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Áudios  com Hélio Bicudo

Conferência Magna do Dr. Hélio Bicudo 

VII CONFERÊNCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 

Pronunciada em 15/05/02 - Congresso Nacional - Brasília 

Convém antes de mais, na discussão da problemática dos direitos humanos na perspectiva do terceiro milênio, uma breve menção aos movimentos e aos documentos que a pouco e pouco se foram consolidando numa verdadeira doutrina dos direitos humanos, com uma abrangência que poderíamos qualificar de universal.

Assim, depois da Magna Cata de 1215, vieram, bem mais tarde, as declarações dos direitos do homem adotadas nos Estados Unidos às vésperas da declaração da independência em 1776 e na França, a partir da revolução de 1789, marco de uma nova dimensão na vida jurídica em suas relações povo/ poder.

É interessante ressaltar , quando se fala no reconhecimento dos direitos das pessoas enquanto povo, a influência do pensamento filosófico nas discussões que tiveram lugar na Assembléia Nacional francesa e que, depois, inspirou a própria declaração dos direitos do homem e do cidadão então promulgados.

Foi a partir daí que esses direitos passaram a ser inscritos nas cartas políticas das nações ocidentais. No entanto, a trajetória da humanidade demonstra que aos povos não bastam, para o seu aperfeiçoamento, os direitos e deveres inscritos em seus códigos de conduta. A exigência de novos direitos e deveres surge na medida em que o homem se insere na comunidade, que não é estática , ma cada vez mais dinâmica – e se qualifica como cidadão.

Como assinala Ignacy Sachs: “O século XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo horror absoluto do genocídio alçado à condição de projeto político e industrial. Ele se encerra com um cortejo de massacres na África Central e na Argélia, sem esquecer a limpeza étnica realizada na Bósnia. Foi para exorcizar essa descida aos infernos que, logo após a guerra, os povos e os Estados democráticos mobilizaram-se para fazer dos direitos humanos o fundamento do sistema das Nações Unidas, “a quintessência dos valores pelos quais afirmamos, juntos, que somos uma única comunidade humana”, ou seja, “o irredutível humano”.

Em especial, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), esses direitos foram esmagados pelas ditaduras que se instalaram na Alemanha, Itália e Japão, ao mesmo tempo em que se esqueciam, por interesses políticos imediatos, as atrocidades que ocorriam na União Soviética, com a implantação do regime stalinista.

Em 1945, com a Conferência sobre os problemas da Guerra e da Paz, realizada na cidade do México de 21 de fevereiro a 08 de março desse ano, pensou-se na elaboração de um instrumento que regulasse o regime dos direitos humanos. Nessa ocasião, as repúblicas americanas respaldaram a idéia de estabelecer um sistema internacional para a proteção desses direitos e, de conseqüência, encomendaram ao comitê jurídico interamericano a redação de um anteprojeto de “Declaração dos direitos e deveres internacionais do Homem”, com a perspectiva de preparar os caminhos para futuros compromissos a propósito da matéria.

Por ocasião da 09ª Conferência Internacional Americana, celebrada em Bogotá, de 30 de março a 02 de maio de 1948, os estados americanos aprovaram dois importantíssimos instrumentos jurídicos em matéria de direitos humanos: a Carta da Organização dos Estados Americanos e a Declaração Americana dos Direitos de Deveres do Homem, aprovadas em 02 de maio de 1948, sete meses antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamando os direitos fundamentais da pessoa, sem distinção de raça, nacionalidade, credo religioso, sexo e estabelecem como um dos direitos fundamentais dos Estados  o de respeitar os direitos da pessoa humana.

Mas, então, não se instituía nenhum órgão que se encarregasse da promoção e proteção dos direitos humanos. Em conseqüência, por resolução aprovada, ainda na Conferência de Bogotá, encomendou-se ao Comitê Jurídico Interamericano a elaboração de projeto de estatuto para a criação de um Tribunal Internacional que se encarregaria de garantir a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.

Contudo, obstáculos e dificuldades das mais variadas fizeram com que este assunto fosse postergado, na espera de um momento politicamente mais conveniente e favorável para que se concretizasse o mandado da aludida conferência de Bogotá.

