Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique

A Cidadania
João Baptista Herkenhoff

A CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÃNEO
O POVO COMO CONSTRUTOR DA PRÓPRIA HISTÓRIA

Foto: Ripper

1. A LUTA DO POVO BRASILEIRO PELA VOLTA DO ESTADO DE DIREITO  

2. OS QUATRO GRANDES MOMENTOS DE PARTICIPAÇÃO PO­PULAR NA HISTÓRIA RECENTE DO BRASIL

3. A ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA – AS “CONDENA­ÇÕES” E “PROSCRIÇÕES” DO REGIME MILITAR  

4. O QUE SIGNIFICA “ANISTIA”

5. A LUTA PELA ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA

6. A ANISTIA E OS “DESAPARECIMENTOS POLÍTICOS”

7. A LUTA POR ELEIÇÕES DIRETAS PARA PRESIDENTE

8. A LUTA PELA CONVOCAÇÃO DE UMA ASSEMBLÉIA NA­CIONAL CONSTITUINTE  

9. A LUTA DO POVO PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL VOTASSE O “IMPEDIMENTO” DE UM PRESIDENTE DA RE­PÚBLICA CUJOS ATOS MOSTRAVAM-SE INCOMPATÍVEIS COM A FUNÇÃO QUE EXERCIA

 

1. A LUTA DO POVO BRASILEIRO PELA VOLTA DO ESTADO DE DIREITO

A luta contra o golpe de Estado desferido em 1º de abril de 1964 começou com a própria instauração da ditadura.

Desde o primeiro momento, líderes políticos e da sociedade civil, acompanhados por parcela ponderável da opinião pública, compreenderam que se suprimia o Estado de Direito, para um longo período de arbítrio.

Muitos puderam verificar e compreender que o golpe no Brasil não era um fato isolado. Localizava-­se dentro de um projeto continental. Na verdade, assistia-se a todo um ciclo de regimes de exceção na América Latina. Documentos que vieram à luz posteriormente, por força de uma lei que libera certos arquivos secretos norte-americanos, demonstraram que a implantação das ditaduras latino-americanas era inspirada pela política externa dos Estados Unidos para o continente.

Outros cidadãos, entretanto, supuseram que a intervenção militar de 1964 seria um episódio passageiro. Teria como funda­mento exercido, pelas Forças Armadas, de um “poder moderador"” Esse “poder moderador” seria um poder corretivo de eventuais desvios na rota política normal do país. Tal papel moderador estaria reservado aos militares, no Brasil e em outros países.

Os que seguem essas idéias apoiaram, num primeiro momento, o golpe militar de 1964.

O primeiro grande desapontamento de muitos cidadãos que deram seu iva1 político ao golpe aconteceu em 27 de outubro de 1965. Nesse dia, foi baixado o Ato Institucional n.º 2.

O primem Ato Institucional não tinha número, justamente porque a proposta original dos revoltosos seria realizar um “ato cirúrgico de tempo certo”, nas instituições políticas brasileiras. O Aro Institucional n.º 2 já representava uma traição a esse propósito.

Fim 1967, a Constituição de 24 de janeiro tenta o arremedo de um listado de Direito”. Tem a esperança de compatibilizar o regime militar com um mínimo de civilização jurídica.

O Ato Institucional n.º 5, de 13 de dezembro de 1968, elimina de vez quaisquer nuanças de “Estado de Direito” que se pretendesse dar ao regime. O regime assume confessadamente sua face de ditadura brutal. Suprime-se todo traço de Direito, qual­quer sinal de juridicidade que se pudesse vislumbrar nas instituições políticas e sociais do país. E a lei do cão, um retrocesso que nem mesmo o Estado Novo (1937) conheceu.

A cada aprofundamento do arbítrio, o regime de 1964 per­dia apoio.

Os liberais que apoiaram o golpe, em nome de uma inter­venção militar cirúrgica, deixaram a nau do regime em 27 de outubro de 1965, com a edição do Ato Institucional n.º 2.

