ABC
dos Novos Direitos e Deveres
Dilemas para o Século XXI
Direitos Globais no Universo em Mutação
Intifada
Segunda
Intifada: heróica resistência do
povo palestino!
Todo
apoio à resistência do povo palestino!
Palestina Livre!
Segunda
Intifada: heróica resistência do
povo palestino!
Há 56 anos o povo palestino luta e resiste
bravamente à ocupação de
seu país pelo Estado de Israel. A política
ditatorial racista do Estado de Israel, o sionismo,
separa o povo palestino de sua própria
terra, e trata qualquer tentativa de resistência
como “terrorismo”. Apoiado pelo imperialismo
dos Estados Unidos, o governo de Ariel Sharon
promove o genocídio do povo palestino,
e está construindo um muro para segregar
os palestinos, isto é, está implantando
um “apartheid” nos territórios
palestinos ocupados, separando as pessoas de seus
locais de trabalho, de suas escolas e hospitais,
bem como do acesso à água. Além
disso, o Estado sionista de Israel assassina as
lideranças da resistência popular,
e utiliza a mundialmente condenada prática
das punições coletivas, levando
o terror e a indignação a toda a
população palestina.
Israel
tenta estrangular a economia palestina, obriga
o povo palestino a consumir produtos fabricados
em Israel e impede o comércio de produtos
palestinos fora dos territórios ocupados.
Os palestinos são obrigados, para sobreviver,
a buscar trabalho em Israel, passando por todo
tipo de humilhações e recebendo
baixos salários. Hoje 60% dos palestinos
vivem abaixo da linha da pobreza, e, em algumas
regiões, como na faixa de Gaza, o desemprego
já atinge 60% da população.
A
ditadura racista de Israel trata os presos políticos
palestinos de forma desumana, submetendo-os às
torturas e humilhações, e impedindo
seus familiares de visitá-los. Nega também
o direito de defesa, uma vez que muitos são
presos sem acusação formal. Mas
o povo palestino resiste, e através da
guerra das pedras, a Intifada, vem demonstrando
ao mundo seu heroísmo e enorme coragem.
Nos
últimos 4 anos, desde o início da
segunda Intifada, foram assassinados pelo exército
de ocupação de Israel 3.659 palestinos,
dos quais 795 crianças, 245 mulheres e
2.619 homens adultos. Além desses assassinatos,
o exército de Israel feriu 27 mil palestinos
e mutilou 3.500.
O
governo fascista de Ariel Sharon também
expulsou os palestinos de suas casas e terras:
cerca de 7.500 casas de palestinos foram totalmente
destruídas, 1 milhão de árvores
frutíferas e oliveiras foram arrancadas,
e 30 mil hectares de plantações,
principalmente de trigo, foram envenenadas por
herbicidas, levando a fome a grande número
de pessoas, e ao aumento no preço dos alimentos.
Se isso não bastasse, cerca de 224 mil
hectares de terras palestinas foram confiscadas
pelo estado de Israel, e mais de 73 mil hectares
de terras palestinas foram totalmente arrasadas.
Com
sua heróica resistência o povo palestino
demonstra, à sua maneira, com a Intifada
e outras formas de luta, que é preciso
e possível enfrentar a opressão
imperialista, mesmo em condições
desiguais, pois a luta popular organizada é
a condição para a vitória.
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Todo
apoio à resistência do povo palestino!
Palestina Livre!
Marius Schattner
Boletim do CeCAC, ano X, no 4, nov/dez 2004 -
versão impressa
A
“preparação” da Intifada
Muito antes da famosa visita-provocação
de Ariel Sharon à Esplanada das Mesquitas,
em 28 de setembro de 2000, o exército e
os serviços secretos israelenses já
estavam preparados para a eclosão do que
viria a ser a (segunda) ’Intifada’
“Maré
alta, maré baixa”, o nome de código
dado à Intifada – desde seu começo
em setembro de 2000 – traduz a idéia
do exército israelense sobre o confronto:
um fenômeno natural, inevitável,
sem relação de causa e efeito com
a ação do governo. E também
a idéia de que a onda de violência
acabará se quebrando contra a força
de resistência do exército. Basta
agüentar até o refluxo, até
o dia em que o adversário “perder
a esperança de arrancar concessões
pela força”, segundo uma das expressões
favoritas dos dirigentes israelenses.