A oportunidade surgiu com a convocação da 5ª Reunião de Consulta de Ministros de Relações Exteriores, realizada em Santiago do Chile, de 12 a 19 de agosto de 1959.

Nessa ocasião se encomendou ao Conselho Interamericano de Jurisconsultos a tarefa de elaborar um projeto de convenção sobre direitos humanos e se resolveu criar, nesse ínterim, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cuja missão seria a de  promover o respeito a esses direitos.

Essa função, de mera promoção, se viu rapidamente superada pelos fatos. Na verdade, aqueles que participaram da adoção desses instrumentos não puderam imaginar que essa estrutura normativa que estavam estabelecendo, seria desafiada anos depois por massivas e cruéis violações de direitos humanos, cujo conteúdo, inédito até então na América Latina, resultou num verdadeiro terrorismo de Estado, para o qual obviamente, essa estrutura não estava prevista.

Tendo em conta esses antecedentes e a circunstância de que a origem da comissão não derivava de nenhum tratado, mas simplesmente de uma instrução de um dos órgãos da OEA, aprovada somente por maioria de seus membros, é preciso salientar que a comissão teve, em seus primeiros anos, uma condição jurídica bastante ambígua; como se pode perceber , ela carecia de bases constitucionais sólidas para atuar contra a vontade dos Estados. De fato alguns governos objetaram que um órgão da natureza da CIDH não poderia instituir-se ao cabo de uma simples reunião de consulta, sem que se resultasse numa reforma da Carta da OEA ou da adoção de um tratado.

Cerca de dez anos depois, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, subscrita em São José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969, após enumerar e definir os deveres dos Estados e os direitos protegidos, passa a tratar da CIDH, de sua organização, de suas funções, competência e procedimento.

Ainda, com o Pacto de São José instituiu-se a Corte Interamericana de Direitos Humanos, dispondo sobre a sua organização, competência e funções.

A partir daí, quer dizer, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e, posteriormente, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, voltaram, agora, esses direitos a ser cogitados não apenas como direitos pessoais mas como direitos dos povos, certo, entretanto, que determinados países concebem os direitos dos povos, muitas vezes em contradição com os direitos das pessoas. Se determinadas exigências de desenvolvimento e integração nacionais são reais, como escreve Roberto Papini (Droits de peuples , droits de l’ homme) na introdução ao estudo do tema à luz desses princípios, certos Estados podem apresentar seus próprios direitos particulares como se estes fossem os direitos dos povos no seu aspecto mais geral . Semelhante coincidência pode se constituir numa trágica maquiagem. Em realidade, nós estamos no momento de viver – e aí estão as conclusões da Conferência sobre Direitos Humanos promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que se realizou em Viena em 1993 – uma transição da problemática dos direitos do homem em nível nacional, onde tem sido confinada, para um patamar internacional. Esta fase tem início, sem dúvida, com a Carta das Nações Unidas, a qual, entretanto, não contém normas de procedimento bem claras, permanecendo apenas num estado fluído e nebuloso. De uma época durante a qual esses direitos estavam suficientemente protegido pelos Estados, passamos a um período durante o qual são os próprios Estados postos em questão, porque é deles que, muitas vezes é preciso proteger a pessoa humana.

Paralelamente, sob a pressão dos movimentos sociais, de opinião pública e de cidadania, assiste-se, em numerosos países, à consolidação dos estados de direito, ao fortalecimento das garantias das liberdades negativas (freedom from) e à ampliação das liberdades positivas (freedom for). Por toda parte, a luta pelos direitos do homem, com seus sucessos e fracassos duramente pagos, constitui o eixo fundamental da política. Enquanto o registro da primeira geração de direitos políticos, civis e cívicos se consolida balizando o poder de ação do Estado, toma corpo a segunda geração dos direitos sociais, econômicos e culturais, impondo uma ação positiva ao Estado, e uma terceira geração de direitos, desta vez coletivos, emerge: direito à infância, direito ao meio ambiente, direito à cidadania, direito ao desenvolvimento dos povos, enfim reconhecidos na Conferência de Viena, em 1993.”

Parece, destarte, evidente que se põe um problema de relação entre os direitos do homem e dos povos e aqueles do Estado.

