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Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

 

Antonio José Maffezoli Leite*

Vitore André Zilio Maximiano**

* Procurador do Estado de São Paulo e membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.

** Procurador do Estado de São Paulo e membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo


I - INTRODUÇÃO

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966. Logo, é um pacto de amplitude mundial. Entrou em vigor em 1976, quando foi atingido o número mínimo de adesões (35 Estados).

O Congresso Brasileiro aprovou-o através do Decreto-Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991, depositando a Carta de Adesão na Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas em 24 de janeiro de 1992, entrando em vigor em 24 de abril do mesmo ano. Desde então, o Brasil tornou-se responsável pela implementação e proteção dos direitos fundamentais previstos no Pacto.

Na época em que se iniciou, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, a discussão para edição de um Pacto que reunisse todos os direitos da pessoa humana, idealizou-se dois modelos: um único que conjugasse as duas categorias de direito e outro que promovesse a separação de um lado, dos direitos civis e políticos e, de outro, dos direitos sociais, econômicos e culturais.

A divergência que ocorria entre os países ocidentais e os países do bloco socialista era sobre a auto-aplicabilidade dos direitos que viessem a ser reconhecidos. Os países ocidentais, cuja orientação acabou prevalescen-do, entendiam que os direitos civis e políticos eram auto-aplicáveis, enquanto que os direitos sociais, econômicos e culturais eram "progra-máticos", necessitando de uma implementação progressiva. A ONU conti-nuou reafirmando, no entanto, a indivisibilidade e a unidade dos direitos humanos, pois os direitos civis e políticos só existiriam no plano nominal se não fossem os direitos sociais, econômicos e culturais, e vice-versa.

Assim, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é adotado no auge da Guerra Fria, reconhecendo, entretanto, um conjunto de direitos mais abrangente que a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Em virtude da ditadura militar que governou o país por 21 anos, o Governo brasileiro só ratificou o Pacto quando seus principais aspectos já se encontravam garantidos na atual Constituição Federal, em seu título II, denominado "Dos Direitos e Garantias Fundamentais".

 

II - OS DIREITOS E PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NO PACTO E SEU RECONHECIMENTO NO DIREITO BRASILEIRO

Em sua primeira parte, o Pacto reafirma o direito dos povos à autodeterminação, que implica na definição de seu estatuto político e de desenvolvimento econômico, social e cultural, bem como na disposição de suas riquezas e recursos naturais. Os Estados-partes que administrassem ou mantivessem territórios ou povos não autônomos deveriam empreender esforços para promover o direito à autodeterminação desses povos.

É dever dos Estados-partes, também, a adoção de medidas legislativas ou administrativas visando à introdução em seus ordenamentos jurídicos internos dos direitos e garantias fundamentais previstos no Pacto. É imperativo o direito ao livre acesso à Justiça para a reclamação de eventuais violações, garantindo-se o cumprimento das decisões judiciais, inclusive, e principalmente, pelo próprio Estado.

Sob a ótica de um direito garantista, serão abordados os principais direitos estabelecidos pelo Pacto e reconhecidos em nosso ordenamento interno, seja no nível constitucional, seja no nível ordinário. Portanto, certamente, não será esgotada no presente trabalho a análise de todos os direitos e princípios estabelecidos pelo Pacto.

a) Direito à igualdade

O artigo 2º do Pacto estabelece o compromisso de que os Estados-partes haverão de garantir aos indivíduos que se encontrem em seu território todos os direitos nele consagrados, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza.

A igualdade, de fato, tem-se revelado como um dos alicerces do sistema legal brasileiro. A Lei Maior, em vários dispositivos, destaca tal princípio. O artigo 3º assevera que constitui um dos objetivos fundamentais da República promover o bem de todos, sem qualquer forma de preconceito.

No mesmo sentido, o artigo 5º, caput, ressalta que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o pleno direito à igualdade.

b) Da igualdade de direitos entre homens e mulheres

A vedação de qualquer forma de discriminação em virtude do gênero é corolário natural do destacado direito à igualdade. Contudo, a preocupação com o tema é tamanha que o artigo 3º do Pacto destaca claramente que os Estados-partes também haverão de se comprometer a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos nele enunciados.