Em 13 de dezembro de 1968 já não eram apenas os liberais que se desligavam da aventura liberticida levada a efeito pelos que se apoderaram do país. Na verdade, só ficaram com o AI-5 os que apoiavam para o Brasil um regime de índole fascista, isto é, um regime antiliberal, antidemocrático, de um nacionalismo falso e até mesmo com traços imperialistas. Esta última característica era traduzida pelo projeto de um Brasil Gigante. Esse Brasil Gigante seria construído, em aliança com os Estados Unidos, sob a batuta da Lei de Segurança Nacional. Dentro desse projeto, o Brasil receberia delegação para exercer um papel imperialista junto aos vizinhos da América do Sul.

Um slogan resumia a mentalidade vigente: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Este slogan era traduzido assim: ame o Brasil, de acor­do com a fórmula de Brasil pretendida pelo regime. Se você não concorda com essa fórmula, não concorda com o regime, você não tem direito de viver em seu país.

Por todas essas razões, á medida que crescia o arbítrio, cres­cia também a resistência ao arbítrio.

Somavam-se as luras de inúmeros segmentos sociais:

a) a dos trabalhadores, contra a política de arrocho sala­rial, contra a intervenção nos sindicatos, contra a Lei de Segurança Nacional que enquadrava nos seus artigos os operários que pugnavam por melhorias econômicas e sociais;

b) a de presos e perseguidos políticos, com apoio de lideres da sociedade civil em geral, em prol da anistia;

c) a dos estudantes, contra acordos que subordinavam a política educacional brasileira a exigências norte-ameri­canas, contra as punições arbitrárias de estudantes e professores, contra a polícia política instalada dentro das universidades;

d) a dos intelectuais, jornalistas, artistas contra a censura e as medidas restritivas em geral;

e) a de líderes religiosos de diversas confissões, pela Justiça Social, pela Liberdade, contra a tortura.

Todas essas lutas desembocaram:

a) na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita;

b) na luta pela convocação de uma Assembléia Constituinte livre e democrática, com participação popular;

e) na luta pelas eleições diretas para presidente da República.

2. OS QUATRO GRANDES MOMENTOS DE PARTICIPAÇÃO PO­PULAR NA HISTÓRIA RECENTE DO BRASIL

Precedidos pelos fatos narrados no item anterior, quatro grandes momentos vieram a constituir, segundo entendemos, os episódios de mais autêntica e forte participação popular, na História contemporânea do Brasil.

Os quatro momentos áureos de participação do povo, em nossa História recente, conforme referido no período anterior, foram:

a) o da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita;

b) o da luta por eleições diretas para presidente da República;

c) o da luta pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, bem como pela participação popular no processo constituinte;

d) o da luta do povo para que o Congresso Nacional votasse o “impedimento de um presidente da República cujos atos mostravam-se incompatíveis com a função que exercia.

Todos esses momentos contribuíram decididamente para que crescesse, na consciência nacional, o sentido da cidadania.

Anistia ampla, geral e irrestrita porque sem Anistia o Brasil não poderia vislumbrar seu futuro. Anistia para sepultar um pas­sado de ódios e construir um futuro de Esperança. Anistia como requisito para colocar tijolos que iriam permitir o exercício da cidadania.

Eleições diretas para presidente porque o mais alto mandato eletivo do país não poderia estar nas mãos de um pequeno grupo de supostos interlocutores que se sentiam com o direito de impor sua vontade ao POVO brasileiro. Eleições diretas como canal da cidadania.

Assembléia Nacional Constituinte para dar ao povo a opor­tunidade de escrever as linhas do seu caminho. Assembléia Nacional Constituinte como expressão da cidadania.

Votação do “impedimento” de um presidente que não cor­respondeu ao sonho do povo, manifestado na primeira eleição direta para presidente após o longo período de arbítrio, porque “o poder pertence ao povo e em seu nome deve ser exercido”. Povo nas ruas pedindo o “impeachment”, exercendo a cidadania.

3. A ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA – AS “CONDENA­ÇÕES” E “PROSCRIÇÕES” DO REGIME MILITAR

Muitos brasileiros foram alcançados por punições do regime militar, implantado no Brasil a partir do dia 1º de abril de 1964.