O
comando militar afirma ter visto essa onda de
fundo vir de longe. “As informações
colhidas e os preparativos realizados nos QG permitiram
que não fôssemos surpreendidos pelo
conflito armado desencadeado pelos palestinos”,
assegurou, em dezembro de 2001, o general Moshe
Yaalon, então chefe adjunto do Estado-Maior1.
No mais, o Serviço de Inteligência
Militar (Aman), que ele dirigia em 1995, teria
avisado o primeiro-ministro Yitzhak Rabin que,
violando os acordos de Oslo, a Autoridade Palestina
não fazia nada para impedir os atentados,
sendo que “conhecia os autores, sabia onde
se encontravam os esconderijos de armas e avaliava
a importância da ameaça terrorista”.
Em outras palavras, o Serviço de Inteligência
do exército previu, com cinco anos de antecedência,
o fracasso do processo de paz2.
Uma “enorme provocação”
Este
sinal de aprovação precisa ser minuciosamente
avaliado. No verão de 1995, os serviços
secretos militares não apontavam, na realidade,
“qualquer indício que permitisse
afirmar que Yasser Arafat não estivesse
comprometido com o acordo (de Oslo) e com o processo
de paz”. Pareceria que, na boa tradição
dos serviços secretos, o Aman tenha considerado
todas as possibilidades, dizendo ao poder o que
este tinha vontade de ouvir3.
Mas certos oficiais superiores, efetivamente,
deram o alarme antes de outros. Não surpreende
que fossem os que mais se opunham aos acordos
de Oslo de 1993, com os palestinos. Todos eles
viram na continuação dos atentados,
após 1993, a prova da duplicidade de um
Arafat que continuaria desejando a destruição
de Israel por etapas, mesmo que tais ataques fossem
perpetrados unicamente, na época, por grupos
islâmicos de oposição.
O seu pior cenário se concretiza em 29
de setembro de 2000, quando se desencadeia a Intifada
no dia seguinte à visita à Esplanada
das Mesquitas (Monte do Templo) do chefe da oposição
de direita da época, Ariel Sharon. Alertado
de longa data, o exército estava preparado
para o confronto. Tão preparado que Yasser
Arafat acusaria o chefe do Estado-Maior, Shaul
Mofaz, e o primeiro-ministro trabalhista, Ehud
Barak, de terem montado uma enorme provocação,
em conivência com Sharon, para acabar com
uma Autoridade Palestina cuja legitimidade nunca
foi aceita pela direita e por uma parte do exército.
A
profecia da desgraça
Na realidade, se não existe qualquer prova
de que tenha deliberadamente empurrado os palestinos
para um confronto, será que o Estado-Maior
fez tudo para o evitar? E quando o fogo pegou,
será que fez tudo para o conter ou, pelo
contrário, o atiçou? Será
que não viu nessa prova de força
a oportunidade sonhada de quebrar a Autoridade
Palestina, podendo até ir contra um governo
trabalhista ainda empenhado (até dezembro
de 2001-janeiro de 2002) num último esforço
para chegar a um acordo com Arafat?
É
o que deixa entender o ex-chefe de gabinete de
Barak, o advogado Gilead Sheer, um dos principais
negociadores com os palestinos. “Uma das
concepções dominantes no meio do
exército era a profecia da desgraça,
chamada a se realizar: o confronto se tornava
inevitável, pois os palestinos blefavam,
ou mentiam mesmo, e estavam se preparando de armas
nas mãos”, escreve em seu livro sobre
as negociações. Segundo ele, as
orientações do poder civil para
reduzir a tensão com os palestinos não
eram seguidas na maioria das vezes: “Os
blindados (que entravam na área palestina)
não voltavam para sua posição
de origem (…), só um número
ínfimo de operários palestinos era
autorizado a voltar a Israel, as barreiras nas
estradas eram mantidas” na Cisjordânia
e na Faixa de Gaza. Ele se ergue contra a propensão
de certos chefes do exército em tomar posições
políticas em público, ao “se
dirigirem diretamente à opinião
pública, passando por cima do governo”
eleito, principalmente nos últimos meses
do governo de Barak4.
