| Direitos
              Humanos – Uma Idéia, muitas VozesJoão Baptista
              Herkenhoff
 Capítulo
              49
              
              
              
               Dívida
              Externa, fonte negadora dos Direitos Humanos
               1.
              Dívida externa, responsável principal pela fome e pelos
              problemas sociais existentes nos países do Terceiro Mundo
              
              
              
               A
              dívida externa força os governos do Terceiro Mundo a adotar
              políticas recessivas. Essas políticas por si só violam os
              Direitos Humanos porque provocam, em cadeia, situações que geram
              afrontas à dignidade das pessoas.
              
               O
              teólogo Jürgen Moltmann observou, num artigo publicado em 1990,
              que três tônicas diferentes inspiram os Direitos Humanos no
              mundo contemporâneo:
              
               os
              países capitalistas do Atlântico Norte, após a derrota do
              Fascismo e do Nazismo, timbram nos “direitos individuais”;
              
               os
              países socialistas dão relevo aos “direitos econômico-sociais”;
              
               no
              seio da população pobre do Terceiro Mundo emerge a reclamação
              pelo “direito à existência, à vida e à sobrevivência”.
              
               Se
              a maioria dos países socialistas está passando por transformações
              que já não autorizam a generalização feita por Jürgen
              Moltmann, a observação, relativamente ao Terceiro Mundo,
              permanece plenamente atual.
              
               O
              principal Direitos Humanos, nos países do Terceiro Mundo, é o
              direito a relações de Justiça, no comércio internacional.
              
               Este
              não é um Direito Humano individual, mas um Direito Humano dos
              Povos do terceiro Mundo.
              
              
              
               2.
              O crescimento e a eternização da dívida externa, no Brasil e no
              Terceiro Mundo em geral
              
              
              
               No
              caso do Brasil, grande parte da chamada dívida externa foi contraída
              durante a ditadura que teve início em 1964.
              
               A
              dívida externa brasileira é hoje 50 vezes superior à dívida
              deixada pelo presidente constitucional João Goulart, derrubado em
              1º de abril de 1964.
              
               Empréstimos
              posteriores ao período da ditadura destinaram-se a pagar juros e
              fazer reescalonamento da dívida.
              
               No
              conjunto dos países do Terceiro Mundo, a dívida cresceu de 113
              bilhões de dólares em 1973, para 895 bilhões de dólares em
              1984, conforme dados do Banco Mundial.
              
               Rudolf
              Strahm, antigo conselheiro econômico junto à Conferência das Nações
              para o Comércio e o Desenvolvimento, demonstra como são cruéis
              e injustos os mecanismos que eternizam e aumentam a dívida dos países
              do terceiro Mundo.
              
               Diz
              este autor:
              
               “Obtendo
              cada ano um crédito novo de 100 milhões de dólares, por um período
              de 10 anos, a juros de 10%. os países em desenvolvimento, depois
              de 10 anos, chegam a um ponto tal que o pagamento dos juros das dívidas
              em curso e o reembolso das dívidas vencidas ultrapassa os novos
              créditos (...) O serviço da dívida (reembolso + juros) é, assim,
              mais elevado que o novo crédito obtido”.
              
              
              
               3.
              Países em desenvolvimento ou países condenados a perpétuo
              subdesenvolvimento?
              
              
              
               O
              livro de Rudolf Strahm, que acabamos de citar, é extremamente bem
              documentado e suas afirmações sempre se fundamentam em fontes
              seguras. Apenas temos uma pequena discordância para com o
              autor. Não gostamos do termo “países em vias de
              desenvolvimento”. Sabemos que esta expressão é extremamente
              corrente. Certamente, foi em nome desse uso reiterado que Rudolf
              Strahm a adotou. Mas a expressão, a meu ver, constitui um
              eufemismo. Dá a idéia de que os países se dividem em dois
              grupos: a) países já desenvolvidos; b) países em vias de
              desenvolvimento, ou seja, países que se encontram na mesma direção
              dos países desenvolvidos, apenas retardatários nessa trajetória
              que, entretanto, será realizada.
              
               Essa
              divisão não é verdadeira e a própria substância dos textos de
              Rudolf Strahm o demonstram. Há, na verdade, economias dominantes
              e economias dominadas, economias que exploram injustamente outras
              economias e economias que são exploradas. Há relações de
              opressão e, consequentemente, opressores e oprimidos.
              