Hoje temos uma situação, por assim dizer, paradoxal: os Estados são ao mesmo tempo os juizes e os acusados de violações dos direitos humanos.

Assim, se reconhecermos os direitos dos povos a dispor deles mesmos, é preciso não somente reconhecer o seu direito de existir enquanto uma entidade política, mas ainda admitir que eles possam escolher livremente o estatuto das pessoas, conforme suas tradições culturais e religiosas. Para tomar um só exemplo, a regra da igualdade dos sexos deverá ceder o passo diante da realidade da poligamia. De uma maneira geral, entre o universalismo jurídico e o pluralismo cultural que se impõe, se desejarmos respeitar a identidade étnica e política das comunidades, a conciliação parece difícil. Os sistemas de valores sobre os quais repousa a civilização dessas comunidades são por vezes muito diferentes para ser reduzidos a uma união sobre certos pontos importantes.

A ação internacional nesses casos comporta, sem dúvida, riscos de manipulação política. As recentes intervenções americanas em favor das minorias no Oriente Médio – veja-se o que aconteceu durante a chamada Guerra do Golfo e seus desdobramentos – têm os direitos humanos como pretexto mas objetivavam, em última análise, resguardar os interesses americanos, sobretudo no domínio da produção do petróleo e derivados. A garantia dos direitos supõe que se ponha em prática mecanismos apropriados, tais como a possibilidade de apropriação de recursos e a organização de jurisdições especiais, de sanções e de meios de contenção.

Assim, à falta de uma instância internacional apropriada, toda intervenção no domínio dos direitos humanos pode se constituir em mera manobra, sobretudo política, ou num gesto muitas vezes inútil.

Portanto, é preciso não subestimar esta dimensão da questão. Na verdade, a solução do problema nas cortes internacionais irá progredir na medida em que se tome consciência de sua dimensão política. Isso não significa, entretanto, que se deva pensar somente em solicitações, em procedimentos políticos tendo em vista resolver casos particulares, mas sobretudo que a defesa dos direitos do homem e dos povos está em função do desenvolvimento de uma consciência universal. Já na década dos 60 buscava-se passar a barreira imposta pelas fronteiras das nações, para alcançar uma interpretação de maior amplitude, que extravasasse os limites nacionais, ou seja uma interpretação que deveria objetivar a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos, priorizando-se os direitos sociais e os direitos coletivos em geral. A partir daí, assistimos a uma afirmação progressiva por parte dos Estados, como é possível constatar no conteúdo da Declaração das Nações Unidas, a propósito da segurança nacional, e, bem assim na Carta dos Direitos e Deveres dos Estados ou mesmo na Ata Final de Helsinque.

Ora, aí está.

Os sistemas de promoção e proteção dos Direitos Humanos se foram instituindo na medida em os Estados, dos diferentes continentes, no caso, os continentes Europeu, Americano e Africano, vinham assumindo a relevância dos direitos humanos, como fundamento para a construção e sobrevivência de um Estado Democrático.

É o que se pode ler nas atas dos trabalhos que na Europa, nas Américas ou na África levaram à elaboração das chamadas Cartas de Direitos Humanos e depois às Convenções, estas especificamente dirigidas à proteção e defesa desses direitos,  primeiro mediante o funcionamento das instituições dos Estados partes e depois, subsidiariamente, falhando estas ou se tornando omisso, pelos sistemas regionais de defesa dos direitos humanos.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948 – declaração de princípios em forma solene, estava destinada desde sua origem a ser completada por outros textos: assim se lhe seguiram depois de difícil elaboração, os dois pactos relativos aos direitos do homem, adotados pela assembléia geral das Nações Unidas em 16/11/1966. Posteriormente, tivemos o Pacto Internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais. O Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos entrou em vigor em 23 de março de 1976; o protocolo facultativo, que se lhe seguiu, foi adotado no mesmo dia e nessa mesma data entrou, igualmente, em vigor. O Pacto foi ainda completado por um segundo Protocolo Facultativo, de 15/11/1989, visando a abolir a pena de morte, o qual entrou em vigor em 11 de junho de 1991. O conjunto desses textos foi o que costumamos chamar, a “carta internacional dos direitos do homem”, pressupondo uma unidade de inspiração e de conteúdo dos textos que, em realidade, não existiram

Assim, os pactos de 1966 traduzem preocupações diversas daquelas da Declaração Universal e contêm uma inflexão da ideologia dos direitos do homem, que têm dois conteúdos diferentes: a Assembléia Geral das Nações Unidas contava com 58 membros e, 1948 e 122 em 1966; a ideologia majoritária não se pode, portanto, considerar a mesma.

