A UTOPIA DA
BONDADE
(Marcos Rolim)
A Declaração Universal dos
Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, constitui uma síntese utópica
de nossos melhores desejos e, ao mesmo tempo, oferta concreta de um
paradigma militante pela dignidade, a Declaração permanece, ao final
desse século, um desafio. Em algumas nações, porque a julgam inaceitável;
para as demais, porque resta uma distância - normalmente imensa - entre
os valores proclamados e aqueles efetivamente realizados.
A plataforma atual dos Direitos Humanos
oferece, com efeito, uma perspectiva radical de luta pela decência
neste mundo. Não por acaso, a militância que ela aglutina reinventa a
entrega apaixonada que acompanhou todos os grandes movimentos fundadores
de nossas civilizações, desde o cristianismo primitivo até o
socialismo revolucionário. Ocorre que a luta pelos Direitos Humanos é,
primeiramente, uma disposição inteira contra a injustiça; mais
precisamente: é a inconformidade diante do mal; inconformidade que já
não se contenta consigo mesma, mas que se traduz, em gestos tão
simples quanto corajosos, afirmando os direitos que são de todos.
Reside aí, nesta universalidade necessária à razão, o vigor dos
Direitos Humanos e, ao mesmo tempo, o início de suas dificuldades
"práticas".
Vigor porque todo aquele que se contrapõe
à idéia dos direitos fundamentais não pode sustentar suas posições
oferecendo um valor alternativo para vigência "entre todos".
Este é, aliás, o motivo pelo qual os adversários dos Direitos Humanos
não costumam fundamentar seus pontos de vista. Ou bem a própria
necessidade é contornada pela "palavra revelada" - nas
diversas versões do fundamentalismo religioso; ou bem a hostilidade
frente aos direitos universais será assumida apenas enquanto persistência
de uma vocação do sagrado e configura a heresia; pelo segundo, o
"outro", que me é diverso e cuja conduta abomino, não pode
ser concebido, nem tratado, a partir dos direitos que me definem
enquanto humano. O resultado, de qualquer maneira, exige a "demonização"
do que me estranha e impõe sua oferenda com sangue, sempre.
"Dificuldades práticas"
acompanham a exigência de universalização dos direitos porque ainda
nos é obscura a idéia de humanidade e porque as sociedades que temos
banalizam a dor e promovem a intolerância. Mais uma razão para que
sejamos tão anacrônicos quanto a justiça e a generosidade. E que
nossa luta, pelo que há de doçura em sua aposta, seja o sinônimo mais
belo da palavra bondade.
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