Código
de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei
A Assembleia Geral,
Considerando que um dos objectivos
proclamados na Carta das Nações Unidas é o da realização da
cooperação internacional para o desenvolvimento e encorajamento do
respeito pelos direitos do homem e das liberdades fundamentais para
todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião,
Lembrando, em particular, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem 108 e os Pactos Internacionais sobre os
direitos do homem 109,
Lembrando igualmente a Declaração sobre
a Protecção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas ou
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia
Geral na sua resolução 3452 (XXX) de 9 de Dezembro de 1975,
Consciente de que a natureza das
funções de aplicação da lei para defesa da ordem pública e a forma
como essas funções são exercidas, têm uma incidência directa sobre
a qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade no seu conjunto,
Consciente das importantes tarefas que os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei levam a cabo, com
diligência e dignidade, em conformidade com os princípios dos direitos
do homem,
Consciente, no entanto, das
possibilidades de abuso que o exercício destas tarefas proporciona,
Reconhecendo que a elaboração de um
Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
da Lei é apenas uma das várias medidas importantes para garantir a
protecção de todos os direitos e interesses dos cidadãos servidos
pelos referidos funcionários,
Consciente de que existem outros
importantes princípios e condições prévias ao desempenho
humanitário das funções de aplicação da lei, nomeadamente:
a) Que, como qualquer órgão do sistema
de justiça penal, todos os órgãos de aplicação da lei devem ser
representativos da comunidade no seu conjunto, responder às suas
necessidades e ser responsáveis perante ela,
b) Que o respeito efectivo de normas éticas pelos funcionários
responsáveis pela aplicação da lei, depende da existência de um
sistema jurídico bem concebido, aceite pela população e de carácter
humano,
c) Que qualquer funcionário responsável pela aplicação da lei é um
elemento do sistema de justiça penal, cujo objectivo consiste em
prevenir o crime e lutar contra a delinquência, e que a conduta de cada
funcionário do sistema tem uma incidência sobre o sistema no seu
conjunto,
d) Que qualquer órgão encarregado da aplicação da lei, em
cumprimento da primeira norma de qualquer profissão, tem o dever de
autodisciplina, em plena conformidade com os princípios e normas aqui
previstos, e que os actos dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem estar sujeitos ao escrutínio público,
exercido por uma comissão de controlo, um ministério, um
procurador-geral, pela magistra????????º??0tura, por um provedor, uma comissão de
cidadãos, ou por vários destes órgãos, ou ainda por um outro
organismo de controlo,
e) Que as normas, enquanto tais, carecem de valor prático, a menos que
o seu conteúdo e significado seja inculcado em todos os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei, mediante educação, formação e
controlo,
Adopta o Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, que figura em anexo
à presente resolução e decide transmiti-lo aos Governos, recomendando
que encarem favoravelmente a sua utilização no quadro da legislação
e prática nacionais como conjunto de princípios que deverão ser
observados pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei.
106.ª sessão plenária
17 de Dezembro de 1979
Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
da Lei
ARTIGO 1.º
Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem cumprir, a todo o momento, o dever que a lei
lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra
actos ilegais, em conformidade com o elevado grau de responsabilidade
que a sua profissão requer.
Comentário *
a) A expressão «funcionários
responsáveis pela aplicação da lei» inclui todos os agentes da lei,
quer nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes de polícia,
especialmente poderes de prisão ou detenção.
b) Nos países onde os poderes policiais
são exercidos por autoridades militares, quer
em uniforme, quer não, ou por forças de segurança
do Estado, a definição dos funcionários responsáveis
pela aplicação da lei incluirá os funcionários
de tais serviços.
c) O serviço à comunidade deve incluir,
em particular, a prestação de serviços de assistência aos membros da
comunidade que, por razões de ordem pessoal, económica, social e
outras emergências, necessitam de ajuda imediata.
d) A presente disposição visa, não só
todos os actos violentos, destruidores e prejudiciais, mas também a
totalidade dos actos proibidos pela legislação penal. É igualmente
aplicável à conduta de pessoas não susceptíveis de incorrerem em
responsabilidade criminal.
ARTIGO 2.º
No cumprimento do seu dever, os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e
proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos fundamentais de
todas as pessoas.