Retomando
argumentos clássicos
Trata-se de um fenômeno recorrente num Estado
onde o exército sempre atuou em função
de seu enorme peso na sociedade: é a única
instituição que assume, ao mesmo
tempo, tarefas de avaliação (com
o Aman, a mais importante das agências de
inteligência), de planejamento e de execução.
É uma instituição que reflete
as tendências gerais do país e acolhe
cada vez mais colonos e nacionalistas religiosos
em suas fileiras, embora estes ainda estejam pouco
representados na instância do comando superior.
O fenômeno se ampliou durante os últimos
meses, enquanto o país era dirigido por
dois ex-generais, Sharon e o ministro da Defesa,
Benyamin Ben Eliezer, cujo ativismo não
perde em nada para o dos chefes do exército.
Dois
chefes sucessivos do Estado-Maior, Mofaz e Yaalon,
intervieram, assim, estrondosamente no campo político,
pregando com exagero a guerra contra a Autoridade
Palestina, retomando uma argumentação
clássica da direita. Ainda em fevereiro
de 2001, antes mesmo que Sharon assumisse suas
funções, o general Mofaz classificou
a Autoridade Palestina de “entidade terrorista”.
Em outubro de 2001, opôs-se à evacuação
de dois bairros da cidade de Hebron (desde então
inteiramente reocupada), o que, no entanto, fora
formalmente decidido pelo governo. Na primavera
de 2002, exigiu a expulsão de Arafat, contra
a opinião da maioria do governo e de um
certo número de especialistas militares.
As
relações entre exército e
política
Quanto ao general Yaalon, ele compara a Intifada
a um “câncer” que ameaça
a própria existência de Israel como
Estado judeu, voltando contra os árabes
a imagem de um Israel “câncer”
na região. Este câncer tem que ser
extirpado de um jeito ou de outro – pessoalmente,
Yaalon preconiza uma “quimioterapia”,
mas lembra que outros pregam a “amputação”.
Além disso, o novo chefe do Estado-Maior
denuncia a retirada israelense do Líbano
decidida, em maio de 2000, pelo governo Barak,
que teria, em sua opinião, “feito
o jogo dos interesses árabes”. Acusa
os defensores do compromisso e todos os que criticam
a conduta do exército de solapar o moral
da nação. Afirmações
que provocaram uma forte polêmica.
Seguindo
o mesmo tipo de raciocínio, o chefe da
força aérea, general Dan Haloutz
justificou, em agosto de 2002, a morte de civis
inocentes durante ataques aéreos “contra
terroristas” e se propôs a “processar
por traição” os pacifistas
israelenses que ousam acusá-lo de crime
de guerra.
A questão que se coloca, mais uma vez,
é a das relações entre o
exército e a política. Questão
que, na verdade, remonta à assinatura dos
acordos de Oslo de agosto de 1993. Em suas memórias,
o general de reserva Uri Sagui descreve o constrangimento
de um chefe dos serviços secretos militares,
obrigado a recorrer às suas próprias
fontes de informação para ficar
sabendo que seu governo está negociando
secretamente, em Oslo, com a Organização
de Libertação da Palestina (OLP)
e que, contra qualquer expectativa, as negociações
estão próximas de uma conclusão.
“O primeiro-ministro (Rabin) não
me havia informado sobre o que estava acontecendo
com o ministro das Relações Exteriores
(Shimon Peres, que supervisionava a negociação),
mas consegui ficar sabendo mais graças
às minhas fontes e informei o chefe do
Estado-Maior, Ehud Barak5”,
revela.
Militares
pró-paz
O ex-chefe do Aman, no entanto considerado no
exército como um moderado, lamenta “ter
tomado, tarde demais, conhecimento da Declaração
de Princípios (do acordo de Oslo) para
poder influir sobre ela”. O general Barak
estava convencido de que o mecanismo das retiradas
militares sucessivas previstas por Oslo jogava
contra Israel, na medida em que este deverá
“entregar territórios sem contrapartida”.
