Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
Antonio José
Maffezoli Leite*
Vitore André
Zilio Maximiano**
* Procurador
do Estado de São Paulo e membro do Grupo de Trabalho de Direitos
Humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
** Procurador do
Estado de São Paulo e membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos
da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo
I - INTRODUÇÃO
O Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos foi adotado pela Resolução n. 2.200-A
(XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de
1966. Logo, é um pacto de amplitude mundial. Entrou em vigor em 1976,
quando foi atingido o número mínimo de adesões (35 Estados).
O Congresso Brasileiro
aprovou-o através do Decreto-Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de
1991, depositando a Carta de Adesão na Secretaria Geral da Organização
das Nações Unidas em 24 de janeiro de 1992, entrando em vigor em 24 de
abril do mesmo ano. Desde então, o Brasil tornou-se responsável pela
implementação e proteção dos direitos fundamentais previstos no
Pacto.
Na época em que se
iniciou, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas, a discussão para edição de um Pacto que reunisse
todos os direitos da pessoa humana, idealizou-se dois modelos: um único
que conjugasse as duas categorias de direito e outro que promovesse a
separação de um lado, dos direitos civis e políticos e, de outro, dos
direitos sociais, econômicos e culturais.
A divergência que
ocorria entre os países ocidentais e os países do bloco socialista era
sobre a auto-aplicabilidade dos direitos que viessem a ser reconhecidos.
Os países ocidentais, cuja orientação acabou prevalescen-do,
entendiam que os direitos civis e políticos eram auto-aplicáveis,
enquanto que os direitos sociais, econômicos e culturais eram "progra-máticos",
necessitando de uma implementação progressiva. A ONU conti-nuou
reafirmando, no entanto, a indivisibilidade e a unidade dos direitos
humanos, pois os direitos civis e políticos só existiriam no plano
nominal se não fossem os direitos sociais, econômicos e culturais, e
vice-versa.
Assim, o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos é adotado no auge da
Guerra Fria, reconhecendo, entretanto, um conjunto de direitos mais
abrangente que a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Em virtude da ditadura
militar que governou o país por 21 anos, o Governo brasileiro só
ratificou o Pacto quando seus principais aspectos já se encontravam
garantidos na atual Constituição Federal, em seu título II,
denominado "Dos Direitos e Garantias Fundamentais".
II - OS DIREITOS E PRINCÍPIOS
CONSAGRADOS NO PACTO E SEU RECONHECIMENTO NO DIREITO BRASILEIRO
Em sua primeira parte, o
Pacto reafirma o direito dos povos à autodeterminação, que implica na
definição de seu estatuto político e de desenvolvimento econômico,
social e cultural, bem como na disposição de suas riquezas e recursos
naturais. Os Estados-partes que administrassem ou mantivessem territórios
ou povos não autônomos deveriam empreender esforços para promover o
direito à autodeterminação desses povos.
É dever dos
Estados-partes, também, a adoção de medidas legislativas ou
administrativas visando à introdução em seus ordenamentos jurídicos
internos dos direitos e garantias fundamentais previstos no Pacto. É
imperativo o direito ao livre acesso à Justiça para a reclamação de
eventuais violações, garantindo-se o cumprimento das decisões
judiciais, inclusive, e principalmente, pelo próprio Estado.
Sob a ótica de um
direito garantista, serão abordados os principais direitos
estabelecidos pelo Pacto e reconhecidos em nosso ordenamento interno,
seja no nível constitucional, seja no nível ordinário. Portanto,
certamente, não será esgotada no presente trabalho a análise de todos
os direitos e princípios estabelecidos pelo Pacto.
a) Direito à igualdade
O artigo 2º do Pacto
estabelece o compromisso de que os Estados-partes haverão de garantir
aos indivíduos que se encontrem em seu território todos os direitos
nele consagrados, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor,
sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra
natureza.
A igualdade, de fato,
tem-se revelado como um dos alicerces do sistema legal brasileiro. A Lei
Maior, em vários dispositivos, destaca tal princípio. O artigo 3º
assevera que constitui um dos objetivos fundamentais da República
promover o bem de todos, sem qualquer forma de preconceito.
