Comitê
Estadual pela Verdade, Memória e
Justiça RN
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Humanos e Memória Popular CDHMP
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da Verdade RN
Página
Inicial | Anatália
de Souza Alves de Melo | Djalma
Maranhão | Édson Neves
Quaresma | Emmanuel
Bezerra dos Santos | Gerardo
Magela Fernandes Torres da Costa | Hiran de
Lima Pereira | José Silton
Pinheiro | Lígia Maria
Salgado Nóbrega | Luís Ignácio
Maranhão Filho | Luís
Pinheiro | Virgílio
Gomes da Silva | Zoé Lucas
de Brito
Companheiros
traídos
Edson
Neves Quaresma (11/12/1936 – 5/12/1970)
Yoshitane
Fugimori (19/5/1944 – 5/12/1970)
Pela
versão oficial, Edson Neves Quaresma, nascido no Rio Grande do Sul,
foi morto ao resistir à prisão, juntamente com Yoshitane Fugimore,
na Praça Santa Rita de Cássia, em São Paulo, às 12h do dia 5 de
dezembro de 1970. No entanto, apesar de ser um conhecido militante
revolucionário (ex-sargento da Marinha, expulso em 1964, e
procurado desde então), o seu corpo foi enterrado com nome falso e
somente deu entrada no IML às 16h daquele dia.
A
relatora dos dois casos na Comissão Especial, Suzana Keniger Lisbôa,
explica o contexto em que se deram as mortes, associando-as ao
trabalho do agente infiltrado na VPR, cabo Anselmo:
Quaresma
era na época o contato mais permanente de Anselmo. Voltara de Cuba
para criar condições para o retorno do “amigo”. Ocultar sua
morte era questão fundamental para o prosseguimento, com
tranquilidade, do trabalho de infiltração. O ex-cabo iniciava, ao
que parece, sua atuação no Brasil. Matar Fugimori – um dos
dirigentes da organização nascido em Mirandópolis, no Estado de São
Paulo, e técnico em eletrônica – representava eliminar um dos
empecilhos para que o ex-cabo pudesse, mais facilmente, chegar à
direção e ao controle da VPR.
A
relatora cita uma anotação em ficha encontrada nos arquivos do
Dops de São Paulo referindo-se da seguinte forma a Fugimori:
“executado em 5/12/70”.
Ela,
contudo, contesta a versão oficial:
Como
em tantos outros casos examinados por esta Comissão Especial,
Fugimori não morreu executado no tiroteio, conforme atesta a versão
oficial, mas sim dentro do órgão de extermínio de presos políticos
– a Operação Bandeirantes, o que está comprovado pelo laudo do
perito Celso Nenevê.
Quanto
a Quaresma, a relatora cita a requisição de exame também
encontrada nos arquivos do Dops:
Hoje,
por volta das 12h ao ser preso por policiais da Oban e do Dops,
resistiu à prisão, mantendo com os policiais cerrado tiroteio, no
transcorrer do qual foi atingido por um tiro e veio a falecer. OBS.
Fotografar o corpo de frente e de perfil, bem como tirar cinco jogos
de suas impressões.
A
relatora comenta:
Tais
fotos, até hoje, não foram localizadas. Pergunto: Por quê?
Certamente por terem ficado por demais visíveis as atrocidades que
o levaram à morte.
Suzana
Keniger Lisbôa prossegue em seu parecer:
O
laudo de necropsia (folhas 27 a 29), assinado pelos conhecidos médicos-legistas
da repressão política, afirma que (Quaresma) recebeu cinco tiros,
sendo quatro na cabeça e um pelas costas, na região dorso-lombar.
Este
último não foi fatal e, provavelmente, foi aquele que o
imobilizou.
Desses
quatro tiros, um deles foi na região auricular direita. Nenhum tiro
em membros superiores e inferiores. É praticamente impossível que,
num tiroteio, uma pessoa seja atingida tantas vezes na cabeça.
Ou
então, se tivéssemos as fotos para exame, como no caso de Fugimori,
veríamos que Edson Quaresma teria sido baleado à queima-roupa ou
recebido os tiros depois de ter tido sua garganta esmagada pelas
botas de um agente assassino.
Ao
quarto quesito, “se a morte foi produzida por meio de veneno,
fogo, explosivo, asfixia ou tortura, ou por outro meio insidioso ou
cruel”, a resposta dos médicos-legistas é “prejudicado”.
Na
ficha do IML, a causa mortis é assim registrada: ferimento craniano
por projéteis de arma de fogo, choque traumático. No verso, com
anotação de 14/7/71, a anotação: “Env. Cópia p/ II Exército
– Quartel General, at. Of. Nº 01/71, dat. De 14/7/71”.
Assinatura de recebimento, infelizmente, é ilegível.
A
relatora afirma:
É
evidente que o Quartel General do II Exército e, portanto, todos os
órgãos de repressão, sabiam quem era o mulato Celso Silva Alves e
ocultaram sua morte para proteger seu grande trunfo – o ex-cabo
Anselmo.
O
relatório da Marinha, elaborado à pedido do ministro Maurício
Corrêa, afirma:
Foi
morto ao reagir à prisão, na Praça Santa Rita de Cássia/SP, com
outro companheiro no dia 5/12/70 às 12h. o fato foi divulgado com
seu nome falso: Celso Silva Alves.
Certeza de
identidade
Na
verdade, Quaresma deveria integrar a lista dos desaparecidos políticos,
não fosse a certeza da Comissão Nacional de Familiares quanto à
sua verdadeira identidade à época da morte. Os critérios para
elaboração da lista de desaparecidos não obedeceram, como é do
conhecimento desta Comissão Especial, ao rigor previsto na Lei
9.140/95.