               A
              permanecerem de pé as regras vigentes na economia
              internacional, a grande maioria dos países do Terceiro Mundo não
              chegará jamais à condição de “país desenvolvido”.
              Assim, não é cientificamente exato que os países estejam
              “em vias de desenvolvimento”. Muito pelo contrário, estão em
              vias de um empobrecimento cada vez maior. A distância entre
              ricos e pobres, em vez de diminuir, aumenta. E este é o maior escândalo
              de nossa era, em matéria de “Direitos Humanos
              
              
              
               4.
              Os juros extorsivos da dívida externa
              
              
              
               Sem
              citar dados estatísticos precisos como aqueles de que se utiliza
              Rudolf Strahm, D. Paulo Evaristo Arns disse que, tendo em conta os
              juros extorsivos, já pagamos por duas vezes nossa dívida.
              
               Os
              juros opressivos cobrados pelos Bancos credores são fator
              essencial para a eternização da dívida.
              
               Dados
              da “Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico”
              demonstram que:
              
               “De
              1978 a 1984, a taxa de juros praticada nas dívidas a longo prazo,
              na modalidade de taxas variáveis, passou de 8,4 para 11,5%, em média,
              para o conjunto dos países em desenvolvimento. A taxa média de
              juros para o conjunto das dívidas dos países em desenvolvimento
              (inclusive taxas do Banco Mundial e outros bancos de
              desenvolvimento) passou de 6,3 para 9%.
              
               No
              caso do Brasil, a variação das taxas foi ainda mais chocante.
              Conforme declarou o Cardeal Paulo Evaristo Arns em 1985, na Suíça,
              o Brasil contraiu a maior parcela dos empréstimos a juros de 4%.
              Em 1985, eles se elevavam a 8% e já tinham estado a 21%.
              
               Duas
              circunstâncias devem ser consideradas para um julgamento ético e
              jurídico desses empréstimos:
              
               em
              primeiro lugar, deve-se pensar que esses juros elevados são
              pagos a peso de dólar, moeda que é medida de valor,
              diferentemente do que ocorre com empréstimos em moeda que a inflação
              corrói;
              
               em
              segundo lugar, o aumento das taxas é decidido arbitrariamente
              pelos credores, que têm uma espada de Dâmocles a pesar sobre a
              cabeça dos países devedores.
              
               Atendendo
              essas duas circunstâncias, tais juros caracterizariam um crime
              previsto na generalidade dos Códigos Penais nacionais, a
              agiotagem. Mas os países do Terceiro Mundo, como o Brasil, não têm
              força política para mandar sentar no banco dos réus, como
              criminosos, os banqueiros internacionais que nos lesam.
              
               A
              condenação ainda é mais veemente, tanto à luz da Ética,
              quanto à luz do Direito, quando se considera que não é tolerável
              o forte tripudiar sobre o fraco.
              
              
              
               5.
              Empréstimos contraídos sem a participação do povo
              
              
              
               Os
              empréstimos, durante os governos militares latino-americanos,
              foram contraídos sem qualquer participação do povo, sem
              qualquer discussão pública. Destinaram-se a obras faraônicas
              que deram sustentação política às ditaduras militares.
              
               No
              nosso país, milhões de brasileiros encantaram-se com a promessa
              de um “Brasil Gigante” e com obras de impacto como a Rodovia
              Transamazônica, que seria a conquista do Brasil para os
              brasileiros.
              
               Não
              poupa palavras D. Paulo Evaristo Arns, quando denuncia que os empréstimos,
              contratados pelo regime militar, destinaram-se a fins militares.
              Quarenta bilhões de dólares, observa o Cardeal, foram
              engolidos na construção de seis centrais nucleares, das quais
              nenhuma funciona atualmente.
              
               Também
              examinando o destino dado ao dinheiro tomado de empréstimo, diz
              Rudolf Strahm:
              
               “O
              Brasil, além de seus esforços de industrialização rápida e do
              objetivo de importar armas, apelou para o dinheiro estrangeiro a
              fim de financiar as gigantescas barragens de ltaipu e Carajás,
              a usina de Açominas e as centrais nucleares de Angra. Esses
              projetos gigantescos, ou só puderam ser explorados muitos anos
              depois da data prevista, ou não tiveram utilização racional”.
              