No mesmo sentido, o
artigo 5º, caput, ressalta que todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
estrangeiros residentes no País o pleno direito à igualdade.
b) Da igualdade de
direitos entre homens e mulheres
A vedação de qualquer
forma de discriminação em virtude do gênero é corolário natural do
destacado direito à igualdade. Contudo, a preocupação com o tema é
tamanha que o artigo 3º do Pacto destaca claramente que os
Estados-partes também haverão de se comprometer a assegurar a homens e
mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos nele
enunciados.
Na mesma esteira
encontra-se a Constituição Brasileira. Pois, se não bastasse o citado
artigo 5º, caput, o mesmo dispositivo, já em seu inciso I,
ressalta que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
Fundamentado neste princípio,
a lei eleitoral em vigor no Brasil criou uma verdadeira ação
afirmativa, com amplo amparo constitucional, ao fixar cota mínima de
25% para mulheres entre os candidatos proporcionais.
Noutro aspecto, os
dispositivos contidos no Código Civil brasileiro, de 1916, que
estabeleciam direitos e deveres distintos para o marido e a mulher estão
atualmente revogados, pois são os cônjuges igualmente responsáveis
pelo planejamento familiar, atendendo, também, o que prevê o Pacto em
seu artigo 23, item 4, quando determina "a igualdade de direitos e
responsabilidades dos esposos quanto ao casamento".
Especificamente sobre o
tema, o Brasil, desde 1984, também é signatário da "Convenção
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a
Mulher", adotada pela ONU em 1979.
c) Direito à vida
O artigo 6º do Pacto,
como não podia deixar de ser, reza que o direito à vida é inerente à
pessoa humana e deverá ser protegido pela lei. E mais, ninguém poderá
ser arbitrariamente privado de sua vida.
Está-se indubitavelmente
diante do mais sagrado dos direitos da pessoa humana, consagrado de
forma clara pelo direito interno na própria Constituição em seu
citado artigo 5º, caput.
No que tange à legislação
infraconstitucional, como é cediço, o Código Penal brasileiro dedica
todo um capítulo para tutelar a vida humana, classificando como
hediondo, por meio da Lei n. 8.930/94, o crime de homicídio qualificado
previsto no artigo 121, § 2º, daquele Código.
Cumpre ressaltar que a
eventual instituição da pena de morte é terminantemente proibida pela
Carta Brasileira, segundo o disposto no artigo 5º, inciso XLVII,
"a", salvo em caso de guerra, lembrando que por se tratar de
cláusula pétrea, como todos os demais direitos previstos no citado
dispositivo, não poderá sofrer alteração ainda que por meio de uma
reforma constitucional (art. 60, § 4º, da CF).
A corroborar a tal vedação
existe ainda incorporado ao direito brasileiro a Convenção Americana
de Direitos Humanos - Pacto de San José, ratificada em 1992, cujo
artigo 4º, inciso III, dispõe que os Estados que tenham abolido a pena
de morte não poderão restabelecê-la.
d) Proibição da tortura
e penas cruéis
O artigo 7º do Pacto é
quase que literalmente reproduzido na Constituição Federal. Dispõe
que "Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes".
No mesmo sentido, o tão
propagado artigo 5º, ora no inciso III, ora no XLVII, reza sobre o
mesmo tema. Inicialmente deixa consignado que "ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante" e, no
outro inciso, estatui claramente que não haverá penas de caráter perpétuo,
de trabalhos forçados, de banimento e cruéis.
Preocupado com o tema, o
Governo brasileiro, por meio do Congresso Nacional, editou recentemente
a Lei n. 9.455/97 que define o crime de tortura, equiparado a hediondo
por força da Lei n. 8.072/90, e estabelece as correspondentes penas.
Já em 1990, quando da
edição do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), a
tortura passou a ser tipificada como crime quando a vítima fosse criança
ou adolescente.