Enquanto a Declaração Universal se esforça por conciliar concepções liberais e concepções marxistas entre liberdades formais e liberdades reais, “esquecendo que se o nazismo ignorou as primeiras, é em nome das segundas que o estalinismo suprimiu a todas, os pactos consagraram um fenômeno de coletivização dos direitos do homem. A Declaração Universal é inteiramente voltada para a pessoa: os direitos humanos são antes de tudo os direitos do indivíduo e a Declaração é endereçada aos indivíduos e não aos Estados (“Todo o indivíduo, ou toda a pessoa, tem direito...”). Os pactos são dirigidos aos Estados  e não aos indivíduos (“Os Estados se obrigam à ...”) e a dimensão social do indivíduo é a pedra de toque a ser considerada. O homem não pode encontrar a realização dos seus direitos senão no interior de uma sociedade livre de toda contenção externa (a colonização) ou interna (opressão): o interesse do indivíduo se confunde com aquele da sociedade onde vive.

Se olharmos, agora para o nosso hemisfério, o que aqui se elaborou em nada difere daquilo que se debateu nos países membros da União Africana. Esses países, preocupando-se, embora, com a concretização de um programa comum que obtivesse no continente africano, (respeitando, naturalmente, as grandes distâncias éticas alí existentes), a integração de seus povos na linha de um ideal comum de solidariedade, erigida a pessoa humana como a principal preocupação ética, acima dos governos ou das religiões ou mitos cultuados na região.

Assim é que contamos hoje com três sistemas distintos, com os mesmos objetivos, mas com práticas diversas, todos, entretanto buscando a preeminência dos Direitos Humanos segundo as regras internacionalmente admitidas, permitindo que entidades instituídas pela vontade dos povos atuem para corrigir desvios no campo desses direitos, consentidos em ações ou omissões dos Estados, para restabelecer o Direito e a Justiça. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, tem como sujeito a pessoa humana (“Todo ser humano tem direito...”). Por igual, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e os pactos e protocolos que se lhes seguiram, são endereçados aos Estados e não aos indivíduos (Os Estados partes nesta Convenção...., Os Estados Americanos, conscientes do disposto na Convenção...).

Em verdade, a proclamação regional dos direitos do homem, circunscrita de início à Europa e à América, alcançando depois a África e até mesmo o mundo árabe-islâmico, é obra das organizações regionais concernentes: o Conselho da Europa, a Organização dos Estados Americanos, a Organização da Unidade Africana e o Liga dos Estados Árabes. Diga-se de passagem, que o continente asiático apresenta a particularidade, contrariamente às outras regiões, de não ter adotado nenhuma convenção regional e nenhum mecanismo institucional destinado a promover e a proteger os direitos humanos sobre uma base regional ou subregional.

Do ponto de vista europeu, o Conselho da Europa e a Convenção Européia de salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais expressam a vontade de promover e defender a liberdade e a democracia, vontade essa que permeia o Estatuto do Conselho da Europa. Segundo o preâmbulo do Estatuto, os Estados signatários estão, sem dúvida ligados aos valores morais e espirituais que são o patrimônio comum de seus povos e que estão na origem dos princípios de liberdade individual, de liberdade política e da preeminência do Direito, sobre os quais se funda a verdadeira Democracia. O artigo 3º  do Estatuto precisa que todo membro do Conselho da Europa reconheça o princípio da preeminência do Direito e o princípio em virtude do qual toda a pessoa sob sua jurisdição deve gozar dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.  Esse liame estabelecido entre o respeito dos direitos do homem e regime democrático aparece reforçado pela Convenção Européia, que entrou em vigor em 03 de setembro de 1953, a que se constitui no primeiro tratado multilateral concluído no quadro do Conselho da Europa.