Na mesma esteira encontra-se a Constituição Brasileira. Pois, se não bastasse o citado artigo 5º, caput, o mesmo dispositivo, já em seu inciso I, ressalta que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

Fundamentado neste princípio, a lei eleitoral em vigor no Brasil criou uma verdadeira ação afirmativa, com amplo amparo constitucional, ao fixar cota mínima de 25% para mulheres entre os candidatos proporcionais.

Noutro aspecto, os dispositivos contidos no Código Civil brasileiro, de 1916, que estabeleciam direitos e deveres distintos para o marido e a mulher estão atualmente revogados, pois são os cônjuges igualmente responsáveis pelo planejamento familiar, atendendo, também, o que prevê o Pacto em seu artigo 23, item 4, quando determina "a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos quanto ao casamento".

Especificamente sobre o tema, o Brasil, desde 1984, também é signatário da "Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher", adotada pela ONU em 1979.

c) Direito à vida

O artigo 6º do Pacto, como não podia deixar de ser, reza que o direito à vida é inerente à pessoa humana e deverá ser protegido pela lei. E mais, ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.

Está-se indubitavelmente diante do mais sagrado dos direitos da pessoa humana, consagrado de forma clara pelo direito interno na própria Constituição em seu citado artigo 5º, caput.

No que tange à legislação infraconstitucional, como é cediço, o Código Penal brasileiro dedica todo um capítulo para tutelar a vida humana, classificando como hediondo, por meio da Lei n. 8.930/94, o crime de homicídio qualificado previsto no artigo 121, § 2º, daquele Código.

Cumpre ressaltar que a eventual instituição da pena de morte é terminantemente proibida pela Carta Brasileira, segundo o disposto no artigo 5º, inciso XLVII, "a", salvo em caso de guerra, lembrando que por se tratar de cláusula pétrea, como todos os demais direitos previstos no citado dispositivo, não poderá sofrer alteração ainda que por meio de uma reforma constitucional (art. 60, § 4º, da CF).

A corroborar a tal vedação existe ainda incorporado ao direito brasileiro a Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José, ratificada em 1992, cujo artigo 4º, inciso III, dispõe que os Estados que tenham abolido a pena de morte não poderão restabelecê-la.

d) Proibição da tortura e penas cruéis

O artigo 7º do Pacto é quase que literalmente reproduzido na Constituição Federal. Dispõe que "Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes".

No mesmo sentido, o tão propagado artigo 5º, ora no inciso III, ora no XLVII, reza sobre o mesmo tema. Inicialmente deixa consignado que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante" e, no outro inciso, estatui claramente que não haverá penas de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis.

Preocupado com o tema, o Governo brasileiro, por meio do Congresso Nacional, editou recentemente a Lei n. 9.455/97 que define o crime de tortura, equiparado a hediondo por força da Lei n. 8.072/90, e estabelece as correspondentes penas.

Já em 1990, quando da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), a tortura passou a ser tipificada como crime quando a vítima fosse criança ou adolescente.

Como forma de demonstrar seu interesse em repudiar a tortura, o Brasil também é signatário da "Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura", incorporada ao direito interno em 20 de julho de 1989.

Contudo, não obstante a existência dos citados diplomas legais, o Brasil tem sido um vasto campo da prática de tortura, ao passo que a punição aos responsáveis tem-se mostrado ainda muito tímida.

e) Direito à liberdade

O presente Pacto, em seu artigo 9º, estabelece que toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais, sendo que ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente, salvo pelos motivos previstos em lei.

E a Constituição Federal não permite qualquer dúvida a respeito. Segundo o inciso LXI do artigo 5º, ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo em casos de transgressão ou crime militar, não havendo mais que se cogitar na arbitrária privação de liberdade para "averiguação".

O festejado artigo 5º revela-se como uma carta de princípios garantistas no que tange à invasão do Estado no direito de liberdade.

Entre outros, está lá consagrado que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão imediatamente comunicados ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada, acabando-se assim, de uma vez por todas, com qualquer risco de prisão clandestina.

Ao preso é conferido o direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. Haverá também a garantia, no âmbito do processo legal, aos acusados em geral, ao contraditório e à ampla defesa, sendo que ninguém será processado senão pela autoridade competente.

Cabe ainda destacar que o princípio da presunção de inocência, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, encontra-se igualmente previsto no Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 14, 2) e na Constituição Federal (art. 5º, inc. LVII).

