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Síndrome, mas
pouco
Quando
seis reféns do teatro de Moscovo apareceram na TV a defender a delicadeza
dos sequestradores chechenos, pareceu nascer o mesmo sentimento de
identificação vítima-agressor ocorrido em 1973 em Estocolmo. Mas a
súbita intervenção das tropas russas acabou com as expectativas dos
sociólogosl
© Joel Neto (Correio da
Manhã, 03.11.02)
Para os sociólogos, foram apenas 24 horas de esperança. A 24 de
Outubro mais de 700 moscovitas foram feitos reféns por um comando Checheno
no teatro Dubrovka, na capital russa; a 25 seis mulheres sequestradas
apareceram na televisão a defender a delicadeza dos seus agressores; na
noite de 26 as forças de segurança invadiram o teatro para libertar cerca
de 600 pessoas e causar a morte a mais de centena e meia, entre rebeldes e
vítimas. Tudo parece ter-se passado num ápice. Mas durante as 24 horas
que sucederam àquela curta emissão da NTV russa, em que as referidas
mulheres se deixaram entrevistar com o ar sereno de quem aceita o
sequestro, os sociólogos agarraram nos blocos de notas e despertaram os
sentidos para o televisor. Objectivo: registar cada palavra, cada olhar e
cada tique das entrevistadas, na tentativa de teorizar melhor o ainda
muito estranho fenómeno a que se convencionou chamar Síndrome de
Estocolmo. Foi em 1973 que pela primeira vez se observou essa
inesperada identificação ideológica entre vítimas e agressores. Quatro
pessoas foram feitas reféns durante um assalto ao banco Kreditbanken, em
Estocolmo, e após seis dias de cativeiro nenhuma delas mostrou sinais de
hostilidade para com os sequestradores. Ao contrário: todas recusaram ser
resgatadas pela polícia, nenhuma aceitou depor contra os agressores,
várias angariaram fundos para a defesa dos réus em tribunal e uma dela
chegou, inclusive, a ficar noiva de um dos sequestradores. Para alguns
cientistas tratou-se de uma tentativa inconsciente de lidar com o
significado daqueles dias de terror. Para outros apenas a sequência
natural dos seis dias de esforços feitos para não desagradar aos ladrões
e, com isso, salvar a própria vida. Mas a verdade é que o caso apaixonou o
mundo e, ainda hoje, muito do que então se passou continua por
explicar.
Outros
casos Várias situações semelhantes despertaram a atenção do
Planeta durante as décadas seguintes. Em 1974, nos Estados Unidos, Patty
Hearst foi sequestrada pelo Symbionese Liberation Army e acabou, findo o
cativeiro, por juntar-se ao grupo rebelde, adoptando o nome de guerra de
Tânia. Chamaram-lhe "lavagem ao cérebro". Em 1999, vários dos 155
ocupantes de um avião indiano sequestrado por forças paquistanesas, que
reivindicavam a posse do território de Caxemira, solidarizaram-se com a
causa dos agressores. O fenómeno foi atribuído a uma espécie de "hipnose
colectiva". Em nenhum dos casos os sociólogos avançaram muito nas
pesquisas. A serenidade das seis cidadãs russas na noite do passado dia
25 constituiu, por isso, um motivo de esperança na teorização do problema.
Ouvidas por repórteres da NTV em pleno cativeiro, as mulheres sublinharam
estarem a ser bem tratadas e apelaram, elas próprias, ao fim das
hostilidades russas na Chechénia, república da Federação Russa que reclama
a autodeterminação. Mas o prazo dado pelos rebeldes para o reclamado "fim
da guerra" acabou cedo de mais e os sociólogos não chegaram a conclusões
sobre a configuração de novo caso de Síndrome de Estocolmo. Os dados
mais concretos sobre este fenómeno reportam-se à sua variante doméstica,
em que mulheres agredidas por maridos violentos silenciam o seu sofrimento
e, em muitos casos, reconhecem interiormente razão ao agressor. Mas vários
cientistas defendem que, quando se trata de uma relação em que não existe
afectividade prévia, todos os factores se combinam de maneira diferente e,
por isso, qualquer conclusão é precipitada até ser possível estabelecer um
padrão de comportamento das vítimas. Para estes, por isso, é preciso
esperar pelo próximo sequestro. |