Ele classifica o acordo de “queijo suíço
cheio de buracos”. Quando, na seqüência,
foram consultados, os especialistas militares
multiplicariam as medidas de segurança
para se assegurarem de que as armas da polícia
palestina não seriam usadas contra Israel
e de que as colônias de povoamento poderiam
gozar da segurança necessária, o
que permitiria que crescessem num ritmo acelerado.
Não
podemos deduzir, entretanto, que o comando superior
era radicalmente contrário ao acordo de
Oslo, afirma o general de reserva Danny Rostchild.
“Alguns oficiais superiores desconfiavam,
outros eram contra, outros a favor e, pessoalmente,
eu estava encantado”, diz o ex-chefe da
administração militar nos territórios
ocupados até 1995.
O
sucessor do general Barak como chefe do Estado-Maior
de 1995 a 1998, general Amnon Shahak, por exemplo,
é um defensor convicto dos acordos de Oslo.
A exemplo de outros dirigentes militares, considera
que os acordos reforçam a segurança
do país. Isto o colocaria em conflito com
o primeiro-ministro, de direita, Benjamin Netanyahu,
que – ironia do destino – acusa, na
época, o alto comando de ingerência
na política6.
O chefe do Departamento de Segurança Interna
- civil - (Shin Beth), almirante de reserva Ami
Ayalon, também era favorável ao
compromisso com os palestinos. Após ser
reformado, em 2000, defenderia a retirada incondicional
dos territórios ocupados.
Negociações
paradoxais
Em contrapartida, os opositores a Oslo contam
em suas fileiras com o general Mofaz, chefe do
Estado-Maior de 1998 a julho de 2002, e o atual
chefe das forças armadas, o general Yaalon
que, desde 1995, ocupa postos-chave frente aos
palestinos: chefe do Serviço de Inteligência
militar, comandante da região que abrange
a Cisjordânia e chefe adjunto do Estado-Maior
de 2000 a 2002.
Todavia, mais do que por motivos ideológicos,
é por uma visão estreita que o exército
freia a aplicação de Oslo, segundo
Danny Rotschild. Porque, para um militar, os imperativos
de segurança “a curto prazo”
são mais importantes. Quando os fundamentalistas
islâmicos lançaram a primeira onda
de ataques suicidas em Israel, em 1994, após
o assassinato de cerca de trinta muçulmanos
em Hebron pelo colono Baruch Goldstein, o exército
se declarou favorável ao cerco dos territórios
palestinos (embora o Shin Beth tivesse apontado
os riscos). O objetivo era deter os atentados
em Israel impedindo a entrada de palestinos; porém,
o cerco jogava no desemprego mais de 100 mil trabalhadores
empregados em Israel e dava um duro golpe à
credibilidade do processo de paz por parte de
uma população que, no mínimo,
esperava dele melhores condições
econômicas.
Hesitante,
desconfiado e divido em relação
aos acordos de Oslo, o exército encontrou-se
numa situação paradoxal. De um lado,
fora encarregado de aplicar o acordo, inclusive
sob governos trabalhistas que apostavam na implicação
dos militares na negociação para
convencer a opinião pública. De
outro, preparava-se para um confronto com os mesmos
palestinos que eram seus interlocutores, um confronto
que explode, com a abertura de um túnel
antigo por Israel, na noite de 23 a 24 de setembro
de 1996, sob a cidade velha de Jerusalém,
ao longo da Esplanada das Mesquitas. Os muçulmanos
vêem nisso uma ameaça para o terceiro
local santo do Islã. Passeatas, duramente
reprimidas, transformam-se em rebelião
e, depois, em batalha ordenada com a entrada de
policiais palestinos. O exército israelense
não estava nem um pouco preparado para
enfrentar a situação, pois não
havia sido informado com antecedência, pelo
primeiro-ministro Netanyahu, sobre o sinal verde
para a abertura do túnel. O saldo foi pesado:
80 mortos, dos quais quinze militares israelenses.
Matar
a revolta no embrião
“Essa confusão constituiu uma virada.
