
Convenção
Sobre os Direitos da Criança
Victor Hugo
Albernaz Júnior*
Paulo Roberto Vaz
Ferreira**
* Procurador
do Estado de São Paulo, membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos
da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, membro da Academia Ribeirãopretana
de Letras Jurídicas e mestre em Direito Civil pela UNESP/Franca.
** Procurador do Estado
de São Paulo e membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
INTRÓITO
Consagrando o princípio do
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana
e de seus direitos inalienáveis, de igualdade e liberdade, proclamados na
Carta das Nações Unidas, de 1945, bem como, com o escopo de proteger a
infância e promover a assistência especial à criança, nos termos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948,
objetivando sua formação plena como cidadão conseqüente e responsável,
foi redigida a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotado pela
Resolução n. L 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20
de novembro de 1989, e ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990.
Conforme dispõe o seu preâmbulo,
a Convenção dos Direitos da Criança, em razão do conteúdo da Declaração
sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1959, foi concebida
tendo em vista a necessidade de garantir a proteção e cuidados especiais
à criança, incluindo proteção jurídica apropriada, antes e depois do
nascimento, em virtude de sua condição de hipossuficiente, em decorrência
de sua imaturidade física e mental, e levando em consideração que em
todos os países do mundo existem crianças vivendo em condições
extremamente adversas e necessitando de proteção especial.
A Convenção dos Direitos
da Criança tem como meta incentivar os países membros a implementarem o
desenvolvimento pleno e harmônico da personalidade de suas crianças,
favorecendo o seu crescimento em ambiente familiar, em clima de
felicidade, amor e compreensão, preparando-as plenamente para viverem uma
vida individual em sociedade e serem educadas no espírito dos ideais
proclamados na Carta das Nações Unidas, em espírito de paz, dignidade,
tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade. Foi inspirada nas
normas internacionais que a antecederam e com a finalidade de particularizá-las
em razão do sujeito de direito que tem como alvo — a criança —, bem
como desenvolvê-las a partir da criação de mecanismos de aplicabilidade
e fiscalização desse princípios e normas.
A necessidade de
proporcionar proteção especial à criança foi enunciada anteriormente
na Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, de 1924, e na
Declaração sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral
das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declaração
Universal dos Direitos Humano, de 1948, no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos, de 1966 (arts. 23 e 24), no Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também de 1966 (art. 10), bem
como nos estatutos e instrumentos relevantes das agências especializadas
e organizações internacionais que se dedicam ao bem estar da criança.
Por fim , ressalta o preâmbulo
da Convenção, a importância da cooperação internacional para a
melhoria das condições de vida das crianças em todos os países, em
particular nos países em desenvolvimento, onde se concentra um grande número
de crianças social e economicamente marginalizadas.
A Constituição Federal de
1988 marcou o Direito Brasileiro com um indelével avanço no campo da
normatização de direitos e garantias fundamentais, resultado de
importante processo de democratização do Estado e do Direito. A moderna
concepção do constitucionalismo nacional ensejou não só a ratificação
de Tratados e Convenções internacionais de proteção dos Direitos
Humanos, como a inclusão em seu texto constitucional, de forma irrevogável,
de princípios consagrados nos referidos instrumentos internacionais,
dando-lhes força de norma de aplicabilidade imediata.
Neste contexto, ao lado dos
princípios e normas instituídos pela Constituição Federal de 5 de
outubro de 1988, a Convenção dos Direitos da Criança, adotada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, e
ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, serviu de fonte de
inspiração ao legislador nacional na elaboração do Estatuto da Criança
e do Adolescente, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que entrou em
vigor na data de 14 de outubro de 1990.
A estreita afinidade entre
princípios e dispositivos inseridos na Convenção dos Direitos da Criança
e no Estatuto da Criança e do Adolescente, poderão ser observados no
decorrer desse trabalho.
O CONTEXTO DA CONVENÇÃO
A Convenção sobre os
Direitos da Criança (1989), composta por 54 artigos, divididos em três
partes e precedida de um preâmbulo, define o conceito de criança e
estabelece parâmetros de orientação e atuação política de seus
Estados-partes para a consecução dos princípios nela estabelecidos,
visando ao desenvolvimento individual e social saudável da infância,
tendo em vista ser esta período basilar da formação do caráter e da
personalidade humana.