Como forma de demonstrar
seu interesse em repudiar a tortura, o Brasil também é signatário da
"Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura",
incorporada ao direito interno em 20 de julho de 1989.
Contudo, não obstante a
existência dos citados diplomas legais, o Brasil tem sido um vasto
campo da prática de tortura, ao passo que a punição aos responsáveis
tem-se mostrado ainda muito tímida.
e) Direito à liberdade
O presente Pacto, em seu
artigo 9º, estabelece que toda pessoa tem direito à liberdade e à
segurança pessoais, sendo que ninguém poderá ser preso ou encarcerado
arbitrariamente, salvo pelos motivos previstos em lei.
E a Constituição
Federal não permite qualquer dúvida a respeito. Segundo o inciso LXI
do artigo 5º, ninguém será preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo
em casos de transgressão ou crime militar, não havendo mais que se
cogitar na arbitrária privação de liberdade para "averiguação".
O festejado artigo 5º
revela-se como uma carta de princípios garantistas no que tange à
invasão do Estado no direito de liberdade.
Entre outros, está lá
consagrado que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre
serão imediatamente comunicados ao juiz competente e à família do
preso ou à pessoa por ele indicada, acabando-se assim, de uma vez por
todas, com qualquer risco de prisão clandestina.
Ao preso é conferido o
direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu
interrogatório policial. Haverá também a garantia, no âmbito do
processo legal, aos acusados em geral, ao contraditório e à ampla
defesa, sendo que ninguém será processado senão pela autoridade
competente.
Cabe ainda destacar que o
princípio da presunção de inocência, segundo o qual ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, encontra-se igualmente previsto no Pacto dos Direitos
Civis e Políticos (art. 14, 2) e na Constituição Federal (art. 5º,
inc. LVII).
Ressalte-se, outrossim,
que o citado Pacto, em seu artigo 8º, item 3, estatui que qualquer
pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser
conduzida, sem demora, à presença do juiz e terá o direito de ser
julgada em prazo razoável.
Tais princípios, de
fato, não reconhecidos expressamente no nível constitucional,
encontram, no entanto, guarida na jurisprudência brasileira.
A norma que impõe a
necessidade do preso ser conduzido à presença do juiz serviu para
obstar algo que, recentemente, foi colocado como "idéia
inovadora". Trata-se daquilo que se chamou de "interrogatório
on line", segundo o qual o juiz haveria de inquirir a pessoa
presa à distância, por meio de computador.
Tal "novidade",
à evidência, levando-se em conta o dispositivo contido no Pacto, não
encontra amparo legal, tanto que a idéia, ao que consta, foi abandonada
pelo Judiciário paulista.
Outro princípio a que
faz alusão o citado artigo 9º, item 3, do Pacto, é o de que todo
preso tem direito a ser julgado em prazo razoável.
A jurisprudência tem
indicado um limite temporal, calculando-se os prazos processuais, para o
encerramento da instrução criminal em face de pessoa presa
cautelarmente. E a superação do lapso admitido como razoável tem
proporcionado, em muitos casos, a concessão da liberdade ainda que
provisória.
Todavia, conforme
apontamento supra, a imposição de prazo razoável para a prisão
cautelar, desde a incorporação do presente Pacto ao direito
brasileiro, deixou de ser uma mera construção jurisprudencial para
tornar-se um verdadeiro direito material.
A previsão de tais princípios,
tanto no que se refere à vedação ao interrogatório à distância
como à imposição de prazo razoável em caso de prisão provisória,
encontra-se igualmente disposta na já citada Convenção Americana de
Direitos Humanos — Pacto de San José.
f) Das garantias às
pessoas presas
Segundo o artigo 10 do
Pacto, "Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada
com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana".
Referido princípio
encontra-se também previsto na Constituição Fe-deral Brasileira, mais
precisamente no artigo 5º, inciso XLIX.
Se não bastasse, ao nível
infraconstitucional, existe a Lei de Execução Penal (Lei n. 7210/84)
que estabelece direitos e deveres aos presos.