Foram atingidos, principalmente, políticos, sindicalistas, jornalistas, escritores, artistas e intelectuais em geral.

Essas punições variavam: alguns foram condenados à prisão, pela Justiça Militar. Em alguns casos o tempo de prisão foi superior ã expectativa de vida da própria pessoa condenada. Imaginem alguém condenado a 92 anos de prisão...

Chegou mesmo a haver “condenação à morte”, embora, oficialmente, essa pena não tenha sido executada.

Empregamos a expressão “oficialmente executada” neste sentido: nenhuma sentença de morte, decretada pela Justiça Militar, chegou a ser efetivada. Houve pessoas que, por suas idéias e por sua luta política, foram mortas pelo regime imperante. Mas essa execução sumária” foi feita à margem da Justiça Militar.

Outras pessoas, por causa de suas idéias e de sua atuação política: foram demitidas de seus cargos públicos; perderam seus empregos, na iniciativa privada; foram proibidas de exercer sua profissão.

Outros cidadãos, eleitos pelo povo para funções executivas e legislativas, foram cassados.

Chegou mesmo a haver a aposentadoria compulsória (ver a explicação no glossário) de digníssimos, honrados e ilustríssimos ministros do mais alto tribunal do país: o Supremo Tribunal Federal.

Inúmeros líderes e figuras destacadas da vida pública, social e cultural brasileira, alguns de expressão nacional, outros de expressão regional ou local, tiveram seus direitos políticos suspen­sos, quase sempre pelo prazo de 10 anos.

Todas essas punições foram feitas arbitrariamente, isto é, sem direito de defesa. Além disso, foram baseadas em “atos insti­tucionais” e na Lei de Segurança Nacional.

Os “atos institucionais” e a “Lei de Segurança Nacional” eram regras de força, pretensamente jurídicas, mas, na verdade, incompatíveis com a idéia de Direito e democracia.

Se um político ou um cidadão cassado estava exilado, a Justiça Militar fazia a sua “citação” para que comparecesse perante o tribunal, a fim de ser processado. Se esse cidadão não comparecia, era declarado “revel”, uma espécie de pessoa desobediente que não atende o chamado da Justiça e que, nas circunstâncias, ficava praticamente sem defesa. Acontece que essas pessoas não tinham condições de comparecer perante a Justiça Militar. Isto porque não receberiam um julgamento sério, próprio de um sistema democrático. Os tribunais militares eram, na época, “tribunais de exceção” (isto é, tribunais que não ofereciam garantias de um processo justo e imparcial á pessoa ‘julgada”). Em algumas hipóteses, um exilado voltar tu Brasil, naquele tempo, significava simplesmente oferecer a vida para ser torturado e assassinado.

4. O QUE SIGNIFICA “ANISTIA”

A anistia é como que um esquecimento. E sempre um ato do Poder estabelecido, isto é, um ato do Governo. Mas isto não quer dizer que e um ato de benemerência do Governo. Normalmente, as anistias, no Brasil, foram resultado de pressão popular ou de pressão de setores expressivos da sociedade, exerci­da sobre o Poder estabelecido.

A anistia tem sempre caráter coletivo, ou seja, abrange dezenas, centenas ou milhares de pessoas.

A anistia declara impunível quem foi processado e julgado pela justiça, ou quem ainda está respondendo a processo. A anis­tia destina-se a alcançar “crimes políticos”.

Crimes políticos são aqueles crimes de motivação política, não são crimes comuns. Tiradentes foi condenado à morte por um crime político e hoje é um herói nacional.

Não é correto dizer que a anistia é um “perdão”. Perdão pressupõe que a pessoa beneficiada cometeu um crime, que é apagado por um ato de generosidade do poder. Existe o perdão de crimes com uns, mas isto não se chama “anistia”. O perdão de crimes comuns chama-se “indulto”. Indultar a pena de um crimi­noso significa perdoá-lo.

