Protocolo Adicional às
Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 relativo à
Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais
(PROTOCOLO I) * **
As Altas Partes Contratantes:
Proclamando o seu ardente desejo de ver reinar a
paz entre os povos;
Lembrando que todo o Estado tem o dever, à luz
da Carta das Nações Unidas, de se abster nas relações internacionais de
recorrer à ameaça ou ao emprego da força contra a soberania, integridade
territorial ou independência política de qualquer Estado, ou a qualquer outra
forma incompatível com os objectivos das Nações Unidas;
Julgando, no entanto, necessário reafirmar e
desenvolver as disposições que protegem as vitimas dos conflitos armados e
completar as medidas adequadas ao reforço da sua aplicação;
Exprimindo a sua convicção de que nenhuma
disposição do presente Protocolo ou das Convenções de Genebra de 12 de
Agosto de 1949 poderá ser interpretada como legitimando ou autorizando qualquer
acto de agressão ou emprego da força, incompatível com a Carta das Nações
Unidas;
Reafirmando, ainda, que as disposições das
Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 e do presente Protocolo deverão
ser plenamente aplicadas, em qualquer circunstancia, a todas as pessoas
protegidas por estes instrumentos, sem qualquer discriminação baseada na
natureza ou origem do conflito armado ou nas causas defendidas pelas partes no
conflito ou a elas atribuídas;
acordam no seguinte:
TÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Princípios gerais e âmbitos de aplicação
1 - As Altas Partes Contratantes comprometem-se a
respeitar e a fazer respeitar o presente Protocolo em todas as circunstancias.
2 - Nos casos não previstos pelo presente
Protocolo ou por outros acordos internacionais, as pessoas civis e os
combatentes ficarão sob a protecção e autoridade dos princípios do direito
internacional, tal como resulta do costume estabelecido, dos princípios humanitários
e das exigências da consciência pública.
3 - O presente Protocolo, que completa as Convenções
de Genebra de 12 de Agosto de 1949 para a protecção das vitimas de guerra,
aplica-se nas situações previstas pelo artigo 2.º· comum a estas Convenções.
4 - Nas situações mencionadas no número
precedente estão incluídos os conflitos armados em que os povos lutam contra a
dominação colonial e a ocupação estrangeira e contra os regimes racistas no
exercício do direito dos povos à autodeterminação, consagrado na Carta das
Nações Unidas e na Declaração Relativa aos Princípios do Direito
Internacional Respeitante ás Relações Amigáveis e à Cooperação entre os
Estados nos termos da Carta das Nações Unidas
Artigo 2.º
Definições
Para os fins do presente Protocolo:
a) As expressões «Convenção I», «Convenção
II», «Convenção III», e «Convenção IV» designam, respectivamente:
A Convenção de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos e dos Doentes
das Forças Armadas em Campanha, de 12 de Agosto de 1949;
A Convenção de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos, Doentes e Náufragos
das Forças Armadas no Mar, de 12 de Agosto de 1949;
A Convenção de Genebra Relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra, de
12 de Agosto de 1949;
A Convenção de Genebra Relativa à Protecção das Pessoas Civis em Tempo de
Guerra, de 12 de Agosto de 1949.
A expressão «as Convenções» designa as quatro Convenções de Genebra, de
12 de Agosto de 1949, para a protecção das vitimas de guerra;
b) A expressão «regras do direito
internacional, aplicável nos conflitos armados» designa as regras enunciadas
nos acordos internacionais em que participam as Partes no conflito, assim como
os princípios e regras do direito internacional, geralmente reconhecidos e
aplicáveis aos conflitos armados;
c) A expressão «Potência protectora»
designa um Estado neutro ou outro Estado não Parte no conflito que, designado
por uma Parte no conflito, e aceite pela Parte adversa, esteja disposto a
exercer as funções confiadas à Potencia protectora, nos termos das Convenções
e do presente Protocolo;
d) A expressão «substituto» designa uma
organização que substitui a Potência protectora, nos termos do artigo 5.·
Artigo 3.º
Início e cessação da aplicação
Sem prejuízo das disposições aplicáveis a
todo o momento:
a) As Convenções e o presente Protocolo
aplicam-se desde o início de qualquer situação mencionada no artigo 1.º do
presente Protocolo;
b) A aplicação das Convenções e do
presente Protocolo cessa, no território das Partes no conflito, no fim geral
das operações militares e, no caso dos territórios ocupados, no fim da ocupação,
salvo nos dois casos, para as categorias de pessoas cuja libertação
definitiva, repatriamento ou estabelecimento tenham lugar posteriormente. Estas
pessoas continuam a beneficiar das disposições pertinentes das Convenções e
do presente Protocolo até à sua libertação definitiva, repatriamento ou
estabelecimento.
