A Cidadania
João Baptista
Herkenhoff
A
CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÃNEO
O POVO
COMO CONSTRUTOR DA PRÓPRIA HISTÓRIA
1. A LUTA DO POVO BRASILEIRO PELA VOLTA
DO ESTADO DE DIREITO
2.
OS QUATRO GRANDES MOMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA HISTÓRIA
RECENTE DO BRASIL
3. A ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA
– AS “CONDENAÇÕES” E “PROSCRIÇÕES” DO REGIME
MILITAR
4.
O QUE SIGNIFICA “ANISTIA”
5.
A LUTA PELA ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA
6.
A ANISTIA E OS “DESAPARECIMENTOS POLÍTICOS”
7.
A LUTA POR ELEIÇÕES DIRETAS PARA PRESIDENTE
8. A LUTA PELA CONVOCAÇÃO DE UMA
ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE
9. A LUTA DO POVO PARA QUE O CONGRESSO
NACIONAL VOTASSE O “IMPEDIMENTO” DE UM PRESIDENTE DA REPÚBLICA
CUJOS ATOS MOSTRAVAM-SE INCOMPATÍVEIS COM A FUNÇÃO QUE EXERCIA
1. A LUTA DO POVO BRASILEIRO PELA VOLTA
DO ESTADO DE DIREITO
A
luta contra o golpe de Estado desferido em 1º de abril de 1964
começou com a própria instauração da ditadura.
Desde
o primeiro momento, líderes políticos e da sociedade civil,
acompanhados por parcela ponderável da opinião pública,
compreenderam que se suprimia o Estado de Direito, para um longo
período de arbítrio.
Muitos
puderam verificar e compreender que o golpe no Brasil não era um
fato isolado. Localizava-se dentro de um projeto continental. Na
verdade, assistia-se a todo um ciclo de regimes de exceção na América
Latina. Documentos que vieram à luz posteriormente, por força
de uma lei que libera certos arquivos secretos norte-americanos,
demonstraram que a implantação das ditaduras latino-americanas
era inspirada pela política externa dos Estados Unidos para o
continente.
Outros
cidadãos, entretanto, supuseram que a intervenção militar de
1964 seria um episódio passageiro. Teria como fundamento
exercido, pelas Forças Armadas, de um “poder moderador"”
Esse “poder moderador” seria um poder corretivo de eventuais
desvios na rota política normal do país. Tal papel moderador
estaria reservado aos militares, no Brasil e em outros países.
Os
que seguem essas idéias apoiaram, num primeiro momento, o golpe
militar de 1964.
O
primeiro grande desapontamento de muitos cidadãos que deram seu
iva1 político ao golpe aconteceu em 27 de outubro de
1965. Nesse dia, foi baixado o Ato Institucional n.º 2.
O
primem Ato Institucional não tinha número, justamente porque a
proposta original dos revoltosos seria realizar um “ato cirúrgico
de tempo certo”, nas instituições políticas brasileiras. O
Aro Institucional n.º 2 já representava uma traição a esse
propósito.
Fim
1967, a Constituição de 24 de janeiro tenta o arremedo de um
listado de Direito”. Tem a esperança de compatibilizar o regime
militar com um mínimo de civilização jurídica.
O
Ato Institucional n.º 5, de 13 de dezembro de 1968, elimina de
vez quaisquer nuanças de “Estado de Direito” que se
pretendesse
dar ao regime. O regime assume confessadamente sua face de
ditadura brutal. Suprime-se todo traço de Direito, qualquer
sinal de juridicidade que se pudesse vislumbrar nas instituições
políticas e sociais do país. E a lei do cão, um retrocesso que
nem mesmo o Estado Novo (1937) conheceu.
A
cada aprofundamento do arbítrio, o regime de 1964 perdia apoio.
Os
liberais que apoiaram o golpe, em nome de uma intervenção
militar cirúrgica, deixaram a nau do regime em 27 de outubro de
1965, com a edição do Ato Institucional n.º 2.