Destacamos da análise do
texto em foco, a importância assinalada à unidade familiar como suporte
para o crescimento social e emocional, harmônico e saudável da criança
atribuíndo aos pais ou outra pessoas encarregadas, a responsabilidade
primordial de proporcionar, de acordo com suas possibilidades e meios
financeiros, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da
criança (art. 27, item 2), cabendo ao Estado-parte, de acordo com as
condições nacionais e dentro de suas possibilidades, adotar medidas
apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela
criança a tornar efetivo este direito e caso necessário proporcionando
assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz
respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação.
Em seu artigo 1º
estabelece a Convenção o conceito de criança, como sendo o ser humano
menor de 18 anos de idade, ressalvando aos Estados-partes a possibilidade
de estabelecerem, através de lei, limites menores para a maioridade. No
Direito brasileiro a maioridade civil é atingida ao 21 anos de idade,
enquanto que a maioridade penal ao 18 anos. Sem embargo, a cidadania poderá
ser exercitada a partir dos 16 anos, com o direito facultativo ao voto,
sendo este obrigatório a partir dos 18 anos. Por sua vez, o Estatuto da
Criança e do Adolescente divide a infância em duas fases, considerando
criança a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e adolescente
aquela entre 12 e 18 anos de idade.
A partir do artigo 2º, a
Convenção passa a discorrer sobre os direitos fundamentais da criança,
é dizer, direito a vida (art. 6º), à integridade física e moral (art.
19), à privacidade e à honra (art.16), à imagem, à igualdade, à
liberdade (art. 37), o direito de expressão (arts. 12 e 13), de manifestação
de pensamento (art. 14), sem distinção de qualquer natureza (raça, cor,
sexo, língua, religião, convicções filosóficas ou políticas origem
étnica ou social etc), estabelecendo diretrizes para adoção e efetivação
de medidas que garantam estes direitos por parte dos Estados
convencionados, objetivando garantir a proteção das crianças de
qualquer forma de discriminação ou punição injusta. Para tanto, nos
termos do artigo 4º, os Estados-partes deverão tomar todas as medidas
administrativas, legislativas para a implementação dos direitos
reconhecidos na Convenção, e, especialmente com relação aos direitos
econômicos, sociais e culturais, tomarão tais medidas no alcance máximo
de seus recursos disponíveis e, quando necessário, no âmbito da cooperação
internacional.
Os referidos direitos
fundamentais, arrolados no artigo 5º de nossa Constituição Cidadã, de
1988, são especificamente atribuídos à criança e ao adolescente no
artigo 227 dessa Lei Maior, atribuindo à família, à sociedade e ao
Estado a responsabilidade pelo bem estar dos infantes. Estes princípios,
irradiados por toda a Convenção, refletem-se igualmente nas disposições
preliminares contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990.
O artigo 3º da Convenção
estabelece que todas as medidas relativas à criança, tomadas pelas
instituições públicas ou privadas, tribunais, autoridades
administrativas ou órgão legislativos, terão como meta atender aos
interesses superiores da criança. Este dispositivo guarda estreita consonância
com os princípios que regem o "direito da infância e
juventude" brasileiro, tendo como exemplo o artigo 43 do Estatuto da
Criança e do Adolescente que condiciona a colocação da criança em lar
adotivo à apresentação de reais vantagens para o adotando.
Um dos primeiros direitos
do ser humano é o de ter assegurada sua identidade. É neste sentido que
a Convenção prevê, em seu artigo 7º, o direito da criança ser
registrada imediatamente após seu nascimento, garantindo, assim, seu
direito ao nome e à nacionalidade.