Artigo 4.º
Estatuto Jurídico das Partes no conflito
A aplicação das Convenções e do presente
Protocolo, assim como a conclusão dos acordos previstos por esses instrumentos,
não terão efeito sobre o estatuto jurídico das Partes no conflito. Nem a
ocupação de um território nem a aplicação das Convenções e do presente
Protocolo afectarão o estatuto jurídico do território em questão.
Artigo 5.º
Designação das Potências protectoras e do seu substituto
1 - É dever das Partes num conflito, desde o início
desse conflito, assegurar o respeito e a execução das Convenções e do
presente Protocolo pela aplicação do sistema das Potências protectoras,
incluindo, nomeadamente, a designação e aceitação dessas Potências nos
termos dos números seguintes. As Potências protectoras serão encarregadas de
salvaguardar os interesses das Partes no conflito.
2 - Desde o início de uma situação prevista
pelo artigo 1.·, cada uma das Partes no conflito designará, sem demora, uma
Potência protectora para os fins da aplicação das Convenções e do presente
Protocolo e autorizará, igualmente sem demora e para os mesmos fins, a
actividade de uma Potência protectora que a Parte adversa tenha designado e que
ela própria haja aceite como tal.
3 - Se uma Potência protectora não for
designada ou aceite desde o início de uma situação prevista pelo artigo 1.·,
o Comité Internacional da Cruz Vermelha, sem prejuízo do direito de qualquer
outra organização humanitária imparcial fazer o mesmo, oferecerá os seus
bons ofícios às Partes no conflito com vista à designação sem demora de uma
Potência protectora aprovada pelas Partes no conflito. Para este efeito, poderá,
nomeadamente, pedir a cada Parte o envio de uma lista de pelo menos cinco
Estados que essa Parte considere aceitáveis para agir em seu nome, na qualidade
de Potencia protectora face a uma Parte adversa, e pedir a cada uma das Partes
adversas o envio de uma lista de pelo menos cinco Estados aceitáveis como Potência
protectora da outra Parte; estas listas deverão ser comunicadas ao Comité nas
duas semanas que se seguem à recepção do pedido; aquele compará-las-á e
solicitará o acordo de todos os Estados cujos nomes figurem nessas duas listas.
4 - Se, apesar do que precede, não houver Potência
protectora, as Partes no conflito deverão aceitar, sem demora, a oferta que
poderá fazer o Comité Internacional da Cruz Vermelha ou qualquer outra
organização dando todas as garantias de imparcialidade e eficácia, depois das
devidas consultas com as citadas Partes e tendo em conta os resultados dessas
consultas, para agir na qualidade de substituto O exercício das funções por
um tal substituto fica subordinado ao consentimento das Partes no conflito; as
Partes no conflito farão tudo para facilitar a tarefa do substituto no
cumprimento da sua missão em conformidade com as Convenções e o presente
Protocolo.
5 - Nos termos do artigo 4.º, a designação e a
aceitação de Potências protectoras, para os fins da aplicação das Convenções
e do presente Protocolo, não terão efeito sobre o estatuto jurídico das
Partes na conflito nem sobre o de qualquer território, incluindo um território
ocupado.
6 - A manutenção das relações diplomáticas
entre as Partes no conflito ou o facto de se confiar a um terceiro Estado a
protecção dos interesses de uma Parte e os dos seus nacionais, à luz das
regras do direito internacional relativas às relações diplomáticas, não
impede a designação de Potências protectoras para os fins da aplicação das
Convenções e do presente Protocolo.
