Em
corte seco
O Presídio Tiradentes
Rose Nogueira
(nasceu em Jacareí (SP), aos 12.2.46. Foi presa em São
Paulo no dia 4.11.69 e solta no dia 3.7.70. Já era jornalista
e militava na ALN. Continua exercendo a profissão de jornalista).
4.11.69
Era noite do dia 3 para o dia 4. Clauset chegou e só dei tempo
de contar que Ana Vilma tinha aparecido um pouco antes dizendo que
Penafiel tinha sido preso.
Cacá nasceu em 30 de setembro, no Hospital 9 de julho, em
São Paulo. Fórceps. Uma cirurgia por rotura da parede
da bexiga e uma sonda me obrigaram a ficar mais de vinte dias internada.
Quando a polícia chegou, o bebê tinha 33 dias e estávamos
em casa havia mais de uma semana.
Eu mesma abri a porta quando eles tocaram a campainha. Empurraram
Frei Fernando – que eu conhecia como Pedro – na minha
direção. Eram uns dez, chefiados pelo delegado que
respirava fundo e pesado. “Pega tudo, pega tudo”, ele
gritava para os outros, que corria por todo o apartamento abrindo
portas, derrubando livros, remexendo roupas feito ratos famintos.
Fernando – ou Pedro – mostrou-me as mãos algemadas.
Eu tremia. O bebê dormia no berço amarelo. Nem acordou
com a barulheira.
–
Vocês estão presos. E o bebê vai para o Juizado
de Menores.
–
O bebê não Vai. E eu só vou com vocês se
puder deixá-lo com a minha família.
–
Terrorista não tem família, não tem que ter
filho. E eu sou curador de menores – ironizou.
–
Não sou comunista.
–
Olha, moça, eu posso usar violência.
–
Pode, mas com o bebê eu não vou.
Respirou fundo, parou e perguntou:
–
Onde é que mora sua família?
–
Na Vila Olímpia.
–
Muito longe. Tem alguém que more mais perto?
– Meus sogros. Moram na rua Rego Freitas.
–
Então vamos pensar até amanhã se a gente deixa
a criança lá. Você fica aqui, até eu voltar
pra te buscar.
Levaram Clauset e Fernando. Fui algemada no braço de madeira
do sofá. Dois homens, um alto e corpulento, e outro gordo
e baixo, ficaram comigo. E a advertência:
–
Eles têm ordem para usar de violência. E se chegar alguém
aqui, tá em cana.
Soltaram-me as algemas para que eu pudesse dar de mamar ao menino
no quarto. Peito e mamadeira. Até que o baixinho foi lá.
–
Ele já dormiu. Pode colocar no berço de novo.
–
Mas qual é a diferença?
–
Você ouviu: a gente pode usar de violência.
Amanhecia. Os dois ligaram o rádio. Futebol. Naquela noite
ia ter Coríntians e Santos de portões abertos. Perguntaram
qual era o meu time. Coríntians. Sorriram satisfeitos.
O grandão se levava a sério. Folheava livros, abria
papéis, queria saber o que era cada um. Anotações
de antigas reportagens, notas de compra, bilhetinhos domésticos,
cartas de amor. “Tudo tem que ser anexado”, dizia ao
outro.
Prenderam Manoel, fotógrafo do Jornal do Bairro, que foi procurar
pelo Clauset a pedido de Abade, o diretor de redação.
Um outro rapaz, novinho, também foi preso. E ainda levaram
o zelador do prédio, por não preencher uma “ficha
de hóspedes” que a lei de exceção obrigava.
Quem dormiu algumas vezes lá em casa foi frei Betto e Carlos
Marighella, em períodos separados. Mas o zelador nunca percebeu.
Os tiras se queixavam da falta de sono e ficaram alegres quando o
delegado chegou, seguido pelo mesmo séquito, para me buscar.
Isso foi na tarde do dia 4.
–
O menino fica na Rego Freitas e você inventa uma história.
Se abrir a boca, já sabe.
Levaram-me na Veraneia com o bebê. Alguém foi guiando
o nosso carro. Na porta do prédio um investigador desceu comigo
e avisou que tinha a mão no revólver. Cacá – que
na época era só o nenê – ia dentro do moisés
azul, um cesto para carregar crianças. Coloquei caixas de
fraldas novas e várias mamadeiras na sacola, na esperança
de que meus sogros estranhassem e fizessem perguntas.
No apartamento, apenas a empregada, que não percebeu nada.
O investigador me obrigou a escrever um bilhete dizendo que ia visitar
uma amiga no hospital. Escrevi também a receita da mamadeira,
tentando ganhar tempo. Ninguém chegou.
O tira, que tinha nome no diminutivo, como todos, leu, releu e deu
a sentença:
–
Pode beijar o menino, que a gente está com pressa.
