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 A Declaração
              Universal dos Direitos Humanos e a Declaração Americana dos Direitos e
              deveres do Homem
 Pedro
              Wilson*
              
              Nos últimos
              cinquenta anos, vem se consolidando na esfera da política
              internacional a concepção de direitos humanos ao mesmo tempo em
              que desenvolve-se um processo sistemático de normatização
              internacional, onde são definidos princípios gerais a serem
              adotados por todos os países a atos internacionais que instituem
              mecanismos concretos de proteção aos direitos humanos. A grande
              proliferação de normas nessa área pode ser auferida pela
              observação de Lindgren Alves, “desde a proclamação da
              Declaração Universal, em 1948, até o presente, as Nações
              Unidas adotaram mais de sessenta declarações ou convenções
              sobre direitos humanos”. Enquanto
              o século XIX havia se caracterizado por ser o “momento do
              reconhecimento constitucional, em cada Estado, dos direitos
              fundamentais, no século XX, principalmente após a Segunda Guerra
              Mundial, houve uma “progressiva incorporação dos direitos
              humanos no plano internacional”. Tal constatação nos leva a
              discutir esse fenômeno da política internacional contemporânea
              que é a criação de um novo campo de interesse e atuação dos
              Estados com a consequente proliferação de acordos e instituições
              específicas para tratar dos direitos humanos, permitindo hoje que
              se afirme serem os direitos humanos um “tema global”. O
              reconhecimento da comunidade internacional da importância da
              afirmação universal dos direitos humanos criou um padrão de
              legitimidade que ultrapassa as jurisdições nacionais onde estes
              devem ser efetivados sobre as quais instituições criadas na
              arena mundial exercem vigilância de acordo com padrões
              consensualmente definidos. O
              presente estudo aborda, de forma geral, as condições históricas
              que ensejaram a emergência dos direitos humanos como tema da política
              internacional. Discute, também historicamente, a elaboração de
              dois textos internacionais sobre o tema a Declaração Universal
              dos Direitos Humanos e a Declaração Americana dos Direitos e
              Deveres do Homem. E, finalmente, tece algumas considerações
              sobre a atualidade do tema. Um histórico
              completo da questão dos direitos humanos exigiria um longo recuo
              no tempo. Como lembra Alves, “a luta pelos direitos humanos,
              todos como hoje legalmente definidos, está associada a
              desenvolvimentos históricos registrados na Europa e nos Estados
              Unidos, tendo como marcos fundamentais a Revolução Parlamentar
              Inglesa, a Independência dos Estados Unidos e a Revolução
              Francesa, com as respectivas conquistas jurídicas e declarações”. Ao longo
              do século XIX e da primeira metade do século XX, houve uma série
              de ações pontuais estatais e privadas, a exemplo da criação da
              Cruz Vermelha Internacional em meados do século passado, que
              introduzem a questão dos direitos humanos na política
              internacional. Selma Aragão aponta alguns desses precedentes. Já
              em 1916, o American Institute of International Law, criado em 1912
              pela União Panamericana (existente desde 1899), “projeta uma
              declaração de direitos do homem estruturada internacionalmente,
              sem obter resultados positivos”. Em 1919,
              o Tratado de Versalhes contemplou a “noção de um direito comum
              internacional referente às liberdades individuais” na sua parte
              XIII que contém a Carta da Organização Internacional do
              Trabalho, onde são formulados direitos do trabalhador.
              Posteriormente, em um quadro de crise internacional, a Conferência
              Pan-Americana de Lima, em 1938, ressalta a necessidade da
              “defesa dos direitos do homem”. Em 1941, durante
              a Segunda Guerra Mundial, o presidente norte americano, Roosevelt,
              envia ao Congresso uma Mensagem onde proclama as quatro liberdades
              fundamentais: de expressão, de religião, de estar livre do medo
              e livre das necessidades materiais. Estas foram concretizadas na
              Carta do Atlântico. de 14 de agosto de 1941, subscrita pelos
              chefes de Governo dos EUA e do Reino Unido. Podemos, assim,
              resgatar uma série de precedentes ao situar uma história dos
              direitos humanos, que não se esgota nos exemplos acima citados.
              Contudo, e preciso ressaltar que só na segunda metade do século
              XX o tema dos direitos humanos ganhou força, generalizados e
              materializados em acordos e instituições internacionais. Há
              pelo menos duas condições históricas fundamentais que
              permitem esse desenvolvimento contemporâneo. De um lado, a
              resposta da comunidade internacional ao fenômeno totalitário
              do nazifascismo. De outro, a existência prévia do que podemos
              chamar de um caldo de cultura’ que concebe o homem como uma
              unidade e, portanto, um ser cuja essência ultrapassa as distinções
              aparentes de raça, sexo, religião, nacionalidade ou qualquer
              outra, e que tem uma dignidade que lhe é intrínseca. Cabe ainda
              observar que, mesmo após 1945, o tema dos direitos humanos não
              se desenvolveu de forma linear e continua, mas antes em movimentos
              descontínuos que expressam os conflitos e lutas políticas
              presentes na definição e consolidação dos direitos humanos,
              aspecto que também tentaremos levantar, na medida do possível,
              no presente estudo.  
              