7 - Sempre que se fizer menção, daqui em diante
no presente Protocolo, à Potência protectora, essa menção designa igualmente
o substituto.
Artigo 6.º
Pessoal qualificado
1 - Em tempo de paz, as Altas Partes Contratantes
procurarão, com a ajuda das sociedades nacionais da Cruz Vermelha e Crescente
Vermelho, formar pessoal qualificado com vista a facilitar a aplicação das
Convenções e do presente Protocolo e especialmente a actividade das Potências
protectoras.
2 - O recrutamento e a formação desse pessoal são
competência nacional.
3 - O Comité Internacional da Cruz Vermelha
manterá à disposição das Altas Partes Contratantes as listas de pessoas
assim formadas que as Altas Partes Contratantes tenham estabelecido e lhe tenham
comunicado para esse fim.
4 - As condições em que este pessoal será
utilizado fora do território nacional serão, em cada caso, objecto de acordos
especiais entre as Partes interessadas.
Artigo 7.º
Reuniões
O depositário do presente Protocolo convocará,
a pedido de uma ou de várias Altas Partes Contratantes, e com a aprovação da
maioria destas, uma reunião das Altas Partes Contratantes com vista a examinar
os problemas gerais relativos à aplicação das Convenções e do Protocolo.
TÍTULO II
Feridos, doentes e náufragos
SECÇÃO I
Protecção geral
Artigo 8.º
Terminologia
Para os fins do presente Protocolo:
a) Os termos «feridos» e «doentes»
designam as pessoas, militares ou civis, que, por motivo de um traumatismo, doença
ou de outras incapacidades ou perturbações físicas ou mentais, tenham
necessidade de cuidados médicos e se abstenham de qualquer acto de hostilidade.
Estes termos designam também as parturientes, os recém-nascidos e outras
pessoas que possam ter necessidade de cuidados médicos imediatos, tais como os
enfermos e as mulheres grávidas, e que se abstenham de qualquer acto de
hostilidade;
b) O termo «náufrago» designa as
pessoas, militares ou civis, que se encontrem numa situação perigosa no mar ou
noutras águas, devido ao infortúnio que os afecta ou afecta o navio ou
aeronave que os transporta, e que se abstenham de qualquer acto de hostilidade
Essas pessoas, na condição de continuarem a abster-se de qualquer acto de
hostilidade, continuarão a ser consideradas como náufragos durante o seu
salvamento até que tenham adquirido outro estatuto, em virtude das Convenções
ou do presente Protocolo;
c) A expressão «pessoal sanitário»
designa as pessoas exclusivamente afectas por uma Parte no conflito aos fins
sanitários enumerados na alínea e), à administração de unidades
sanitárias ou ainda ao funcionamento ou à administração de meios de
transporte sanitário Estas afectações podem ser permanentes ou temporárias.
A expressão engloba:
i) O pessoal sanitário, militar ou civil,
de uma Parte no conflito, incluindo o mencionado nas Convenções I e II, e o
afecto aos organismos de protecção civil;
ii) O pessoal sanitário das sociedades nacionais da Cruz Vermelha e
Crescente Vermelho e outras sociedades nacionais de socorro voluntários
devidamente reconhecidas e autorizadas por uma Parte no conflito;
iii)O pessoal sanitário das unidades ou meios de transporte sanitário
mencionados pelo artigo 9.º, n.º 2;
d) A expressão «pessoal religioso»
designa as pessoas, militares ou civis, tais como os capelões, exclusivamente
votados ao seu ministério e adstritos:
i) Às forças armadas de uma Parte no
conflito;
ii) Às unidades sanitárias ou meios de transporte sanitário de uma
Parte no conflito;
iii)As unidades sanitárias ou meios de transporte sanitário mencionados
pelo artigo 9.º n.º 2;
iv) Aos organismos de protecção civil de uma Parte no conflito.