A adesão, após 1989 dos Estados “pós comunistas” ao Conselho da Europa traz sua subordinação à prevalência do Estado de Direito, ao regime democrático e parlamentar “verdadeiro” e à garantia dos direitos do homem.

Contudo, o alargamento do Conselho da Europa operado em benefício de Estados, como a Armênia, Azerbaijão, Belarus, Bósnia-Herzegóvina e a Geórgia, que são incapazes de respeitar o engajamento fundamental inscrito no aludido artigo 3º do Estatuto do Conselho da Europa, determina uma diminuição de seus estandares, circunstância que põe em causa a própria credibilidade do sistema europeu.

Anunciando que a União respeita os direitos fundamentais, como são garantidos pela Convenção Européia e que bem assim resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, como dos princípios gerais do direito comunitário, o tratado sobre a União Européia, de 07 de fevereiro de 1992, nada mais faz do que constitucionalizar a construção pretoriana operada pela Corte de Justiça das Comunidades Européias em matéria de respeito dos direitos do homem.

O tratado de Amsterdã, de 02 de outubro de 1997, que entrou em vigor em 1º de maio de 1999, traz uma revisão do Tratado da União Européia e do Tratado que institui a comunidade européia. Ele inscreve a questão dos direitos fundamentais de uma outra perspectiva. Em 1º lugar, o Tratado da União Européia revisado, ao afirmar que a União está fundada sobre os princípios da liberdade, da democracia, do respeito aos direitos do homem e das liberdades fundamentais, como do Estado de Direito, princípios que são comuns aos Estados membros, erige os três princípios – respeito dos direitos do homem, democracia, preeminência dos direitos que  formam “o patrimônio comum” de valores erigidos pelo Estatuto do conselho da Europa e pela Convenção Européia em verdadeiros princípios constitucionais da União Européia, do que resulta que seu respeito se torna uma condição estatutária de adesão à União. Em 2º lugar, o Tratado de Amsterdã contém uma garantia dos direitos fundamentais que até esse instante fazia falta: a garantia jurisdicional e política.  Ademais, o Tratado de Amsterdã procede à consolidação normativa dos direitos fundamentais.

O continente americano nos dá o segundo exemplo de regionalização dos direitos humanos, no âmbito da OEA e da cooperação interamericana, ao instituir um mecanismo de proteção sofisticado, fortemente inspirado no modelo europeu: a qualidade do discurso de proclamação contrasta – deve-se afirmar -singularmente com a situação real dos direitos humanos na América Central ou na América do Sul.

A carta constitutiva da OEA foi adotada em Bogotá em 30 de abril de 1948 pela IX Conferência Internacional Americana (depois emendada pelo Protocolo de Buenos Aires de 27 de fevereiro de 1967). O preâmbulo da Carta afirma que “o verdadeiro sentido da solidariedade americana e de boa vizinhança não se pode conceber senão consolidando no continente e no quadro das  instituições democráticas um regime de liberdade individual e de justiça social baseados sobre o respeito aos direitos fundamentais do homem”.

A carta prevê, por outro lado, a criação de uma Comissão Interamericana dos direitos do homem, órgão consultivo da OEA sobre a matéria.

A convenção americana relativa aos direitos do homem, de 22 de novembro de 1969, adotada pelos Estados membros da OEA em São José (Costa Rica), entrou em vigor em 18 de julho de 1978, com o depósito do 11º instrumento de ratificação. Vinte e cinco estados ratificaram a Convenção até 1º de julho de 1998. Hoje são 35 Estados. Convém anotar que os Estados Unidos e o Canadá não ratificaram até hoje a Convenção, questão que está na ordem do dia das reuniões em sede das Américas, segundo o princípio da universalidade dos Direitos Humanos. É bem verdade que nos termos da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, os países signatários de um tratado, mesmo que não o tenham ratificado, devem abster-se de qualquer ato contrário a seu objeto e propósito, até que tenham decidido anunciar sua intenção de não tornar-se parte do tratado. No caso, apesar de os USA não serem parte da convenção de Viena, o Departamento de Estado Americano a reconhece como texto básico na área de tratados e atos processuais. Segundo a premissa de que a reserva é incompatível com o objeto e a finalidade de um tratado e que os USA não são parte da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o Departamento de Estado desse país entende que as normas da Convenção de Viena se constituem numa declaração do direito internacional costumeiro. E, nesse caso, devem ser reconhecidas. Isto porque, segundo, ainda, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, deve-se reconhecer a importância progressiva dos tratados como fonte do direito internacional e como meio do desenvolvimento pacífico e cooperativo entre as nações, quaisquer que sejam sua Constituições e sistemas sociais. Não é o caso, porém, do Canadá, que sequer firmou a Convenção Americana.