Os Estados-partes, ao
aderirem à Convenção, comprometem-se a respeitar a identidade, a
nacionalidade e as relações familiares de suas crianças,
fornecendo-lhes assistência e proteção apropriadas de modo que sua
identidade seja prontamente restabelecida face a qualquer privação
ilegal desta. Deverão, ainda, zelar para que a criança não seja
separada da família, salvo nos casos de interesse maior do infante e de
acordo com a legislação vigente de cada país e respeitando o
procedimento judicial específico, tais como a suspensão ou perda do pátrio
poder (arts. 392 a 395, do Código Civil Brasileiro, e 155 à 163 do
Estatuto da Criança e do Adolescente) e os procedimentos de colocação
do menor em lar substituto (guarda, tutela e adoção), ou ainda, no caso
de separação judicial dos pais, onde será determinado pelo juízo
competente qual dos genitores ficará com a guarda da criança. Contudo,
os Estados-partes respeitarão o direito da criança que esteja separada
dos pais a manter relações pessoais e contato direto com ambos (direto
de visita), a menos que isso seja contrário ao interesse da criança (
arts. 8º e 9º da Convenção).
O artigo 11 da Convenção
dispõe que os Estados-partes tomarão medidas para impedir o tráfico de
crianças para o exterior devendo, para tanto, promover a conclusão de
acordo bilaterais para esta finalidade. O artigo 35 reforça o teor deste
artigo visando a impedir o seqüestro, a venda ou tráfico de crianças
para qualquer fim ou sob qualquer forma.
A preocupação do direito
nacional com o problema do tráfico de menores para fins de exploração
do trabalho infantil (art. 32, da Convenção), exploração sexual (art.
34 da Convenção), e para fins de comércio de órgão humanos,
refletiu-se em uma disciplina mais rígida em matéria de adoção
internacional, estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em
comparação com as legislações anteriores, objetivando dificultar a saída
ilegal ou para fins escusos de crianças brasileiras ao exterior.
Prevê a Convenção,
ainda, a tomada de medidas legislativas, administrativas, sociais e
educacionais apropriadas pelos Estados-partes para proteger suas crianças
contra todas as formas de violência, abuso, maus tratos ou exploração,
quando estiverem sob a guarda de qualquer pessoa responsável por ela,
cabendo aos Estados o estabelecimento de programas sociais que
proporcionem uma assistência adequada à criança e às pessoas
encarregadas de seu cuidado (art. 19).
As crianças privadas de
seu ambiente familiar ou cujos interesses exijam que ela não permaneça
nesse meio, terão direito à proteção e assistência especiais do
Estado, incluíndo programa de colocação em lares de adoção ou
instituições adequadas, tendo por finalidade e consideração primordial
o interesse maior da criança (art. 20).
No direito brasileiro a
colocação da criança ou adolescente em família substituta é também
considerada medida excepcional, efetivada através da guarda, da tutela ou
da adoção, regidas pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.
No caso específico da adoção
dirigida a pessoas menores de 18 anos, o Brasil estabeleceu, a partir de
1990, uma nova sistemática jurídica criando a adoção plena do Estatuto
da Criança e do Adolescente. A preocupação com o bem estar da criança
e do adolescente vem ao encontro com os interesses internacionais
expressos principalmente na Convenção ora analisada, que aborda o tema
em seu artigo 21, buscando dar uma família ao adotado,
proporcionando-lhes condições para se tornar um cidadão pleno, contribuíndo
para a melhoria qualitativa da sociedade onde vive.
A adoção de menores de 18
anos no Brasil, a partir de 1990, concede ao adotado e ao adotante todos
os direitos pertinentes à filiação e a paternidade, destacando-se os
direitos sucessórios e alimentícios, sobre os quais haviam sérias
restrições na legislação anterior, restrições estas que foram
eliminadas pela Constituição Federal de 1988, com a isonomia entre todos
os filhos, sem qualquer distinção, atribuída pelo § 6º do artigo 227.
Em matéria de adoção
internacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu normas
rígidas, refletindo não só a preocupação com o tráfico de crianças,
como referido na análise do artigo 11 da Convenção, mas também com o
objetivo de garantir que a adoção feita no Brasil, por estrangeiro aqui
não residente ou domiciliado, fosse juridicamente aceita no país do
adotante, permitindo à criança ou adolescente ter os mesmos direitos
concedidos pela legislação brasileira. Embora passível de críticas em
alguns pontos, como o prazo e o local de cumprimento do estágio de convivência,
o regramento da adoção internacional tem correspondido aos princípios
programáticos da Convenção dos Direitos da Criança, o que não lhe
dispensa o aperfeiçoamento para melhor se adequar às necessidades do
mundo atual que urge pela solidariedade entre as pessoas para garantir a
sobrevivência da humanidade.