No entanto, o que se
observa da realidade brasileira é que às pessoas presas têm-se
impostos muito mais deveres do que respeitados seus direitos, com
constantes notícias veiculadas pela imprensa de violação às normas
consagradas tanto constitucional como legalmente.
O tratamento dedicado aos
presos, efetivamente, tem afrontado a dignidade da pessoa humana, num
claro descumprimento das normas consagradas no Pacto citado, bem como na
própria Constituição brasileira.
O mesmo artigo 10 do
Pacto, agora no item 3, estatui que os delinquentes juvenis deverão ser
separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e
condição jurídica.
E o Estatuto da Criança
e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), em seu artigo 123, reza que o
adolescente, pessoa entre 12 e 18 anos de idade, quando a ele for
imposta a medida sócio-educativa de internação, que importa em privação
de liberdade, deverá cumpri-la em entidade exclusiva para adolescentes,
não se admitindo, sob qualquer hipótese, sua inserção ao lado de
pessoas adultas, maiores de 18 anos.
g) Proibição de prisão
por não cumprimento de obrigação contratual
O Pacto dos Direitos
Civis e Políticos, em seu artigo 11, bem como a Convenção Americana
de Direitos Humanos, no artigo 7º, item 7, dispõem que ninguém será
privado da liberdade por dívida ou por descumprimento de obrigação
contratual, salvo a hipótese prevista no Pacto de San José quando
houver débito decorrente de pensão alimentar.
Tal princípio tem gerado
muita polêmica no âmbito interno brasileiro, pois, diante dos citados
enunciados, deixou de encontrar amparo legal a prisão do depositário
infiel, em que pese sua previsão constitucional (art. 5º, inciso LXVII).
h) Direito à justiça
O Pacto objeto do
presente trabalho dedica todo o artigo 14 à consagração do princípio
segundo o qual todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as
Cortes de Justiça, cabendo sempre o exercício da defesa pessoal e o
direito de estar presente ao julgamento.
Aliás, segundo farta
jurisprudência dos Tribunais brasileiros, o fato do acusado preso
deixar de acompanhar a colheita de prova acusatória em seu desfavor
constitui absoluta nulidade do processo, pois sua presença nas audiências
garante-lhe efetivamente a possibilidade de contraditar e de se defender
dos depoimentos produzidos.
Também o mesmo Pacto
dispõe que ninguém poderá ser obrigado a confessar-se culpado (art.
14, item 3, "g"), o que encontra guarida na própria Constituição
Federal quando é conferido ao preso o direito de manter-se calado em
seu interrogatório (art. 5º, inc. LXIII).
Há que se registrar,
outrossim, que toda pessoa presa terá direito a um defensor ainda que não
tenha meios para remunerá-lo, quando ser-lhe-á nomeado um advogado que
patrocinará sua defesa gratuitamente (art. 14, item 3, "d").
No caso do Estado de São
Paulo, a defensoria pública, responsável pela defesa gratuita das
pessoas carentes é exercida pela Procuradoria de Assistência Judiciária,
órgão da Procuradoria Geral do Estado.
Cabe, ademais, ressaltar
que também encontra-se consagrado no mesmo artigo 14 do Pacto, agora no
item 5, o chamado duplo grau de jurisdição, princípio este segundo o
qual "Toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito
de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância
superior, em conformidade com a lei".
Referido direito, embora
não previsto explicitamente na Constituição Federal brasileira, tem
sido reconhecido pela doutrina e jurisprudência interna. Tanto que em
recentes julgados, como no RHC n. 6.110, rel. Ministro Luiz Vicente
Cernicchiaro, j. de 18.2.97, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça
afastou a incidência do artigo 594 do Código de Processo Penal que
condiciona, em certos casos, o processamento do recurso à prévia prisão
do acusado.
i) da liberdade de
pensamento, de consciência, de religião e de expressão
Os artigos 18 e 19 dispõem
sobre o direito à liberdade de pensamento, de consciência, de religião
e de expressão, todos eles amplamente consagrados também na Constituição
pátria.
