Fim
da dívida acabaria
com miséria em menos de um ano
Caso
argentino exige, dos que lutam por outro mundo, a negação de
contratos que saqueam U$ 400 bi anuais dos países do Sul
Daniel Merli*, Porto Alegre 2002
''Há urgência de
campanhas efetivas e vitoriosas contra a dívida. O exemplo do que
vive a Argentina tocou todo o planeta e temos de aproveitar este
momento histórico.'' O sentimento de urgência de Eric Toussaint
estava presente em cada depoimento do conferência ''Dívida
Externa'' esta manhã em Porto Alegre, no primeiro dia do Fórum
Social Mundial.
O belga Toussaint, diretor do CADTM (Comitê pela Anulação da Dívida
do Terceiro Mundo), enxerga uma oportunidade histórica. Acredita
que em pouco tempo deve haver uma crise de pagamentos na América
Latina, como em 82. ''Essa luta volta ao primeiro plano com o que
ocorreu na Argentina. Teremos de apoiar a luta dos povos, para que
não caiam no mesmo erro, de aceitar uma renegociação que
privilegie os credores.''
''O debate foi ba??????stante completo, quem esteve presente pôde ver
como a mobilização internacional se configura em vários países
e também todas as propostas que complementam a anulação dos débitos'',
avaliou ao final, o animador Bernard Pinaud, integrante francês
de International Cooperation for Development and Solidarity
(CIDSE).
Dívida impede o crescimento econômico e alimenta a pobreza
A ONU calcula que seria necessário gastar anualmente U$ 80 bilhões,
durante os próximos dez anos, para acabar com a miséria no
planeta. Essa quantia é quase três vezes menor que o total de
serviços pago pelos países de Terceiro Mundo, somente em 2001.
Com esse dado, Eric Toussaint e Arnaud Zacharie, do CADTM, tentam
provar, no texto-base da conferência, que a dívida impede a
superação da pobreza no planeta.
Também juntaram números para desmentir que esse é um preço
pago pelo financiamento estrangeiro das nações. ''Em 99, os 187
países mais endividados pagaram U$ 150 bilhões a mais do que
receberam em empréstimos'', afirmou Toussaint, durante o seminário.
''Entre 1980 e o ano 2000, o Terceiro Mundo enviou mais de 40
Planos Marshall para o Norte'', disse, referindo-se ao plano que
reconstruiu a Europa após a II Guerra.
Ao mesmo tempo em que oferece esses dados impressionantes,
Toussaint alerta que seu trabalho é apenas o de dar subsídio à
ação dos movimentos sociais. ''Este tema não é para oficinas
ou para negociações com o governo. É para uma ação massiva
dos povos'', apontando como manifestação dessas lutas o
plebiscito realizado pelos brasileiros em 2000, o levante popular
do Equador em janeiro do ano seguinte, e os protestos argentinos
em dezembro último.
A importância das ações foi ressaltada pelos outros
debatedores. ''Ficam nos dizendo que temos só uma escolha ou o
abismo, mas já estamos no abismo, e é possível sair dele'', diz
o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel. Luis Miguel
Sirumbal, diretor-executivo do Centro de Asesoría Laboral del
Perú (CEDAL), lembrou que, apesar da crise da dívida
latino-americana em 82 e da denúncia desses contratos, o seu país
segue transferindo renda. ''Pagamos, nesses últimos dez anos, o
dobro do que devíamos em 82, e hoje devemos o triplo que devíamos
então'', conta Luis Miguel, ''temos apenas de juntar condições
objetivas para a anulação, porque as objetivas estão aí, já
enchem uma pilha de papéis''.
O sindicalista peruano criticou o ''academicismo que defende a
anulação ou nada'' e citou casos que considera importante para
acumular experiências. Um deles é o de acordo entre Itália e
Peru para compensação da dívida, em que o governo italiano
perdoaria partes do débito que fossem investidas localmente em saúde
ou educação. Segundo Luis Miguel, o acordo não foi implantado
pelo Peru por não interessar aos que lucram, dentro do país, com
os contratos com os credores.