Em
13 de dezembro de 1968 já não eram apenas os liberais que se
desligavam da aventura liberticida levada a efeito pelos que se
apoderaram do país. Na verdade, só ficaram com o AI-5 os que
apoiavam para o Brasil um regime de índole fascista, isto é, um
regime antiliberal, antidemocrático, de um nacionalismo falso e
até mesmo com traços imperialistas. Esta última característica
era traduzida pelo projeto de um Brasil Gigante. Esse Brasil
Gigante seria construído, em aliança com os Estados Unidos, sob
a batuta da Lei de Segurança Nacional. Dentro desse projeto, o
Brasil receberia delegação para exercer um papel imperialista
junto aos vizinhos da América do Sul.
Um
slogan resumia a mentalidade vigente: “Brasil, ame-o ou
deixe-o”. Este slogan era traduzido assim: ame o Brasil, de acordo
com a fórmula de Brasil pretendida pelo regime. Se você não
concorda com essa fórmula, não concorda com o regime, você não
tem direito de viver em seu país.
Por
todas essas razões, á medida que crescia o arbítrio, crescia
também a resistência ao arbítrio.
Somavam-se
as luras de inúmeros segmentos sociais:
a)
a dos trabalhadores, contra a política de arrocho salarial,
contra a intervenção nos sindicatos, contra a Lei de Segurança
Nacional que enquadrava nos seus artigos os operários que
pugnavam por melhorias econômicas e sociais;
b)
a de presos e perseguidos políticos, com apoio de lideres da
sociedade civil em geral, em prol da anistia;
c)
a dos estudantes, contra acordos que subordinavam a política
educacional brasileira a exigências norte-americanas, contra as
punições arbitrárias de estudantes e professores, contra a polícia
política instalada dentro das universidades;
d)
a dos intelectuais, jornalistas, artistas contra a censura e as
medidas restritivas em geral;
e)
a de líderes religiosos de diversas confissões, pela Justiça
Social, pela Liberdade, contra a tortura.
Todas
essas lutas desembocaram:
a)
na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita;
b)
na luta pela convocação de uma Assembléia Constituinte livre e
democrática, com participação popular;
e)
na luta pelas eleições diretas para presidente da República.
2.
OS QUATRO GRANDES MOMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA HISTÓRIA
RECENTE DO BRASIL
Precedidos
pelos fatos narrados no item anterior, quatro grandes momentos
vieram a constituir, segundo entendemos, os episódios de mais autêntica
e forte participação popular, na História contemporânea do
Brasil.
Os
quatro momentos áureos de participação do povo, em nossa História
recente, conforme referido no período anterior, foram:
a)
o da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita;
b)
o da luta por eleições diretas para presidente da República;
c)
o da luta pela convocação de uma Assembléia Nacional
Constituinte, bem como pela participação popular no processo
constituinte;
d)
o da luta do povo para que o Congresso Nacional votasse o
“impedimento de um presidente da República cujos atos
mostravam-se incompatíveis com a função que exercia.
Todos
esses momentos contribuíram decididamente para que crescesse, na
consciência nacional, o sentido da cidadania.
Anistia
ampla, geral e irrestrita porque sem Anistia o Brasil não poderia
vislumbrar seu futuro. Anistia para sepultar um passado de ódios
e construir um futuro de Esperança. Anistia como requisito para
colocar tijolos que iriam permitir o exercício da cidadania.
Eleições
diretas para presidente porque o mais alto mandato eletivo do país
não poderia estar nas mãos de um pequeno grupo de supostos
interlocutores que se sentiam com o direito de impor sua vontade
ao POVO brasileiro. Eleições diretas como canal da cidadania.
Assembléia
Nacional Constituinte para dar ao povo a oportunidade de
escrever as linhas do seu caminho. Assembléia Nacional
Constituinte como expressão da cidadania.
Votação
do “impedimento” de um presidente que não correspondeu ao
sonho do povo, manifestado na primeira eleição direta para
presidente após o longo período de arbítrio, porque “o poder
pertence ao povo e em seu nome deve ser exercido”. Povo nas ruas
pedindo o “impeachment”, exercendo a cidadania.
3. A ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA
– AS “CONDENAÇÕES” E “PROSCRIÇÕES” DO REGIME
MILITAR
Muitos
brasileiros foram alcançados por punições do regime militar,
implantado no Brasil a partir do dia 1º de abril de 1964.
Foram
atingidos, principalmente, políticos, sindicalistas, jornalistas,
escritores, artistas e intelectuais em geral.
Essas
punições variavam: alguns foram condenados à prisão, pela
Justiça Militar. Em alguns casos o tempo de prisão foi superior
ã expectativa de vida da própria pessoa condenada. Imaginem alguém
condenado a 92 anos de prisão...
Chegou
mesmo a haver “condenação à morte”, embora, oficialmente,
essa pena não tenha sido executada.
Empregamos
a expressão “oficialmente executada” neste sentido: nenhuma
sentença de morte, decretada pela Justiça Militar, chegou a ser
efetivada. Houve pessoas que, por suas idéias e por sua luta política,
foram mortas pelo regime imperante. Mas essa execução sumária”
foi feita à margem da Justiça Militar.
Outras
pessoas, por causa de suas idéias e de sua atuação política:
foram demitidas de seus cargos públicos; perderam seus empregos,
na iniciativa privada; foram proibidas de exercer sua profissão.
Outros
cidadãos, eleitos pelo povo para funções executivas e
legislativas, foram cassados.
Chegou
mesmo a haver a aposentadoria compulsória (ver a explicação no
glossário) de digníssimos, honrados e ilustríssimos ministros
do mais alto tribunal do país: o Supremo Tribunal Federal.
Inúmeros
líderes e figuras destacadas da vida pública, social e cultural
brasileira, alguns de expressão nacional, outros de expressão
regional ou local, tiveram seus direitos políticos suspensos,
quase sempre pelo prazo de 10 anos.
Todas
essas punições foram feitas arbitrariamente, isto é, sem
direito de defesa. Além disso, foram baseadas em “atos institucionais”
e na Lei de Segurança Nacional.
Os
“atos institucionais” e a “Lei de Segurança Nacional”
eram regras de força, pretensamente jurídicas, mas, na verdade,
incompatíveis com a idéia de Direito e democracia.
Se
um político ou um cidadão cassado estava exilado, a Justiça
Militar fazia a sua “citação” para que comparecesse perante
o tribunal, a fim de ser processado. Se esse cidadão não
comparecia, era declarado “revel”, uma espécie de pessoa
desobediente que não atende o chamado da Justiça e que, nas
circunstâncias, ficava praticamente sem defesa. Acontece que
essas pessoas não tinham condições de comparecer perante a
Justiça Militar. Isto porque não receberiam um julgamento sério,
próprio de um sistema democrático. Os tribunais militares eram,
na época, “tribunais de exceção” (isto é, tribunais que não
ofereciam garantias de um processo justo e imparcial á pessoa
‘julgada”). Em algumas hipóteses, um exilado voltar tu
Brasil, naquele tempo, significava simplesmente oferecer a vida
para ser torturado e assassinado.
4.
O QUE SIGNIFICA “ANISTIA”
A
anistia é como que um esquecimento. E sempre um ato do Poder
estabelecido, isto é, um ato do Governo. Mas isto não quer dizer
que e um ato de benemerência do Governo. Normalmente, as
anistias, no Brasil, foram resultado de pressão popular ou de
pressão de setores expressivos da sociedade, exercida sobre o
Poder estabelecido.
A
anistia tem sempre caráter coletivo, ou seja, abrange dezenas,
centenas ou milhares de pessoas.
A
anistia declara impunível quem foi processado e julgado pela
justiça, ou quem ainda está respondendo a processo. A anistia
destina-se a alcançar “crimes políticos”.
Crimes
políticos são aqueles crimes de motivação política, não são
crimes comuns. Tiradentes foi condenado à morte por um crime político
e hoje é um herói nacional.
Não
é correto dizer que a anistia é um “perdão”. Perdão
pressupõe que a pessoa beneficiada cometeu um crime, que é
apagado por um ato de generosidade do poder. Existe o perdão de
crimes com uns, mas isto não se chama “anistia”. O perdão de
crimes comuns chama-se “indulto”. Indultar a pena de um criminoso
significa perdoá-lo.
5.
A LUTA PELA ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA
A
campanha pela anistia foi uma das páginas de maior grandeza moral
escrita na História contemporânea do Brasil.
A
luta dos presos políticos, no interior das prisões, as denúncias
feitas por estes, rompendo o cerco de ferro dos carcereiros, as
greves de fome, tudo isto foi essencial para que se alcançasse a
anistia, como vitória da alma brasileira.
Ao
mesmo tempo em que os presos resistiam, os exilados
movimentavam-se fora do país. E dentro do Brasil inúmeras vozes,
inteligências e corações pleiteavam a anistia.
A
anistia foi conquistada em 1979. Consubstanciou-se na Lei n.º
6.683, de 28 de agosto de 1979.
Não
foi tão ampla, geral e irrestrita quanto se desejou. E anistou não
apenas os perseguidos políticos mas também os que praticaram
crimes, em nome do regime. Chegou mesmo a anistiar torturadores, o
que é bem chocante. A essa anistia de perseguidos e perseguidores
chamou-se de “anistia recíproca”.
De
qualquer forma, a anistia em favor dos cidadãos que tinham sido
alcançados por punições do regime militar representou uma ponte
de reencontro dos brasileiros.
Presos
políticos foram postos em liberdade, líderes que estavam no exílio
puderam regressar à Pátria, cidadãos que tinham sido
proscritos da vida pública puderam recuperar seus direitos de
cidadania. Outros milhares de cidadãos, que eram mantidos sob
vigilância e suspeição, puderam respirar aliviados com a
supressão das pressões que recaíam sobre eles.
O
autor deste livro, durante vários anos, sofreu a devassa de toda
a sua correspondência que vinha do Exterior. Eram quase sempre
cartas de exilados, aos quais ele dirigia palavras de encorajamento,
remetia fotos e notícias do Brasil. Os censores nem faziam questão
de disfarçar a censura à correspondência. Pelo contrário, as
cartas eram abertas e novamente coladas com tiras espalhafatosas
de durex ou adesivos grossos, de modo a deixar evidenciado, para o
destinatário da carta, que a mesma tinha sido lida. E olha que
cometiam esse desrespeito para com uma pessoa que exercia, simplesmente,
a função de Juiz de Direito. (Sem dúvida, um Juiz de Direito
“malcomportado”, na visão dos que detinham o poder, mas um
Juiz de Direito no pleno exercício legal do seu cargo). Quando
requeri um habeas data ao Poder Judiciário, depois da promulgação
da Constituição de 1988, juntei à petição de habeas data vários
exemplares de minha correspondência, com a prova dessa devassa.
Não
foi conquistada uma anistia para que, dali para a frente, houvesse
convergência de opiniões políticas. Pelo contrário. A
anistia legitimou a divergência democrática, o debate, o diálogo.
Mesmo pessoas que pensam de maneira oposta devem ter a
oportunidade de discutir, de expressar suas discordâncias, de
lutar por suas idéias. E justamente esse pluralismo, essa
possibilidade de pensar diferente que constitui a essência da
democracia.
Começamos
a enumeração dos “grandes momentos de participação
popular” pela anistia porque, sem a anistia, não aconteceriam
os outros três momentos subsequentes. Sem anistia o Brasil não
teria caminho para trilhar.
Ainda
como Juiz de Direito em atividade, fui um dos fundadores e
participante ativo do Comitê Brasileiro pela Anistia. Faço este
registro pessoal e outros registros semelhantes, neste livro,
porque acho que um livro deve ser também um depoimento. Uma
pessoa mais velha, como é o caso do autor, deve contar fatos
passados às gerações mais jovens. Essa transmissão de vida,
acontecimentos e experiências caracterizou culturas primitivas. Não
deve ser abandonada no mundo contemporâneo. Computadores e
arquivos registram milhões de atos e fatos. Mas há fatos e atos
que precisam de ser registrados com o vigor do testemunho.
A
subjetividade humaniza e enriquece o tratamento de um tema como o
da cidadania e Direitos Humanos.
Meus
discursos em atos públicos, pregando a anistia, e minha participação
na fundação do Comitê Brasileiro pela Anistia não foram
compreendidos por alguns.
Recebi
censura.
