A Ação dos grupos de extermínio consiste
numa das principais fontes de violação dos direitos humanos e de
ameaça aos Estado de direito no país. Essas quadrilhas agem
normalmente nas periferias dos grandes centros urbanos e têm seus
correspondentes nos jagunços do interior. Usam estratégia de
ocultar os corpos de suas vítimas para se furtar à ação da
justiça, sendo que os mais ousados chegam a exibir publicamente
sua crueldade. Surgem como decorrência da perda de credibilidade
nas instituições da justiça e de segurança pública e da
certeza da impunidade, resultante da incapacidade de organismos
competentes em resolver o problema
Os embriões dos grupos de extermínio nascem
quando comerciantes e outros empresários recrutam matadores de
aluguel, frequentemente entre policiais militares, e civis, para o
que chamam "limpar" o "seu"bairro ou sua
cidade. Contam muitas vezes com o apoio de amplo segmento da
população que, descrentes nos organismo?s oficiais deixam se
seduzir pela idéia de fazer justiça com as próprias mãos.
Não raro essas organizações ampliam seus
leques de prática criminosas executando sequestros, assaltos,
narcotráfico e etc. Afinal, quem mata por dinheiro dificilmente
terá limites morais para a prática de outros crimes e,
organizados em grupos, terão as periculosidades extremamente
aumentada O perfil das vítimas mostram um conjunto de pessoas
pobres, adultos e crianças, suspeita de ilícitos ou mesmo indivíduos
considerados indesejáveis, segundo critérios altamente
subjetivos e preconceituosos, além da testemunha que têm a
coragem de denunciá-los.
A ousadia desses grupos aumenta na mesma proporção
da impunidade sobre as açãeo. Juízes e policiais, com muitas
exceções não age com firmeza, quer movidos pelo medo, quer por
tolerância corporativa. As denúncias de organizações de
direitos humanos sobre os grupos de extermínio são pouco ouvidas
por autoridades responsáveis por atuar contra o crime.
O Congresso Nacional, passou a olhar com a
devida atenção o fenômeno dos grupos de extermínio quando da
criação da CPI destinada a investigar o extermínio de crianças
e de adolescentes, em 1993, quando denunciou amplamente a questão.
Na ocasião, foram produzidos diversos projetos de lei,
principalmente no que diz respeito à impunidade de policiais que
atuavam em grupos de extermínio. Destacou-se, entre eles , o
projeto do deputado Hélio Bicudo, aprovado ela Câmara dos
Deputados e bastante modificado no Senado, de modo a reduzir o seu
alcance , transferindo o julgamento de crimes comet?idos por
policiais militares da justiça militar para a ossada da justiça
comum.
Denúncias sobre os grupos de extermínio têm
chegado a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal , desde
sua instalação, em abril de 1995.Em junho de 1997, a Comissão
encaminhou ao então Ministro da Justiça, Iris Rezende, e ao
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), dossiês
contendo informações sobre violências praticadas por grupos de
extermínio nos Estados de Rio Grande do Norte, Paraíba , Ceará
, Bahia e Mato Grosso.
Predominam, entre os crimes denunciados os
homicídios, torturas, ameaças, maus-tratos e desaparecimento de
pessoas. Os casos já eram conhecidos das autoridades estaduais.
A CDH solicitou a atuação do CDPH nesses
casos, fundamentada nas atribuições do Conselho, entre as quais
figura a de ( promover inquéritos, investigações e estudos
acerca da eficiência das normas asseguradoras e dos direitos da
pessoa humana), ( nas áreas que apresentem entendimentos com os
governos dos estados, cujas autoridades administrativas ou
policiais se revelem, no todo ou em parte, incapazes de assegurar
proteção dos direitos da pessoa humana, para o fim de cooperar
com os mesmos na reforma dos respectivos serviços e na preparação
profissional e cívica dos elementos que acompanham.
