A
objeção de consciência na
construção da Paz
Marcelo
Barros*
Todo
mundo diz que deseja a paz. Até Bush diz
fazer guerra para conseguir a paz. Cada vez mais
no mundo, cresce o número de pessoas que
percebem e testemunham: a paz e a justiça
nunca poderão ser alcançadas com
a força das armas. Só o diálogo
e o respeito ao diferente podem construir as bases
de uma sociedade nova. Crentes das mais diferentes
religiões e caminhos espirituais, como
também pessoas que simplesmente crêem
na vida e apostam no ser humano consagram-se à
paz pelo caminho da "objeção
de consciência", ou seja, a decisão
de negar-se a pegar em armas, no serviço
militar ou em qualquer outra atividade. Como a
produção de armas continua sendo
um dos negócios mais rendosos do mercado
internacional, quem pratica objeção
de consciência continua tendo dificuldade
de ser compreendido e aceito em sua opção
de paz.
Em
Israel, Jonathan Ben Artzi, 20 anos, sobrinho
do ex-ministro Benjamin Netanyahu, está
preso por ser objetor de consciência. Ele
é um dos milhares de jovens israelitas
que se negam a participar das operações
militares contra palestinos. Camilo Mejía,
filho do famoso compositor nicaragüense Carlos
Mejía Godói, está preso nos
Estados Unidos. Como cidadão norte-americano,
foi mandado ao Iraque em 2003. Ali não
aceitou obedecer a um general que lhe passou a
ordem de ameaçar física e psicologicamente
um prisioneiro iraquiano, afim de obter informações.
Nos EUA, mais de cinco mil jovens, objetores de
consciência, tiveram seus direitos civis
cassados e muitos estão presos. Durante
a invasão ao Iraque, alguns jornalistas
arriscaram-se a perder o emprego, mas se negaram
a divulgar notícias que incentivassem o
ódio e o racismo. Na Inglaterra, estudantes
de Medicina se declararam em "objeção
de consciência" para não praticar
experiências clínicas com animais
vivos. Um bispo católico confessou praticar
a objeção de consciência e
a desobediência civil contra a autoridade
eclesiástica, se ela der ordens contrárias
aos direitos humanos ou ao amor evangélico.
Cada civilização tem termos que
são tabus. É comum que elementos
em uma época e situação aceitos,
em outra podem ser inconcebíveis. Tomemos,
por exemplo, o incesto. Houve culturas que o toleravam.
Para o mundo atual é uma aberração
inaceitável. A objeção de
consciência revela que a guerra deve ser
uma coisa assim: algo que a humanidade não
pode conceber como não deve transigir,
hoje, com o incesto, a pedofilia, a escravidão
humana, o racismo e outros crimes sem nome.
A objeção de consciência existe
desde o mundo antigo quando a Igreja cristã
se opôs ao serviço militar obrigatório
com armas e se negava a participava do culto ao
imperador, chamado de "filho de Deus".
Nos primeiros séculos do cristianismo,
soldados convertidos ao Evangelho como Marcelo,
Massimiliano e outros foram condenados à
morte e martirizados por se negarem a pegar em
armas. Entretanto, só no século
XIX, escritores aprofundaram o direito das pessoas
desobedecerem a uma ordem imperial ou jurídica
por motivo de fé ou de consciência.
Os nomes mais famosos são Henry David Thoreau
que escreveu "A Desobediência Civil"
e, na Rússia, Leon Tolstoi, o maior apóstolo
da objeção de consciência
contra ordens iníquas do Czar e do exército
imperial.
No século XX, pela força da espiritualidade
e pela prática da não violência,
o Mahatma Gandhi deu à objeção
de consciência e à desobediência
civil um estatuto consagrado. Na Itália,
Lanzo del Vasto o seguiu no testemunho contra
o fascismo, na denúncia da tortura e dos
campos de concentração. Nos Estados
Unidos, o pastor Martin Luther King usou a mesma
força espiritual contra o racismo e a discriminação
sofrida pelos negros. No Brasil, a ditadura militar
parecia ter mais medo de Dom Hélder Câmara
com seu movimento de pressão moral libertadora
do que dos grupos armados de esquerda.
A objeção de consciência é
um direito reconhecido pela ONU que fez do 15
de maio o dia internacional dos objetores de consciência.
A objeção de consciência é
válida quando uma norma jurídica
ou de autoridade pública agride a ordem
social. É o caso, por exemplo, de soldados
que recebem ordem para invadir acampamentos e
ameaçam a vida e a paz de senhoras, crianças
e pessoas doentes apenas para garantir o direito
de propriedade que, neste caso, passa acima do
direito à vida e à segurança
das pessoas. Internacionalmente, a objeção
de consciência é permitida quando
o não cumprimento de ordens decorre do
foro íntimo e da consciência religiosa
ou ética da pessoa. Conforme a ONU, quem
faz objeção de consciência
deve oferecer outra alternativa de ação
pacífica. Em vários países,
desde meados do século XX, existem serviços
militares alternativos, através dos quais
os objetores de consciência cumprem sua
obrigação como auxiliares em instituições
filantrópicas, enfermeiros e outras profissões
humanitárias.
Nestes dias, o cardeal Trujillo, presidente da
Comissão de Defesa da Família no
Vaticano e o cardeal Ricard Carlés, da
Espanha, exortaram funcionários públicos
e juízes da Espanha a praticar "objeção
de consciência" e não assinar
a oficialização da união
gay, permitida pela lei espanhola. Estes cardeais
não pregaram objeção de consciência
aos militares, espanhóis e italianos, forçados
por seus governos, a invadir o Iraque com as tropas
norte-americanas em 2003.
No Brasil, a Constituição de 1988
legisla que o serviço militar é
obrigatório. Entretanto, em tempos de paz,
o jovem pode servir à pátria através
de um serviço militar alternativo (artigo
143, parágrafo 1). A Lei 8239 de 04 de
outubro de 1991 e a portaria do EMFA n. 2681 de
05 de agosto de 1992 dispõem sobre este
serviço de paz. Infelizmente, este direito
constitucional é pouco divulgado. A maioria
dos jovens brasileiros não sabe que pode
cumprir serviços alternativos que, no Brasil,
precisam ainda de ser melhor organizados. É
importante divulgar e esclarecer as pessoas sobre
este direito, como é importante recordar
a "objeção de consciência"
para avaliarmos em que medida agimos de forma
coerente com o que pensamos. Edward Abbey dizia:
"O sentimento sem conseqüência
na ação concreta é a ruína
da alma". O Mahatma Gandhi ensinava: "Seja
você a mudança que propõe
ao mundo".
* Monge beneditino e autor de 26
livros.
Email: mosteirodegoias@cultura.com.br
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