5. A LUTA PELA ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA

A campanha pela anistia foi uma das páginas de maior grandeza moral escrita na História contemporânea do Brasil.

A luta dos presos políticos, no interior das prisões, as denúncias feitas por estes, rompendo o cerco de ferro dos carcereiros, as greves de fome, tudo isto foi essencial para que se alcançasse a anistia, como vitória da alma brasileira.

Ao mesmo tempo em que os presos resistiam, os exilados movimentavam-se fora do país. E dentro do Brasil inúmeras vozes, inteligências e corações pleiteavam a anistia.

A anistia foi conquistada em 1979. Consubstanciou-se na Lei n.º 6.683, de 28 de agosto de 1979.

Não foi tão ampla, geral e irrestrita quanto se desejou. E anistou não apenas os perseguidos políticos mas também os que praticaram crimes, em nome do regime. Chegou mesmo a anistiar torturadores, o que é bem chocante. A essa anistia de perseguidos e perseguidores chamou-se de “anistia recíproca”.

De qualquer forma, a anistia em favor dos cidadãos que ti­nham sido alcançados por punições do regime militar representou uma ponte de reencontro dos brasileiros.

Presos políticos foram postos em liberdade, líderes que estavam no exílio puderam regressar à Pátria, cidadãos que ti­nham sido proscritos da vida pública puderam recuperar seus direitos de cidadania. Outros milhares de cidadãos, que eram mantidos sob vigilância e suspeição, puderam respirar aliviados com a supressão das pressões que recaíam sobre eles.

O autor deste livro, durante vários anos, sofreu a devassa de toda a sua correspondência que vinha do Exterior. Eram quase sem­pre cartas de exilados, aos quais ele dirigia palavras de encoraja­mento, remetia fotos e notícias do Brasil. Os censores nem faziam questão de disfarçar a censura à correspondência. Pelo contrário, as cartas eram abertas e novamente coladas com tiras espalhafatosas de durex ou adesivos grossos, de modo a deixar evidenciado, para o destinatário da carta, que a mesma tinha sido lida. E olha que cometiam esse desrespeito para com uma pessoa que exercia, sim­plesmente, a função de Juiz de Direito. (Sem dúvida, um Juiz de Direito “malcomportado”, na visão dos que detinham o poder, mas um Juiz de Direito no pleno exercício legal do seu cargo). Quando requeri um habeas data ao Poder Judiciário, depois da promulgação da Constituição de 1988, juntei à petição de habeas data vários exemplares de minha correspondência, com a prova dessa devassa.

Não foi conquistada uma anistia para que, dali para a frente, houvesse convergência de opiniões políticas. Pelo con­trário. A anistia legitimou a divergência democrática, o debate, o diálogo. Mesmo pessoas que pensam de maneira oposta devem ter a oportunidade de discutir, de expressar suas discordâncias, de lutar por suas idéias. E justamente esse pluralismo, essa possibili­dade de pensar diferente que constitui a essência da democracia.

Começamos a enumeração dos “grandes momentos de par­ticipação popular” pela anistia porque, sem a anistia, não aconte­ceriam os outros três momentos subsequentes. Sem anistia o Brasil não teria caminho para trilhar.

Ainda como Juiz de Direito em atividade, fui um dos fun­dadores e participante ativo do Comitê Brasileiro pela Anistia. Faço este registro pessoal e outros registros semelhantes, neste livro, porque acho que um livro deve ser também um depoimen­to. Uma pessoa mais velha, como é o caso do autor, deve contar fatos passados às gerações mais jovens. Essa transmissão de vida, acontecimentos e experiências caracterizou culturas primitivas. Não deve ser abandonada no mundo contemporâneo. Computadores e arquivos registram milhões de atos e fatos. Mas há fatos e atos que precisam de ser registrados com o vigor do testemunho.

A subjetividade humaniza e enriquece o tratamento de um tema como o da cidadania e Direitos Humanos.

Meus discursos em atos públicos, pregando a anistia, e minha participação na fundação do Comitê Brasileiro pela Anistia não foram compreendidos por alguns.

Recebi censura.