Comentário
a) Os direitos do homem em questão são
identificados e protegidos pelo direito nacional
e internacional. De entre os instrumentos internacionais
relevantes contam-se a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, o Pacto Internacional sobre
os Direitos Civis e Políticos, a Declaração sobre
a Protecção de Todas as Pessoas contra a Tortura
e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos
ou Degradantes, a Declaração das Nações Unidas
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, a Convenção Internacional sobre a Supressão
e Punição do Crime de Apartheid, a Convenção sobre
a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, as
Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos,
e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares.
b) Os comentários nacionais a esta
cláusula devem indicar as provisões regionais ou nacionais que definem
e protegem estes direitos.
ARTIGO 3.º
Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei só podem empregar a força quando tal se afigure
estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu
dever.
Comentário
a) Esta disposição salienta que o
emprego da força por parte dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei deve ser excepcional. Embora admita que estes
funcionários possam estar autorizados a utilizar a força na medida em
que tal seja razoavelmente considerado como necessário, tendo em conta
as circunstâncias, para a prevenção de um crime ou para deter ou
ajudar à detenção legal de delinquentes ou de suspeitos, qualquer uso
da força fora deste contexto não é permitido.
b) A lei nacional restringe normalmente o
emprego da força pelos funcionários responsáveis pela aplicação da
lei, de acordo com o princípio da proporcionalidade. Deve-se entender
que tais princípios nacionais de proporcionalidade devem ser
respeitados na interpretação desta disposição. A presente
disposição não deve ser, em nenhum caso, interpretada no sentido da
autorização do emprego da força em desproporção com o legítimo
objectivo a atingir.
c) O emprego de armas de fogo é considerado
uma medida extrema. Devem fazer-se todos os esforços
no sentido de excluir a utilização de armas de
fogo, especialmente contra as crianças. Em geral,
não deverão utilizar-se armas de fogo, excepto
quando um suspeito ofereça resistência armada,
ou quando, de qualquer forma coloque em perigo
vidas alheias e não haja suficientes medidas menos
extremas para o dominar ou deter. Cada vez que
uma arma de fogo for disparada, deverá informar-se
prontamente as autoridades competentes.
ARTIGO 4.º
As informações de natureza confidencial
em poder dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem
ser mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento do dever ou as
necessidades da justiça estritamente exijam outro comportamento.
Comentário
Devido à natureza dos seus deveres, os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei obtêm informações
que podem relacionar-se com a vida particular de outras pessoas ou ser
potencialmente prejudiciais aos seus interesses e especialmente à sua
reputação. Deve-se ter a máxima cautela na salvaguarda e utilização
dessas informações as quais só devem ser divulgadas no desempenho do
dever ou no interesse. Qualquer divulgação dessas informações para
outros fins é totalmente abusiva.
ARTIGO 5.º
Nenhum funcionário responsável pela aplicação
da lei pode infligir, instigar ou tolerar qualquer
acto de tortura ou qualquer outra pena ou tratamento
cruel, desumano ou degradante, nem invocar ordens
superiores ou circunstanciais excepcionais, tais
como o estado de guerra ou uma ameaça à segurança
nacional, instabilidade política interna ou qualquer
outra emergência pública como justificação para
torturas ou outras penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes.
Comentário
a) Esta proibição decorre da
Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra a Tortura e
outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada
pela Assembleia Geral, de acordo com a qual:
«tal acto é uma ofensa contra a
dignidade humana e será condenado como uma negação aos propósitos da
Carta das Nações Unidas e como uma violação aos direitos e
liberdades fundamentais afirmados na Declaração Universal dos Direitos
do Homem (e noutros instrumentos internacionais sobre os direitos do
homem)».
b) A Declaração define tortura da
seguinte forma:
«Tortura significa qualquer acto pelo
qual uma dor violenta ou sofrimento físico ou mental é imposto
intencionalmente a uma pessoa por um funcionário público, ou por sua
instigação, com objectivos tais como obter dela ou de uma terceira
pessoa informação ou confissão, puni-la por um acto que tenha
cometido ou se supõe tenha cometido, ou intimidá-la a ela ou a outras
pessoas. Não se considera tortura a dor ou sofrimento apenas
resultante, inerente ou consequência de sanções legítimas, na medida
em que sejam compatíveis com as Regras Mínimas para o Tratamento de
Reclusos*».
c) A expressão «penas ou tratamento cruéis,
desumanos ou degradantes» não foi definida pela
Assembleia Geral, mas deve ser interpretada de
forma a abranger uma protecção tão ampla quanto
possível contra abusos, quer físicos quer mentais.