Esta solidariedade também
é aclamada pela Convenção ao reforçar, junto a outros instrumentos jurídicos
internacionais, a proteção e assistência humanitária às crianças e
seus pais, em condições de refugiados (art. 22).
Em seu artigo 23,
estabelece a Convenção que os Estados-partes deverão proporcionar à
criança portadora de deficiências físicas ou mentais uma vida plena e
decente, em condições que garantam sua dignidade e facilitem sua
participação ativa na comunidade, visando assegurar o seu acesso à
educação, à reabilitação e ao trabalho e sua integração social,
devendo, ainda, promoverem, com espírito de cooperação internacional,
intercâmbio neste campo de assistência médica, incluindo a assistência
preventiva, a orientação aos pais e a educação e serviços de
planejamento familiar, inclusive reconhecendo a todas as crianças o
direito de usufruir da previdência social e do seguro social (arts. 23 a
27).
No campo previdenciário, a
Constituição Federal de 1988 prescreveu, no inciso V, do artigo 203, o
benefício de prestação mensal, continuada, no valor correspondente a 1
salário mínimo, a toda a pessoa portadora de deficiência física ou
psicológica que comprove não possuir meios próprios para sua manutenção
e cuja a família seja pobre e não tenha condições suficiente para
sustentá-la. Este dispositivo foi regulado pela Lei Federal n. 8.742/93 e
pelo Decreto n. 1.744/95. Importante observar que, apesar do inciso III,
do artigo 2º, do referido decreto restringir — diga-se, de forma insensível
à realidade nacional — a concessão do benefício à condição de ter
a família do interessado uma renda per capita inferior a um quarto
do salário mínimo, o Judiciário tem reconhecido tal restrição como
flagrante inconstitucionalidade, uma vez que fere o intuito assistencial
da norma superior, e vem concedendo o benefício às pessoas realmente
necessitadas. Assim, inúmeras crianças e adolescentes carentes, que
possuem deficiências físicas ou psíquicas, têm a possibilidade de
receber o benefício legal, embora necessitando ainda de recorrer às vias
judiciais. E, nesse ponto, reside a crítica à política previdenciária
que continua insensível no tratamento da matéria.
Tema importante abordado
pelo artigo 27 é, sem dúvida, a prestação de pensão alimentícia aos
filhos, por parte dos pais ou pessoas financeiramente responsáveis pela
criança ou adolescente. A Convenção determina que os Estados-partes
tomem medidas adequadas para garantir o cumprimento desta obrigação,
quer o devedor esteja no mesmo país ou em outro, recomendando a elaboração
de tratados internacionais ou a adesão àqueles já existentes, para a
consecução deste fim.
Direito à Educação e à
Cultura.
Direito à Informação e à
Liberdade de Expressão
O artigo 28 reconhece o
direito da criança à educação, estabelecendo como meta aos
Estados-partes tornarem o ensino primário obrigatório e disponível
gratuitamente a todos, devendo adotar medidas necessárias para assegurar
que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a
dignidade humana da criança e em conformidade com a Convenção. A
garantia do direito à educação contribui com a eliminação da ignorância
e do analfabetismo no mundo e facilita o acesso aos conhecimentos científicos
e técnicos, bem como aos métodos modernos de ensino, embuindo na criança
o respeito aos direitos humanos às liberdades fundamentais, aos princípios
consagrados na Carta das Nações Unidas, o respeito ao meio ambiente e a
assunção a uma vida responsável em uma sociedade livre, com espírito
de compreensão, paz tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos
os povos, grupos éticos, nacionais e religiosos (arts. 28 e 29).
