Fontes
do Direito Internacional Humanitário
As fontes dos
direitos Internacional Humanitário são de origem
consuetudinária, mas foram
amplamente codificadas durante o século
XX e, na maior parte dos casos, continuam a
ter um valor consuetudinário para os Estados
que não ratificaram nem aderiram aos textos
convencionais.
1.FONTES
CONVENCIONAIS
Existem atualmente
cerca de trinta textos internacionais
em matéria de DIH. Entre eles podemos
citar: as 15 Convenções da Haia de 1899
e de 1907 N.T.1 , o Protocolo de Genebra de
17 de Junho de 1925 N.T.2 , as 4 Convenções de
Genebra de 12 de Agosto de 1949, a Convenção e
o Protocolo da Haia de 14 de Maio de
1954 N.T.3 , os 2 Protocolos Adicionais de 8
de Junho de 1977 N.T.4 , a Convenção das Nações
Unidas de 10 de Abril de 1981 N.T.5 , o Tratado
de Paris de 15 de Janeiro de 1993 N.T.6 e
a Convenção de Ottawa de 3 de Dezembro de
1997 N.T.7 .
Fontes do Direito
Internacional Humanitário 19
N.T.Portugal
assinou as Convenções II e III da
Haia de 1899 a 29 de Julho de
1899,tendo procedido à respectiva
ratificação a 4 de Setembro de
1900.Portugal ratificou ainda as
Convenções de Haia III,IV, V,VI,VII,IX,X,XI
e XII de 1907 a 18 de Outubro de
1907,tendo procedido à respectiva
ratificação a 13 de Abril de 1911.
N.T.2
Portugal assinou esta Convenção a
17 de Junho de 1925,tendo procedido à
respectiva ratificação a 1 de Julho de
1930 e emitido uma reserva à mesma
no momento da ratificação.
N.T.3
Portugal assinou esta Convenção a
14 de Maio de 1954, tendo este texto
sido ratificado pelo Presidente da
República a 30 de Março de 2000
(Decreto do Presidente da República
n.o 13/2000).Portugal não procedeu
ainda ao depósito do respectivo
instrumento de ratificação.
N.T.4
Portugal assinou os Protocolos Adicionais
I e II a 12 de Dezembro de
1977,ratificou-os a 27 de Maio de
1992,tendo procedido à declaração
de aceitação da competência da
Comissão Internacional para o
Apuramento dos Fatos,ao abrigo do
artigo 90.o do Protocolo I a 1 de
Julho de 1994.
N.T.5
Portugal assinou a Convenção a 10
de Abril de 1981 e assinou-a a 4 de
Abril de 1997,tendo unicamente aceite
os Protocolos I,II e III.
N.T.6
Portugal assinou esta Convenção a
13 de Janeiro de 1993 e ratificou-a a
10 de Setembro de 1996.Portugal fez
ainda uma declaração no momento da respectiva ratificação.
N.T.7
Portugal assinou esta Convenção a 3
de Dezembro de 1997,tendo-a
ratificado a 19 de Fevereiro de 1999
..De entre
todas estas Convenções, costuma-se operar uma distinção entre o Direito da Haia e o Direito de
Genebra. Esta distinção, atualmente desapropriada
já que os Protocolos contêm disposições que regulamentam
igualmente a conduta das hostilidades, conserva no entanto,
um valor histórico, e sobretudo didático, já que constitui um atalho semântico muito prático para
diferenciar estes dois conjuntos de
regras de direito.
Direito da Haia
[1899 e 1907 ]
Deve-se
considerar o Direito da Haia na perspectiva da restrição dos direitos dos combatentes. O DIH nasceu num
campo de batalha e visava, antes de
mais, a proteção do combatente. Foi este o objeto da
Convenção de 1864. Quatro anos mais tarde, a Declaração de
São Petersburgo N.T.8 admitia a
necessidade de limitações na conduta das hostilidades
e de proporcionalidade entre o fim da guerra (o enfraquecimento das forças militares do inimigo) e os meios
para o alcançar. Estes princípios
foram retomados na quarta Convenção da Haia de
1907 e no Regulamento a ela anexo . O Direito só pode existir na guerra no caso de se verificar uma adesão
incondicional ao princípio de que,
para aliviar os efeitos das hostilidades, os direitos dos combatentes
não são ilimitados.
De entre as
quinze Convenções da Haia, convém mencionar, para além da
quarta Convenção relativa às Leis e Costumes da Guerra em Campanha e o Regulamento a ela anexo, as
quinta e décima terceira Convenções
relativas aos Direitos e Deveres das Potências e das Pessoas Neutras, em caso de guerra em campanha e
marítima respectivamente.
Todos estes
textos encontram-se infelizmente limitados pela presença
da cláusula de participação geral (cláusula si
omnes).