               O totalitarismo
              e a tradição 
              
               Para a
              intensificação de normas relativas a direitos humanos na cena
              internacional, um aspecto, sem dúvida, decisivo foi a experiência
              nazifascista, cujas ações reveladas pelos aliados após a
              vitoria geraram, na opinião publica internacional, uma sensação
              de perplexidade. Como foi possível a existência de campos de
              concentrados, técnicas de extermínio em massa como câmaras de gás
              e fornos crematórios, experiências científicas cruéis com
              seres humanos, trabalho            
              forçado e outros mecanismos impensáveis em um mundo dito
              civilizado? Toda a ordem
              internacional gestada no pós-guerra tem como referência básica
              esse conflito em suas várias dimensões, particularmente as
              atrocidades perpetradas pelos nazistas e a dinâmica da política
              internacional que permitiu a deflagração da guerra. Os países
              aliados tiveram como preocupação central construir instrumentos
              regulatórios de abrangência internacional que pudessem evitar o
              surgimento de outra guerra de tamanha dimensão. Sob o ponto de
              vista das ações e instrumentos produzidos nos humanos, temos a
              criação do Tribunal de Nuremberg (1945) para julgar os crimes
              praticados pelos países europeus do Eixo; a aprovação da
              Declaração Universal do Direitos Humanos (1948): a Convenção
              contra o Genocídio (1948), e outros instrumentos. Podemos
              observar que ha um primeiro momento de gestação desses
              instrumentos e um relativo hiato (de dezoito anos) na produção
              de textos de maior peso. quebrado apenas pela Convenção sobre o
              Estatuto dos Refugiados (1951), até a adoção do Pacto
              Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o dos Direitos
              Econômicos e Sociais (ambos de 1966). Em um universo de
              pensamento profundamente impactado pela experiência da Segunda
              Guerra, emergiu na opinião pública internacional a convicção
              de que as atrocidades cometidas pelo nazifascismo não poderiam
              mais se repetir, sendo necessária, portanto, a adoção de regras
              comuns a serem respeitadas peIos Estados. Essa percepção aparece
              rio preambulo da Declaração Internacional dos Direitos Humanos
              que, no primeiro considerando reconhece a dignidade inerente a
              todos os membros da família humana e, rio segundo afirma: É fruto desse
              contexto a qualificação técnico-jurídica do genocídio como
              “crime contra a humanidade”, tipificado no ato constitutivo de
              Tribunal de Nuremberg, de 8 de agosto de 1945. Criado “pelos
              governos da França, EUA, Grã-Bretanha e URSS, para julgar e
              punir grandes criminosos de guerra das potências européias do
              Eixo, tinha competência e jurisdição, nos termos do art. 6º do
              seu estatuto, em relação aos crimes contra a paz, os crimes
              contra a humanidade”. Para entendermos
              como uma mentalidade humanitária pode florescer no imediato pós-guerra,
              é importante salientar o que Celso Lafer, retomando o pensamento
              de Hannah Arendt, chama de “tradição”, ou seja, concepções,
              valores historicamente constituídos que constituem as condições
              de possibilidade para a consolidação, no imediato pós-guerra,
              da idéia de direitos humanos. “O valor atribuído à pessoa
              humana, fundamento dos direitos humanos, e parte integrante da
              tradição, que se viu rompida com a irrupção do fenômeno
              totalitário”, que nega o “valor da pessoa humana enquanto
              valor-fonte da ordem jurídica”. Desta forma, a experiência
              totalitária “assumiu, explicitamente, em contraposição aos
              valores consagrados da justiça e do Direito avocado pela
              modernidade (...) que os seres humanos são supérfluos e descartáveis”. Lafer assinala
              quais seriam os elementos dessa “tradição” que inclui as
              heranças judaica, grega e cristã e o individualismo, o
              jusnaturalismo e o constitucionalismo da era moderna. A elaboração
              judaica já concebida a unidade do gênero humano. Assim, as leis
              de Noé, “são um direito comum a todos, pois constituem a aliança
              de Deus com a humanidade”. A “tradição” passa também pela
              vertente grega: na época helenística, o universalismo de
              Alexandre vê o mundo como “uma única cidade cosmo-polis da
              qual todos participam como amigos e iguais. À comunidade
              universal do gênero humano corresponde também um direito
              universal, fundado num patrimônio racional comum”. Constitui o
              ensinamento cristão “um dos elementos formadores da mentalidade
              que tornou possível o tema dos direitos humanos”. Para o
              cristianismo, retomando e aprofundando o ensinamento judaico e
              grego, “cada pessoa humana tem um valor absoluto no plano
              espiritual, pois Jesus chamou a todos para a salvação”. Segundo Lafer,
              outra dimensão importante da “tradição” é o indivíduo na
              sua acepção mais ampla, ou seja, todas as tendências que vêem
              no indivíduo, na sua subjetividade, o dado fundamental da
              realidade. O individualismo é parte integrante da lógica da
              modernidade, que concebe a liberdade como faculdade de
              autodeterminação de todo ser humano”. A essa tradição
              incorporou-se o jusnaturalismo, no qual “os direitos do homem
              eram vistos como direitos inatos e tidos como verdade evidente, a
              compelir a mente”. Ao final do século
              XV, com as revoluções americana e francesa, a positivação das
              declarações nos textos constitucionais “tinha como objetivo
              conferir os direitos nelas contemplados uma dimensão permanente e
              segura”. Ainda como
              assinala Lafer, o “processo de positivação das declarações
              de direitos não desempenhou esta função estabilizadora, pois do
              século XVIII até os nossos dias, o elenco dos direitos do homem
              contemplados nas constituições e nos instrumentos internacionais
              foram-se alterando com a mudança das condições históricas”. O fundamental a
              assinalar é o fato de que a concepção de valor da pessoa
              humana, traduzidos nas declarações universais e americana de
              direitos humanos como “dignidade da pessoa humana”, constitui
              uma “conquista histórico-axiológica” que “encontra a sua
              expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem”. Para Lafer, os
              direitos humanos, como tema global, “provém de uma elaboração
              no campo dos valores, derivada da percepção de um comum
              universal nas formas de conceber a vida em sociedade, que
              ultrapassa as concepções tradicionais de “interesses” da
              soberania, pois diz respeito à questão da legitimidade”.  
              
               A
              Declaração Universal dos Direitos Humanos e
              a Luta Política Internacional  
              
               a construção da
              maioria dos instrumentos internacionais de direitos humanos
              ocorreu no período da guerra fria. Se é possível assinalar a
              existência, ao fim da guerra, de um concenso praticamente
              universal sobre a necessidade de afirmação dos direitos humanos,
              a tradução dessa crença em atos concretos esbarrou na dinâmica
              da luta política internacional na era bipolar, onde dois sistemas
              ideológicos diferentes disputavam espaço em todas as arenas,
              inclusive aquela da definição de valores e de padrões de
              legitimidade internacional. Esse contraste
              foi bem colocado por Celso Lafer: “no campo dos valores, ou
              seja, dos modelos percebidos como legítimos da estruturação das
              sociedades, isto fez dos EUA, na batalha ideológica em função
              do papel da herança liberal na afirmação dos direitos humanos
              de primeira geração, consagrados no Pacto dos Direitos Civis e
              Políticos, um propugnador seletivo de seu reconhecimento na
              organização da vida coletiva. Da mesma maneira, a URSS, levando
              em conta o papel da herança socialista na elaboração dos
              direitos da segunda geração, reconhecidos no Pacto de Direitos
              Econômicos, Sociais e Culturais, colocou-se como um articulador
              seletivo de sua relevância nos modelos de organização
              social”. A descolonização,
              a conferência de Bandung em 1955 e o surgimento de um movimento
              articulado dos países do chamado Terceiro Mundo introduziu novas
              demandas no campo dos direitos humanos. A Carta da ONU
              havia anunciado, de forma genérica, princípios de direitos
              humanos, contudo, entre a Conferência de São Francisco, em 1945,
              e a adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos, em
              1948, a política internacional envergou decisivamente para a
              chamada guerra fria que se refletiria em todos os foros
              internacionais, inclusive no interior do comitê de redação da
              Declaração Universal, onde ocorreram amplas divergências que
              perduraram ao longo da consideração do projeto em instâncias
              superiores. Em virtude dessas divergências, a idéia original de
              se fazer uma carta de direitos humanos, que criaria obrigações
              jurídicas para os Estados signatários, foi abandonada em prol de
              uma declaração com efeito mais simbólico do que prático. Apesar das divergências
              e das limitações colocadas pelo quadro da guerra fria, a Declaração
              Universal dos Direitos Humanos teve um peso político importante.
              principalmente para grupos envolvidos em lutas concretas, a
              exemplo da oposição aos regimes ditatoriais em países da América
              Latina. A existência de
              textos aprovados internacionalmente pelos mais variados tipos de
              governo e regimes criou um padrão internacional de legitimidade
              para a luta contra regimes de exceção. utilizado
              coincidentemente pelos grupos envolvidos E o que demonstra uma
              declaração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB,
              para a qual a referida Declaração Universal “propiciou um avanço
              no sentido de maior liberdade da pessoa humana, enquanto despertou
              uma consciência mais clara desses direitos e maior disposição
              pare defendê-los (.3 e, na medida em que foram incorporados a
              legislações de muitos países, permitiu caracterizar como
              criminosa sua violação”.  
              
               A
              Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
              
                
              
               Aprovada na IX
              Conferência Internacional americana, realizada em Bogotá, em
              abril de 1948 (Resolução X+, Ata Final), sua elaboração “foi
              influenciada pelos trabalhos preparatórios da Declaração
              Universal”. A aprovação da Declaração Americana foi também
              gestada no bojo da guerra fria, na qual o engajamento dos países
              americanos ao lado do ocidente foi quase incondicional. A
              estruturação do sistema americano reflete a clivagem ideológica
              Leste/Oeste, colocando-se em primeiro plano, com a criação da
              OEA na mesma conferência que aprovou a Declaração regional. a
              primazia da democracia representativa em oposição ao modelo de
              democracia social colocado pela URSS. Durante a Segunda Guerra, os
              aliados como um todo posicionaram-se em defesa da democracia
              contra o totalitarismo nazifascista. Com o surgimento da guerra
              fria pronunciou-se essa clivagem entre significados da democracia.
              O sistema interamericano nasceu sob o signo da defesa da
              democracia representativa, posição que transparece nos textos
              regionais adotados no período. Os Estados
              americanos estruturaram “um sistema regional de promoção de
              proteção dos direitos humanos, em que reconhecem e definem com
              precisão esses direitos, estabelecem normas de conduta obrigatórias
              tendentes a sua promoção e proteção e se criam órgãos
              destinados a velar pela fiel observância dos mesmos. (...)
              Obviamente, esse notável desenvolvimento obedeceu, em grande
              medida, à necessidade de poder fazer frente às graves e maciças
              violações de direitos humanos que tiveram lugar na maioria dos
              países do continente”. Zovatto salienta, também, em que pese o
              progresso normativo, orgânico e institucional alcançado, a eficácia
              dos órgãos de proteção foi limitada. A profícua
              elaboração de atos e instrumentos internacionais de proteção
              dos direitos humanos no âmbito do sistema americano pode ser
              atribuído à relativa homogeneidade cultural e institucional da
              região que, ‘apesar das disparidades de poder e desenvolvimento
              entre os países americanos, facilita o estabelecimento de normas
              e mecanismos mais efetivos nos sistemas regionais. O Preâmbulo da
              Declaração Americana abre-se com a afirmação do fundamento básico
              que orienta a definição de direitos humanos nos principais
              documentos internacionais sobre a questão, atualizando a concepçãojusnaturalista desses direitos. A primeira frase do preâmbulo é
              a que afirma que “Todos os homens nascem livres e iguais em
              dignidade e direitos”. Logo a seguir, complementa: “Que, em
              repetidas ocasiões, os Estados americanos reconheceram que os
              direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele cidadão
              de determinado Estado, mas sim do fato dos direitos terem como
              base 08 atributos da pessoa humana’. Os valores que perpassam a
              Declaração Americana remontam ao que Lafer chamou de ‘tradição’.
 O texto da
              Declaração engloba os chamados direitos de primeira e de segunda
              geração (direitos civis e políticos e direitos econômicos,
              sociais e culturais). Tendo tomado a
              frente na adoção de uma declaração de direitos humanos, o
              sistema interamericano, contudo, também aguardou longo período
              até que textos que implicassem um compromisso jurídico dos
              Estados pudessem ser adotados. Tendo sido aprovada em 1948 a
              Declaração Americana, somente em 1969 foi aprovada a Convenção
              Americana sobre Direitos Humanos (pacto de San José da Costa
              Rica), que entrou em vigor apenas em 1 976. ~ adoção desse Pacto
              foi premida pela mesma conjuntura internacional que ensejou a
              aprovação dos dois principais Pactos de direitos humanos e após
              a realização da primeira conferência internacional sobre
              direitos humanos que gerou a Declaração de Teerã, em 1968. Mas foi sobretudo
              a oposição aos regimes ditatoriais na América Latina que
              atualizou e tornou premente a questão da observância dos
              direitos humanos na região: a “luta direta contra os regimes
              militares colocou em um primeiro momento a questão do direito à
              vida, do direito a integridade física, do direito à liberdade
              individual, do direito a livre manifestação de opinião e
              expressão, como valores que não podem ser alienados por razões
              de Estado ou de segurança nacional. Ou seja, de certa forma os
              movimentos de defesa dos direitos humanos recuperaram, em seu
              embate com os regimes militares, uma idéia jusnaturalista de
              Rousseau de direitos inalienáveis e inerentes a pessoa humana”. No inicio dos
              anos 80, o processo de democratização nos países da América
              Latina conferiu um marco político totalmente distinto à questão
              da democracia e dos direitos humanos da que existia na região dez
              anos antes. O interessante é
              mostrar como a incorporação do tema dos direitos humanos pelo
              movimento social foi reconstruindo sua interpretação e
              expandindo o seu campo de abrangência, fenômeno, alias, que
              ocorreu em todo o mundo, e não somente na América. As entidades
              de defesa dos direitos humanos, em um quadro de transição democrática,
              adotaram uma pratica que ‘aponta para um entendimento mais
              amplo desses direitos. Não apenas direitos individuais, os
              direitos de caráter social, mas uma prática que percebe que
              todos esses direitos são integrados.  
              
