O
que são Direitos Humanos?
(Marcos Rolim)
Durante
muito tempo, quase ao longo de toda a história
da humanidade, as pessoas foram tratadas de maneiras
muito diferentes pelas mais variadas razões
e a violência entre elas foi uma constante.
Nas
civilizações antigas, como em Roma
ou Atenas, havia os cidadãos livres que
eram respeitados e que possuíam determinados
direitos, mas havia uma multidão de escravos
a quem só se permitia trabalhar o tempo
todo para os seus senhores e que podiam mesmo
ser espancados ou mortos por eles.
Nessa
época, era comum se imaginar que os escravos
não eram seres humanos e o pensamento de
filósofos importantes como Aristóteles
e Platão, ajudou a justificar isso com
idéias como aquela que afirmava que os
escravos eram "coisas que se moviam".
As mulheres, por outro lado, eram consideradas
apenas um pouquinho mais do que isso.
Durante
toda a Idade Média e mesmo depois dela,
se imaginou que as populações negras
ou indígenas eram, naturalmente, "inferiores".
Os próprios teólogos da Igreja Católica
debateram durante mais de um século se
os índios das américas recém
"descobertas" e se os negros africanos
tinham ou não tinham alma. Na prática,
essa era uma dúvida - desde o ponto de
vista religioso - a respeito da humanidade daqueles
grupos.
Durante
todo este período, acreditava-se firmemente
na "origem divina" do poder dos reis
e na idéia de que os nobres deveriam possuir
um conjunto de direitos que eram negados às
mulheres e aos homens do povo. Assim, uns teriam
nascido para mandar e outros, para obedecer; uns
deveriam ser ricos e poderosos, enquanto os outros
deveriam ser pobres e submissos e ainda se afirmava
que isso era "a vontade de Deus". Que
"caras de pau", não?
Mas
estas idéias não resistiram ao tempo
nem à razão e, lentamente, foram
se modificando. Há mais de duzentos anos
atrás, por exemplo, as colônias da
chamada "Nova Inglaterra" se rebelaram
contra a Coroa e os revolucionários americanos
tomaram a decisão de formar um país
independente, a República dos Estados Unidos.
Em um dos documentos que eles produziram, escreveram
que "Todas as pessoas nascem livres e iguais
e são titulares de um conjunto de direitos".
Uma primeira lista destes direitos - que deveriam
ser de todos e não apenas de uma parte
- foi então produzida. Isso ocorreu em
1776. Alguns anos depois, uma revolução
mais famosa - a Revolução Francesa
- também significou o fim da monarquia
e o nascimento da República. Os governantes,
passou-se a acreditar, deveriam ser escolhidos
pelo povo a partir de eleições livres.
Nesta
Revolução, seguindo o exemplo americano,
os revolucionários escreveram uma declaração
conhecida como "A Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão"
onde novos direitos passavam a ser reconhecidos
como de todos. Havia limites importantes, entretanto,
que levaram muito tempo para ser transpostos.
As mulheres, por exemplo, continuavam sendo tratadas
como se não fossem cidadãs e se
imaginava que elas não deviam votar. Foi
preciso muita luta para que direitos tão
básicos como este fossem, de fato, extendidos
a toda a população.
Na
verdade, a idéia dos Direitos Humanos só
ganhou um impulso mais forte após a II
Guerra Mundial. Foi preciso que o mundo se horrizasse
com o que os nazistas haviam feito ao exterminar
mais de 6 milhões de judeus nos campos
de concentração e nas câmaras
de gás, para que se formasse uma entidade
internacional, a Organização das
Nações Unidas (ONU), encarregada
de assegurar a paz e de estimular o respeito entre
as pessoas.
Em
1948, em uma sessão histórica, a
ONU aprovou sua Declaração dos Direitos
Humanos, um documento simples que define os principais
direitos que nós temos como o de expressar
livremente nossa opinião, o direito de
manter nossa integridade física, o direito
de não sermos presos arbitrariamente (sem
que haja um motivo real) ou o direito à
saude, à educação e ao trabalho.
Muitos
outros documentos têm sido produzidos e,
modernamente, se sabe que a idéia dos Direitos
Humanos é ainda mais ampla do que aquela
definida pela Declaração. Desde
então, a maioria dos governantes em todo
o mundo têm manifestado sua concordância
com estes documentos, o que significa dizer que
nem todos já o fizeram. É claro
que não é suficiente "concordar"
com os Direitos Humanos. É preciso lutar
para que eles sejam respeitados na prática
e o mundo ainda está longe de assegurar
isto.
Todos
os dias, em todos os países - em uns mais,
em outros menos - pessoas são agredidas,
torturadas ou assassinadas. Há, ainda,
muito preconceito, intolerância e discriminação
contra as pessoas. Às vezes por sua cor,
outras vezes por suas crenças ou idéias
políticas; às vezes porque são
homossexuais, ou porque são pobres, ou
porque estão presas, ou porque possuem
alguma doença ou, simplesmente, porque
são diferentes da maioria.
Como
se não bastasse, temos milhões de
pessoas em todo o mundo vivendo em condições
de miséria, pessoas que lutam contra a
fome, contra o abandono e o desespero. Todos nós
que defendemos os Direitos Humanos, temos, então,
muito trabalho pela frente.
Para se afirmar os Direitos Humanos é preciso,
além de exigir medidas concretas dos governantes,
que nós sejamos capazes de tratar cada
pessoa - independente de quem seja esta pessoa
- da forma como nós gostaríamos
de ser tratados. Fazendo assim, estaremos reconhecendo
em cada uma delas a idéia de humanidade
que nos define. Pode parecer simples, mas não
é.
Quando
vemos pais batendo em seus filhos ou maridos espancando
suas mulheres, quando vemos pessoas pobres sendo
humilhadas, quando sabemos que alguns suspeitos
ainda são torturados pela polícia,
quando vemos jovens imaginando que um gesto violento
pode ser algo "divertido", nos damos
conta de que mudar certos comportamentos é
mais difícil do que parece. Mas sabemos,
também, que vale a pena tentar e que ficamos
mais humanos quando nos dedicamos a isso.
Colaborou:
Marcos Rolim, jornalista, escritor e ativista
pelos Direitos Humanos, foi presidente da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados,
onde organizou as Caravanas Nacionais de Direitos
Humanos. Por sua luta de mais de 20 anos, recebeu,
entre inúmeras distinções,
o primeiro prêmio Unesco em Direitos Humanos
no Brasil. Atualmente vive em Oxford, na Inglaterra,
onde desenvolve uma pesquisa sobre segurança
pública.
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