               Foi
              principalmente graças a essas obras, financiadas com dólares
              estrangeiros, que as ditaduras latino-americanas tiveram o apoio
              de uma parte da sociedade.
              
               O
              outro sustentáculo das ditaduras foi a televisão, instalada em
              grandes redes, nos principais países da América Latina, O
              capital estrangeiro e os governos militares deram cabal apoio
              financeiro a essas redes de televisão, inclusive
              possibilitando-lhes a tecnologia da televisão em cores. A televisão
              penetrou nos mais recônditos espaços do Continente Americano,
              servindo ao projeto transnacional.
              
               Enquanto
              a tortura e o assassinato eram praticados diuturnamente, no
              Brasil, na Argentina, no Chile e noutros países, os lares eram
              invadidos pela propaganda colorida do modelo político e econômico
              imposto à América Latina.
              
               Os
              empréstimos que permitiram a implantação e a sustentação dos
              regimes de exceção são dinheiro manchado de sangue. A divida
              externa latino-americana, na dimensão que assumiu, resultou, na
              sua origem contábil, de empréstimos destinados a apoiar as
              ditaduras.
              
              
              
               6.
              As relações desiguais no comércio internacional
              
              
              
               Examinando
              um outro aspecto da dívida, as relações desiguais no comércio
              internacional, diz Susan George:
              
               “Os
              países devedores não obtêm um justo preço por seus produtos, o
              que desencoraja as exportações. No fim das contas e a economia
              mundial que se debilita. Não resta aos países devedores outra
              solução que não a de reduzir as importações para criar
              excedentes comerciais. Só assim podem reembolsar os bancos.
              
               Por
              esse mecanismo, primeiro é a gordura que derrete, depois são
              os músculos e os ossos.
              
               Rudolf
              Strahm também aponta, no seu livro, as causas da degradação da
              balança de pagamentos pela ação das multinacionais:
              
               -
              a remessa de lucros das filiais para as matrizes, no Exterior,
              atinge hoje cifras nunca dantes imaginadas;
              
               -
              as filiais das empresas estrangeiras contribuem para aumentar o déficit
              da balança de pagamentos quando importam equipamentos, energia,
              peças de reposição;
              
               -
              a remessa de taxas de patentes e de licenças das filiais para as
              matrizes agravam a situação;
              
               -
              as multinacionais situadas nos novos países industrializados
              tomam empréstimos no estrangeiro, o que aumenta ainda o serviço
              da dívida.’4
              
               O
              mesmo autor arremata suas conclusões dizendo que:
              
               “a
              capacidade de pagamento dos países em vias de industrialização,
              fortemente endividados, tem sido diminuída pela remessa de
              lucros realizada pelas empresas multinacionais, como também pelo
              pagamento de patentes e outras licenças a essas mesmas
              empresas”.
              
               Em
              vista dessas observações judiciosas e fundamentadas
              relacionadas com as empresas multinacionais, a conclusão não
              nos parece ser a de fechar as portas dos países do Terceiro
              Mundo, inclusive o Brasil, à entrada de tais empresas. A
              economia mundial tende à intercomunicação e não ao isolamento.
              
               Entretanto,
              regras têm de ser estabelecidas, quer no interior de cada país,
              quer pelo conjunto dos países do Terceiro Mundo, de modo a
              impedir a espoliação internacional dos países pobres pelos países
              ricos.
              
               No
              Brasil, uma das bandeiras do presidente João Goulart, deposto em
              1º de abril de 1964, era justamente regular a remessa de lucros
              para o Exterior.
              
              
              
               7.
              Fome, negação fundamental dos Direitos Humanos
              
              
              
               A
              fome é negação dos Direitos Humanos, num aspecto fundamental.
              
               Rudolf
              Strahm e Susan George demonstram que está na lógica da manutenção
              da dívida a redução das massas empobrecidas dos povos devedores
              a uma situação literal de fome.
              
               Uma
              Comissão de Inquérito do Congresso Brasileiro, que investigou as
              causas da miséria absoluta, concluiu, em 1991, que mais de 70
              milhões de brasileiros não tinham o que comer. Isto acontece num
              país de dimensão continental e com uma tão grande mão-de-obra
              disponível.
              
               Uma
              das consequências mais visíveis da subnutrição crônica tem
              sido o surgimento de toda uma geração (já são milhões de
              brasileiros entre 15 e 18 anos) que atinge no máximo 1,60 metros
              de altura, ficando abaixo dos padrões internacionais. É o
              chamado “homem gabiru” que vive do lixo dos centros urbanos.
              
