física, particularmente o
homicídio, sob todas as formas, as mutilações, os tratamentos
cruéis, as torturas e os suplícios;
b)as
tomadas de reféns;
c)as
ofensas à dignidade das pessoas, especialmente, os tratamentos
humilhantes e degradantes;
d)as
condenações proferidas e as execuções efetuadas sem julgamento
prévio realizado por um tribunal regularmente constituído, que
ofereça todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis
pelos povos civilizados.
2)
Os feridos e enfermos (e náufragos) serão recolhidos e tratados.
76.
Este
mínimo obrigatório para um conflito armado interno inclui, na
competência brasileira, o homicídio, a tortura, os tratamentos
cruéis, os suplícios, os tratamentos humilhantes e degradantes e
as execuções arbitrárias. No caso em concreto houve
desaparecimento forçado de pessoas e, assim, não há que se
falar em prescrição, pois são crimes permanentes, até mesmo
porque para o direito internacional humanitário as violações
graves são imprescritíveis. Tampouco os direitos envolvidos são
passíveis de derrogação ou suspensão, mesmo em situações de
emergência (e. g., Estado de Sítio ou instabilidade política
interna), segundo o próprio art. 3º mencionado ou tendo por base
o art. 4º, §2º, do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos; o art. 27 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos; o art. 2º, §2º, da Convenção
Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos
ou Degradantes ou o art. 5º da Convenção Interamericana para
Prevenir e Punir a Tortura.
77.
Por fim, o Brasil ratificou em setembro de 1989 a Convenção
Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos
ou Degradantes e, apesar de ter ratificado este tratado depois da
concessão de asilo para Stroessner,
detém mesmo assim a possibilidade de julgá-lo pelos
crimes previstos nesta Convenção. Primeiro, porque o Brasil têm
competência, pelas
Convenções de Genebra. Segundo, porque a tortura está inserida
no desaparecimento forçado de pessoas - que é considerado um
crime permanente enquanto não há revelação do destino, ou do
paradeiro da pessoa desaparecida, e não há o esclarecimento dos
fatos - conforme consagra o Art. 17 da Declaração Sobre a Proteção
de Todas as Pessoas Contra o Desaparecimento Forçado ou Involuntário,
o Art. 3º da Convenção Interamericana de Desaparecimento Forçado
de Pessoas (ainda não ratificada pelo Brasil, mas ratificada pelo
Paraguai) e a manifestação de várias instituições
internacionais (e.g., Corte Interamericana de Direitos Humanos no
caso Blake) na interpretação de instrumentos ratificados pelo
Brasil, como a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Terceiro,
porque o art. 5º, §3º, da Convenção Contra a Tortura
determina que cada “Estado-parte tomará também as medidas
necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre tais crimes,
nos casos em que o suposto autor se encontre em qualquer território
sob sua jurisdição”, o que é reforçado pelo art. 2º da Lei
nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que tipificou o crime de
tortura, admitindo o julgamento de torturas cometidas fora do
território nacional, quando a vítima é brasileira ou
encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.
78.
Ao relevar-se a Convenção Contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura,
considerando o Art. 1º da primeira e o Art. 2º da última Convenção,
chega-se à conclusão de que “tortura” é todo ato
intencional pelo qual se produza dores ou sofrimentos agudos, físicos
ou mentais, a uma pessoa; tendo por objetivo investigação
criminal, meio de intimidação ou coação, castigo, medida
preventiva, discriminação, pena ou qualquer fim, inclusive a
aplicação de métodos de anulação da personalidade, ou diminuição
da capacidade física ou mental, em que não haja dor física ou
angústia psíquica. Entretanto,
só há crime de tortura se tais atos são infligidos por um
funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas,
ou por sua instigação, ou com o consentimento ou aquiescência,
cooptação ou cumplicidade.
79.