Trazemos a este ponto do
texto, para estabelecer correlação entre o direito à educação e à
cultura, os artigos 12, 13 e 14 da Convenção, que tratam do direito à
livre expressão de opiniões, pensamento e crenças das crianças e dos
adolescentes, respeitados os direitos alheios. O acesso à informação e
ao conhecimento, por parte das crianças e adolescente, também se reflete
nas preocupações da Convenção, que dedica seu artigo 17 a esta matéria,
estabelecendo suas amplitudes e restrições, sempre em benefício da
formação da criança e do adolescente. Também é atribuída aos pais e
responsáveis pela criança, nos termos do artigo 18, a obrigação de sua
educação básica, devendo o Estado proporcionar as condições de acesso
da criança à educação.
TRABALHO INFANTIL
A proteção contra a
exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho
perigoso, que possa interferir na educação da criança ou prejudique sua
saúde e seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social
está prevista no artigo 32 da Convenção, cabendo aos Estados-partes a
adoção de medidas nesse sentido, estabelecendo uma idade ou idades mínimas
para admissão em empregos e regulamentação apropriada relativa a horários
e condições de trabalho.
No Brasil, embora a
Constituição Federal de 1988 determine a idade mínima de 14 anos para o
início do trabalho infantil (inc. XXXIII, do art. 7º), mediante autorização
dos pais e responsáveis, muitas crianças ainda menores trabalham, por
necessidade financeira, no corte da cana-de-açúcar, na colheita de
laranja, nas plantações de sisal etc., sem qualquer condição de
segurança e saúde, em detrimento de seus estudos, ganhando salários
irrisórios, para ajudar na renda familiar, o que lhes proporciona, ao
final, seu parco sustento.
Cabe, ainda, aos
Estados-partes a adoção das medidas apropriadas para a proteção da
criança contra o uso ilícito de drogas, bem como no tráfico dessas
substâncias, nos termos do artigo 33 da Convenção. O Brasil se
apresenta no cenário mundial como um dos maiores consumidores de
entorpecentes, tendo como grande alvo crianças e adolescentes. Programas
de prevenção e repressão do tráfico de drogas estão presentes em vários
países e não é diferente a realidade brasileira. No entanto, a matéria
de complexa solução envolve temas como a educação, a saúde, o lazer,
o trabalho, a moradia, as perspectivas econômicas e financeiras futuras
etc. das crianças e adolescentes e de seus pais. Embora os instrumentos
legais, internacionais e os nacionais, como a Lei de Tóxicos brasileira e
o próprio Estatudo da Criança e do Adolescente (art. 243) criem punições
aos atos ilícitos correspondentes, a questão extrapola as fronteiras do
jurídico, envolvendo o sistema econômico, as relações sociais e políticas
internas e externas, o que demandará reformas subestruturais para a
pretendida solução do problema.
ABUSO E EXPLORAÇÃO SEXUAL
A proteção da criança
contra todas as formas de exploração ou abuso sexual, é também
compromisso dos Estados-partes, por força do artigo 34 da Convenção,
devendo estes tomarem todas as medidas protetivas de caráter nacional,
bilateral e multilateral nesse sentido, bem como contra todas as demais
formas de exploração que sejam prejudiciais a qualquer aspecto de seu
bem estar (art. 36).
A exploração sexual de
crianças e adolescentes não é fato incomum na realidade nacional. Ao
contrário, está presente em várias regiões do país, inclusive em
grandes metrópoles, consideradas pólo de desenvolvimento, como a cidade
de São Paulo. O Estatuto da Criança e do Adolescente, no intuito de
reprimir e punir a prática da exploração sexual infanto-juvenil,
tipifica-a como crime em seus artigos 240 e 241, com penas de reclusão de
1 a 4 anos.
PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS,
DESUMANAS OU DEGRADANTES
O artigo 37 da Convenção,
visa à proteção da criança pelos Estados-partes de tratamentos ou
penas cruéis, desumanos ou degradantes, como a tortura, pena de morte e
prisão perpétua. Tais penas não existem no sistema jurídico brasileiro
por força do inciso XLVII, do artigo 5º, da Constituição Federal, com
a ressalva da pena de morte em caso de guerra declarada. Neste aspecto, do
ponto de vista jurídico, o Brasil atende incontinente os princípios da
Convenção analisada, bem como da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), não admitindo as penas de morte e perpétua, seja para
menores ou maiores, ao contrário do que ocorre em países como os Estados
Unidos que são considerados como os maiores defensores da Democracia e
dos Direitos Humanos.