A convenção Americana reflete a mesma inspiração ideológica da Convenção Européia, quando afirma, em seu preâmbulo, que os direitos fundamentais do homem, não obstante o fato de pertencerem a um dado Estado, repousam sobre os atributos da pessoa humana e que um regime de liberdade individual e de justiça social não podem ser estabelecidos senão no quadro das instituições democráticas.

Os direitos proclamados são similares e, sobretudo, o mecanismo institucional de proteção estava decalcado no então sistema europeu: A Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na forma do que dispõe a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, é um órgão autônomo da OEA, que tem, como função principal, a de promover a observância, a defesa e a promoção dos Direitos Humanos e servir como órgão consultivo da OEA sobre a matéria. Ela se compõe de sete membros, eleitos a título pessoal, por um mandato de 04 anos, renovável por mais 04, pela Assembléia Geral da Organização, dentre pessoas de alta autoridade moral que se tenham destacado na área do conhecimento dos direitos humanos.

A Corte é composta também por sete membros com as mesmas qualificações, com um mandato de seis anos (renovável por mais 06).

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem uma função quase judicial, pois é ela que recebe as denúncias de violações que lhe são apresentadas pelas vítimas ou por quaisquer pessoas ou organizações não-governamentais, contra atos violatórios de direitos fundamentais por parte dos Estados ou que não tenham encontrado reconhecimento ou proteção por parte dos mesmos Estados. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos processa essa denúncias, procede ao seu exame e depois de admiti-las faz recomendações aos Estados e, ao final, decide se apresenta ou não o caso à Corte. Assim a Corte só passa a decidir sobre os casos que lhe são apresentados pela comissão ou por um Estado Parte.

A Comissão de Direitos Humanos da OEA é ao mesmo tempo um órgão ou etapa “processual” no sistema de petições individuais estabelecido sob a declaração e a Convenção Americanas, e um órgão de “vocação geral” na região americana em matéria de direitos humanos. Nesse sentido, ela é uma mescla de Comitê de direitos  civis e políticos do Pacto Internacional de 1966, e de Comissão de Direitos Humanos da Nações Unidas. Sua riqueza vem justamente do caráter parcialmente público e parcialmente judicial.  A salvaguarda de sua imparcialidade e da correção de seu funcionamento é o caráter “supervisor” da Corte interamericana.

Para os Estados que não aceitaram a cláusula de jurisdição obrigatória da Corte Interamericana, a Comissão é o órgão único de solução de litígios do sistema, e deriva sua competência da carta da OEA e do estatuto da Comissão, além da Convenção americana (para os Estados que a ratificaram). Ela confunde em um único órgão a investigação dos fatos, a apreciação dos argumentos jurídicos e a imposição de sanções.

Assim é fundamental para a vitalidade do sistema interamericano de Direitos Humanos, como a Comissão de Direitos Humanos asseverou na Assembléia Geral da OEA, que teve lugar na Guatemala no mês de junho de 1999 e reiterou ante  a mesma Assembléia, realizada em Windsor (Canadá) em junho deste ano, o cumprimento pelos Estados partes, das sentenças da Corte e recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Os órgãos políticos da Organização devem cumprir com o objetivo central de assegurar o cumprimento das decisões dos órgãos de proteção. O fortalecimento do sistema não depende , pois, unicamente nem se esgota no funcionamento dos órgãos de supervisão.

