Nesse quadro, tenciona-se
fixar em 14 ou 16 anos a idade mínima de responsabilidade
penal, que hoje começa aos 18 asnos de idade.
Alega-se que a constituição
já atribui o voto facultativo aos jovens de 16 anos e
pretende-se considerar a mesma idade para a direção de veículos
automotores.
Portanto, seria pelo menos
discutível a hipótese de se rebaixar a idade de
responsabilidade penal.
A primeira tentativa para
concretizá-la ocorreu durante a ditadura militar, quando os
menores de 16 anos foram considerados sujeitos ativos nos
chamados "delitos contra a segurança nacional" (Lei
6.620, de 17 de dezembro de 1978.
A idéia ficou no ar e
reapareceu pelas mãos daqueles que vêem na pena tão-somente
uma forma de exclusão social.
Se os meninos que lutam
nas ruas, como um fator de seleção natural, transformaram
aqueles que nunca brincaram em elementos potencialmente
perigosos para a manutenção das regras estabelecidas de convivência
sociais, não há por que, argumentam, considerá-los penalmente
inimputáveis.
Esquecem-se, em suas
considerações, do descaso dos órgãos estatais responsáveis
pela aplicação da política, definida legalmente, de
atendimento á criança e ao jovem infrator.
Em vez de defenderem uma
atuação que proteja a criança ou o adolescente jogadas à
marginalidade por uma ordem social injusta, enfatizam a
necessidade de uma repressão sem limites.
Nestas condições, a
Febem, em lugar de promoverem o "bem-estar do menor",
funcionam como órgãos de contenção, onde prevalecem os
maus-tratos e o desconhecimento dos direitos elencados no
estatuto da Criança e do adolescente.
Se o jovem de 16 anos já
vota e logo dirigirá veículos automotores, conclui-se que ele
não deve escapar da responsabilidade penal.
Isso é totalmente falso.
Argumenta-se: ao escolher
os dirigentes da República, dos estados e dos municípios, o
menor sujeita-se a todas as regras insertas na legislação
eleitoral, inclusive as de natureza penal.
Ou, dirigindo um carro,
ele pode envolver-se em acidentes, que danifiquem o patrimônio
e a integridade física ou a vida de terceiros.
Então, por que não
considerá-lo sujeito ativo para os efeitos penais?
Ora, tanto o voto
facultativo como a condução de automóveis são direitos que
se outorgam aos jovens das classe mais favorecidas.
Conforme observa Dom
Luciano Mendes de Almeida, presidente da CNBB (Conferência
Nacional dos Bispos do brasil), na luta diária pela sobrevivência,
uma menina ou um menino de rua não estão interessados em
qualificar-se como eleitor e votar.
E muito menos terão
acesso a uma carteira de motorista, para exercer uma profissão
no contexto do transporte de pessoas ou de mercadorias.
Esses jovens vêem a vida,
com a qual não contam, de outro prisma. Não conhecem a
solidariedade, o amor ou o aconchego da família.
E mais: as faculdades
concedidas aos jovens dos estratos superiores da sociedade
transformam-se numa verdadeira armadilha para os demais jovens,
a grande maioria. As discriminações já existentes contra as
meninas e meninos de rua tendem a agravar-se ainda mais.
Os jovens infratores das
famílias ricas conseguem escapar facilmente das malhas
policiais ou dos procedimentos judiciais.
Entretanto, os meninos e
meninas de rua continuarão a ser penalizados, não porque
desejamos abrir-lhes possibilidades de integração á
comunidade, mas simplesmente porque não queremos vê-los nas
ruas, desejamos afastá-los do nosso convívio.
Além disso, falar em
responsabilidade criminal aos 14 ou 16 anos eqüivale a ignorar
a realidade brasileira.
Segundo dados do IBGE
(Fundação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),
em 1990 tínhamos 60 milhões de crianças e adolescentes, dos
quais 32 milhões (53,5%) viviam em famílias cuja renda per
capita não ultrapassava meio salário mínimo. Aproximadamente
4 milhões de crianças em idade escolar não freqüentavam a
escola, e 18 milhões de pessoas com mais de 15 anos eram
analfabetas.
Esses indicadores, por si
só perversos, ainda não evidenciam os problemas das crianças
de rua, que se avolumam nas grandes cidades, e os dos jovens
infratores que, apesar de numericamente insignificantes, assumem
proporções alarmantes nas rebeliões no sistema de contenção.
A falência das políticas
sociais públicas necessárias ao atendimento da população na
faixa etária até 18 anos é um dado da realidade, expresso nos
índices de mortalidade infantil, de evasão escolar, de
desnutrição, fome e miséria.
Pesquisa desenvolvida pela
professora Myriam Mesquita Pugliese de Castro, do Núcleo de
Estudos sobre a a Violência da USP, revelou um cenário
contristador. De acordo com os registros do IML-SP, em 1990
ocorreram, na capital paulista, 994 homicídios de crianças e
jovens, sobretudo na faixa etária de 15-17 anos – uma média
de 2,7 assassinatos/dia. Esse tipo de quadro também demonstra a
intencionalidade de matar por parte dos agentes agressores
(10,9% identificados como policiais, segundo apurou a mesma
pesquisa) e a exacerbação da violência (criança no Rio de
Janeiro morta com 38 tiros na cabeça, conforme divulgou a
imprensa carioca).
Enfim, estamos diante da
banalização da morte. E tudo decorrência da não-adoção de
uma política social voltada para a erradicação da violência
pelo tratamento adequado de suas causas (injustiças sociais,
miséria) e vítimas.
No lugar da erradicação
da violência pela violência, é preciso exigir a erradicação
da violência pela construção da cidadania.
E isso implica, sobretudo
alimentar, educar, dar acesso a recursos médios e prover os
pais de salários dignos, que viabilizem a moradia sem
promiscuidade e impeçam o abandono das crianças.