Ressalte-se, outrossim, que o citado Pacto, em seu artigo 8º, item 3, estatui que qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz e terá o direito de ser julgada em prazo razoável.

Tais princípios, de fato, não reconhecidos expressamente no nível constitucional, encontram, no entanto, guarida na jurisprudência brasileira.

A norma que impõe a necessidade do preso ser conduzido à presença do juiz serviu para obstar algo que, recentemente, foi colocado como "idéia inovadora". Trata-se daquilo que se chamou de "interrogatório on line", segundo o qual o juiz haveria de inquirir a pessoa presa à distância, por meio de computador.

Tal "novidade", à evidência, levando-se em conta o dispositivo contido no Pacto, não encontra amparo legal, tanto que a idéia, ao que consta, foi abandonada pelo Judiciário paulista.

Outro princípio a que faz alusão o citado artigo 9º, item 3, do Pacto, é o de que todo preso tem direito a ser julgado em prazo razoável.

A jurisprudência tem indicado um limite temporal, calculando-se os prazos processuais, para o encerramento da instrução criminal em face de pessoa presa cautelarmente. E a superação do lapso admitido como razoável tem proporcionado, em muitos casos, a concessão da liberdade ainda que provisória.

Todavia, conforme apontamento supra, a imposição de prazo razoável para a prisão cautelar, desde a incorporação do presente Pacto ao direito brasileiro, deixou de ser uma mera construção jurisprudencial para tornar-se um verdadeiro direito material.

A previsão de tais princípios, tanto no que se refere à vedação ao interrogatório à distância como à imposição de prazo razoável em caso de prisão provisória, encontra-se igualmente disposta na já citada Convenção Americana de Direitos Humanos — Pacto de San José.

f) Das garantias às pessoas presas

Segundo o artigo 10 do Pacto, "Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana".

Referido princípio encontra-se também previsto na Constituição Fe-deral Brasileira, mais precisamente no artigo 5º, inciso XLIX.

Se não bastasse, ao nível infraconstitucional, existe a Lei de Execução Penal (Lei n. 7210/84) que estabelece direitos e deveres aos presos.

No entanto, o que se observa da realidade brasileira é que às pessoas presas têm-se impostos muito mais deveres do que respeitados seus direitos, com constantes notícias veiculadas pela imprensa de violação às normas consagradas tanto constitucional como legalmente.

O tratamento dedicado aos presos, efetivamente, tem afrontado a dignidade da pessoa humana, num claro descumprimento das normas consagradas no Pacto citado, bem como na própria Constituição brasileira.

O mesmo artigo 10 do Pacto, agora no item 3, estatui que os delinquentes juvenis deverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica.

E o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), em seu artigo 123, reza que o adolescente, pessoa entre 12 e 18 anos de idade, quando a ele for imposta a medida sócio-educativa de internação, que importa em privação de liberdade, deverá cumpri-la em entidade exclusiva para adolescentes, não se admitindo, sob qualquer hipótese, sua inserção ao lado de pessoas adultas, maiores de 18 anos.

g) Proibição de prisão por não cumprimento de obrigação contratual

O Pacto dos Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 11, bem como a Convenção Americana de Direitos Humanos, no artigo 7º, item 7, dispõem que ninguém será privado da liberdade por dívida ou por descumprimento de obrigação contratual, salvo a hipótese prevista no Pacto de San José quando houver débito decorrente de pensão alimentar.

Tal princípio tem gerado muita polêmica no âmbito interno brasileiro, pois, diante dos citados enunciados, deixou de encontrar amparo legal a prisão do depositário infiel, em que pese sua previsão constitucional (art. 5º, inciso LXVII).

h) Direito à justiça

O Pacto objeto do presente trabalho dedica todo o artigo 14 à consagração do princípio segundo o qual todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça, cabendo sempre o exercício da defesa pessoal e o direito de estar presente ao julgamento.

Aliás, segundo farta jurisprudência dos Tribunais brasileiros, o fato do acusado preso deixar de acompanhar a colheita de prova acusatória em seu desfavor constitui absoluta nulidade do processo, pois sua presença nas audiências garante-lhe efetivamente a possibilidade de contraditar e de se defender dos depoimentos produzidos.