As
mortes de Quaresma e Fugimori, ocorridas pouco tempo após a chegada
ao Brasil do ex-cabo Anselmo, certamente, foram decretadas para que
não representassem um obstáculo para o acesso de Anselmo ao
comando da VPR.
Quaresma
e Anselmo eram companheiros de muitos anos. O primeiro foi,
inclusive, designado para voltar de Cuba e preparar o retorno ao
Brasil do segundo. Foi assim, utilizando sua relação com Quaresma,
que Anselmo conseguiu os contatos que lhe possibilitaram chegar a
Fugimori e até ao capitão Lamarca.
Cabo Anselmo
Suzana
Keniger Lisbôa juntou ao processo as declarações de José Anselmo
dos Santos, o ex-cabo Anselmo, localizadas no arquivo do Dops/SP:
Em
junho ou julho de 1970, vieram José Maria e Quaresma, deviam
preparar as condições para receber-nos. Em setembro, deveríamos
vir eu e Evaldo. Mas Evaldo ficou retido, por um ato indisciplinar
que desconheço qual seja. Foi enviado sozinho. Traria uma mensagem
cifrada de apresentação para Carlos Lamarca e ele deveria dar-me
tarefas para desempenhar, explicar o funcionamento da organização
etc. (...) Cada dia 15, às 15h, e dia 20 às 20h, Quaresma estaria
esperando em frente ao cinema Metro. Cheguei ao Brasil dia 15 de
setembro de 1970. (...) No dia 15 de setembro, encontrei Quaresma,
que me disse que não havia nenhum aparelho, nenhum apoio. (...)
Neste tempo, creio que meados de novembro, recebi de Quaresma, com
quem me encontrava uma vez por semana, o aviso de que devia seguir
viagem para avistar-me com Lamarca. Às cinco horas da manhã,
encontrei-me com Quaresma, na Rua Domingos de Morais, em frente ao
cinema San Remo. Fomos para o Jabaquara, onde nos encontramos com
Fugimori (...)
Fiquem
em contato, uma vez por semana, com Quaresma. Passei a datilografar
(com uma máquina que me foi dada por Quaresma e que deve estar no
escritório de Ivan (Edgar Duarte), uma semiportátil, sem tampa) o
relatório sobre Cuba (...)
Corria
o mês de novembro, quando se deu a morte de Toledo, da ALN, e pelos
documentos publicados soubemos que Palhano estava chegando.
Efetivamente, Quaresma recebeu-o e fez-me contatar com ele em fins
de novembro (...)
Em
outro depoimento, este datado de 4 de junho de 1971, Anselmo
reafirma:
(...)
que chegou ao Brasil em 15 de setembro de 1970, tendo desembarcado
no Aeroporto de Campinas. Que foi para São Pedro da Aldeia, tendo
em vista que somente no dia 30 de setembro teria ponto com Quaresma
em São Paulo, quando encontrou Quaresma (... que Quaresma
apresentou-o a Yoshitane Fugimori (...) que em São Paulo ficou em
contato com Quaresma e, após a chegada de Palhano, também com este
(...).
Em
entrevista publicada em IstoÉ,
de 28/3/1984, Anselmo informa também seus contatos com Quaresma e
Fugimori. Perguntado se teria sido o responsável pela morte dos
dois, como muitos crêem, afirma:
Não,
não é verdade. Eu tive contato com o Yoshitane Fugimori e com
Edson Quaresma, mais com Quaresma. (...)
Perguntado
sobre quem teria matado Quaresma e Fugimori, Anselmo responde:
De
ler nos jornais, deve ter sido a equipe do Dr. Fleury.
A
relatora continua:
Evidentemente,
cabo Anselmo não quis assumir sua responsabilidade na morte de um
amigo de tantos anos. Não havia motivo para que o fizesse, já que
nunca se dispôs a resgatar a verdadeira história, quando se
tornou, mais do que infiltrado, um agente dos órgãos de segurança.
Mas eliminá-lo, ao que parece, foi uma de suas tarefas primeiras,
bem como a José Maria Ferreira de Araújo, constante da lista
oficial de desaparecidos.
Todos
os contatos de Anselmo foram premeditadamente assassinados, suas
mortes foram cuidadosamente planejadas a fim de não levantar
suspeitas e, na maior parte das vezes, “culpados” foram eleitos
para serem os responsáveis por essas mortes, até que seu trabalho
de infiltração foi, finalmente, desmascarado, em 1973, quando
patrocinou o “massacre da Chácara de São Bento”.
As
reais circunstâncias das mortes de Quaresma e Fugimori ficam para
um outro momento, já que os principais arquivos da repressão ainda
não foram abertos. Há, certamente, outras fotos, outros fatos
elucidativos.
Certo
é que a versão oficial dos órgãos de segurança é falsa,
contestada pelo depoimento do ex-preso político Ivan Seixas, pelo
laudo do perito Celso Nenevê e pelo traiçoeiro trabalho de José
Anselmo dos Santos.
E
a relatora dá o seu voto:
Yoshitane
Fugimori e Edson Quaresma foram mortos sob a responsabilidade do
Estado. Quaresma, depois de ferido, teve sua garganta esmagada, e
Fugimori, além de ter sido atingido após rendido, veio a falecer
dentro da Operação Bandeirantes.
Voto
pelo enquadramento dos nomes dos dois militantes dentro dos
preceitos da Lei 9.140/95.
Os
dois casos foram acolhidos pela Comissão
Especial: o de Quaresma por 4 x 3, sendo
vencidos os votos dos generais Oswaldo Gomes,
Paulo Gonet Branca e João Grandino Rodas;
e o de Fugimori por 6 x 1, tendo
general votado mais uma vez pelo
indeferimento.
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