Segundo o artigo 18,
"Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência
e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma
religião ou crença de sua escolha e a liberdade de professar sua
religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como
privadamente por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e
do ensino".
No mesmo sentido, a Lei
Maior brasileira reza que a liberdade de consciência e de crença é
inviolável, sendo assegurado o livre exercício dos cultos (art. 5º,
inc. VI).
Se não bastasse, o Código
Penal, ao tutelar tal direito, define como crime aquele que escarnecer
de alguém publicamente por motivo de crença ou função religiosa ou,
então, impedir ou pertubar cerimônia ou prática de culto religioso
(art. 208).
Noutro aspecto, o artigo
19 do Pacto assevera que "Ninguém poderá ser molestado por suas
opiniões", o que se amolda ao artigo 5º, inciso IX, da Constituição
Federal, que, da mesma forma, prevê a liberdade de expressão
decorrente da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, abolindo-se assim qualquer forma de censura.
j) Dos direitos políticos
e de associação
O Pacto estabelece que
todos os cidadãos, sem qualquer forma de discriminação ou de restrições
infundadas, têm o direito de participar da condução dos assuntos políticos
do Estado, seja diretamente ou por meio de representantes escolhidos
livremente (art. 25), direito que nossa Carta Magna assegura no seu
artigo 1°, parágrafo único, e seu artigo 14.
Têm também o direito de
votar e serem votados em pleitos periódicos, autênticos, realizados
por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, além de
poderem, em condições gerais de igualdade, exercer funções públicas.
O direito de reunião pacífica
e o de livre associação, inclusive sindical, também é garantido pelo
Pacto (arts. 21 e 22), encontrando consonância em nossa Constituição
Federal (art. 5°, incs. XVI e XVII).
III - O COMITÊ DE
DIREITOS HUMANOS
Para o acompanhamento da
implementação nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados-partes
desses direitos e garantias fundamentais previstos no Pacto e para
buscar uma solução para conflitos surgidos entre os Estados, foi
instituído um Comitê de Direitos Humanos no âmbito da Organização
das Nações Unidas
O Comitê é composto por
dezoito membros eleitos entre pessoas de elevada reputação moral e
experiência em matéria de direitos humanos indicados pelos
Estados-partes. É recomendável, também, experiência jurídica. É
vedada no Comitê a presença de mais de um representante da mesma
nacionalidade.
O Comitê analisará os
relatórios apresentados pelos Estados-partes sobre as medidas adotadas
para a implementação dos direitos previstos no Pacto e sobre as condições
gerais dos direitos humanos no país. O primeiro relatório, segundo o
disposto, deve ser entregue no prazo de um ano a contar da ratificação
do Pacto e, posteriormente, de cinco em cinco anos.
Como o Governo brasileiro
ratificou o Pacto apenas em 1992, o primeiro relatório foi entregue,
com pequeno atraso, em 1994, elaborado pelo Ministério das Relações
Exteriores em cooperação com a Fundação Alexandre de Gusmão e o Núcleo
de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, que realizou
todo o trabalho de pesquisa que serviu de base para o relatório.
Passados já quase cinco anos deste primeiro documento, o Governo
brasileiro prepara-se para a elaboração do segundo relatório.
IV - AS DENÚNCIAS DE
VIOLAÇÃO
O Pacto dispõe que as
denúncias de descumprimento por algum dos Estados-partes dos deveres
nele estabelecidos somente poderão ser feitas por outro Estado-parte,
mas desde que este último tenha já reconhecido a competência do Comitê.
O Estado denunciante comunicará, primeiramente, o Estado violador, que
terá três meses para responder a denúncia. Se, passados seis meses, a
divergência não tiver sido resolvida entre os próprios Estados, aí
sim a denúncia será levada ao Comitê.