A ligação do pessoal religioso a essas unidades pode ser permanente ou temporária
e as disposições pertinentes previstas na alínea k) aplicam-se a esse
pessoal;
e) A expressão «unidades sanitárias»
designa os estabelecimentos e outras formações, militares ou civis,
organizadas com fins sanitários, tais como a procura, a evacuação, o
transporte, o diagnóstico ou o tratamento - incluindo os primeiros socorros -
dos feridos, doentes e náufragos, bem como a prevenção de doenças. Inclui,
ainda, entre outros, os hospitais e outras unidades similares, os centros de
transfusão de sangue, os centros e institutos de medicina preventiva e os
centros de abastecimento sanitário, assim como os depósitos de material sanitário
e de produtos farmacêuticos destas unidades. As unidades sanitárias podem ser
fixas ou móveis, permanentes ou temporárias;
f) A expressão «transporte sanitário»
designa o transporte por terra, água ou ar dos feridos, doentes e náufragos,
do pessoal sanitário e religioso e do material sanitário, protegidos pelas
Convenções e pelo presente Protocolo;
g) A expressão «meio de transporte sanitário»
designa qualquer meio de transporte, militar ou civil, permanente ou temporário,
afecto exclusivamente ao transporte sanitário e colocado sob a direcção de
uma autoridade competente de uma Parte no conflito;
h) A expressão «veículo sanitário»
designa qualquer meio de transporte sanitário por terra;
i) A expressão «navio e embarcação
sanitários» designa qualquer modo de transporte sanitário por água;
j) A expressão «aeronave sanitária»
designa qualquer meio de transporte sanitário por ar;
k) São «permanentes» o pessoal sanitário,
as unidades sanitárias e os meios de transporte sanitário afectos
exclusivamente a fins sanitários por tempo indeterminado. São «temporários»
o pessoal sanitário, as unidades sanitárias e os meios de transporte sanitário
utilizados exclusivamente para fins sanitários por períodos limitados durante
toda a duração desses períodos. Salvo se forem diferentemente qualificadas,
as expressões «pessoal sanitário», «unidade sanitária» e «meio de
transporte sanitário» englobam pessoal, unidades ou meios de transporte que
podem ser permanentes ou temporários;
l) A expressão «sinal distintivo»
designa o sinal distintivo da Cruz Vermelha e Crescente Vermelho, sobre fundo
branco, quando utilizado para protecção das unidades e meios de transporte
sanitários, do pessoal sanitário e religioso e do seu material;
m) A expressão «sinalização distintiva»
designa qualquer meio de sinalização destinado exclusivamente a permitir a
identificação das unidades e meios de transporte sanitários, previsto no capítulo
III do anexo I ao presente Protocolo.
Artigo 9.º
Âmbito de aplicação
1 - O presente título, cujas disposições têm
por fim melhorar a situação dos feridos, doentes e náufragos, aplica-se a
todos os que forem afectados por qualquer situação prevista pelo artigo 1.·,
sem qualquer discriminação baseada na raça, cor, sexo, língua, religião ou
crença, opiniões políticas ou outras, origem nacional ou social, fortuna,
nascimento, ou qualquer outra situação ou critério análogo.
2 - As disposições pertinentes dos artigos 27.º
e 32.º da Convenção I aplicam-se às unidades e meios de transporte sanitários
permanentes (exceptuando-se os navios-hospitais, aos quais se aplica o artigo
25.º da Convenção II), assim como ao seu pessoal, posto à disposição de
uma Parte no conflito para fins humanitário:
a) Por um Estado neutro ou qualquer outro
Estado não Parte nesse conflito;
b) Por uma sociedade de socorro reconhecida e autorizada por esse Estado;
c) Por uma organização internacional imparcial de carácter humanitário.
Artigo 10.º
Protecção e cuidados
1 - Todos os feridos, doentes e náufragos, seja
qual for a Parte a que pertencem, devem ser respeitados e protegidos.
2 - Devem em todas as circunstâncias ser
tratados com humanidade e receber, na medida do possível e sem demora, os
cuidados médicos que o seu estado exigir. Não deverá ser feita entre eles
qualquer distinção fundada em critérios que não sejam médicos.