O DEOPS
O barulho no DEOPS era infernal, com os trens da Sorocaba fazendo
manobras, engatando vagões. Não sei em que andar
fomos parar. A sala era grande, com duas escrivaninhas velhas.
O baixinho gordo que passou a noite em minha casa saiu do banheiro
com uma toalha no pescoço e os cabelos molhados. Numa parede
lateral, uma vitrine com muitas armas. Eram espingardas, fuzis,
metralhadoras, todas em pé, enfileiradas.
A sala estava cheia, o entra-e-sai era grande. Muitos presos. Muita
gritaria. Lembro-me bem do doce Rabotri e do seu amigo, que chamavam
apenas de Marinheiro. Foi para o Marinheiro que o delegado perguntou
aos gritos:
–
Cadê o Marighella? Hoje ele não escapa!
–
Você não é macho? Vai buscar. – respondeu
o Marinheiro.
–
Pois eu já tô indo mesmo! – gritou o delegado,
enquanto lhe dava tapas na cabeça e um pontapé que
o jogou no corredor.
Duas moças estavam no sofá verde de couro e uma delas
mostrou à outra as mão trêmulas. Pensei que fossem
presas, mas eram policiais e estavam ali, pelos gestos, preparando-se
para alguma coisa que consideravam perigosa. Uma era loura, a outra
morena. Tinham os cabelos compridos, pareciam moças comuns.
O telefone tocou. O delegado atendeu, desligou e começou a
dar ordens aos berros.
–
Desce todo mundo para fazer a grade! Todo mundo pra baixo! É hoje! É hoje!
Repetia, enquanto tirava rápido, com todos os “inhos”,
as armas da vitrine. Gritavam entre si, nervosos.
O corredor era comprido e à esquerda ficavam as celas grandes,
que estavam lotadas. Fui para a cela 4, a última do “fundão”,
onde já estavam Ana Vilma e Tiana. A cela tinha mais ou menos
um metro e meio de largura por três de comprimento. Uma cama
estreita de alvenaria, um colchão de palha, uma pia e um vaso
sanitário. Era tudo.
Clauset também foi para o “fundão”, junto
com José Maria dos Santos, nosso colega da Folha da Tarde.
Estavam na cela 3. Na outra cela, dois engenheiros, Roberto Pereira
e Manoel Moraes.
A comida veio em prato de plástico com colher também
de plástico, sem cabo. Ninguém comeu. Quem servia era
Serginho, também preso, com um delegado ruivo e de óculos
atrás, olhando e falando bobagens. Esse delegado, que não
pertencia à polícia política, dizia que estava
preso por ter atirado em uma pessoa por engano na Praia Grande enquanto
prendia alguém. Mas colaborava com seus colegas do DEOPS naquela “situação
especial”, como dizia.
Logo depois vieram os gritos.
–
Mataram o Marighella! Mataram o chefe! Podem ir rezando que o chefe
tá morto!
O séquito do delegado invadiu o corredor. Os tiras batiam
nas grades das celas, chutavam as paredes, urravam, davam gargalhadas,
batiam palmas. A algazarra parecia não se acabar.
Foi uma noite de loucura. Ninguém quis acreditar. Mas era
verdade. Para nós, lá do “fundão”,
a confirmação veio com a chegada de Makiko Kishi, a
repórter fotográfica que trabalhava conosco na Folha,
ela foi presa tentando fotografar o lugar onde morreu Marighella,
se não me engano.
Preto, Zé Preto, Zé Pretinho. Tanta gente aprendeu
com ele a amar a vida e a liberdade. Aqueles homens nem sabiam que
(anos Carlos Marighella, poeta, também ensinou que é possível
sonhar.
O moisés
azul
Um mês ou mais ficamos esquecidos no “fundão”.
Outras pessoas chegaram, poucas saíram. Uma companheira foi
chamada lá em cima para depor. Aflição. Sabíamos
o que significava. Na volta, perguntou:
–
Por acaso seu bebê é bem clarinho e tem um moisés
azul?
Era sim. Lu tinha um berço-moisés azul. O mesmo onde
o tinha carregado para a casa dos meus sogros com a polícia.
Mas então... não, eles não fariam isso. Mas
fizeram. Tive tanto medo que escrevi na parede: “Eles estão
com meu bebê lá em cima”. Mesmo assim não
me chamaram. O que significava aquilo?
O leite que eu tirava do seio ainda insistia em vazar e minha blusa
cheirava a azedo. A febre aparecia todo dia. O leite me fazia pensar
que, enquanto estivesse ali, brotando, eu estaria ligada ao meu filho.
Dias depois veio o diminutivo do dia me buscar para depoimento. Empurrava-me
pela escada, enquanto gritava: “Vai, miss Brasil! Sobe essa
escada logo, sobe!
Miss Brasil era o nome de uma vaca leiteira que havia sido premiada.
E na sala para onde me levou, o “inho” chamava os outros: “Olha
a miss Brasil, pessoal! Tá cheia de leite! É a vaca
terrorista!“. Eles riam e me beliscavam nas coxas, nas nádegas.
Eu gritava e perguntava pelo bebê.
–
Pergunta quem faz aqui sou eu. E vamos ver se o nenê chora
mais do que você quando a gente for buscar ele de novo.
Era o que eles queriam: que eu soubesse que o bebê esteve lá,
que poderiam fazer qualquer coisa. Meu Deus, eles não tinham
limites! Ao voltar para a cela, o homem me olhou com ironia e disse: “Mas
esse leitinho esse nenê não vai ter mais, não”.
Naquele dia ou no outro trouxeram um médico ou enfermeiro
para Vera, uma mocinha de Ribeirão Preto que foi muito torturada.
Levaram-na para um quarto que ficava depois da carceragem com o marido,
também muito ferido. O mesmo sujeito, vestido de branco, levou-me
para a carceragem. Numa mesinha tinha aquela latinha retangular com
seringas dentro. Preparou a injeção. Um tira segurava
meu braço.
–
Quem é você?
–
Sou do Pronto Socorro de Santana, que fica aqui na Barra Funda -
riu. – Vim aplicar a injeção para cortar o leite.
–
Ah, não vou tomar - protestei e perdi a cabeça. Eu
não quero tomar essa injeção. Deve estar contaminada.
Vocês querem me passar hepatite, qualquer doença. Eu
quero ficar com o meu leite!
No desespero, joguei a latinha no chão. O tira gritou, vieram
mais dois, que me seguraram. O homem aplicou a injeção
na coxa, na parte da Frente, ainda com as marcas roxas dos beliscões.
O leite secou logo. Fui para o Tiradentes sem ele.
A família
Só depois pude saber o que aconteceu. A polícia pediu
que meus sogros levassem o menino ao DEOPS, mentindo que teríamos
visita. É claro que eles foram. E Ficaram lá toda uma
tarde, acreditando que nos veriam. Fizeram isso duas vezes.
Ao mesmo tempo, quem subia podia vê-los e, naturalmente, me
contaria. E a ameaça permanecia no ar.
Na terceira vez chamaram também meus pais. Fizeram perguntas,
intimidaram. Nesse mesmo dia nos chamaram e pudemos, Clauset e eu,
finalmente, ver nossos pais e nosso filho. Isso foi mais ou menos
nas vésperas do Natal de 69. Cacá já tinha quase
três meses e sorria.
No dia seguinte o juiz militar decretou nossa prisão preventiva.
Fomos para o Tiradentes.
Seu Pascoal
Era um dos carcereiros. Quando soube da história do bebê,
naqueles dias, veio me confortar.
–
Olha, eu sou católico e não concordo com nada disso.
Fui a missa rezar por você. Fique calma. Eles não vão
fazer nada com o seu filhinho, não. É só pra
te assustar, te ameaçar. Eu vou continuar rezando.
Hollywood
O delegado Ivair era gordo e grisalho. Foi eleito deputado, depois,
pela Arena. Naquela época orquestrava algumas daquelas sessões
de loucura. Gostava de “brincar”. Mostrou-me um revólver
dourado, dizendo que só o usava para atirar em mulheres.
–
Pra vocês tem bala cor-de-rosa - ria.
Queria saber por que em minha agenda havia nomes e telefones de artistas.
Expliquei-lhe que era repórter de cultura e variedades na
Folha da Tarde. Nem escutou. Cismou que eu era ligada ao cinema não
sei por quê.
–
Fique sabendo que nem você, nem subversivo nenhum pode entrar
nos Estados Unidos. – E gritava no meu ouvido: “Você nunca
vai trabalhar no cinema americano, viu? Bye-bye Hollywood!”.
Meu caro Leopoldo Heitor
Por onde andará Leopoldo Heitor? Quando era menina, a revista
O Cruzeiro, se não me engano, o chamava de “advogado
do diabo”. Para nós, ali no “fundão”,
foi o advogado dos anjos.
Não tenho a menor idéia da razão de sua prisão.
Clauset e os engenheiros foram para as celas grandes do corredor
da frente. No “fundão”, Ana Vilma e eu fomos transferidas
para a cela 1, Leopoldo ocupava sozinho a 2 e, na 3, estava Jeová Assis
Gomes. Jeová tinha as duas pernas fraturadas. Foi torturado
por dias seguidos. Não se entregava. Gemia dormindo.
Penso que Leopoldo foi preso com algum dinheiro, porque após
sua chegada o carcereiro Adão, da noite, nos trazia sanduíches
de mortadela. Para Ana Vilma e eu arrumou uma garrafa térmica,
para que pudéssemos ter café quente. Mandou também
que Adão trouxesse uma garrafinha de molho inglês. E
explicou: “Vocês pegam uns pães a mais de manhã e
vão comendo com molho. Tem bastante sal, tem gosto de tempero”.