Em última instância sua efetividade depende da ação que os órgãos políticos estejam dispostos a empreender ante quantos ignoram suas obrigações internacionais. Os Estados e os órgãos apontados constituem-se na garantia coletiva do cumprimento das normas de direitos humanos. Ainda há pouco (ano 2001), em resposta a colocações feitas pela CIDH perante o Comitê de Direitos Políticos e Sociais da OEA, o representante dos Estados Unidos assinalou a conveniência de estabelecer-se um órgão encarregado de acompanhar o cumprimento das decisões e das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

O sistema europeu sofreu recentemente profunda modificação. Funcionando anteriormente, com uma Comissão e uma Corte, com a emenda adotada pelo protocolo de 11 de maio de 1994, que entrou em vigor em 1º de novembro de 1998, passou a contar com apenas uma Corte, reestruturando-se os mecanismos originários.

O protocolo 11 jurisdicionaliza o sistema de proteção, permitindo o ingresso direto das vítimas à Corte.

Essa jurisdicionalização total do processo de proteção – necessariamente acompanhada pelo direito de qualquer indivíduo que se encontre em um dos Estados parte, a demandar diretamente contra os Estados ante um Tribunal internacional – entrou em vigor na Europa, ao mesmo tempo em que ocorriam avanços substanciais no processo de unificação de alguns países, tais como a eliminação total de barreiras impositivas e a adoção de uma moeda única.

Entretanto, a incorporação dos países do Este ao sistema europeu determinou grandes tensões como conseqüência da grande avalanche de casos, que passaram a ser apresentados, a tal ponto que o Secretário Geral da Corte Européia, falando por ocasião dos atos comemorativos dos 30 anos da Convenção Americana de Direitos Humanos, celebrados em Novembro de 1999 em San José da Costa Rica, assinalou que o sistema europeu de proteção e defesa dos Direitos Humanos, encontrava-se em crise. Em  verdade, no Seminário sobre o sistema interamericano de defesa e proteção dos Direitos Humanos que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos fez realizar em Washington em 1996, os participantes europeus já questionavam a sabedoria de reduzir-se a flexibilidade do sistema europeu para abri-lo a tensões até então ignoradas. Valorizavam altamente o sistema dos órgãos em nosso hemisfério, que permite um filtro de petições, que de outro modo perturbariam o melhor funcionamento do sistema.

É certo que o mecanismo europeu de controle sofria, desde sua origem de duas deficiências: sua complexidade tornava o procedimento de controle pouco visível para os peticionários; seu caráter hídrico, meio jurisdicional, meio político, afetava sua credibilidade.

A verdade, entretanto, é que o sistema inicial adotado (Comissão, Corte, Comitê de Ministro do Conselho da Europa), não se adaptou ao volume de denúncias individuais apresentadas.

Vejamos: 1955 (data de entrada em funcionamento da Comissão) a 31 de Outubro de 1998, 44.056 pedidos foram registrados na Comissão, dos quais 5006 no ano de 1988. Se a media anual de pedidos registrados é de 444 de 1975 a 1984, ela atinge 3.102 de 1990 a 1998; o ano de 1988 vê o limite de 1000 petições anuais ser ultrapassada sucessivamente, nos anos de 1993, 1995, 1996 e 1998, com 2000, 3000, 4000 e 5000 petições, respectivamente.

O protocolo suprime as cláusulas facultativas de aceitação do direito de recurso individual e da jurisdição da Corte e abre de pleno direito ao indivíduo o acesso ao órgão judiciário de controle. Em seguida, procede a uma unificação orgânica ao modelar os três órgãos de decisões existentes, (Comissão, Corte e Comitê de Ministros do Conselho da Europa) em um só órgão – permanente – a Corte européia dos direitos do homem.

Uma Câmara, constituída de 03 juizes, modulo ordinário de julgamento da Corte, passa a exercer as funções precedentemente atribuídas à Comissão: exame de admissibilidade, estabelecimento dos fatos conciliação e decisão de mérito.

O procedimento, cuja a transparência é, todavia, relativa, é a seguinte: filtrada por um Comitê e 03 juizes (que, por unanimidade poderá declarar a petição inadmissível), a petição individual será encaminhada a uma Câmara de 07 juizes que decidirá sobre sua admissibilidade e depois de uma tentativa de conciliação, decidirá sobre o mérito. Essa decisão, porém, não é definitiva, pois uma das partes pode pedir que o processo seja enviado a uma grande Câmara, de 17 juizes: esse reexame está, porém, subordinado à aceitação de um colégio de 05 juizes e só pode ter lugar excepcionalmente, quando se trate, por exemplo, de uma questão grave de interpretação ou de aplicação de Convenção.