Embora com uma legislação
regida por princípios constitucionais rígidos (art. 5º), que se amolda
aos dizeres do artigo 37 da Convenção, verifica-se, ainda, no Brasil, a
prática de tratamentos desumanos em relação às crianças e
adolescentes, tanto na repressão realizada nas ruas, quanto na execução
das medidas de internamento em instituições para adolescentes
infratores. No entanto, Conselhos Estaduais e Municipais de Defesa da
Criança e do Adolescente, Conselhos Tutelares, ONGs, Advogados e
Defensores Públicos, Ministério Público e profissionais da área têm
lutado para que a dignidade do menor seja respeitada.
Para garantir o respeito ao
tratamento digno ao adolescente privado ou ameaçado de privação de sua
liberdade, a Convenção prevê, também em seu artigo 37, o direito de
acesso à justiça através da assistência judiciária gratuita, aos que
dela necessitarem, princípio insculpido no inciso LXXIV, artigo 5º, da
Constituição Federal de 1988, bem como no artigo 141, do Estatuto da
Criança e do Adolescente. No Estado de São Paulo a prestação de assistência
judiciária gratuita é feita pela Procuradoria Geral do Estado, através
da Procuradoria de Assistência Judiciária, que mantém um serviço
especial de atendimento junto às Varas da Infância e da Juventude na
Capital e no Interior através de suas Regionais.
TRATAMENTO OU CONFLITO
ARMADO
O artigo 38 estabelece o
compromisso dos Estados-partes de respeitar e fazer com que sejam
respeitadas as normas do Direito Internacional Humanitário, atinentes à
proteção e respeito à população civil, em especial às crianças e
adolescentes, aplicáveis em casos de conflito armado. Neste sentido,
deverão adotar todas as medidas possíveis seu alcance para evitar que
pessoas com menos de 15 anos de idade participem diretamente das
hostilidades, abstendo-se de recrutá-las, ou, em caso de necessidade de
recrutamento de pessoas de 15 a 18 anos, preferindo sempre aquelas de
maior idade.
Direito Humanitário é matéria
concernente ao Direito Internacional Público, traduzindo-se em um
conjunto de regra internacionais voltadas à proteção de pessoas não
combatentes seja da população civil, prisioneiros de guerra e soldados
feridos. Organizações internacionais, como a Cruz Vermelha, atuam
incansavelmente nas ações de proteção humanitária em conflitos
armados. O respeito às normas aqui previstas são de aplicação
imediata, não dependendo de qualquer normatização inferior ou interna
de cada País.
A Convenção determina, em
seu artigo 39, a adoção de medidas para estimular a recuperação física
e psicológica e reintegração social de toda criança vítima de
abandono, exploração, tortura ou qualquer tratamento ou pena desumana,
cruel ou degradante, proporcionando a ela ambiente de saúde respeito próprio
e dignidade.
O artigo 40 estampa a
obrigação dos Estados-partes de tratarem com dignidade e justiça as
crianças e adolescentes acusadas de infrações criminais, e a obrigação
de respeitarem os princípios de direito penal, especialmente o da
anterioridade da lei penal (item 2, letra "a"), da inocência
(item 2, letra "b", inc. I), do devido processo legal, da ampla
defesa e do contraditório, inclusive dispondo de assistência jurídica e
judiciária gratuita se necessitar (item 2, letra "b", inc. II,
IV eV), o do juiz natural (item 2, letra "b", inc. III). Todos
estes princípios estão elevados à status constitucional pela
Constituição Brasileira de 1988, observando, ainda, que o acesso à
justiça gratuita é realizado em nossos Estados federados através das
Defensorias Públicas e das Procuradorias, destacando, como já mencionado
acima, a atuação da Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado
de São Paulo que tem o respeito e o reconhecimento da comunidade jurídica
e política de todo o país.