Direito de Genebra
[1949 e 1977 ]
Deve-se
considerar o Direito de Genebra na perspectiva
da proteção dos direitos dos não
combatentes. No dia 12 de Agosto de
20 Direito
Internacional humanitário
N.T.8 Portugal assinou esta Declaração
a 11 de Dezembro de
1868,tendo procedido à respectiva
ratificação na mesma data.
Artigos 22.o e
23.o
..1949
foram adaptas quatro Convenções: a primeira para Melhorar a Situação dos Feridos e Doentes das
Forças Armadas em Campanha (guerra
em terra), a segunda para Melhorar a Situação dos Feridos,
Doentes e Náufragos das Forças Armadas no Mar, a terceira relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de
Guerra e a quarta relativa à proteção
das Pessoas Civis em Tempo de Guerra. As quatro
Convenções de Genebra
proporcionaram respostas adequadas aos problemas, tal
como eram sentidos em 1949, nomeadamente na base da dolorosa
experiência da Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, face à
diluição do conceito de guerra, à multiplicação dos conflitos
armados não internacionais (guerras de
secessão, conflitos de descolonização, conflitos
revolucionários e guerrilhas) e devido ao surgimento na
cena internacional de Estados que acederam recentemente à
independência, com os seus problemas específicos e querendo
fazer valer as suas próprias
concepções, afigurou-se necessário reafirmar o
direito aplicável em situação de conflito armado. Tal foi o objetivo
dos dois Protocolos
Adicionais de 8 de Junho de 1977: o primeiro incidindo
sobre a proteção das vítimas de conflitos armados internacionais,
sendo o segundo relativo à proteção de vítimas de conflitos
armados não internacionais. Estava fora de questão modificar as Convenções de Genebra, já que
importava salvaguardar o que tinha
sido previamente adquirido.
É por esta
razão que os Protocolos Adicionais,
tal como o seu adjetivo indica, vieram completar, e
não substituir, as Convenções de Genebra que, no caso das três
primeiras, vieram por sua vez
substituir as convenções anteriormente
adaptas na mesma matéria.2
Em relação
às Convenções de 1949 o primeiro Protocolo
traz quatro novidades 3 , consideradas freqüentemente
controversas por alguns Estados e que
explicam a sua reticência, pelo
menos num primeiro tempo, em ratificá-los.
São elas, a melhoria da assistên-
do Direito
Internacional Humanitário 21
2 A 1.a e a
3.a Convenções de Genebra vêm
substituir a 1.a e 2.a Convenções de
1929 e a 2.a Convenção de Genebra
vem substituir a 10.a Convenção de
Haia de 1907.
3 Kozirnik
(R.):«Les Protocoles de 1977:une
étape cruciale dans le développement
du Droit international humanitaire
»,R.I.C.R., 1997,p.517 e seguintes
(em português:«Os Protocolos de
1977: uma etapa crucial no
desenvolvimento do Direito Internacional
Humanitário »)
..cia médica
às vítimas, a flexibilização das condições exigidas para a obtenção do estatuto de combatente
legítimo (e por conseqüência de
prisioneiro de guerra), o reforço das restrições aos métodos e
meios de guerra, combinado com as
medidas de precaução no ataque e na defesa,
e finalmente a melhoria dos mecanismos de aplicação e de controlo.
Quanto ao Protocolo II, que tem desde já o mérito de existir e de ser o primeiro tratado de alcance
universal aplicável às guerras civis,
este constitui inegavelmente um progresso em relação ao único
artigo 3. o comum às Convenções de Genebra.
Estes
instrumentos internacionais foram largamente ratificados 4 :
até ao dia 1
de Julho de 1998, havia 186 Estados Partes nas quatro Convenções
de Genebra (com exceção feita à Eritreia, às Ilhas Marshall
e a Nauru); 150 Estados Partes no Protocolo I e 142 no Protocolo II. Não deixa de ser significante referir
que as grandes potencias (possuidoras
de armas nucleares) não aderiram ao Protocolo I (nomeadamente
os Estados Unidos, a França, a Índia e o Paquistão 5 ) e
que inúmeros Estados do Terceiro Mundo, envolvidos presente-mente
ou no passado em guerras civis ainda não
aderiram ao Protocolo II, tal, como
sucede com a Angola, Etiópia, Moçambique, Somália
e Sudão.