Artigo 11.º
Protecção da pessoa
1 - A saúde e a integridade física ou mental
das pessoal em poder de Parte adversa, internadas, detidas ou de qualquer outra
forma privadas de liberdade em virtude de uma situação mencionada pelo artigo
1.º não devem ser comprometidas por nenhum acto ou omissão injustificados. Em
consequência, é proibido submeter as pessoas referidas no presente artigo a um
acto médico que não seja motivado pelo seu estado de saúde e que não seja
conforme às normas médicas geralmente reconhecidas e que a Parte responsável
do acto aplicaria, em circunstâncias médicas análogas, aos próprios
nacionais no gozo da sua liberdade.
2 - É proibido em particular praticar nessas
pessoas, mesmo com o seu consentimento:
a) Mutilações físicas;
b) Experiências médicas ou científicas;
c) Extracção de tecidos ou orgãos para transplantações;
salvo se esses actos forem justificados pelas condições previstas no n.º 1.
3 - Não pode haver excepção à proibição
referida no n.º 2, alínea e), salvo se se tratar de doações de sangue
para transfusões ou de pele destinada a enxertos, na condição de estas doações
serem voluntárias, não resultarem de medidas de coacção ou persuasão e
serem destinadas a fins terapêuticos, em condições compatíveis com as normas
médicas geralmente reconhecidas e com os controlos efectuados no interesse
tanto do dador como do receptor.
4 - Qualquer acto ou omissão voluntária que
ponha gravemente em perigo a saúde ou integridade física ou mental de uma
pessoa em poder de uma Parte, que não aquela da qual depende, e que infrinja
uma das proibições enunciadas pelos n.os 1 e 2, ou não respeite as condições
prescritas pelo n.º 3, constitui infracção grave ao presente Protocolo.
5 - As pessoas definidas no n.º 1 têm o direito
de recusar qualquer intervenção cirúrgica. Em caso de recusa, o pessoal sanitário
deve procurar obter uma declaração escrita para esse efeito, assinada ou
reconhecida pelo paciente.
6 - Todas as Partes no conflito devem manter um
registo médico das doações de sangue para transfusões, ou de pele para
enxertos, pelas pessoas mencionadas no n.º 1, se essas doações forem
efectuadas sob a responsabilidade dessa Parte. Além disso, todas as Partes no
conflito devem procurar manter um registo de todos os actos médicos levados a
cabo em relação às pessoas internadas, detidas ou de qualquer outra forma
privadas de liberdade em virtude de uma situação prevista pelo artigo 1.·
Esses registos devem estar sempre à disposição da Potência protectora para
fins de inspecção.
Artigo 12.º
Protecção das unidades sanitárias
1 - As unidades sanitárias devem ser sempre
respeitadas e protegidas e não devem ser objecto de ataques.
2 - O n.º 1 aplica-se às unidades sanitárias
civis desde que preencham uma das condições seguintes:
a) Pertencer a uma das Partes no conflito;
b) Serem reconhecidas e autorizadas pela autoridade competente de uma das
Partes no conflito;
c) Estarem autorizadas nos termos dos artigos 9.º, n.º 2, do presente
Protocolo, ou 27.º da Convenção I.
3 - As Partes no conflito são convidadas a
comunicar mutuamente a localização das suas unidades sanitárias fixas. A ausência
de tal notificação não dispensa qualquer das Partes da observância das
disposições do n.º 1.
4 - As unidades sanitárias não deverão em
qualquer circunstância ser utilizadas para tentar colocar objectivos militares
ao abrigo de ataques. Sempre que possível, as Partes no conflito procurarão
situar as unidades sanitárias de maneira que os ataques contra objectivos
militares não ponham aquelas em perigo.
Artigo 13.º
Cessação de protecção das unidades sanitárias
1 - A protecção devida às unidades sanitárias
civis apenas poderá cessar se aquelas forem utilizadas para cometer, fora do
seu objectivo humanitário, actos nocivos ao inimigo. No entanto, a protecção
cessará somente quando uma notificação, fixando, sempre que a tal houver
lugar, um prazo razoável, ficar sem efeito.