Estranhavam: como pode um juiz tratar de um tema políti­co? A atividade política não é proibida ao juiz?

Havia uma diferença de entendimento do que devia ser a ética do ofício de juiz. Sem dúvida, a atividade político-partidária é vedada ao magistrado. Sempre tive consciência da importância desse principio que não é apenas um preceito legal. E também uma questão moral e lógica. Como pode um juiz, que preside eleições, ter militância partidária? Essa militância levaria ao descrédito de sua imparcialidade.

Mas a questão da anistia não era uma questão partidária. Via, naquela época, como ainda vejo hoje: o significado da anistia Como bandeira ética. A anistia era um tema humanitário e de Justiça, com caráter suprapartidário. A anistia permitiria o reen­contro dos brasileiros. Não o reencontro para a unanimidade, que isto só existe nas ditaduras. O reencontro para a luta política, a divergência explicitada, as contradições criadoras. Por essa razão, honrava-me, como magistrado, engrossar o coro de consciências morais que bradavam pela anistia.

6. A ANISTIA E OS “DESAPARECIMENTOS POLÍTICOS”

  A meu ver, há uma questão não resolvida na História con­temporânea do Brasil. E a solução do problema dos chamados “desaparecidos políticos”.

Inúmeros brasileiros, que recorreram à luta armada para derrubar a ditadura, e outros que se opunham ao regime, sem recorrer luta armada, foram mortos durante o regime militar. Em muitos casos, os corpos foram enterrados clandestinamente.

Enterrar seus mortos e um direito humano fundamental das famílias.

Dentro de nossa tradição cultural, o enterro de um parente querido é muito importante. No enterro, a família chora o morto, verte suas lágrimas sobre o caixão, lança areia ou uma flor sobre a sepultura. A Psicologia, a Psicanálise, a Antropologia e a Teologia debruçaram-se longamente, em estudos e pesquisas de fôlego, sobre o ato humano de sepultar os mortos.

O Brasil não pode passar por cima desse episódio dos “desa­parecidos políticos”, como se isso não tivesse acontecido.

É preciso que os casos de “desaparecimento político” sejam esclarecidos, que os corpos sejam localizados e que os mortos te­nham direito à sepultura.

Sem revanchismo, mas por uma questão de Justiça e Humanidade.

7. A LUTA POR ELEIÇÕES DIRETAS PARA PRESIDENTE

A luta da sociedade brasileira, reclamando o direito de eleger diretamente o presidente da República também foi um momento muito importante e muito belo de nossa Historia.

Desde 1964, o Brasil era governado por generais, escolhidos pelos próprios militares. Os nomes desses generais eram formalmente submetidos ao Congresso Nacional para que se tivesse a impressão de que tinha havido uma “eleição indireta”. Mas na ver­dade, não se tratava nem mesmo de uma eleição indireta. Tratava­-se de uma simples “homologação”, de um simples “amém, amém”.

Que independência tinham deputados e senadores para, eventualmente, recusar o nome do escolhido pelo poder domi­nante, se o próprio mandato dos deputados e senadores estava nas mãos desse mesmo poder dominante? Os mandatos estavam nas mãos do poder imperante porque o regime ditatorial em vigor per­mitia que depurados e senadores fossem cassados, fossem privados de seus mandatos.

Além disso, o Congresso do período da ditadura não repre­sentava o NOVO brasileiro porque as maiores lideranças da vida nacional estavam cassadas, presas ou no exílio.

Depois da anistia, o passo seguinte para a redemocratização do país seria a eleição direta para presidente. A campanha para as eleições recebeu um batismo de combate: “diretas-já”. Isto signifi­cava o seguinte:

“Nós, o povo brasileiro, queremos eleger imediatamente o presidente da República. Não aceitamos que a promessa de eleições diretas seja adiada”.

Milhões de brasileiros foram às praças pedir eleições diretas. Mesmo assim, a emenda constitucional para a eleição dire­ta cio presidente da República foi recusada. Isto causou uma grande decepção ao povo brasileiro.