Ensinou-nos que na cadeia ninguém pergunta ao outro por que
está lá. Segui a regra. Conversava amigavelmente, me
pedia para falar do bebê, da família. Fazia a mesma
coisa com Ana Vilma, que tinha uma menina de uns quatro anos, e com
Jeová, que inventava histórias de tias e primos engraçados.
Nunca falou em política. Pediu ao carcereiro blocos de batalha
naval e lápis. Jogamos várias vezes, “cantando” a
localização dos barcos e quadradinhos pela portinhola.
Jeová também jogava.
Ao sair, uns dez dias depois, deu-me uma cédula de um cruzeiro
com seu telefone e prometeu: “Vocês podem esperar, porque
eu vou fazer alguma coisa. E por favor, não me esqueçam”.
Tempos depois, quando já estava no presídio Tiradentes,
uma das carcereiras trouxe um jornal (seria o Jornal da Tarde? O
Jornal do Brasil? Vale a pena consultar o arquivo). E lá estava
a matéria: “Leopoldo Heitor denuncia torturas no DEOPS”.
Era, na verdade, uma carta ao general Médici, que começava
assim: “De uma maneira ou de outra fiquei sabendo...” e
denunciava o que presenciou no DEOPS.
Foi o primeiro a fazer isso. Não sei por onde anda. Impossível
esquecê-lo.
A chegada ao Tiradentes
–
Terrorista! Linda! O que é que você tá fazendo
aqui? Me dá um beijo? Cuidado com essa “tia” que
ela é xarope!
–
Quem são essas mulheres? Por que estão quase sem roupas?
Para onde a senhora vai me levar? Cadê meu maridos?
–
Esquece o marido, esquece o mundão e essa mulherada também,
que é tudo “corró” - disse a carcereira
gorda que me levava para a torre de dois andares que ficava na parte
de trás do Tiradentes.
–
Corró?.
– De incorrecional.
– O que e isso?
–
Vadiagem, minha filha. Putas. Já ouviu falar de putas?
–
Mas por isso? Elas têm processos?
–
Moral e bons costumes. E só um castigo, entendeu? Não
têm processo, nem visita, nem nada. Ficam nuas ou botam a roupa
do avesso porque não têm outra pra ir embora. E chega
de pergunta.
E virando-se para as grades de onde vinham os gritos:
–
Vocês já sabem. Esta aqui é gente fina. E subversiva.
Não é pro bico de vocês não.
Hilda
A luz era fraca e naquela torre de escadaria imponente que se abria
em duas nem se viam as argolas chumbadas na parede. Diziam que
ali era um lugar histórico e terrível, onde, no século
passado, ficavam os escravos acorrentados para ir a leilão.
Também diziam que pela torre haviam passado, como presos
políticos, figuras como Monteiro Lobato, em 1953, na campanha “O
petróleo é nosso”. Falavam que até o
então governador Abreu Sodré que um jornal chamou
de “o maior carcereiro do país” teria passado
por lá na mesma época. Seria já tão
imundo?
No final da escadaria, na grande cela à esquerda, estavam
Dulce Maia e madre Maurina. Na cela em frente, todas as outras: Nair
benedicto, Cidinha Santos, Ana Vilma, Aríete, Vilma, Zilda,
Ana do Roque, Lúcia, Margarida e Hilda.
Hilda me olhava com os olhos cheios de lágrimas enquanto eu
me apresentava e respondia meio tonta às perguntas que todo
mundo fazia ao mesmo tempo. Era hora do jantar. Havia uma salada
de arroz frio do panelão e pimentão verde picado que
a família de alguém havia trazido.
—
Quem está no DEOPS? É verdade que o Jeová está lá?
E essa história de padre, como é que é? Você é cristã?
O frei Betto caiu mesmo? Você é aquela que tem um nenezinho?
Olha, a Hilda também tem um nenê.
Hilda me olhava e chorava silenciosa. Os olhos dela eram iguais aos
da tia Encarnação. Verdes no choro. Sentei-me ao seu
lado para comer e só aí vi que não tinha os
dentes da frente. Foi porrada? Não perguntei por pudor. Chorava
por solidariedade à situação de maus-tratos à maternidade
recente. Como eu, Hilda também tinha o leite de Isa, de quatro
meses, no peito ao ser presa.
Tinha quatro filhos: Wladmir, com dez anos, Virgilinho, com nove,
Gregório, com dois, e a pequena Isa. Do Virgílio Gomes
da Silva – o Jonas – seu marido, Hilda não sabia
nada. Diziam que tinha sido morto; falavam que alguém fora
obrigado a limpar seu sangue na sala de torturas. Hilda não
sabia dele. Ninguém sabia de Virgilio. Nunca mais se soube
de Virgílio.
Vi que tivera mais “sorte” do que a operária Hilda.