ARTIGO 6.º
Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem assegurar a protecção da saúde das pessoas
à sua guarda e, em especial, devem tomar medidas imediatas para
assegurar a prestação de cuidados médicos sempre que tal seja
necessário.
Comentário
a) «Cuidados Médicos», significando
serviços prestados por qualquer pessoal médico, incluindo médicos
diplomados e paramédicos, devem ser assegurados quando necessários ou
solicitados.
b) Embora o pessoal médico esteja
geralmente adstrito aos serviços de aplicação da lei, os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem tomar em
consideração a opinião de tal pessoal, quando este recomendar que
deve proporcionar-se à pessoa detida tratamento adequado, através ou
em colaboração com pessoal médico não adstrito aos serviços de
aplicação da lei.
c) Subentende-se que os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei devem assegurar também cuidados
médicos às vítimas de violação da lei ou de acidentes que dela
decorram.
ARTIGO 7.º
Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei não devem cometer qualquer acto de corrupção.
Devem, igualmente, opor-se rigorosamente e combater todos os actos desta
índole.
Comentário
a) Qualquer acto
de corrupção, tal como qualquer outro abuso de
autoridade, é incompatível com a profissão de
funcionário responsável pela aplicação da lei.
A lei deve ser aplicada na íntegra em relação
a qualquer funcionário que cometa um acto de corrupção,
dado que os Governos não podem esperar aplicar
a lei aos cidadãos se não a puderem ou quiserem
aplicar aos seus próprios agentes e dentro dos
seus próprios organismos.
b) Embora a definição de corrupção
deva estar sujeita à legislação nacional, deve entender-se como
incluindo tanto a execução ou a omissão de um acto, praticada pelo
responsável, no desempenho das suas funções ou com estas relacionado,
em virtude de ofertas, promessas ou vantagens, pedidas ou aceites, como
a aceitação ilícita destas, uma vez a acção cometida ou omitida.
c) A expressão «acto de corrupção»,
anteriormente referida, deve ser entendida no sentido de abranger
tentativas de corrupção.
ARTIGO 8.º
Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem respeitar a lei e o presente Código. Devem,
também, na medida das suas possibilidades, evitar e opor-se
vigorosamente a quaisquer violações da lei ou do Código.
Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei que tiverem motivos para acreditar que se produziu ou
irá produzir uma violação deste Código, devem comunicar o facto aos
seus superiores e, se necessário, a outras autoridades com poderes de
controlo ou de reparação competentes.
Comentário
a) Este Código será observado sempre
que tenha sido incorporado na legislação ou na prátic????????º??0a nacionais. Se
a legislação ou a prática contiverem disposições mais limitativas
do que as do actual Código, devem observar-se essas disposições mais
limitativas.
b) O presente artigo procura preservar o
equilíbrio entre a necessidade de disciplina interna do organismo do
qual, em larga escala, depende a segurança pública, por um lado, e a
necessidade de, por outro lado, tomar medidas em caso de violações dos
direitos humanos básicos. Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem informar das violações os seus superiores
hierárquicos e tomar medidas legítimas sem respeitar a via
hierárquica somente quando não houver outros meios disponíveis ou
eficazes. Subentende-se que os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei não devem sofrer sanções administrativas ou de
outra natureza pelo facto de terem comunicado que se produziu ou que
está prestes a produzir-se uma violação deste Código.
c) A expressão «autoridade com poderes
de controlo e de reparação competentes» refere-se a qualquer
autoridade ou organismo existente ao abrigo da legislação nacional,
quer esteja integrado nos organismos de aplicação da lei quer seja
independente destes, com poderes estatutários, consuetudinários ou
outros para examinarem reclamações e queixas resultantes de
violações deste Código.
d) Nalguns países, pode considerar-se que
os meios de comunicação social («mass media»)
desempenham funções de controlo, análogas às descritas
na alínea anterior. Consequentemente, os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei poderão como
último recurso e com respeito pelas leis e costumes
do seu país e pelo disposto no artigo 4.º do presente
Código, levar as violações à atenção da opinião
pública através dos meios de comunicação social.
e) Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei que cumpram as disposições deste Código merecem o
respeito, o total apoio e a colaboração da comunidade em que exercem
as suas funções, do organismo de aplicação da lei no qual servem e
dos demais funcionários responsáveis pela aplicação da lei. |