Não há dúvidas quanto ao envolvimento de tortura no
desaparecimento forçado de pessoa, em relação ao próprio
desaparecido e em relação aos familiares. Muitos relatos
constatam que os desaparecidos eram cruelmente torturados antes de
serem assassinados e, o que é característico do crime do
desaparecimento forçado, os familiares, companheiros e amigos são
torturados psicologicamente até descobrirem o destino e a sorte
do ente querido, o que os transformam em vítimas.
Conforme já pontuou Tarciso Dal Maso Jardim, textus:
“o
crime da desaparição forçada ofende um dos costumes mais
antigos da humanidade, o de sepultar os parentes e próximos.
Negar o direito do sepultamento é negar um dos pontos centrais da
psicologia e do imaginário dos seres humanos, que foi responsável
inclusive por edificar pirâmides. Garantir esse direito entre a
geração presente e as futuras é inexorável, já que se trata
de um elo entre todas as culturas que animaram o devir histórico”
80.
No tipo penal
de desaparecimento forçado de pessoas consagrado no art. 236, do
Código Penal paraguaio, inclusive associa-se este crime ao
fim de “atemorizar a la populación”.
A tortura psicológica de familiares, até o momento de
descobrirem os restos ou o exato destino do desaparecido, está
incluído na Convenção Contra a Tortura, pois trata-se de um ato
intencional de infligir sofrimento mental como meio de intimidação
ou qualquer outro fim (art. 2º da Convenção Interamericana para
Prevenir e Punir a Tortura e art. 1º da Convenção Contra a
Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes). Internamente, seria a intenção de causar danos
graves à personalidade da vítima ou de terceiros, submetendo a vítima
a graves sofrimentos psíquicos (art. 36 do Código Penal
Paraguaio) e, no enquadramento de desaparecimento, submeter a vítima
a graves dores psíquicas (art. 236 c/c 111, inciso 3º do art. 36
do Código Penal Paraguaio); ou submeter alguém, sob sua guarda,
poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a
intenso sofrimento mental, como forma de aplicar castigo pessoal
ou medida de caráter preventivo (art. 1º, inc. II da Lei nº
9.455, de 7 de abril de 1997). Não esquecendo que a omissão
diante tais fatos também é uma conduta criminosa.
81.
Nesse tipo de julgamento, com obrigações de
extraterritorialidade fundada em tratados, o §2º do art. 7º do
Código Penal exige as seguintes condições:
a.entrar
o agente no território nacional;
Este
requisito é preenchido, pois Alfredo Stroessner reside em Brasília
– DF.
b.
ser o fato punível também no país em que foi praticado;
Este
dispositivo não deve ser aplicado para a hipótese do art. 7º,
II, a, em razão de o art. 15, §2º, do Pacto Internacional de
Direito Civis e Políticos dispor que os tratados bastam para a
repressão penal, além de ser esta a visão do Estado brasileiro
ao vincular-se a estes tratados. De qualquer maneira, todos os
crimes estão tipificados no Código Penal do Paraguai: seqüestro
– art. 126; desaparição forçada – art. 236; tortura –
art. 309; genocídio – art. 319; crimes de guerra - art. 320.
c.estar
o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira
autoriza a extradição;
Como
vimos, não é um caso de crime político; atende os requisitos de
legalidade e os crimes possuem cominações de penas superiores a
1 ano. Os crimes são definidos por tratados, mas, se por leitura
equivocada desta condição para o caso previsto no art. 7º, II,
a, ou por positivismo, houver a exigência de tipificação
interna, não há problema, pois o seqüestro, a ocultação de
cadáver, homicídio, genocídio e tortura são tipificados no
Brasil.
d.
não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter
aí cumprido a pena;
Ao
contrário, há processos em trâmite que envolvem a
responsabilidade penal de Alfredo Stroessner.
e.não
ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não
estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável
Não
houve perdão e, segundo o art. 5º da Constituição do Paraguai,
o genocídio e a tortura, assim como o desaparecimento forçado de
pessoas, o seqüestro e o homicídio por razões políticas são
imprescritíveis. Ademais, estamos diante crimes permanentes.