O comando militar não teve mais dúvida:
a explosão de ira serve a Arafat como meio
de pressão para obter vantagens na negociação”,
declarou o ex-chefe do Departamento Histórico
do exército, Igal Eyal. A lição
disso tudo é que “confrontos se reproduzirão
em maior escala ainda, envolvendo as forças
de segurança palestinas, quando as negociações
entrarem numa fase decisiva, ou se os palestinos
proclamarem unilateralmente sua independência7”.
Para
o exército, os preparativos se intensificariam
em julho de 2000, após o fracasso das negociações
de Camp David e em função de preparativos
no campo do adversário, principalmente
no interior do Fatah. As posições
de guarda foram reforçadas em redor das
colônias, novas táticas foram estudadas,
unidades fizeram treinamentos especiais, planos
de intervenção foram estabelecidos,
em particular a operação para toda
a Cisjordânia, cujo nome de código
era “Campo de Arame Farpado”.
Estes
planos passariam a ser aplicados desde o começo
da Intifada. Tratava-se de bater duro, de matar
a revolta enquanto era ainda um embrião.
O resultado foi um número elevado de palestinos
mortos nas primeiras semanas de confronto –
oito vezes maior que o número de israelenses
mortos! Dois anos depois, a relação
cairia de um para três, o número
de mortos israelenses ultrapassando os 600, em
grande parte civis, “contra” mais
de 1.800 palestinos mortos.
Um
“descontentamento crescente”
Não se tratava apenas de preparativos táticos.
Foi toda uma concepção do “confronto
limitado” que o comando militar elaborou
antes mesmo do início da Intifada. “O
comando militar entendeu que não bastava
aplicar orientações – pouco
claras e mudando sempre – do poder político,
mas que deveria interpretar suas inspirações,
como o arquiteto com seu cliente, isto é,
pensar de modo diferente a luta, introduzir novos
conceitos, levar em conta restrições
internacionais e o peso da opinião pública”,
explica o general de reserva Iri Kahn, um dos
responsáveis pelo Departamento de Pesquisas
Operacionais do exército, encarregado da
formação e reflexão estratégica
dos oficiais superiores.
“O
objetivo não é ocupar um território,
retomar o controle das áreas autônomas
palestinas (seria, porém, o que ocorreria
na prática), menos ainda restabelecer uma
administração militar com todos
os encargos que isto representa, mas, sim, provar
aos palestinos que a violência não
compensa e se volta contra eles.” Nesse
momento, e só então, Israel deveria
apresentar um plano de paz, pois não haveria
solução durável “sem
solução política”.
Essa hora se aproxima, afirma um outro oficial
superior da ativa, do Departamento de Planejamento
Estratégico do exército, que menciona
um “descontentamento crescente da população
palestina” em relação à
sua direção e a Arafat. Ele também
tem em vista, na hora certa, um acordo político
cujos contornos ainda não podem ser revelados
por Israel. Porém, isto acontecerá
sem o chefe palestino, que ele acusa de ter lançado
deliberadamente uma “verdadeira guerra”,
e não um levante popular como parecia ser.
Na opinião desse oficial, o exército
esperava por isso, mas não havia considerado
“que a luta durasse tanto tempo, fizesse
tantos mortos e provocasse uma onda tão
sangrenta de atentados suicidas”. Aí
também, Arafat, com seu lado irracional,
seria o único culpado.
A
“morgue” do comando militar
A explicação vale o que vale. E
tem a vantagem de isentar totalmente Israel e
seu exército de qualquer responsabilidade,
não apenas no que se refere à origem
das perturbações, mas também
no que envolve a repressão que provocou
a morte de centenas de civis inocentes e a destruição
maciça de casas no âmbito de uma
política de punições coletivas.
“O
que está acontecendo no Tsahal?”,
pergunta o jornalista Nahum Barnéa, vedete
do jornal de grande tiragem Yediot Aharonot, após
a morte de duas crianças e de dois adolescentes,
no dia 31 de agosto, durante uma “operação
de queima de arquivo” que errou o alvo -
outro deslize pelo qual o ministro da Defesa,
mais uma vez, se desculpou e sem que, mais uma
vez, nenhuma sanção, nem a mínima
crítica, fosse aplicada aos responsáveis.