Houve então eleição indireta de dois civis, que se comprome­tiam com o retorno à vida democrática: Tancredo Neves (mineiro) corno presidente; José Sarney (maranhense), como vice-presidente.

Tancredo Neves morreu antes da posse. Assumiu a Presidência o maranhense José Sarney.

8. A LUTA PELA CONVOCAÇÃO DE UMA ASSEMBLÉIA NA­CIONAL CONSTITUINTE

Feliz com a anistia, mas frustrado com a eleição indireta do presidente, o povo lutou pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.

Esta deveria ser livre, exclusiva e soberana. Deveria possi­bilitar a instituição, em nosso país, do Estado de Direito. Isto quer dizer: o povo queria a democracia, o chamado Estado democrático.

Da mesma forma que a luta pela anistia e a luta pelas “dire­tas-já”, a luta pela Assembléia Nacional Constituinte teve o calor de esperança da alma popular.

O Brasil, através de representantes eleitos, escreveria a sua lei maior, a sua carta de direitos, o seu mapa da cidadania. Era esse o clamor do nosso povo.

A convocação da Constituinte foi uma vitória da opinião pública. Como também o próprio funcionamento da Constituinte.

Este tema, pela sua importância, será estudado amplamente no capítulo seguinte deste livro.

9. A LUTA DO POVO PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL VOTASSE O “IMPEDIMENTO” DE UM PRESIDENTE DA RE­PÚBLICA CUJOS ATOS MOSTRAVAM-SE INCOMPATÍVEIS COM A FUNÇÃO QUE EXERCIA

O quarto momento que consideramos relevante, em matéria de participação popular na História do pais, é um episó­dio relativamente recente.

Trata-se do grande movimento popular reclamando que o Congresso Nacional decretasse o “impeachment”, isto é, o impe­dimento do presidente eleito, Fernando Collor de MeIlo.

Fatos tão graves comprometiam o comportamento ético e político do presidente da República, que o povo se mobilizou, de norte a sul do país, num único grito: “fora Collor”.

Não se trata de cuidarmos aqui da pessoa do presidente. A pessoa humana, trate-se de um cidadão comum, trate-se de um homem publico, merece sempre respeito porque a pessoa humana é sagrada.

Trata-se, não da pessoa de Fernando CoIlor de MelIo, mas do homem público, daquele político que recebeu, pelo voto, o mais importante mandato eletivo da República.

Ao unir-se coletivamenre para pedir o afastamento do pre­sidente, o povo demonstrou compreender que é o titular da soberania. Os eleitos são apenas representantes do povo.

Não me parece que a imprensa, sobretudo a mais impor­tante rede de televisão do pais, tenha manipulado o povo para que encampasse o slogan “fora ColIor”. Creio que aconteceu o con­trario.

A maior rede de televisão apoiava o Governo CoIlor e apoiou o Governo Collor até o limite das possibilidades. Mas as manifestações populares cresceram de maneira tão assustadora, que não só a maior rede de televisão, como políticos conser­vadores, aliados do Governo tiveram de ceder à pressão popular.

ATIVIDADES COMPLEMENTARES

Questões sugeridas para debate, pesquisa ou revisão:

1. Fazer um resumo deste capitulo.

2. Dos quatro momentos decisivos, na Hist6ria recente do Brasil, que apontamos neste capitulo, destacar o que lhe parecer o mais relevante. Justificar a escolha. Desenvolver amplamente o episódio escolhido.

3. Reconstituir um desses grandes momentos do Brasil contemporâneo através de recortes de jornal.

4. Entrevistar alguém que tenha participado da luta pela Anistia ampla, geral e irrestrita.

5. Fazer um estudo histórico de aprofundamento da campanha pelas “diretas-já”.

6. Desenvolver esta observação que aparece no ia 2 deste capitulo: “Anistia ampla, geral e irrestrita porque sem Anistia o Brasil não pode­ria vislumbrar seu futuro. Anistia para sepultar um passado de ódios e construir um futuro de Esperança. Anistia como requisito para colocar tijolos que iriam permitir o exercício da cidadania”.

Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar