Considerações
sobre
a reforma do Judiciário
Hélio Bicudo
Uma Justiça
igual só poderá ser alcançada à medida que desapareça o
hiato existente entre o homem do povo e o juiz
De algum tempo
a esta parte, críticas ao Poder Judiciário vêm num
crescendo; algumas, relativas à sua atuação, que, em
especial nos tribunais superiores, objetiva muito mais o
atendimento das imposições do Poder Executivo (a se
extravasar também sobre o Legislativo, a ele submisso) do que
o atendimento real do ideal de Justiça, que o povo vê esgarçar-se
a cada instante.
Muitas vezes
questões constitucionais relevantes, ocorridas na tramitação
de importantes proposições legislativas, foram levadas ao
conhecimento dos conspícuos ministros do Supremo Tribunal
Federal, que se negaram sistematicamente a conhecê-las, sob o
discutível, contudo final, argumento de que se tratava de matéria
de exclusiva competência do Legislativo na interpretação de
seus regimentos internos -como se, mediante articulações da
maioria parlamentar, não se violassem claros dispositivos
constitucionais.
Por outro lado,
correm soltas as menções sobre a tardia distribuição da
Justiça, que, ao sobrevir, nada mais acrescenta ao ímpeto
das partes no alcançar uma decisão que contemple seus
anseios, na obtenção do que é seu.
Isso para não
falar, principalmente, das delongas nas decisões dos litígios
entre empregadores e empregados e numa Justiça corporativa a
consagrar a violência das Polícias Militares.
É verdade que
não é possível deixar de lado outras questões, como a
suntuosidade dos palácios de Justiça, que, ao concentrar sua
distribuição, servem não como um símbolo de Poder, mas
como estigma de uma Justiça que, não obstantes os esforços
de alguns (quero referir-me especialmente ao presidente do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, desembargador
Dirceu de Mello), cada vez mais se aparta do povo, tornando-se
mero fim em si mesmo.
Também não é
menos verdade que o Legislativo descurou de operar em termos
mais tranquilos a reforma do Poder Judiciário, na pauta dos
trabalhos do Parlamento, mas sempre cuidada em segundo ou
terceiro planos, desde o Congresso constituinte de 1986/88.
Note-se que, em
1991, foi apresentado pelo autor destes comentários, quando
no desempenho de seu mandato de deputado federal, projeto de
emenda constitucional para que se discutisse o Judiciário,
reformando-o para torná-lo, sobretudo, mais ágil e mais próximo
do povo. Essa emenda teve sua constitucionalidade aprovada
pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e
tramitou por todos esses anos em comissão especial instituída
para analisá-la. Nessa comissão, o relator, deputado Jairo
Carneiro, apresentou um substitutivo (de discutível procedência
do ponto de vista constitucional) que consultava muito mais os
interesses dos próprios juízes do que aqueles da comunidade
-substitutivo esse que, exatamente por não contemplar as
expectativas que a seriedade da matéria impunha, nem sequer
foi discutido.
Agora, no
momento em que o presidente do Congresso, o senador Antonio
Carlos Magalhães, puxa os cordéis de uma CPI para investigar
o Judiciário, aprestam-se todos no sentido de encontrar os
caminhos para seu aperfeiçoamento, num esforço conjunto (o
qual já deveria ter sido feito há muito) para obter uma
Justiça que seja acessível ao conjunto da população, não
apenas para atender aos privilégios de uns poucos,
satisfeitos nos seus interesses pessoais e patrimoniais, em
detrimento daqueles que, muitas vezes, apartados do convívio
social pela exclusão econômica, vão encontrar na
promiscuidade dos presídios o limite de suas possibilidades
sempre frustradas.
Uma Justiça
igual só poderá ser alcançada à medida que desapareça o
hiato que hoje existe entre o homem do povo e o juiz. E isso só
se consegue com a descentralização do sistema: juízes e
promotores de Justiça vivendo na comunidade, com a supervisão
de tribunais regionalizados.
Nessa ordem de
idéias, é fácil o chamado controle externo, que não se
concretizaria com a criação de um órgão burocrático, como
se pretende, mas com a fiscalização do povo sobre os serviços
judiciários, usando da proximidade e dos canais existentes -a
Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público- para
prevenir os casos de omissão ou comissão criminosas por
parte dos agentes do Judiciário.
Mas, para que
se chegue a um consenso -fala-se muito nas sugestões que
possam ser apresentadas por advogados e membros do "parquet"-,
é preciso que haja uma manifestação mais clara do que a
sociedade pensa e quer, por meio dos seus setores mais
representativos, como a universidade, o sindicato e as demais
entidades governamentais e não-governamentais empenhadas na
concretização de uma sociedade solidária e democrática, na
qual as instituições funcionem para o bem-estar de todos, não
apenas de parcelas privilegiadas (ou melhor, dos privilegiados
de sempre).
Resta, pois,
que o Congresso Nacional, sensibilizado por uma vontade que se
pode dizer de todas as camadas da população, se constitua no
leito fácil pelo qual possam correr as melhores idéias, as
mais construtivas, para que tenhamos um Poder Judiciário
capaz de transformar o passado na raiz de um movimento
renovador, na perspectiva da construção dessa sociedade
democrática tão almejada, em que o Estado de Direito presida
a paz social.
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