               Não
              se trata da baixa estatura decorrente de razões genéticas, pois
              esta não compromete o conjunto da saúde. A pessoa pode ter,
              obviamente, baixa estatura e excelente inteligência, bem como
              todas as demais condições de rigidez física e mental. Na hipótese
              aqui referida, trata-se da baixa estatura que provém pura e
              simplesmente da desnutrição e que assim sacrifica o
              desenvolvimento global do indivíduo.
              
               Também
              o Cardeal Anis, na denúncia que fez na Suíça e que já
              citamos, disse que o serviço da dívida iria tomar ainda mais
              faminto o povo brasileiro, à vista de que dois terços da população,
              na data de suas declarações (1985) sofriam já de má nutrição.
              
               Rudolf
              Strahm critica o modelo de produção destinada à exportação,
              adotado pelos países do Terceiro Mundo, por pressão do Banco
              Mundial e outras agências internacionais. O ator demonstra que
              esse modelo tira o pão da boca dos pobres:
              
               “As
              culturas de exportação trazem frequentemente prejuízo à produção
              alimentar destinada à auto-subsistência (...) As classes
              dominantes e os governos dos países em desenvolvimento procuram
              obter divisas a fim de poder pagar bens de importação. (...)
              Os agricultores obtêm preços tão baixos por seus produtos
              destinados à alimentação que se tomam surdos a todo apelo de
              aumento da produção. O Banco Mundial, o Fundo Monetário
              Internacional e outras agências de desenvolvimento forçam os países
              em desenvolvimento a aumentar suas exportações. Coagindo os países
              devedores a adotar essa política, asseguram a amortização e o
              pagamento dos juros da dívida externa”
              
               Vicente
              Leclercq destacou tendências alarmantes, sobretudo a partir de
              janeiro de 1983. Nessa data o FMI aplicou pela primeira vez, no
              Brasil, seu pacote de ajustamento estrutural. Uma das prioridades
              estabelecidas pelo Fundo Monetário Internacional foi a de reduzir
              o consumo interno, não obstante a capacidade da indústria
              brasileira e o consumo, já então, reduzido de alimentos, se
              considerado o tamanho de nossa população.
              
               O
              sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, falecido em agosto de
              1997, propôs um desafio aos seus contemporâneos. Que em mutirão
              vençamos o flagelo da fome.
              
               Dentro
              da realidade brasileira de hoje, milhões não têm as condições
              mínimas para “ser pessoa”; não são também cidadãos.
              
               Josué
              de Castro já havia denunciado, no seu tempo, a fome como
              “problema social”. Graciliano Ramos, nos seus romances,
              retratou a fome como problema político. A fome não brota do céu.
              A fome tem causas na terra, nas injustiças imperantes. Josué e
              Graciliano sofreram exílio e prisão por dizer uma verdade tão
              óbvia.
              
               Mas
              essa situação não é inevitável. Se ficamos de braços
              cruzados, tudo vai continuar assim.
              
               Mas
              se a vida profética de Betinho, Josué de Castro, Graciliano
              Ramos tiverem a força de nos acordar, nós venceremos a suprema
              negação do Direito que é a fome.
              
              
              
               8.
              A dívida externa, decisão calculada, provoca a injusta distribuição
              interna da renda
              
              
              
               Susan
              George observa que a dívida externa é a causa principal da má
              distribuição de renda nos países do Terceiro Mundo. A mesma
              autora demonstra que a dívida externa não é casual, nem é
              fruto de circunstâncias fora de controle. A dívida externa é
              uma decisão calculada e sórdida dos donos do mundo.
              
               Segundo
              dados do CEPAL, órgão ligado às Nações Unidas, nos últimos
              10 anos foram repassados 275 bilhões de dólares da América
              Latina aos países credores. Isso equivale a 60% da dívida da
              América Latina. Entretanto, o montante da divida que os bancos
              exigem, em vez de diminuir, subiu para 445 bilhões de dólares.
              
               O
              IV Congresso Latino-Americano de Economistas concluiu que a Dívida
              Externa foi o fator que causou o maior impacto gerador de miséria
              na América Latina, nos anos 80.
              