2 - Não deverão ser considerados actos nocivos
ao inimigo:
a) O facto de o pessoal da unidade estar
munido de armas ligeiras individuais para sua própria defesa ou para a dos
feridos e doentes a seu cargo;
b) O facto de a unidade estar guardada por um piquete, sentinelas ou uma
escolta;
c) O facto de na unidade se encontrarem armas portáteis e munições,
retiradas aos feridos e doentes e ainda não devolvidas ao serviço competente;
d) O facto de membros das forças armadas ou outros combatentes se
encontrarem nessas unidades por razões de ordem médica.
Artigo 14.º
Limitação à requisição das unidades sanitárias civis
1 - A Potência ocupante tem o dever de assegurar
que as necessidades médicas da população civil continuem a ser satisfeitas
nos territórios ocupados.
2 - Em consequência, a Potência ocupante não
pode requisitar as unidades sanitárias civis, o seu equipamento, material ou
pessoal, enquanto tais meios forem necessários para satisfazer as necessidades
médicas da população civil e para assegurar a continuidade dos cuidados aos
feridos e doentes já em tratamento.
3 - A Potência ocupante pode requisitar os meios
acima mencionados na condição de continuar a observar a regra geral
estabelecida no n.º 2 e sob reserva das seguintes condições particulares:
a) Serem os meios necessários para
assegurar um tratamento médico imediato e adequado aos feridos e doentes das
forças armadas da Potência ocupante ou aos prisioneiros de guerra;
b) A requisição não exceder o período em que essa necessidade exista;
e
c) Serem tomadas disposições imediatas para que as necessidades médicas
da população civil, assim como as dos feridos e doentes em tratamento
afectados pela requisição continuem a ser satisfeitas.
Artigo 15.º
Protecção do pessoal sanitário e religioso civil
1 - O pessoal sanitário civil será respeitado e
protegido.
2 - Em caso de necessidade, toda a assistência
possível deve ser dada ao pessoal sanitário civil numa zona em que os serviços
sanitários civis estejam desorganizados devido a combates.
3 - A Potência ocupante dará toda a assistência
ao pessoal sanitário civil nos territórios ocupados para lhe permitir cumprir
da melhor forma a sua missão humanitária. A Potência ocupante não pode
exigir deste pessoal que essa missão se cumpra com prioridade em beneficio de
quem quer que seja, salvo por razões médicas, Este pessoal não poderá ser
sujeito a tarefas incompatíveis com a sua missão humanitária.
4 - O pessoal sanitário civil poderá
deslocar-se aos locais onde os seus serviços sejam indispensáveis, sob reserva
das metidas de controlo e segurança que a Parte interessada no conflito julgar
necessárias.
5 - O pessoal religioso civil será respeitado e
protegido. As disposições das Convenções e do presente Protocolo relativas
à protecção e à identificação do pessoal sanitário ser-lhe-ão aplicadas.
Artigo 16.º
Protecção geral de missão médica
1 - Ninguém será punido por ter exercido uma
actividade de carácter médico conforme à deontologia, quaisquer que tenham
sido as circunstâncias ou os beneficiários dessa actividade.
2 - As pessoas que exerçam uma actividade de carácter
médico não podem ser obrigadas a praticar actos ou a efectuar trabalhos contrários
à deontologia ou às outras regras médicas que protegem os feridos e os
doentes, ou às disposições das Convenções ou do presente Protocolo, nem de
se abster de praticar actos exigidos por essas regras e disposições.