Também o mesmo Pacto dispõe que ninguém poderá ser obrigado a confessar-se culpado (art. 14, item 3, "g"), o que encontra guarida na própria Constituição Federal quando é conferido ao preso o direito de manter-se calado em seu interrogatório (art. 5º, inc. LXIII).

Há que se registrar, outrossim, que toda pessoa presa terá direito a um defensor ainda que não tenha meios para remunerá-lo, quando ser-lhe-á nomeado um advogado que patrocinará sua defesa gratuitamente (art. 14, item 3, "d").

No caso do Estado de São Paulo, a defensoria pública, responsável pela defesa gratuita das pessoas carentes é exercida pela Procuradoria de Assistência Judiciária, órgão da Procuradoria Geral do Estado.

Cabe, ademais, ressaltar que também encontra-se consagrado no mesmo artigo 14 do Pacto, agora no item 5, o chamado duplo grau de jurisdição, princípio este segundo o qual "Toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei".

Referido direito, embora não previsto explicitamente na Constituição Federal brasileira, tem sido reconhecido pela doutrina e jurisprudência interna. Tanto que em recentes julgados, como no RHC n. 6.110, rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, j. de 18.2.97, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça afastou a incidência do artigo 594 do Código de Processo Penal que condiciona, em certos casos, o processamento do recurso à prévia prisão do acusado.

i) da liberdade de pensamento, de consciência, de religião e de expressão

Os artigos 18 e 19 dispõem sobre o direito à liberdade de pensamento, de consciência, de religião e de expressão, todos eles amplamente consagrados também na Constituição pátria.

Segundo o artigo 18, "Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino".

No mesmo sentido, a Lei Maior brasileira reza que a liberdade de consciência e de crença é inviolável, sendo assegurado o livre exercício dos cultos (art. 5º, inc. VI).

Se não bastasse, o Código Penal, ao tutelar tal direito, define como crime aquele que escarnecer de alguém publicamente por motivo de crença ou função religiosa ou, então, impedir ou pertubar cerimônia ou prática de culto religioso (art. 208).

Noutro aspecto, o artigo 19 do Pacto assevera que "Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões", o que se amolda ao artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal, que, da mesma forma, prevê a liberdade de expressão decorrente da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, abolindo-se assim qualquer forma de censura.

j) Dos direitos políticos e de associação

O Pacto estabelece que todos os cidadãos, sem qualquer forma de discriminação ou de restrições infundadas, têm o direito de participar da condução dos assuntos políticos do Estado, seja diretamente ou por meio de representantes escolhidos livremente (art. 25), direito que nossa Carta Magna assegura no seu artigo 1°, parágrafo único, e seu artigo 14.

Têm também o direito de votar e serem votados em pleitos periódicos, autênticos, realizados por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, além de poderem, em condições gerais de igualdade, exercer funções públicas.

O direito de reunião pacífica e o de livre associação, inclusive sindical, também é garantido pelo Pacto (arts. 21 e 22), encontrando consonância em nossa Constituição Federal (art. 5°, incs. XVI e XVII).

 

III - O COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS

Para o acompanhamento da implementação nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados-partes desses direitos e garantias fundamentais previstos no Pacto e para buscar uma solução para conflitos surgidos entre os Estados, foi instituído um Comitê de Direitos Humanos no âmbito da Organização das Nações Unidas

O Comitê é composto por dezoito membros eleitos entre pessoas de elevada reputação moral e experiência em matéria de direitos humanos indicados pelos Estados-partes. É recomendável, também, experiência jurídica. É vedada no Comitê a presença de mais de um representante da mesma nacionalidade.

O Comitê analisará os relatórios apresentados pelos Estados-partes sobre as medidas adotadas para a implementação dos direitos previstos no Pacto e sobre as condições gerais dos direitos humanos no país. O primeiro relatório, segundo o disposto, deve ser entregue no prazo de um ano a contar da ratificação do Pacto e, posteriormente, de cinco em cinco anos.

Como o Governo brasileiro ratificou o Pacto apenas em 1992, o primeiro relatório foi entregue, com pequeno atraso, em 1994, elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores em cooperação com a Fundação Alexandre de Gusmão e o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, que realizou todo o trabalho de pesquisa que serviu de base para o relatório. Passados já quase cinco anos deste primeiro documento, o Governo brasileiro prepara-se para a elaboração do segundo relatório.