               O
              Bispo francês D. Jacques Gaillot publicou um livro por ocasião
              da Guerra do Golfo (1991). Manifestou-se contra a solução
              militar do conflito. Examinou a globalidade do problema em causa,
              e não apenas suas aparências, propagadas em todas as línguas
              pelos supostos donos do mundo. D. Gaillot afirmou que não era
              Saddam Hussein que ameaçava a ordem do mundo. A grande ameaça à
              ordem mundial e à paz advém das desigualdades extremas que se
              perpetuam, nas relações internacionais.
              
              
              
               9.
              A dívida externa e a esterilização de mulheres no Terceiro
              Mundo. A questão da população, no Brasil
              
              
              
               Agora,
              não contentes com a morte pela fome, os potentados econômicos
              do mundo querem esterilizar as mulheres no Terceiro Mundo. Vozes
              de Bispos e de líderes já se levantaram em denúncia. No Brasil,
              o tema foi objeto de sucessivos pronunciamentos da CNBB.
              
               A
              propósito diz o jornal “Informativo Dívida Externa”,
              publicado por um grupo de instituições populares, que 25 milhões
              de mulheres brasileiras em idade reprodutiva teriam sido
              esterilizadas por políticas de “planejamento familiar”.
              
               Cabe
              observar que se trata de uma estimativa. A esterilização é
              sempre clandestina, pelo que não há estatísticas seguras.
              
               O
              problema do Brasil não é excesso de população. Temos duas
              vezes e meia a superfície da Índia. Entretanto, nossa população
              é seis vezes menor.
              
              
              
               10.
              A ilegitimidade da dívida externa: razões econômicas, políticas,
              éticas e jurídicas
              
              
              
               A
              dívida externa dos países latíno-amerícanos é injusta, a
              meu ver, por 5 motivos:
              
               1º)
              porque a parte relativa ao período dos governos militares foi
              contraída sem conhecimento do povo. E como alguém que
              emprestasse dinheiro a uma criança, impossibilitada de
              discernir, e pretendesse depois cobrar o empréstimo aos pais;
              
               2º)
              porque essa parte da divida teve o objetivo político de sustentar
              os regimes militares latino-americanos, com a finalidade econômica
              de saquear nossas riquezas e nos escravizar. Uma outra razão
              foi aplicar os excedentes financeiros dos países ricos. Se os
              objetivos são injustos, o meio para alcançar o fim é também
              injusto, segundo princípio ético-jurídico tradicional;
              
               3º)
              porque os empréstimos posteriores aos governos militares
              destinaram-se a rolar a dívida e a pagar juros. Se a dívida
              principal é injusta, as dívidas acessórias, complementares,
              também são injustas;
              
               4º)
              porque outro fator da divida externa são as regras injustas e
              opressivas do comércio exterior;
              
               5º)
              porque só podemos pagar a dívida e os juros da dívida com a
              fome do povo, o que a torna ilegítima, segundo a palavra de João
              Pauto II, na encíclica “Centesimus Anuns”:
              
               “Não
              é lícito pedir e exigir um pagamento quando esse pagamento)
              resulta em impor, realmente, escolhas políticas de natureza a
              impelir à fome e ao desespero populações inteiras”.
              
               João
              Paulo II analisou apenas esta última parte da questão porque
              tem tratado do assunto numa perspectiva mais global, mundial. No
              caso brasileiro e no de outros países latino-americanos, há
              argumentos mais contundentes do que apenas este argumento humanitário
              de que um Estado devedor não pode pagar a dívida com a fome do
              seu povo.
              
               O
              Cardeal Paulo Evaristo Arns, Arcebispo de São Paulo, disse numa
              mensagem dirigida à Conferência sobre a Divida Externa, que se
              reuniu em Havana, em 30 de julho de 1985:
              
               “O
              problema da dívida externa é fundamentalmente político, mais
              que financeiro. Como tal deve ser abordado. O que está em jogo não
              são as boas contas dos credores internacionais, mas a vida de
              milhões de pessoas que não podem suportar nem a ameaça
              permanente de medidas repressivas, nem o desemprego, fonte de
              indigência e de morte”.
              
               Na
              Suíça, o Cardeal foi ainda mais fulminante:
              
               “Deve-se
              parar de pagar aos ricos deste mundo com o sangue e a miséria de
              nosso povo”.
              