3 - Nenhuma pessoa que exerça uma actividade médica
poderá ser obrigada a dar a alguém, pertencente a uma Parte adversa ou à sua
própria Parte, salvo nos casos previstos pela lei desta última, informações
respeitantes a feridos e doentes que trate ou que tenha tratado e achar que tais
informações podem ser prejudiciais a estes ou às suas famílias. As regras
relativas à notificação obrigatória das doenças contagiosas devem, no
entanto, ser respeitadas
Artigo 17.º
Papel da população civil e das sociedades de socorro
1 - A população civil deve respeitar os
feridos, doentes e náufragos mesmo se pertencerem à Parte adversa, e não
exercer sobre eles qualquer acto de violência. A população civil e as
sociedades de socorro, tais como as sociedades nacionais da Cruz Vermelha e
Crescente Vermelho, serão autorizadas, mesmo em regiões invadidas ou ocupadas,
a recolher esses feridos, doentes e náufragos e a assegurar-lhes cuidados,
ainda que por sua própria iniciativa. Ninguém poderá ser inquietado,
perseguido, condenado ou punido por tais actos humanitários.
2 - As Partes em conflito poderão fazer apelo à
população civil e às sociedades de socorro mencionadas no n.º 1 para
recolher os feridos, doentes e náufragos e para lhes assegurar cuidados e ainda
para procurar os mortos e dar indicação do lugar onde se encontram; assegurarão
protecção e as facilidades necessárias àqueles que tiverem respondido a este
apelo. No caso de a Parte adversa vir a tomar ou a retomar o controlo da região,
manterá esta protecção e facilidades enquanto forem necessárias.
Artigo 18.º
Identificação
1 - Cada Parte no conflito deve procurar agir de
maneira que o pessoal sanitário e religioso, assim como as unidades e os meios
de transporte sanitários, possam ser identificados.
2 - Cada Parte no conflito deve igualmente
procurar adoptar e pôr em prática métodos e procedimentos que permitam
identificar as unidades e os meios de transporte sanitários que utilizem o
sinal distintivo e as sinalizações distintivas.
3 - Nos territórios ocupados e nas zonas onde se
desenrolem combates ou seja provável que venham a desenrolar-se, o pessoal
sanitário civil e o pessoal religioso civil far-se-á reconhecer, regra geral,
por meio do sinal distintivo e de um bilhete de identidade que ateste o seu
estatuto.
4 - Com o consentimento da autoridade competente,
as unidades e meios de transporte sanitários serão marcados com o sinal
distintivo. Os navios e embarcações mencionados no artigo 22.· do presente
Protocolo serão assinalados em conformidade com as disposições da Convenção
II.
5 - Além do sinal distintivo, uma Parte no
conflito pode, nos termos do capítulo III do anexo I do presente Protocolo,
autorizar o uso das sinalizações distintivas para permitir a identificação
das unidades e dos meios de transporte sanitários. A título excepcional, nos
casos particulares previstos no citado capítulo, os meios de transporte sanitário
podem utilizar as sinalizações distintivas sem arvorar o sinal distintivo.
6 - A execução das disposições previstas nos
n.os 1 a 5 é regulada pelos capítulos I a III do anexo I do presente
Protocolo. As sinalizações descritas no capítulo III deste anexo e destinadas
exclusivamente ao uso das unidades e dos meios de transporte sanitários só
poderão ser utilizadas, salvo as excepções previstas no citado capítulo,
para permitir a identificação das unidades e meios de transporte sanitários.
7 - As disposições do presente artigo não
permitem atender o uso, em tempo de paz, do sinal distintivo para além do
previsto no artigo 44.· da Convenção I.
8 - As disposições das Convenções e do
presente Protocolo relativas ao controlo do uso do sinal distintivo assim como
à prevenção e repressão da sua utilização abusiva são aplicáveis às
sinalizações distintivas.
Artigo 19.º
Estados neutros e outros Estados não Partes no conflito
Os Estados neutros e os Estados que não são
Partes no conflito aplicarão as disposições pertinentes do presente Protocolo
às pessoas protegidas pelo presente título que possam ser recebidas ou
internadas no seu território, assim como aos mortos das Partes nesse conflito
que possam recolher.
Artigo 20.º
Proibição de represálias
São proibidas as represálias contra as pessoas
e os bens protegidos pelo presente título.
SECÇÃO II
Transportes sanitários
Artigo 21.º
Veículos sanitários
Os veículos sanitários serão respeitados e
protegidos da maneira prevista pelas Convenções e pelo presente Protocolo para
as unidades sanitárias móveis.
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