O jornalista, que esmiúça a “morgue”
do comando militar, questiona não só
a legitimidade moral desse tipo de operação
- o exército assume deliberadamente o risco
de matar parentes da pessoa que está na
mira - como também sua lógica interna,
ainda mais que acontece após um período
de relativa calma e pode desencadear um novo ciclo
de atentados e represálias8.
Não
se trata apenas de deslizes ou mancadas, observa
o orientalista Avraham Sela, também ex-oficial
superior do serviço secreto militar. “Houve,
principalmente no início da Intifada, uma
vontade muito nítida de provocar muitas
vítimas, não somente entre os atiradores
palestinos, mas entre manifestantes que, de modo
geral, só tinham pedras como armas. Assim
fazendo, o exército efetivamente quebrou
a revolta popular, mas ela se transformou em terrorismo
e luta armada”. Que não acabará,
realmente, sem uma proposta política digna
de crédito para os palestinos, o que não
se vê aparecer.
Essa
“morgue” do comando militar disfarça,
segundo ele, “uma ausência de estratégia
real”, o objetivo de quebrar a vontade adversa
e não pode ser considerada, politicamente,
como um objetivo de guerra. O mais grave, segundo
esse pesquisador da universidade hebraica de Jerusalém,
é que, por trás do discurso sobre
a irracionalidade de Arafat e sua vontade de destruir,
existe um “conceito estereotipado dos palestinos
e dos árabes, nos quais só acreditamos
quando dizem que querem destruir Israel, sem levar
em conta que, na prática, as pessoas estão
prontas a aceitar um modus vivendi”, conforme
comprovam várias pesquisas de opinião.
Trad.:
David Catasiner
1
- Ler, de Moshe Yaalaon, “Les préparatifs
des forces à un conflit limité”,
revista Maarahot (texto em hebraico), Tel-Aviv,
n° 380-381, dezembro de 2001, pp. 24 a 30.
2 - Entrevista de Yaalon à
revista militar israelense Mabat le Moreshet Hamodiin
sobre a história da Inteligência,
Tel-Aviv, 28 de janeiro de 2002: “Propus
ao primeiro-ministro Yitzhak Rabin que desse um
ultimato (a Yasser Arafat), intimando-o a agir
contra o terrorismo, senão o processo de
paz seria interrompido”, revela o atual
chefe do Estado-Maior.
3 - Cf. artigo de Yossi Melman,
Haaretz, Tel-Aviv, 16 de agosto de 2002, citando
um documento do Departamento de Análise,
do Aman.
4 - Ler, de Gilead Sheer, A portée
de la main, (em hebraico), ed. Tamar, Tel-Aviv,
2001, p. 368.
5 - Ler, de Uri Sagüi, Orot
be Arafel (Luzes na neblina), autobiografia (em
hebraico), ed. Yediot Aharonot, Tel-Aviv, 1998,
pp. 186-187. Ele destaca que, na época,
era a favor de negociações diretas
com a OLP, uma opinião longe de ser unânime
no exército.
6 - Principalmente durante o Conselho
de Ministros, no dia 15 de junho de 1998. Cf.
nota Agência France Presse, 15 de junho
de 1998.
7 - Esses acontecimentos não
impediriam o governo Netanyahu de, mais tarde,
retirar o exército de quatro quintos de
Hebron. A lição que os militantes
palestinos tiraram disso foi de que os israelenses
cedem mais facilmente se tiverem que enfrentar
a violência, aponta o jornalista Charles
Enderlin, que, a esse respeito, cita o chefe do
Fatah, Marwan Barghouti, desde então preso
e “julgado” por Israel. Ler, de Charles
Enderlin, Le Rêve brisé, ed. Fayard,
Paris, 2002, p. 74.
8 - Yediot Aharonot, 1° de
setembro de 2002. Desde então, uma CPI
absolveu os militares por essa morte e pela morte
de mais oito palestinos durante dois outros incidentes,
preconizando que fossem tornadas mais severas
as instruções sobre disparos.
Lê
Monde Diplomatique Outubro 2002
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