82.
Por fim, encerra-se com as palavras de Zaffaroni e
Pierangeli:
“A
Declaração Universal se complementa com outros instrumentos
internacionais que contribuem para o aperfeiçoamento de sua função
de limite ideológico: o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos [...]; a Declaração Americana de Direitos e Deveres
do Homem, de Bogotá, 1948; a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, conhecida como Pacto de San José de Costa Rica de 1969
etc. Estes instrumentos
devem ser levados em conta em qualquer interpretação que se faça
do direito penal positivo interno, que não pode entrar em
contradição com eles. Estes documentos têm criado, mediante uma
base positiva, uma consciência jurídica universal. Pouco importa
que alguns países não tenham ratificado todos eles, posto que,
de fato, eles atuam universalmente, e nenhum país pode
considerar-se desvinculado de seus princípios que, em definitivo,
estão sistematizados na Carta das Nações Unidas e na Organização
dos Estados Americanos.”
DO
PEDIDO
Assim, pugnam os requerentes pela procedência do pedido
para submeter o Senhor Alfredo Stroessner a julgamento, perante a
Justiça brasileira, pelo crimes cometidos durante o seu governo
no Paraguai.
Requerem sejam determinadas as seguintes diligências com a
finalidade de instruir o competente procedimento judicial:
- A notificação da Suprema Corte Paraguaia, para que
forneça a certidão de inteiro teor dos processos a que responde
o ex-presidente da República do Paraguai, perante a Justiça
daquele país;
- A notificação da Suprema Corte Paraguaia para que forneça
cópia autenticada de toda a documentação dos paraguaios
DESAPARECIDOS no Paraguai e na Argentina, bem como dos argentinos
e uruguaios DESAPARECIDOS no território paraguaio, que consta do
Centro de Documentação e Arquivo de Defesa dos Direitos Humanos,
sob a guarda do Palácio da Justiça do Paraguai.
-
A oitiva das seguintes testemunhas:
1-
Dr. Alfredo Boccia Paz, médico, historiador – Endereço:
Mcal. Estigarribia, 910, Assunção Paraguai.
2-
Dr. Rodolfo Aseretto, Advogado e Diretor de Direitos
Humanos do Comitê de Igrejas do Paraguai – Endereço: Gral. Díaz,
429, Assunção. Dr. Benitez Riela, Diretor do Centro de Documentação
e Arquivos de Defesa dos Direitos Humanos – Endereço: Palácio
da Justiça – Alonso y Testanova, Assunção Paraguai.
3-
Senhora Gladys Meillinger de Sannemann, paraguaia seqüestrada
na Argentina – Endereço: Morelos, 2772, Assunção Paraguai.
4-
Senhora Elba Elisa Benítez de Goivuró, esposa de Agustin
Goiburú – Endereço: Gral. Díaz, 429, Assunção Paraguai.
5-
Pastor Coronel, ex-chefe do Departamento de Investigações,
hoje, preso na Agrupação Especializada do Polícia do Paraguai.
6-
Alberto Cantero, ex-chefe de polícia, hoje, preso na
Agrupação Especializada da Polícia no Paraguai
7-
Camilo Almada Morel, investigador de polícia, preso na
Agrupação Especializada da Polícia no Paraguai
8-
Lycio Hauer, ex-deputado federal pelo Estado do Rio de
Janeiro - Endereço: Rua do Imperador, nº 675/902, Centro, Petrópolis
– RJ.
Nestes
termos, solicitam a Vossa Excelência, pelos fatos e enquadramento
jurídico dessa representação, determine de pronto que seja
feita a denúncia contra o Sr. Alfredo Stroessner
Brasilia, 13 de junho de 2000.
MARCOS ROLIM
TARCISO DAL MASO JARDIM
Comité de Igresias para Ayudas de Emergencia – CIPAE &
Grupo Jurídico Internacional de Derechos Humanos. Asunción: Torturas
en el Paraguay: pasado y presente, 1993, p. 64-5.
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