               A
              questão é política e ética, como diz o Cardeal Arns. E é também
              jurídica, como demonstramos, pois são rigorosamente nulos os
              atos que geraram a divida.
              
              
              
               11.  
              Repúdio à dívida externa num encontro internacional de
              Direitos Humanos
              
              
              
               Por
              ocasião da 26ª Sessão do Instituto Internacional de Direitos
              Humanos, que se realizou em Strasbourg, na França, tivemos
              ocasião de obter o apoio de participantes de outros países para
              a seguinte moção que apresentamos, a respeito deste assunto:
              
               “Os
              abaixo-assinados, cidadãs e cidadãos de países do Terceiro
              Mundo, presentes na 21a Sessão do Instituto Internacional
              de Direitos Humanos, ocorrida em Strasbourg, na França, no período
              de 27 de junho a 27 de julho de 1990, tornam pública a seguinte
              posição:
              
               a)
              entendem os subscritores deste documento que os Direitos Humanos
              dos povos do Terceiro Mundo são permanentemente violados pelas
              regras que presidem às relações econômicas e políticas
              entre os países do Terceiro Mundo e os países ricos;
              
               b)
              as regras dessas relações econômicas e políticas são injustas
              porque oprimem nossos povos e nos mantêm num estado continuo de
              pobreza;
              
               c)
              nossos povos não podem continuar passando fome, sem saúde e sem
              escolas, privados dos serviços sociais básicos, como decorrência
              das relações de exploração vigentes na vida internacional;
              
               d)
              é inútil ou quase inútil toda a luta pelos Direitos Humanos, em
              nossos países, se as relações do comércio internacional não
              sofrerem radical mudança, se não forem alteradas as atuais
              regras que sugam nossas riquezas naturais e estabelecem a miséria
              no seio dos nossos povos;
              
               e)
              mesmo a luta ecológica, que sensibiliza a opinião pública dos
              países ricos, mantém conexão com a questão econômica pois as
              agressões à natureza, nos países de Terceiro Mundo, resultam,
              em muitos casos, da falta de alternativas de sobrevivência dos
              nossos povos;
              
               f)
              a divida externa dos países do Terceiro Mundo é injusta, atenta
              contra os Direitos Humanos e merece nosso repúdio;
              
               g)
              acreditamos que os participantes deste Encontro, provenientes dos
              países ricos, são pessoas portadoras de sensibilidade ética.
              Apelamos para a sensibilidade ética desses companheiros para que
              atuem nos seus países, de modo que ocorram as decisões políticas
              necessárias para mudar as atuais relações econômicas
              opressivas em relação aos povos do Terceiro Mundo”.
              
               A
              consciência de Justiça está a exortar os países que se dizem
              credores a proceder com os países supostamente devedores, segundo
              a apóstrofe fulminante do profeta Neemias:
              
               “Devolvam
              hoje mesmo seus campos, vinhas, olivais e casas. Perdoem também a
              penhora em dinheiro, trigo, vinho e óleo, que vocês tomaram
              deles”.
              
               Questões
              para debate, pesquisa e revisão (individual e/ou em grupo),
              relacionadas com a Décima Quarta Parte deste livro
              
              
              
               1.
              Faça um estudo crítico do conjunto da matéria contida nesta
              Parte da obra ou limite esse estudo a algum de seus capítulos.
              
               2.
              Resuma esta Parte do livro e assinale: a) os pontos com os quais
              concordou com mais ênfase; b) os pontos dos quais discordou ou
              relativamente aos quais tem alguma objeção ou reparo a fazer.
              Fundamente a resposta.
              
               3.
              Desenvolva esta questão: Ordem econômica internacional e
              efetiva vigência dos Direitos Humanos.
              
               4.
              Que matéria abordada nesta Parte do livro pareceu-lhe mais
              interessante ou relevante? Fazer sobre essa matéria um debate ou
              pequeno seminário.
              
               5.
              Fazer uma pesquisa sobre a questão da dívida externa brasileira,
              reunindo dados absolutamente atuais. Entreviste pessoas, para
              alcançar este objetivo. Procure dados e fontes que normalmente,
              ou não são mencionados na grande imprensa, ou são mencionados
              de maneira acidental e sem qualquer destaque. Tente descobrir a
              razão pela qual hoje, na grande imprensa, fala-se em “dívida pública”,
              sem distinguir “dívida pública interna” e “divida pública
              externa”.
              
              
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