Parte das informações levadas ao conhecimento
do CDDPH foram apresentadas durante audiência pública da CDH no
dia 22 de abril de 1997, entre as quais as constantes de dossiê
sobre os Estado da Bahia, elaborado pela Comissão de Direitos
Human?os da Assembléia Legislativa , presidida na ocasião pelo
deputado Nelson Pellegrino.
Os grupos de extermínio parecem estar
disseminados por todos o país, mas os casos que foram objeto de
denúncia perante a CDH e que constam de nossas providências
foram os da Bahia, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul, Amazonas, Pará Paraíba, Cará e Espírito Santo.
Desses casos, destaco alguns, começando com o
Rio Grande do Norte. Ali se formou um grupo de extermínio
conhecido como "meninos e ouro", integrados por
policiais civis e militares, liderados pelo policial civil Maurílio
Pinto de Medeiros, que chegou a ser Secretário adjunto de Segurança
Pública. Em 1996, eram atribuídos a esse grupo pelo menos 51
assassinatos, os crimes desse grupo vieram à tona com o episódio
ocorrido em 1995. Conhecido como a Chacina de Mãe Luíza, pois
foi executado no bairro com esse nome. Foi formada uma sub-comissão
do CDDPH para investigar o caso. Em 1996, foi assassinado o
advogado Gilson Nogueira, do Centro de Direitos Humanos de Natal,
que já vinha sendo ameaçado pelo chamado "Meninos de
Ouro".
No Mato Grosso do Sul, chegou a ser constituído
o que se chamou de "sindicato do crime", um grupo de
extermínio apontado como o executor de 87 homicídios só em
1997.Nessa época , prevalecia na região de Dourados a lei do silêncio
sobre as atividades criminosas desse grupo. Um radialista que
anunciara que falaria sobre os mandantes das mortes na região,
foi assassinado no dia 30 de outubro daquele ano. Solicitado pela
CDH, o CDDPH enviou uma su?b-comissão ao Mato Grosso do Sul. Em Fátima
do Sul, epcentro da ação da organização criminosa, o juiz
Abdala Abi Faraj, fez na ocasião uma declaração emblemática:
"as execuções não serão contidas se não for criado um
programa e proteção a testemunha e a investigação dos casos
por policiais sem compromissos na região.
No Amazonas, um grupo denominado "a
firma", integrado por policiais de Manaus, tinham o respaldo
do próprio Secretário de Segurança Pública. O grupo é
apontado como responsáveis por pelo menos 20 execuções somente
em 1996, além do sequestro e tortura de 8 jovens. Ao se
investigar o caso, verificou-se que a chamada "firma"
dispunha de locais destinados a execução de crimes, puxando o
fio da meada, descobriu-se ainda, outros vínculos criminosos
desse grupo, como a execução de cobranças de dívidas por meio
de chantagem e tortura, além de uma vasta conexão com a exploração
sexual de crianças e adolescentes. O caso desse grupo também foi
levado pela CDH ao CDDPH, que criou uma subcomissão para
investigar o caso. A CDH também apelou ao CDDPH e ao Ministério
da Justiça no sentido de investigar os crimes da chamada
Escuderier Ler Coq, organização de mafiosos que funcionava como
um clube formados por policiais e ex-policiais, fortemente
estrutura da no Espírito Santo, com ramificações em outros
Estados. A polícia Federal ao investigar o caso , descobriu farto
material sobre as atividades da Escuderier.
No Acre, um verdadeiro poder pararelo foi
formado no interior da polícia militar sendo acusado de chefiá-lo
o atual deputado Hildebrando Pasco?al, ex-deputado estadual e
coronel reformado da Polícia Militar. Assassinatos, torturas,
sequestros, ameças de morte, conexão com o tráfico de drogas
entre outros crimes estão relacionados a esse grupo suspeito de
mais de 100 assassinatos, segundo o Ministério Publico Federal,
Esse caso também foi levado pela CDH da Câmara ao CDDPH, que
determinou investigações pela Procuradoria Geral da República e
Polícia Federal . Agora , diversas provas estão aparecendo e o
deputado Hildebrando pode ser levado a julgamento.