Estranhavam:
como pode um juiz tratar de um tema político? A atividade política
não é proibida ao juiz?
Havia
uma diferença de entendimento do que devia ser a ética do ofício
de juiz. Sem dúvida, a atividade político-partidária é vedada
ao magistrado. Sempre tive consciência da importância desse
principio que não é apenas um preceito legal. E também uma
questão moral e lógica. Como pode um juiz, que preside eleições,
ter militância partidária? Essa militância levaria ao descrédito
de sua imparcialidade.
Mas
a questão da anistia não era uma questão partidária. Via,
naquela época, como ainda vejo hoje: o significado da anistia
Como bandeira ética. A anistia era um tema humanitário e de
Justiça, com caráter suprapartidário. A anistia permitiria o
reencontro dos brasileiros. Não o reencontro para a
unanimidade, que isto só existe nas ditaduras. O reencontro para
a luta política, a divergência explicitada, as contradições
criadoras. Por essa razão, honrava-me, como magistrado, engrossar
o coro de consciências morais que bradavam pela anistia.
6.
A ANISTIA E OS “DESAPARECIMENTOS POLÍTICOS”
A meu ver, há uma questão não
resolvida na História contemporânea do Brasil. E a solução
do problema dos chamados “desaparecidos políticos”.
Inúmeros
brasileiros, que recorreram à luta armada para derrubar a
ditadura, e outros que se opunham ao regime, sem recorrer luta
armada, foram mortos durante o regime militar. Em muitos casos, os
corpos foram enterrados clandestinamente.
Enterrar
seus mortos e um direito humano fundamental das famílias.
Dentro
de nossa tradição cultural, o enterro de um parente querido é
muito importante. No enterro, a família chora o morto, verte suas
lágrimas sobre o caixão, lança areia ou uma flor sobre a
sepultura. A Psicologia, a Psicanálise, a Antropologia e a
Teologia debruçaram-se longamente, em estudos e pesquisas de fôlego,
sobre o ato humano de sepultar os mortos.
O
Brasil não pode passar por cima desse episódio dos “desaparecidos
políticos”, como se isso não tivesse acontecido.
É
preciso que os casos de “desaparecimento político” sejam
esclarecidos, que os corpos sejam localizados e que os mortos tenham
direito à sepultura.
Sem
revanchismo, mas por uma questão de Justiça e Humanidade.
7.
A LUTA POR ELEIÇÕES DIRETAS PARA PRESIDENTE
A
luta da sociedade brasileira, reclamando o direito de eleger
diretamente o presidente da República também foi um momento
muito importante e muito belo de nossa Historia.
Desde
1964, o Brasil era governado por generais, escolhidos pelos próprios
militares. Os nomes desses generais eram formalmente submetidos ao
Congresso Nacional para que se tivesse a impressão de que tinha
havido uma “eleição indireta”. Mas na verdade, não se
tratava nem mesmo de uma eleição indireta. Tratava-se de uma
simples “homologação”, de um simples “amém, amém”.
Que
independência tinham deputados e senadores para, eventualmente,
recusar o nome do escolhido pelo poder dominante, se o próprio
mandato dos deputados e senadores estava nas mãos desse mesmo
poder dominante? Os mandatos estavam nas mãos do poder imperante
porque o regime ditatorial em vigor permitia que depurados e
senadores fossem cassados, fossem privados de seus mandatos.
Além
disso, o Congresso do período da ditadura não representava o
NOVO brasileiro porque as maiores lideranças da vida nacional
estavam cassadas, presas ou no exílio.
Depois
da anistia, o passo seguinte para a redemocratização do país
seria a eleição direta para presidente. A campanha para as eleições
recebeu um batismo de combate: “diretas-já”. Isto significava
o seguinte:
“Nós,
o povo brasileiro, queremos eleger imediatamente o presidente da
República. Não aceitamos que a promessa de eleições diretas
seja adiada”.
Milhões
de brasileiros foram às praças pedir eleições diretas. Mesmo
assim, a emenda constitucional para a eleição direta cio
presidente da República foi recusada. Isto causou uma grande
decepção ao povo brasileiro.