Estabelece este
dispositivo, outrossim, o direito à assistência gratuita de intérprete,
no caso da criança não falar o idioma utilizado, bem como o respeito à
sua vida privada durante o processo.
A preocupação com a
necessidade de ser estabelecida uma idade mínima para que a pessoa seja
considerada imputável, é dizer, a fixação da capacidade penal, que no
Brasil é de 18 anos, está indicada no item 3, letra "a" deste
artigo.
Medidas de assistência,
proteção e reeducação de crianças e adolescentes, tais como colocação
em família substituta, nas modalidade de guarda, tutela e adoção,
liberdade assistida e internação em instituições especiais para
menores, são previstas também na Convenção, encontrando correspondência
no Estatuto da Criança e do Adolescente, respectivamente, aos artigos 33
a 52, 118 e 119, e 121 a 125.
Havendo legislação
nacional ou internacional mais benéfica e conveniente ao adolescente,
deverá ser esta aplicada, em detrimento do disposto na Convenção,
conforme compreensão feita de seu artigo 41.
Os Estados-partes deverão
envidar esforços para cumprir todos os dispositivos na Convenção, bem
como divulgá-la e fazê-la conhecida pelos seus nacionais, adultos e
crianças (art. 42). Na realidade nacional tal providência ainda é
contida e restrita, o que não se justifica tendo em vista que o Brasil
ratificou os termos da Convenção já há 7 anos, tempo suficiente para a
divulgação proposta.
O COMITÊ PARA OS DIREITOS
DA CRIANÇA
Com a finalidade de
supervisionar o cumprimento das disposições traçadas na Convenção,
pelos Estados-partes, foi constituído o Comitê para os Direitos da Criança,
integrado por 10 membros, de reconhecida idoneidade moral, especialistas
nas matérias aqui versadas, escolhidos por votação direta entre os
nomes de uma lista formada com a indicação de um cidadão de cada
Estado-parte, para um mandato de 4 anos (art. 43).
Deverão, ainda, os
Estados-partes, nos termos do artigo 44, apresentar ao Comitê para os
Direitos da Criança, através do Secretário Geral das Nações Unidas,
relatórios sobre as medidas que tenham adotado para efetivação dos
direitos reconhecidos na Convenção bem como dos resultados e dos
progressos alcançados, especificando as exatas circunstâncias e as
dificuldades enfrentadas para sua consecução. O primeiro relatório
deverá ser entregue após dois anos da data em que a Convenção entrar
em vigor para cada Estado-parte. Após, serão apresentados a cada cinco
anos, podendo o Comitê solicitar informações complementares. Tais relatórios
deverão ser colocados amplamente a disposição do público de seus
respectivos países.
Por sua vez, o Comitê
deverá submeter à apreciação da Assembléia Geral das Nações Unidas,
através do Conselho Econômico e Social, a cada dois anos, um relatório
de suas atividades.
Para incentivar, viabilizar
e acompanhar a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança,
estimulando a cooperação internacional, o Comitê poderá, a seu critério,
ou a pedido devidamente justificado do Estado-membro, convidar organismos
internacionais especializados, o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF) e outros órgãos dos Nações Unidas para assessoramento do país
interessado, fornecendo cópias de relatórios e solicitando novos relatórios
destes organismos, os quais poderão, igualmente, por iniciativa própria,
e dentro de suas atribuições, fazerem-se representados nos respectivos
Estados-membros, na ocasião da análise da implementação das disposições
da Convenção (art.45).
O Comitê poderá, também,
propor à Assembléia Geral das Nações Unidas estudos sobre questões
concretas relativas aos direitos da criança, bem como formular sugestões
e recomendações gerais aos Estados-partes, com base nos relatórios
apresentados periodicamente.
Os derradeiros artigos da
Convenção estabelecem o início de vigência desta para cada
Estado-parte, ou seja, após 30 dias do depósito do instrumento de
ratificação ou de adesão junto à Secretaria Geral das Nações Unidas
(arts. 48 e 49).
Qualquer dos Estados-partes
poderá, nos termos do artigo 50, apresentar uma emenda à Convenção.