Condenar a dívida como crime contra a humanidade
O debate levou à inclusão de propostas que não estavam no
documento base de Toussaint. Foi a idéia de levar um processo ao
Tribunal de Haia, na Holanda, para condená-la como crime contra a
humanidade. Essa vitória abriria um caminho amplo para a anulação
e os tribunais populares constituídos em cada país têm sido os
primeiros passos para isso. Já foram realizados no Brasil e
acontecerá agora também durante o FSM. De Porto Alegre, deve
sair uma agenda de julgamentos populares pelo mundo. Neles, serão
reunidos os argumentos jurídicos que permitem a interrupção ou
anulação de contratos.
Essa face jurídica do problema foi pouco abordada durante a
discussão, como afirmou Pedro Morazán, ativista hondurenho da
Suedwind, sediada na Alemanha. Ele participou do debate e a sua
organização é uma das que está trabalhando pela condenação
em Haia. Afirmou que o movimento deve adiantar-se à proposta de
Anne Krueger, diretora-gerente do FMI, que quer um tribunal
extraordinário para julgar os endividados que não cumprirem os
contratos.
Morazán sugeriu mais uma proposta reunida no texto final da
conferência: a criação de um sindicato dos países credores.
Prioridade à luta em cada país, enquanto se reúne esforços
no mundo
Outra resolução acresentada foi a de trabalhar em rede nos vários
países atingidos pela dívida e também nos credores. Apesar de
concordarem com a sugestão, os dois puxadores da discussão
fizeram advertências. ''Não temos como planejar uma campanha
mundial única. Temos de achar o melhor mode de conquistar apoios
em cada local'', alertou Lidy Nacpil, secretária-geral da
organização filipina Freedom from Debt Coalition, que
participa da Jubileu 2000.
'`O espaço de luta é em cada nação, para que??????S?? os governos
cancelem o pagamento``, para Toussaint. Pediu mais empenho dos
candidatos de esquerda no Uruguai e Brasil, e também do
presidente Hugo Chavéz, da Venezuela. ``Se a população se
mobilizar para pressionar os canditados. Francamente, não é
Fernando Henrique Cardoso nem a direita que vai fazer isso e
quando escuto Aloízio Mercadante, do PT, dizer que se pode pagar
a dívida externa do Brasil, eu penso que nem o PT represente a
alternativa``, atirou o ativista belga.
Dinheiro poderia ir para fundo contra a pobreza
A proposta do texto-base que mais recebeu apoio foi a de criação
de um fundo, para onde iria o dinheiro economizado com o não-pagamento
dos débitos. Criado em cada país ou região, a verba teria uma
administração popular, com ''uma dinâmica democrática
participativa''. ''O exemplo do orçamento participativo praticado
em Porto Alegre desde o início dos anos 1990 deveria ser
estendido em escala internacional'', afirma o texto-base.
A proposta foi apoiada pelos outros explanadores. Paul Samengeron,
do Cáritas de Camarões, defendeu a idéia, ressaltando a
necessidade de uma administração popular ou dividida entre
governo e sociedade civil. "Um verdadeiro processo
participativo de decisão deve levar à aparição de instituições
fortes na comunidade", defendeu.
Novas formas de financiamento, para livrar-se de novas dívidas
Se o Peru tivesse todos os seus débitos perdoados hoje, às duas
da tarde, já teria de fazer um novo empréstimo meia hora depois,
imagina Luis Miguel. Prevendo iss??????S??o, o texto-base traz formas de
financiar o Sul sem mantê-lo acorrentado. As propostas aceitas
foram as de criação de um imposto internacional sobre grandes
fortunas e de uma taxa de tipo Tobin, sobre a movimentação
financeira. Também foi defendido o aumento da Ajuda Pública para
o Desenvolvimento (APD), que os países do Norte destinam
anualmente às nações subdesenvolvidas.
Todos concordaram que o problema da dívida não pode ser isolado
de outros problemas, e que a campanha por sua anulação deve ser
levada junto com a luta contra a OMC e a ALCA.
* com a colaboração valorosa do repórter e voluntário André
Merli Ribeiro
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