De modo geral, as ações do grupo de extermínio
, se não foram totalmente apuradas e punidas, pelo menos os
grupos mais importantes estão sendo dearticulados em sua maioria.
E o que provocou essa desarticulação foi a mobilização da
sociedade civil, aliada a atuação de entidades como a própria
CDH e CDDPH, além da pressão internacional de organismos de
direitos humanos. A ação da sociedade da área federal responsável
pelos direitos humanos acabou sensibilizando os poderes dos
estados a atuar com mais rigor contra esse verdadeiro poder
pararelo que se formava no interior de suas instituições
policiais ameaçando sua própria governabilidade na área de
segurança pública
As denúncias que têm chegado a CDH da Câmara
dos Deputados, nos levam a supor que o fenômeno dos grupos de
extermínio está regredindo no país (com exceção da
Bahia).Pelas informações que dispomos, a Bahia é o Estado onde
os grupos de extermínio mais mata no país. Nesse Estado foram
registrados, somente nos primeiros quatro meses desse ano já 63
mortes, segundo dados do Fórum de Entidades de Direitos Huma?nos
do Estado da Bahia.
A Comissão que represento sente-se no dever de
levar ao conhecimento dos Fórum Internacionais de Direitos
Humanos, o caso dos grupos de extermínio que vêm agindo na
Bahia. A Comissão Interamericana da Organização dos Estados
Americanos (OEA), cujo presidente visitará a nossa Comissão no
final deste mês, sempre nos consulta ao elaborar seu relatório
anual sobre o Brasil, além de recepcionar as nossas representações
para julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, também
ligada à OEA. Nossa obrigação é informar a essas instituições
os principais casos de violações sistemáticas dos direitos
humanos no país e a ação de grupos de extermínio,
particularmente, às execuções extrajudiciais, estão entre as
violações mais graves do ponto de vista dos conceitos
internacionais do setor. Também deveremos levar esse fenômeno ao
conhecimento da CDH da ONU e da Anistia Internacional.
Independentemente da legítima pressão política
e diplomática que possa a vir da área internacional, acredito
que, havendo vontade política a Bahia pode enfrentar esse
problema . Afinal , o Estado que foi capaz de montar um moderno
sistema de atendimento ao cidadão, aquele pelo qual a pessoa
registra suas reclamações e sugestões num terminal eletrônico;
O Estado que se destaca no país e no exterior pela força da
identidade e da cultura do seu povo; é um Estado evidentemente
capaz de desmantelar os grupos de extermínio.
E para isso, a CDH da Câmara está disposta à
cooperar juntamente com o CDDPH, com as instituições do Estado e
da socied?ade civil do Estado. É claro , sem o sentido de
pretender qualquer espécie de intervenção indevida mas
colaborarmos nessa tarefa que afinal é de todo o país uma vez
que o fenômeno dos grupos de extermínio representa grave ameaça
aos direitos humanos na Bahia e, sendo estes direitos universais,
as violações que ocorrem aqui representam um desafio a todos os
que estão cientes de sua responsabilidade para com os direitos
humanos , onde quer que estejam ameaçados .
Não vou enumerar propostas de solução para
esse problema na Bahia . As autoridades e as entidades locais já
tem as suas propostas. O que eu gostaria de propor, entretanto,
sempre no sentido da busca da cooperação, é que se constitua um
Fórum no Estado, com a participação de instituições públicas
e organizações da sociedade civil, com o objetivo de
conjuntamente, buscar soluções para o efetivo combate aos grupos
de extermínio no Estado . Coloco desde já a CDH da Câmara à
disposição para participar desse Fórum e de propor ao CDDPH do
Ministério da Justiça, sua participação. Acredito que,
reunindo as propostas , as vontades e os recursos que cada um dispõe,
será possível afastar resistências e desconfianças
eventualmente existentes, dando um salto para uma forma de definição
de política pública muito mais eficaz e eficiente que é a
cooperação entre os que têm responsabilidade e compromisso com
os mesmos objetivos . Assim, foi feito com êxito em outros Estado
e assim pode ser feito Bahia, depende da vontade política de cada
um.