Neste caso será proposta a convocação de uma Conferência para analisar
e votar a proposta. Se, no prazo de quatro meses, um terço dos países
integrantes se declarar favorável, a Convenção será realizada. Sendo a
emenda acolhida pela maiorias qualificada (2/3) dos Estados-partes, será
submetida à aprovação da Assembléia Geral pelo Secretário Geral. A
emenda obrigará somente aqueles Estados que a tenham aceito ou que a
ratifiquem posteriormente.
O artigo 51 prevê a
possibilidade do Estado-parte aderir à Convenção com reservas, que serão
comunicadas as demais membros, não sendo permitidas aquelas que
contrariem de qualquer forma o objeto e o propósito do instrumento. Tais
reservas poderão ser retiradas a qualquer momento, mediante notificação
do Secretário Geral das Nações Unidas.
Por fim, o artigo 52
autoriza o Estado-parte a denunciar a Convenção mediante notificação
ao Secretário Geral, a qual terá vigência após um ano de seu
recebimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em meio a conflitos
regionais e mundias, frutos de disputas políticas, religiosas e econômicas,
na maioria das vezes travadas por interesses de grupos restritos, emerge a
esperança e a luta de inúmeros cidadãos, em todo o mundo, pela busca de
uma vida mais harmônica aos povos da Terra.
Esta luta política e ideológica
pela humanidade enseja a criação de instrumentos jurídicos nacionais e
internacionais de proteção dos Direitos Humanos e, dentre estes, aqueles
dirigidos à proteção da infância e da juventude, objetivando
proporcionar melhores condições de vida e dignidade aos futuros cidadãos,
para que sejam capazes de edificar uma sociedade mais justa e solidária.
A Convenção sobre os
Direitos da Criança representa um passo adiante na história da
humanidade, assim como a inscrição dos direitos fundamentais na
Constituição brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente
representam um grande avanço do sistema jurídico nacional.
Sem embargo, a efetivação
das metas programáticas insculpidas na Convenção aqui tratada, ainda
encontra dificuldades e obstáculos nas realidades nacional e
internacional.
Apesar do Brasil haver
ratificado a Convenção, comprometendo-se a envidar esforços para
cumprir os dispositivos nela inseridos, é de se notar a insuficiência de
uma atuação pragmática e de resultados para alcançar as metas
almejadas pelo referido instrumento internacional, haja vista à falta de
uma política socio-econômica direcionada à educação, à saúde, ao
trabalho, à moradia e ao planejamento familiar, entre outras prioridades
nacionais.
Medidas tais como a divulgação
da Convenção e suas metas e objetivos aos cidadãos nacionais, têm sido
relegadas ao esquecimento ou a segundo plano pelas autoridades constituídas,
representando flagrante descumprimento do instrumento ratificado. Em
contrapartida, somos noticiados com frequência através de diversos meios
de comunicação, assim como testemunhamos nas ruas, a situação das
crianças carentes, as dificuldades enfrentadas pelo ensino público e
pela saúde pública, o crescimento demográfico não planejado etc, em
decorrência de vários fatores, especialmente da manutenção de
interesses econômicos e políticos da classe hegemônica que, na maioria
das vezes se distancia da convivência com os direitos humanos e com a
dignidade humana de todas as pessoas.
Dai a importância do
trabalho realizado pelas Organizações não Governamentais, bem como por
grupo de estudos jurídicos, como o Grupo de Trabalho de Direitos Humanos
da Procuradoria Geral do Estado e muitas outras entidades de proteção
dos Direitos Humanos, na divulgação dos textos das Convenções e
Tratados internacionais sobre Direitos Humanos, chamando atenção do país
para o cumprimento dos ideais e das metas de que é compromissário.
A esperança é uma virtude
humana, assim como a inteligência do homem e sua capacidade de aprender
as técnicas que permitem dominar a natureza, através das ciências,
entre as quais a jurídica, que nos permite traçar regras legais de
comportamento, como a Convenção sobre os Direitos da Criança, calçadas
na capacidade de sentirmos profundamente qualquer injustiça cometida
contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo.
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