2.FONTES
CONSUETUDINÁRIAS
Se é verdade
que o costume se encontra freqüentemente na origem dos
tratados acima mencionados que o vieram codificar,
estes mesmos tratados, por modificarem ou
desenvolverem uma regra consuetudinária podem
tornar-se igualmente fonte de
costume. Assim, em caso de lacunas do
direito convencional, de não ratificação por certos
Estados, ou mesmo em casos de denuncia, as
regras consuetudinárias podem aplicar-- se
aos conflitos armados 6 a partir do momento em
que exista uma prática constante e
22 Direito
Internacional humanitário
4 Vide anexo.
5 Vide
Chabanon (C.):«La ratification du
Protocole additionnel I de 1977 », Ann.De
la Faculté de Droit de Clermont
Ferrand,1994,volume 30, pp.13-177 (em
português: «A ratificação do
Protocolo Adicional I de 1977 »).No
dia 28 de Janeiro de 1998 o Reino
Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda
do Norte aderiu aos Protocolos I e II
que entraram em vigor para este país no dia 28 de Julho de 1998. 6
Vide TIJ,1949,Caso do Estreito de
Corfu;TIJ,1986,Actividades Militares
na Nicarágua
..uniforme
dos Estados e a convicção da existência de um direito ou de uma obrigação. Podemos, a este
propósito, citar o Manual de São Remo
e a sua «Explicação»7 , desprovidos de qualquer força
obriga-tória, e que visa esclarecer
o direito dos conflitos armados no mar, concretizando
quais as disposições de natureza convencional e assinalando quais delas são consideradas como
enunciando direito consuetudinário.
No seu
Parecer Consultivo sobre a licitude da ameaça ou da utilização de armas nucleares de 8 de Julho de 1996, o
Tribunal Inter-nacional de Justiça
reafirmou a natureza consuetudinária das Convenções
da Haia de 1899 e 1907 e do Regulamento de 1907 relativo às
leis e aos costumes da guerra em terra, bem como das Convenções de Genebra (1864, 1906, 1929 e 1949). O
Tribunal enumera um certo número de
«princípios cardinais» que constituem o essencial do
Direito Internacional Humanitário, a saber 8 : o princípio da proporcionalidade, a proibição do veneno,
o princípio da distinção entre
combatentes e não combatentes, a proibição da utilização de armas com efeitos indiscriminados ou que
provoquem danos supérfluos e a
cláusula de Martens.
Desta forma,
nas hipóteses não cobertas pelos instrumentos de DIH, os
civis e os combatentes permanecem sob a proteção e domínio dos princípios do Direito das Gentes, tais
como decorrem dos usos estabelecidos,
dos princípios de humanidade e das
exigências da consciência pública.
A cláusula de Martens 9 , que tomava em
linha de conta o fato de qualquer codificação ser
por natureza incompleta – por não se
poderem prever todas as situações num determinado
momento – apresenta uma dupla
vantagem, já que: rejeita primeira-mente a
idéia de que tudo o que não é expressamente proibido
pelos tratados aplicáveis é
autorizado e em segundo lugar torna apli-
do Direito
Internacional Humanitário 23
7
Doswald-Beck (L):«Le Manuel de San
Remo sur le droit international
applicable aux conflits armés sur
mer »,R.I.C.R.,1995, pp.635-647 (em
português: «O Manual de São Remo
sobre o Direito Internacional
aplicável aos conflitos no mar »).
8 Vide n.o 4
do artigo comum 63.o /62.o /142.o e
158.o e artigo 3.o §2 do PI.
9 Por via da
aplicação,quer dos artigos comuns
2.o §3 e 3.o ,quer do Segundo
Protocolo,se o movimento de
libertação empreender uma luta tal
como definida pelo artigo 1.o §4 deste
texto contra um Estado Parte nas
Convenções e neste Protocolo
..cáveis
os princípios proclamados, independentemente da ulterior evolução
das situações.
O conjunto do
DIH, de natureza convencional ou consuetudinária, visa
variados destinatários. Visa obviamente em primeiro lugar os Estados, mas igualmente os movimentos de
libertação nacional 10 , as partes
num CANI (incluindo evidentemente a parte insurrecta, mesmo
que no momento do desencadeamento do conflito, só as autoridades governamentais possam estar vinculadas aos
tratados), os indivíduos aos quais
o DIH confere diretamente direitos e obrigações, enquanto
pessoas privadas com a capacidade de cometer ou de sofrer
violações do DIH, e, por fim, as organizações internacionais.
As últimas,
sujeitos derivados de Direito Internacional Público, encontram-se
igualmente vinculadas pelo DIH por consistirem numa
emanação dos Estados que, por sua vez, se encontram vinculados a estas regras, devendo assim o conjunto
respeitar o Direito que se impõe às
partes. Por diversas ocasiões a ONU declarou respeitar «o
espírito, princípios e regras das Convenções de Genebra de 1949». Com efeito, a aplicabilidade do
DIH às atividades das Nações
Unidas diz respeito às forças de manutenção da paz (forças armadas) e à ação coerciva do capítulo
VII. Mesmo não sendo formalmente
Parte nos tratados, a ONU deve igualmente aplicar o DIH
em virtude do caráter consuetudinário da maior parte das disposições deste ramo de Direito, pelo fato
de os Estados membros que
participam nas forças militares das Nações Unidas terem ratificado
os instrumentos internacionais e ainda porque o DIH, que permite
que as entidades infraestaduais se lhe vinculem, deverá igualmente
permitir que as entidades pluriestaduais o
façam.
10 Artigo 3.o comum
e Protocolo II.
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