               As
              Declarações após 50 anos: atualidade
              
                
              
               Inegável a
              importância histórica da adoção das duas declarações,
              especialmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos que
              tornou-se a referência básica para a adoção de instrumentos de
              proteção aos direitos humanos em todo o mundo e, mesmo não
              tendo inicialmente conotação de norma obrigatória acabou se
              transformando em norma consuetudinária de direito internacional público. A adoção pelos
              Estados de princípios como os presentes nos textos internacionais
              acima referidos criou um parâmetro comum para as reivindicações
              concretas de diversos setores sociais em diferentes países. Esses
              atos internacionais cumprem também a função de medida para
              verificar o cumprimento pelos governos dos compromissos assumidos.
              Com a normatização internacional da proteção dos direitos
              humanos, ainda que haja retrocesso em um pais, outros podem
              sustentar a manutenção dos princípios básicos acordados,
              conforme ocorreu durante a década de setenta em relação aos
              atos dos regimes ditatoriais latino americanos, que sofreram pressões
              por parte de países europeus e outros. Certamente. a complexidade
              da política mostra que mil outros fatores n ter ferem nesses
              processos, contudo, as declarações restaram sempre como um
              referencial de legitimidade para a opinião pública internacional
              e mesmo para a ordem interna dos Estados. Como coloca Lindgren
              Alves, é lógico, pois, que se indague por que os Governos aderem
              a tais instrumentos jurídicos e participam de organizações com
              competências intrusas em sua esfera de jurisdição. A razão
              principal se vincula à questão da legitimidade. Na década de 90,
              com as mudanças política ocorridas no leste europeu e o fim da
              guerra fria, e o ressurgimento de conflitos internos em diversos
              países com cenas de violência que pareciam não mais existir,
              abriu-se uma nova conjuntura internacional que favoreceu o avanço
              dos instrumentos internacionais de direitos humanos. Contudo, a história
              nos mostra que o caminho não é necessariamente retilíneo e contínuo,
              e nada garante que essa expansão do campo dos direitos humanos
              continuará, principalmente por sabermos que sendo construção
              histórica e tendo enorme caráter político, seu futuro implica
              necessariamente luta, conflito, movimento. Como afirma Celso
              Lafer, os direitos humanos são “um construído, uma invenção
              ligada a organização da comunidade política”, e, dessa forma,
              é difícil, consequentemente, atribuir uma dimensão
              permanente, não-variável e absoluta para direitos que se
              revelaram historicamente relativos. Dai a crítica proposta no âmbito
              do paradigma da filosofia do Direito a fundamentação
              jusnaturalista dos direitos humanos, baseada num conceito como o
              de natureza humana que se evidenciou ambíguo e plurívoco e a sua
              substituição por uma fundamentação historicista. 
              
              *Deputado
              Federal e ex-coordenador do MNDH 
              
               Débora
              de Azevedo
              
              Assessora
              Legislativa
              
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