 

IV - AS DENÚNCIAS DE VIOLAÇÃO

O Pacto dispõe que as denúncias de descumprimento por algum dos Estados-partes dos deveres nele estabelecidos somente poderão ser feitas por outro Estado-parte, mas desde que este último tenha já reconhecido a competência do Comitê. O Estado denunciante comunicará, primeiramente, o Estado violador, que terá três meses para responder a denúncia. Se, passados seis meses, a divergência não tiver sido resolvida entre os próprios Estados, aí sim a denúncia será levada ao Comitê.

A função do Comitê, então, será a de tentar uma solução amistosa para a questão entre os Estados-partes, solução esta que deverá se basear no respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais reconhecidas no Pacto. Se a questão persistir sem solução satisfatória, poder-se-á constituir uma Comissão de Conciliação ad hoc, com cinco membros designados pelos Estados interessados, que também tentará uma solução amistosa para a divergência.

O grande problema é que se a tal solução amistosa não for alcançada, não há nenhuma outra medida que o Comitê ou a Comissão possa tomar, restando a questão não solucionada.

O Protocolo Facultativo do Pacto, entretanto, estabelece, pela primeira vez no direito internacional, um sistema de petições individuais, permitindo ao Comitê conhecer denúncias formuladas pelas próprias pessoas vítimas de violações de direitos garantidos pelo Pacto. No entanto, é necessário que o denunciante esteja sob a jurisdição de um Estado que tenha ratificado tanto o Pacto como o Protocolo Facultativo, que, como o próprio nome designa, pode ou não ser ratificado em separado (até 1991, dos 101 Estados-partes que haviam ratificado o Pacto, 53 também haviam aceitado o Protocolo Facultativo). O Brasil, entretanto, somente ratificou o Pacto.

As denúncias individuais deverão ser assinadas e datadas e conter, obrigatoriamente: o nome, endereço e nacionalidade da vítima e do autor, se diferente, justificando o motivo da atuação em nome de terceiro; identificação do Estado violador; os artigos violados do Pacto; prova do esgotamento dos recursos judiciais internos ou de indevido protelamento; declaração de que a mesma matéria não está sendo apreciada, ou já foi, em outra instância internacional; e uma detalhada descrição dos fatos. As petições deverão ser endereçadas ao Comitê, aos cuidados do Centro de Direitos Humanos da ONU em Genebra.

O Comitê, então, comunicará o Estado denunciado da petição, concedendo-lhe seis meses para prestar informações sobre o fato e sobre as providências eventualmente tomadas para sua solução. Com a vinda das informações e nova manifestação do denunciante, o Comitê proferirá uma decisão pelo voto da maioria dos seus membros, embora sempre se tente — e se tenha atingido — a unanimidade, sendo tal decisão publicada no Relatório Anual do Comitê à Assembléia Geral das Nações Unidas.

O Comitê até pode determinar a obrigação do Estado em reparar a violação cometida, mas o seu descumprimento não gera qualquer efeito, pois não exerce as funções de uma corte judicial, a não ser no plano político, mediante o chamado power of embarrassment, ou seja, o constrangimento político e moral que uma referência negativa no Relatório Anual do Comitê pode causar.

Até 1991, 468 denúncias individuais haviam sido comunicadas ao Comitê, que decidiu 119 delas, tendo 124 sido declaradas inadmissíveis, por falta de algum dos requisitos de admissibilidade, 70 sido retiradas, estando, à época, 46 ainda aguardando apreciação e 109 sob análise de admissibilidade.

O Comitê concluiu, recentemente, que as denúncias, embora individuais, poderão também ser apresentadas por organizações ou por terceiras pessoas, que representem a vítima efetiva da violação.

 

V - CONCLUSÃO

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de fato, consagra muitos dos direitos fundamentais da pessoa humana, reafirmando a Declaração Universal. Vários dos princípios previstos mostraram-se genéricos, tornando-se mais detalhados em outros diplomas internacionais específicos, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura, a Convenção para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e tantas outras citadas.

De qualquer forma, o Pacto constitui-se inequivocamente num rico instrumento para a proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana, que, embora reconhecidos neste e noutros tratados internacionais e, em grande parte, na própria legislação interna, inclusive constitucional, ainda carecem de efetiva introjeção na cultura do povo brasileiro, com vistas a garantir a concretização de um Estado Democrático de Direito.

 

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