Seus filhos foram para o Juizado de Menores. Foi terrível.
Ficamos amigas. Fizemos parte da mesma equipe de tarefas. Varríamos
as celas, passávamos pano úmido e cozinhávamos.
Não sei quantas equipes tínhamos. Elas iam aumentando à medida
que chegavam novas presas. Fomos descobrindo outras coisas comuns,
além dos bebês e da origem espanhola. Fazíamos
omeletes no único fogareiro elétrico, com certeza pela
experiência nas tortillas. Sabíamos costurar e fazer
crochê. E usávamos aquelas expressões andaluzas,
além de uma ou outra frase em espanhol suspirado.
Contávamos casos enquanto descascávamos as batatas,
lavávamos a verdura que as famílias traziam. Lendas
de mulheres. Isso nos devolvia, por instantes, uma certa sensação
de liberdade. Éramos apenas duas mulheres cozinhando.
Hilda foi presa em São Sebastião num sitio com os filhos.
Disse que era analfabeta. Outra pergunta que nunca lhe fiz. Como é que
eu poderia? “Hilda, você é mesmo analfabeta?.” Não
pegava bem. Ela contava que os policiais colocavam papéis
importantes à sua frente, mas ela nem olhava. E no Tiradentes,
conosco, só folheava revistas, não parava numa determinada
página. Seu comportamento era exemplar.
Um dia soube que sua família havia conseguido tirar as crianças
do Juizado. Chorava e ria. Os meninos estavam bem e juntos. Nervosa
na visita dos filhos, ao segurar a menina tropeçou e quebrou
o pé. Chorando de dor, se lamentava: “Você viu?
Logo agora que eu tinha de novo a minha felicidade, que eu estava
começando a ser feliz...”
Feliz, Hilda. Abraçar um filho é, sim, felicidade.
Mesmo lá.
Saiu da prisão alguns dias depois de mim. Fui visitá-la
muitas vezes na casa de dona Isabel, sua sogra, em Poá, na
Grande São Paulo. Um dia a encontrei ajoelhada, com um balde
de concreto que ela mesma preparou, fazendo o contrapiso da sala.
Hilda pedreira.
Seu problema era grande: Virgílio estava desaparecido, ela
tinha certeza de que estava morto, mas não tinha o atestado
de óbito. Não era casada e não era viúva.
A vida era difícil para ela, com os quatro filhos e dona Isabel,
mais o cunhado Chiquinho ainda preso. Por que ficar no Brasil correndo
perigo? Melhor ir para o Chile, seguindo os passos de tantos outros
durante o governo de Salvador Allende. Foram até Foz do Iguaçu,
atravessaram a ponte a pé, tomaram o ônibus para Assunção,
de lá para Córdoba, na Argentina, e de Córdoba
para Santiago. Viajaram como turistas. Acho que Clauset os acompanhou.
Antes do golpe chileno de 72, Hilda e os meninos foram para Cuba.
E foi em Havana que, em 85, bati à sua porta. Morava num apartamento
em Alamar, um bairro parecido com Asa Norte de Brasília, e
na luz fluorescente da sala seus olhos ficaram verdes daquele jeito
de novo. Sempre molhados. Os meninos estavam na faculdade, Isa no
colegial. Contou-me com orgulho que um deles (não me lembro
qual) queria ser geólogo. Ela seguia costurando. Era operária.
Fazia blusas para crianças.
Veio uma vez para o Brasil e passou dois dias comigo em casa. Tinha
torcicolo e passei-lhe uma dessas pomadas. Dei-lhe para dormir uma
camisola branca, que nunca mais usei. Esperando que Hilda, agora
de volta ao Brasil, definitivamente, talvez apareça um dia
e queira ficar um pouco. Estarei preparada.
Heleny
A primeira pessoa que me falou em Heleny Guariba foi Sônia
Braga, saindo da Adolescência, animada com seu papel na peça
Jorge Din-Din, de Brecht, na inauguração do Teatro
Municipal de Santo André. Era 68, acredito. Heleny era a diretora,
e até hoje não sei por que o teatro não leva
seu nome.
Também não sei por que estava presa. Tão articulada,
tão inteligente com seus óculos, a pequena Heleny se
derretia ao comentar os cabelos cacheados dos filhos João
e Francisco. Dava-nos aulas de francês.
A notícia do seu desaparecimento e sua morte no Rio circula
até hoje. Nunca mais se soube dela.
A última vez que ouvi falar de Heleny foi também no
seminário da Unicamp. Aquele moço não muito
alto de cabelos encaracolados e óculos grandes nem se apresentou.
Não precisava. Pegou minha mão e perguntou:
–
Você conheceu minha mãe? Como é que ela era?
Doce, Francisco. Era muito doce a forte e pequena Heleny Guariba.
Dona Edith
O nome é Edith Negraes. Também era jornalista. Para
mim, tinha cinquenta e poucos anos quando chegou ao Tiradentes. E
mesmo uns vinte anos depois, quando a vi pela última vez,
acreditei que continuava com cinquenta e poucos.
Devíamos ser mais ou menos vinte presas quando soubemos que
ela chegaria. Para aliviar a tensão, inventamos uma dança
horrível e hilária para receber quem chegava no DEOPS.
Imitávamos Almira, a companheira de Jackson do Pandeiro, que
fazia muito sucesso naquela época tropicalista com as músicas “Comadre
Sebastiana” e “Chiclete com Banana”. Pulávamos
fazendo barulho no assoalho oco de tábuas largas.
Primeiro, ela ficou séria, olhando aquilo. Em seguida caiu
na gargalhada, com certeza a primeira depois de muito tempo. Tomou
o café que fazíamos no fogareiro elétrico e
suspirou fundo.
–
Ai, que alívio estar aqui!
Sabíamos o que significava aquele desabafo. Só ia para
o Tiradentes quem tinha prisão preventiva decretada pela justiça
militar. Passava-se a existir novamente, ter um papel, um documento
e, principalmente, sair das mãos da Oban – ou DOI-CODI – e
do DEOPS.
A disciplina de Edith era assustadora. Economizava água em
panelas grandes, embora tivéssemos torneira, por exemplo.
Preparava-se para um possível corte. De vez em quando fazia
algum comentário sobre sua antiga militância no Partido
Comunista Brasileiro, mas não aceitava a análise imobilista
de que os militares cairiam de maduro, atribuída ao partidão.
Ligou-se aos dissidentes.
Tinha a alma generosa, mas jamais perdoou a moça que falou
seu nome à polícia, mesmo que isso tenha acontecido
sob tortura. Achávamos que deveria abrandar sua posição.
Afinal, estávamos todas lá, a questão era humana,
difícil de avaliar.
–
Bem, se precisar eu converso com ela. Mas perdoar eu não perdôo.
Isso também faz parte da natureza humana.
À
s vezes era cética.
–
Vamos levar muito tempo nesta luta. É muito fácil ter
uma pessoa errada no lugar errado dentro desse grande erro que é o
número enorme de organizações que não
se entendem.
Generosa, fazia parte de todas as atividades coletivas e passava
horas explicando um fato político antigo, falando sobre uma
personalidade, tudo o que se pedisse.
Além da profissão, Edith e eu tínhamos em comum
a gulodice por doces. Guardávamos balas e paçocas no
mocó, uma caixinha de papelão presa na cabeceira da
cama. Comíamos devagar. Um pedacinho de bala paulista era
o máximo!
Trabalhamos juntas em 71, numa revista técnica sobre construção
civil. Maior neutralidade, impossível. Mesmo assim ela foi
presa mais uma vez, e machucarem-lhe os rins.
Adorava visitá-la. Nunca consegui sair de sua casa sem uma
fruta, um maço de verduras, qualquer coisa que valesse um
presente. Estivemos juntas num primeiro de maio em seu sítio,
na Raposo lavares. Ela feliz, com o marido Alcebíades e o
filho Titau. Contou-me que Idealina Gorender, a dona Idê, havia
passado uns dias lá e as duas montaram juntas algumas réstias
de cebolas que ela mesma havia plantado. Tinha orgulho de tudo o
que plantava. Que tarde, aquela! Parece que foi ontem.
Obrigado, doutor
O doutor Eustáquio Ciccivizzo é alegre e sua fala italianada
faz dele um paulistano típico. Conheci-o quando desconfiei
da gravidez.
Que tempo bom aquele da barriga. Eu adorava estar grávida.
Ninguém poderia imaginar algum problema no parto.
Rosinha Clauset comentou que só ele mesmo para perceber o
que aconteceu: a parede da bexiga se rompeu. Um acidente, uma cirurgia
e mais de vinte dias no hospital. Uns dez dias em casa e depois...
cadeia.
No Tiradentes, no dia em que veio me visitar e constatou infecção
puerperal, Eustáquio encontrou uma sala improvisada em consultório,
preparada por um antigo colega de escola. Era o doutor Madeira, que
estava preso havia mais tempo do que eu. Ficou emocionado.
Não sei se foi Rosinha, o advogado, a família, a polícia
ou a justiça militar que providenciou a visita. Sei que ele
foi intimado a ir. Um transtorno. Mas a febre passou.
Paciência
Tecíamos tal qual Penélope. Quanto tempo levaria para
terminar a renda? Um ponto baixo, uma laçada, dois pontos
baixos, outra laçada. Na carreira seguinte, uma laçada
sobre cada ponto baixo. E tem-se uma bela renda com furinhos em diagonal.
Essa lógica da renda fui reencontrar nos primeiros desenhos
no computador. Se juntar a parte direita com a esquerda do trabalho,
tem-se uma espiral. Será que não tinha mesmo fim?
Era o nosso cotidiano. Marxismo, estruturalismo, macroeconomia, imperialismo,
destino da burguesia nacional, identificação do inimigo
principal, foquismo, um, dois, três Vietnãs. Tudo se
misturava aos pontos na agulha. E de repente:
–
Faço um tapete ou um colete de barbante?
–
Não sei, eu vou fazer um biquini de ponto baixo. E a outra:
–
Dá uma olhada no meu cachecol!
Simples, como se fosse muito natural. Como sempre fizeram as moças.
Assim, como Penélope.
Tchau, pai
Cresci com todo mundo me dizendo que eu era órfã. Meu
pai, o caminhoneiro Bernardo, morreu num acidente na antiga estrada
Rio-São Paulo quando ia socorrer um amigo que havia tombado
com toda a carga. Tinha 27 anos e deixou minha mãe com 21,
grávida de sete meses, além de mim, que tinha quatro
anos.
Falavam sempre como era bonito, com seus olhos verdes. Era alegre,
gostava de dançar e tinha muitos amigos. Perfeito. Meu pai
era perfeito. Adoro essa imagem e quero ficar com ela. Perdoem os
psicanalistas. Por causa disso e pelo novo casamento de minha mãe,
nunca me senti órfã. Afinal, eu tinha um pai maravilhoso
que tinha morrido e um outro carinhoso que cuidava de mim.
Seu Maia era 27 anos mais velho que minha mãe. Chamei-o de
pai desde o primeiro momento e o amei tanto quanto as minhas “lembranças” do
pai verdadeiro. Era viúvo e tinha seis filhos, quatro mais
velhos e dois mais novos do que eu. De repente ganhamos, eu e Bernardinho,
uma família nova e grande. E ainda vieram Roseli e Rosângela.
Foi, com certeza, um dos melhores cozinheiros que conheci. Colecionava
livros de culinária portuguesa e francesa, experimentava receitas,
gostava de ver a mesa farta. Tinha prazer especial em apresentar
e saborear os pratos.
–
Sinta este perfume, minha filha - dizia ao destampar a panela. Ensinou-me
os segredos dos temperos, das misturas, da temperatura certa. Foi
aí mesmo que a vida o pegou: enfartado duas vezes, tinha de
suprimir o que mais amava. Aquela comida toda, a manteiga do molho,
o perfume que tomava a nossa casa.
–
Quem cozinha bem tem a alma generosa dizia. – É melhor
gastar no armazém do que na farmácia – era outra
de suas frases.
Na visita de fim de ano de 69 para 70 no Tiradentes, preparou um
frango para mim. Para minhas companheiras, levou um leitão
assado cortado em pedaços com farofa. Falou do vinha d’alhos,
da salsinha bem fininha. Disse que não comemorariam o réveillon.
Minha mãe não queria. Mesmo assim, levaram-me de presente
um vestido estampado de marrom e amarelo com uma echarpe combinando,
também amarela. E uma sandália de plataforma e salto
anabela, como estava na moda.
Ele não soube que a carcereira derrubou o leitão, ao
vasculhar a travessa para procurar sei lá o quê. Não
pôde vir mais, nem no meu aniversário em fevereiro.
O coração não deixava.
No começo de março, Cidinha me deu uma escova de aço
para lixar as paredes, porque havíamos decidido cobrir aquele
cinza escuro das celas com tinta branca. Podíamos receber
essas coisas. Nair dizia:
“
Força, Rose, força que essa sujeira não sai”.
Depois da parede, raspamos o chão de tábuas largas
com faca de cozinha. E todo mundo em cima de mim. “Vai, Rose,
bota força porque a crosta é muito grossa”. Desconfiei.
Que coisa é essa de me ocupar sem parar? Por que todas falavam
comigo ao mesmo tempo? Por que ganhei um maço de cigarros
a mais? Por que a carcereira veio dizer que eu poderia telefonar
para minha mãe? Perguntei e olhei para Dulce. Seus olhos molhados
e o queixo trêmulo me confirmaram.
Tchau, pai.
Procura o Paulinho
–
jornalista! Jornalista! É verdade que você vai sair
hoje? Vai mesmo pro mundão? – Era Nice gritando.
Nice era presa comum. Ficava no “pavilhão das condenada”,
para as que já tinham sentença da justiça comum
e cumpriam pena. Esse pavilhão era separado, tanto do nosso
quanto do das “corrós”.
–
Tentei matar o meu “amigo” porque ele andava com outra – contou.
Tinha o privilégio de poder trabalhar no presídio.
Varria os pátios. Varria inúmeras vezes, evitando voltar
para a cela. Chegava sempre perto da Torre, vinha ao nosso pátio
e foi puxando conversa. Respeitava as regras, não fazia perguntas,
evitava nos chamar pelos nomes. Foi assim que eu passei a ser a ser
só “jornalista” para ela.
Nair Benedicto e eu saímos na mesma noite, depois de advertidas
pelo juiz Nelson Bittencourt Guimarães de que estávamos
em situação de “menagem”. Não sei
o que quer dizer isso, mas na prática da justiça militar
representava não deixar a cidade sem autorização
do juiz e passar semanalmente na auditoria para assinar um livro
de presença. No presídio as meninas prepararam um bacalhau
que a família de alguém havia trazido. Todas nos abraçavam,
cantavam a Canção do pescador”, de Dorival Caymmi.
Foi quando chegou a Nice, esbaforida.
–
Você tem como criar seu filho? – me perguntou.
–
Tenho minha família, vou procurar emprego. Meu marido vai
continuar preso.
–
Então, se você se apertar, pode procurar o Paulinho
no Butantã. Ele é meu irmão de sangue. Tem uma
boca-de-fumo lá que ele comanda, e se você falar que
fui eu que mandei, ele vai te dar o maior vidão até que
você se arrume.
Agradeci, memorizei o endereço na frente dela, rasguei o papel,
como era a regra, e fui descendo as escadas. Elas cantavam, nós
chorávamos, até as corrós vieram para as grades
do corredor e deram tchau.
Nice vinha atrás. Quando íamos passando para o pátio
masculino, ela ainda gritou:
–
Vê se não esquece! Qualquer coisa, procura o Paulinho,
hem?.
Inúteis punições
Hoje é 22 de março de 1997 e os editores Alipio e Granville
têm o espaço curto. Não sei se o texto está comprido
demais. Tenho outras lembranças, claro, e tento chegar o mais
perto possível da realidade, embora o tempo as vezes nos maltrate.
Mas este não é só um livro de memórias. É também
um livro sobre os fatos. Sobre o que aconteceu com milhares de pessoas
que ousaram pensar e sonhar um mundo mais bonito.
A tarefa fica agora para historiadores, escritores, economistas sociólogos,
artistas e jornalistas na análise e na explicação
dos momentos políticos, nos interesses que há por trás
de uma ditadura.
Será preciso pelo menos perguntar por que, na América
Latina, quase todos os regimes militares terminaram ou se enfraqueceram
ao mesmo tempo em que a “era Reagan”, com a cobrança
da dívida externa dos países pobres, entrava no ar.
Para que então as ditaduras? Em seguida, aparecem os conceitos
do tal “consenso de Washington”, além de expressões
como globalização e neoliberalismo. O trabalho perde
o valor, o desemprego cresce, a miséria se multiplica. O primeiro
mundo é um sonho mágico, ao alcance de qualquer barraca
de camelô. Miami está ali mesmo. Falar em terceiro mundo
está fora de moda. Alguém diz que as ideologias acabaram.
Esquerda e direita se confundem, quase se fundem. Afinal, para que
mesmo as ditaduras?
Vinte e sete anos depois, descubro que fui punida não apenas
pela polícia toda-poderosa daqueles tempos, pela “justiça” militar
que me absolveu depois de me deixar por nove meses na prisão,
pela luta entre vida e antivida nesse período.
A ordem não-escrita, na época, era não nos deixar
trabalhar, não deixar sobreviver. Um dia após ser absolvida,
em 71, voltei ao meu trabalho na Editora Pini. Todos os jornais cobriram
o julgamento. O porteiro nem me permitiu entrar. Foi logo dizendo: “eles
disseram que estavam correndo risco com a senhora aqui e nem sabiam,
porque a senhora é terrorista”. Demissão sumária.
Esse foi só um caso.
Ao buscar, agora, nos arquivos da Folha de S. Paulo a minha ficha
funcional, descubro que, em 9 de dezembro de 1969, quando estava
presa no DEOPS, incomunicável, “abandonei” meu
emprego de repórter do jornal. Escrito à mão,
no alto: ABANDONO. E uma observação oficial: Dispensada
de acordo com o artigo 482 – letra ‘i’ da CLT – abandono
de emprego”. Por que essa data, 9 de dezembro? Ela coincide
exatamente com esse período mais negro, já que eles
me “esqueceram” por um mês na cela.
Como é que eu poderia abandonar o emprego, mesmo que quisesse?
Todos sabiam que eu estava lá, a alguns quarteirões,
no prédio vermelho da praça General Osório.
Isso era e continua sendo ilegal em relação às
leis trabalhistas e a qualquer outra lei, mesmo na ditadura dos decretos
secretos. Além do mais, nesse período, caso estivesse
trabalhando, eu estaria em licença-maternidade.
Não sabíamos disso. Nem eu nem Cláudio Abramo,
que tentou interferir para me reconduzir ao trabalho na saída
da prisão, sem sucesso. Imagino que ninguém da empresa,
atualmente, deva saber ou se interessar por esse assunto. A culpa
não é deles. Não sei se isso mudou a minha história,
a minha vida. Estou viva.