Houve
então eleição indireta de dois civis, que se comprometiam com
o retorno à vida democrática: Tancredo Neves (mineiro) corno
presidente; José Sarney (maranhense), como vice-presidente.
Tancredo
Neves morreu antes da posse. Assumiu a Presidência o maranhense
José Sarney.
8. A LUTA PELA CONVOCAÇÃO DE UMA
ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE
Feliz
com a anistia, mas frustrado com a eleição indireta do
presidente, o povo lutou pela convocação de uma Assembléia
Nacional Constituinte.
Esta
deveria ser livre, exclusiva e soberana. Deveria possibilitar a
instituição, em nosso país, do Estado de Direito. Isto quer
dizer: o povo queria a democracia, o chamado Estado democrático.
Da
mesma forma que a luta pela anistia e a luta pelas “diretas-já”,
a luta pela Assembléia Nacional Constituinte teve o calor de
esperança da alma popular.
O
Brasil, através de representantes eleitos, escreveria a sua lei
maior, a sua carta de direitos, o seu mapa da cidadania. Era esse
o clamor do nosso povo.
A
convocação da Constituinte foi uma vitória da opinião pública.
Como também o próprio funcionamento da Constituinte.
Este
tema, pela sua importância, será estudado amplamente no capítulo
seguinte deste livro.
9. A LUTA DO POVO PARA QUE O CONGRESSO
NACIONAL VOTASSE O “IMPEDIMENTO” DE UM PRESIDENTE DA REPÚBLICA
CUJOS ATOS MOSTRAVAM-SE INCOMPATÍVEIS COM A FUNÇÃO QUE EXERCIA
O
quarto momento que consideramos relevante, em matéria de
participação popular na História do pais, é um episódio
relativamente recente.
Trata-se
do grande movimento popular reclamando que o Congresso Nacional
decretasse o “impeachment”, isto é, o impedimento do
presidente eleito, Fernando Collor de MeIlo.
Fatos
tão graves comprometiam o comportamento ético e político do
presidente da República, que o povo se mobilizou, de norte a sul
do país, num único grito: “fora Collor”.
Não
se trata de cuidarmos aqui da pessoa do presidente. A pessoa
humana, trate-se de um cidadão comum, trate-se de um homem
publico, merece sempre respeito porque a pessoa humana é sagrada.
Trata-se,
não da pessoa de Fernando CoIlor de MelIo, mas do homem público,
daquele político que recebeu, pelo voto, o mais importante
mandato eletivo da República.
Ao
unir-se coletivamenre para pedir o afastamento do presidente, o
povo demonstrou compreender que é o titular da soberania. Os
eleitos são apenas representantes do povo.
Não
me parece que a imprensa, sobretudo a mais importante rede de
televisão do pais, tenha manipulado o povo para que encampasse o
slogan “fora ColIor”. Creio que aconteceu o contrario.
A
maior rede de televisão apoiava o Governo CoIlor e apoiou o
Governo Collor até o limite das possibilidades. Mas as manifestações
populares cresceram de maneira tão assustadora, que não só a
maior rede de televisão, como políticos conservadores, aliados
do Governo tiveram de ceder à pressão popular.
ATIVIDADES
COMPLEMENTARES
Questões
sugeridas para debate, pesquisa ou revisão:
1.
Fazer um resumo deste capitulo.
2.
Dos quatro momentos decisivos, na Hist6ria recente do Brasil, que
apontamos neste capitulo, destacar o que lhe parecer o mais
relevante. Justificar a escolha. Desenvolver amplamente o episódio
escolhido.
3.
Reconstituir um desses grandes momentos do Brasil contemporâneo
através de recortes de jornal.
4.
Entrevistar alguém que tenha participado da luta pela Anistia
ampla, geral e irrestrita.
5.
Fazer um estudo histórico de aprofundamento da campanha pelas
“diretas-já”.
6.
Desenvolver esta observação que aparece no ia 2 deste capitulo:
“Anistia ampla, geral e irrestrita porque sem Anistia o Brasil não
poderia vislumbrar seu futuro. Anistia para sepultar um passado
de ódios e construir um futuro de Esperança. Anistia como
requisito para colocar tijolos que iriam permitir o exercício da
cidadania”.
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