A função do Comitê,
então, será a de tentar uma solução amistosa para a questão entre
os Estados-partes, solução esta que deverá se basear no respeito aos
direitos humanos e às liberdades fundamentais reconhecidas no Pacto. Se
a questão persistir sem solução satisfatória, poder-se-á constituir
uma Comissão de Conciliação ad hoc, com cinco membros
designados pelos Estados interessados, que também tentará uma solução
amistosa para a divergência.
O grande problema é que
se a tal solução amistosa não for alcançada, não há nenhuma outra
medida que o Comitê ou a Comissão possa tomar, restando a questão não
solucionada.
O Protocolo Facultativo
do Pacto, entretanto, estabelece, pela primeira vez no direito
internacional, um sistema de petições individuais, permitindo ao Comitê
conhecer denúncias formuladas pelas próprias pessoas vítimas de violações
de direitos garantidos pelo Pacto. No entanto, é necessário que o
denunciante esteja sob a jurisdição de um Estado que tenha ratificado
tanto o Pacto como o Protocolo Facultativo, que, como o próprio nome
designa, pode ou não ser ratificado em separado (até 1991, dos 101
Estados-partes que haviam ratificado o Pacto, 53 também haviam aceitado
o Protocolo Facultativo). O Brasil, entretanto, somente ratificou o
Pacto.
As denúncias individuais
deverão ser assinadas e datadas e conter, obrigatoriamente: o nome,
endereço e nacionalidade da vítima e do autor, se diferente,
justificando o motivo da atuação em nome de terceiro; identificação
do Estado violador; os artigos violados do Pacto; prova do esgotamento
dos recursos judiciais internos ou de indevido protelamento; declaração
de que a mesma matéria não está sendo apreciada, ou já foi, em outra
instância internacional; e uma detalhada descrição dos fatos. As petições
deverão ser endereçadas ao Comitê, aos cuidados do Centro de Direitos
Humanos da ONU em Genebra.
O Comitê, então,
comunicará o Estado denunciado da petição, concedendo-lhe seis meses
para prestar informações sobre o fato e sobre as providências
eventualmente tomadas para sua solução. Com a vinda das informações
e nova manifestação do denunciante, o Comitê proferirá uma decisão
pelo voto da maioria dos seus membros, embora sempre se tente — e se
tenha atingido — a unanimidade, sendo tal decisão publicada no Relatório
Anual do Comitê à Assembléia Geral das Nações Unidas.
O Comitê até pode
determinar a obrigação do Estado em reparar a violação cometida, mas
o seu descumprimento não gera qualquer efeito, pois não exerce as funções
de uma corte judicial, a não ser no plano político, mediante o chamado
power of embarrassment, ou seja, o constrangimento político e
moral que uma referência negativa no Relatório Anual do Comitê pode
causar.
Até 1991, 468 denúncias
individuais haviam sido comunicadas ao Comitê, que decidiu 119 delas,
tendo 124 sido declaradas inadmissíveis, por falta de algum dos
requisitos de admissibilidade, 70 sido retiradas, estando, à época, 46
ainda aguardando apreciação e 109 sob análise de admissibilidade.
O Comitê concluiu,
recentemente, que as denúncias, embora individuais, poderão também
ser apresentadas por organizações ou por terceiras pessoas, que
representem a vítima efetiva da violação.
V - CONCLUSÃO
O Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, de fato, consagra muitos dos direitos
fundamentais da pessoa humana, reafirmando a Declaração Universal. Vários
dos princípios previstos mostraram-se genéricos, tornando-se mais
detalhados em outros diplomas internacionais específicos, como a Convenção
Americana de Direitos Humanos, a Convenção Interamericana para
prevenir e punir a tortura, a Convenção para prevenir, punir e
erradicar a violência contra a mulher e tantas outras citadas.
De qualquer forma, o Pacto constitui-se
inequivocamente num rico instrumento para a proteção dos direitos
fundamentais da pessoa humana, que, embora reconhecidos neste e noutros
tratados internacionais e, em grande parte, na própria legislação
interna, inclusive constitucional, ainda carecem de efetiva introjeção
na cultura do povo brasileiro, com vistas a garantir a concretização
de um Estado Democrático de Direito.
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