ABC
dos Novos Direitos e Deveres
Dilemas para o Século XXI
Direitos Globais no Universo em Mutação
Os
Homens Bomba São o Resultado Terrível,
Mas Inevitável, de Décadas de Desespero
Sa\'id Ghazali (*)
Que
as coisas fiquem claras desde o começo:
como todo ataque mortal a civis inocentes, os
ataques suicidas são terríveis e
injustificáveis. É um fenômeno
estranho e chocante não só em Israel,
nos Estados Unidos e no ocidente, mas para os
palestinos também. Porém, depois
que mais três rapazes árabes se explodiram
na semana passada, tirando a vida de 10 israelenses,
temos a obrigação de nos perguntarmos
por que acontece este fenômeno.
A mídia
internacional volta sua atenção
em cada reviravolta nos esforços de cessar-fogo
liderados pelos Estados Unidos e nos preparativos
para a realização da cúpula
da Liga Árabe, desta semana, onde a proposta
de paz saudita será discutida. Não
se discute por que uma onda sem precedentes de
homens está invadindo Israel, sabendo que
eles não retornarão para casa, dispostos
a praticar um ato de brutalidade selvagem em nome
de sua causa.
Os críticos não se perguntam por
que o general Anthony Zinni e o plano saudita
não oferecem qualquer esperança
para este povo. Discutir contextos parece proibido.
A razão desta horrível tendência
é construir o desespero, a desesperança
e a depressão. As novas gerações
herdaram 7 anos de negociações infrutíferas
com Israel, seis anos da primeira intifada, 35
anos de ocupação e 54 anos de destituição.
Essas
tragédias acumuladas criaram o homem bomba
suicida. Chamá-lo de terrorista, assassino,
criminoso infame, não faz qualquer diferença
para ele. Ele está doente. Toda a nação
palestina transformou-se em uma nação
doente, conduzida por medidas desesperadas porque
vê o mundo brutalmente injusto para com
ela.
Seis
palestinos foram mortos no sábado, inclusive
uma criança de 4 anos, de Rafah, na Faixa
de Gaza. Contudo, a maior parte da mídia
internacional pouco comentou o fato. Imagino quantos
homens bombas virão de Rafah para vingar
aquela criança. Por que as pessoas não
vêem isto? Por que os diplomatas americanos
e europeus não ouvem as milhares de pessoas
que carregavam o caixão coberto de flores,
gritando um terrível juramento de vingança?
E gritaram de novo quando o pai deitou o corpo
da criança na sepultura com um último
beijo em sua testa.
Não
faço parte da máquina de propaganda
palestina. Gritei do fundo de meu coração
quando ativistas palestinos arrastaram o corpo
de Muhammad Deifallah pelas ruas de Bethlehem,
linchado pela multidão, pois ele era acusado
de colaborar com Israel. Sequer fizeram a oração
para ele ou o enterraram no cemitério de
Bethlehem.
A política
é mais importante do que a vida humana?
O homem bomba é uma explosão de
décadas de desespero. Esperando, lamentando-se,
implorando, apelando e resistindo por mais de
54 anos, o povo palestino ainda precisa de uma
pátria. A proposta de paz saudita, se aprovada
pela cúpula árabe em Beirute, poderia
ser uma solução, mas desde que não
seja torpedeada por Israel.
Alguém
acredita, seriamente, que Israel aceitará
a retirada total para a fronteira anterior à
guerra de 1967 em troca da completa normalização
das relações com o mundo árabe?
Os israelenses diriam que os árabes estão
planejando usar o futuro estado palestino como
um passo para destruir Israel. Mas isto não
é verdade. Muitas vezes vemos palestinos
irados pelas ruas, dizendo para as câmeras
de televisão que eles querem destruir Israel.
No entanto, a maioria da sociedade palestina reconhece
Israel; seus membros reconhecem que os judeus
têm direitos nacionais na Palestina, concedidos
pela legislação internacional e
pelas resoluções da ONU e pela Declaração
Balfour.
Israel
não deveria só se retirar dos territórios
ocupados mas também ajudar a criar um sistema
democrático na Palestina, a sermos bons
vizinhos. Não estou dizendo que só
Israel deva ser considerada responsável.
Também somos responsáveis por não
termos lutado para ter um bom governo na Palestina.
Devemos responsabilizar a comunidade internacional,
principalmente os Estados Unidos, Inglaterra e
Israel, por não terem implementado a justiça
nesta região.
Iasser
Arafat foi forçado pelos acordos de Oslo
a se comportar como um ditador. É ilegal
prender pessoas por suas opiniões políticas.
Os palestinos sentem que estão perdendo
em todas as direções, em todas as
frentes. Estão perdendo suas vidas em casa.
Não têm dignidade nos postos de checagem.
Não
têm dinheiro para comprar comida. Estão
sufocados. Enlouqueceram.
A maior parte dos palestinos não quer destruir
Israel. Queremos conhecer o sofrimento dos judeus
no Holocausto. Queremos traduzir suas estórias
sobre os tormentos e agonias na Europa. Queremos
que Israel seja parte do Oriente Médio.
Nós,
os palestinos, somos um dos que entendem Israel.
Até o Hamas está pronto a dar uma
trégua se Israel se retirar da Cisjordânia
e da Faixa de Gaza.
A paz não pode ser estabelecida com base
nos acordos provisórios de Oslo. Depois
de sete anos em que os palestinos receberam apenas
18% da Cisjordânia e 60% da Faixa de Gaza,
a paisagem ainda está sob controle israelense.
E agora temos Ariel Sharon como primeiro-ministro
de Israel. Segundo ele, um estado palestino deve
ter apenas 42% da Cisjordânia.
No atoleiro do desespero, os suicidas, homens
e mulheres, estão aumentando rapidamente
e não porque sejam fanáticos islâmicos,
sonhando com a recompensa das 72 virgens do Paraíso,
mas porque vivem sob ocupação militar
e porque muitos de seus companheiros palestinos
foram mortos ou mutilados. A vingança é
o que os move agora.
Portanto,
a solução não será
uma oferta menor qualquer do general Zinni. Não
é um cessar-fogo sem qualquer conteúdo
político ou uma oferta americana para que
Arafat se encontre com o vice-presidente Dick
Cheney. É preciso muito mais do que isto.
É preciso que os Estados Unidos ordenem
que Israel suspensa os bloqueios e congele a construção
de assentamentos.
No momento, a política americana, falar
sobre a segurança de Israel enquanto leva
Arafat a prender e destruir seu próprio
povo, somente criará mais atrocidades suicidas.
É uma tarefa impossível para Arafat,
mesmo que ele quisesse cumpri-la.
Ele
não tem poder para prender terroristas,
seus policiais não podem se locomover entre
os focos do território controlado por palestinos.
Os israelenses destruíram as prisões.
Alguns de seus homens pertencem ao grupo Brigadas
dos Mártires de Al Aqsa, que atacam Israel.
A menos que haja uma mudança fundamental
na abordagem das questões, a cúpula
árabe e todas as missões do general
Zinni e do sr. Cheney não chegarão
a lugar algum.
The
Independent 25 de março de 2002
http://www.midiaindependente.org
(*) O autor é um jornalista palestino.
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