A reestruturação, como se vê, deixa que subsista a diversidade funcional que existia (admissibilidade, conciliação, duplo exame do mérito) e não muda fundamentalmente o procedimento.

Essas alterações tiveram por conseqüência principal a exclusão do Comitê de ministros como órgão de decisão ( mas não de fiscalização da execução das decisões da Corte) e, portanto, a de realizar a jurisdicialização do sistema de controle. Extingue-se, como se viu, a Comissão, órgão que permitia uma filtragem dos procedimentos antes de considerá-la ou de submetê-las à Corte.

A Corte européia conta, na sua organização atual, com 41 juizes e cerca de 50 advogados. Uma estrutura que parecia atender aos reclamos de uma maior celeridade e eficiência está, entretanto, comprometida por um verdadeiro risco de implosão, acrescido pela extensão já mencionada da Convenção européia aos países pós-comunistas, com a perspectiva de um formidável fluxo de novas demandas individuais, pois ela terá, doravante cerca de 750 milhões de jurisdicionados virtuais.

A carta africana sobre Direitos Humanos e dos povos foi adotada pela Assembléia dos representantes da Organização da Unidade Africana (OAU) em 27 de junho de 1981 em Nairobi, Quênia, tendo em vista a decisão 115 (XVI) da Assembléia dos representantes adotada em sessão ordinária que teve lugar em Mourovia, Sibéria de 17 a 20 de julho de 1979, para a preparação de um “draft” preliminar para a elaboração de uma Carta Africana sobre os direitos do homem e dos povos, estabelecendo instrumentos para a luta contra o colonialismo e o racismo.

A carta constitui um aporte importante ao desenvolvimento do direito regional africano e cobre uma lacuna essencial em matéria de direitos humanos. A carta somente entrou em vigor em 21 de outubro de 1996 e busca priorizar os direitos dos povos. Os direitos dos povos são concebidos como um direito à independência e não como um direito à secessão, ao qual a prática da União Africana é totalmente contrária em nome do principio da intangibilidade das fronteira da integridade territorial. As disposições da carta relativas ao direito dos povos são também a expressão, a mais clara, da tendência moderna à coletivização dos direitos do homem. Sob esse aspecto, a carta apresenta a singularidade de fazer coabitar conceitos aparentemente antagônicos: indivíduo e povo, direitos individuais e direitos coletivos, direitos da chamada “terceira geração” e direitos clássicos.

A carta africana criou, em seu artigo 30, uma Comissão africana dos direitos do homem e dos povos. Trata-se de um órgão técnico independente, composto por 14 membros escolhidos por suas qualidades pessoais, encarregado da promoção e da proteção dos direitos do homem. Para esse efeito a Comissão pode ser solicitada pelas faltas de um Estado às disposições convencionais, provocada por outro Estado ou por particulares.

No plano regional, a carta africana dos direitos do homem e dos povos, põe em prática um procedimento sumário e comunicações estatais que permite a um Estado parte a denúncia de violações da carta cometidas por outro Estado parte.

O regimento interno da Comissão, adotado a 13 de fevereiro de 1988, distingue dois tipos de comunicação individual: a apresentada por um indivíduo que se pretende vítima de uma violação de um dos direitos enunciados pela carta e aquela apresentada por um indivíduo da “organização” alegando uma situação de violação grave ou massiva dos direitos do homem e dos povos. Esse sistema de comunicação não tem realmente por objeto remediar violações individuais dos direitos do homem. A carta (art. 55) estabelece nesse caso que a denúncia constará de uma lista de comunicações similares que é transmitida aos membros da comissão, que indicarão quais deles deverão ser considerados. Ademais, a carta não prevê o tratamento individual de petições admissíveis.

Nos termos de seu artigo 58, a Comissão com o acordo da Assembléia dos Chefes de Estado e da direção da Organização da União Africana, poderá promover estudos aprofundados, em decorrência de comunicações relativas a situações reveladoras da existência de violações graves ou massivas dos direitos do homem e dos povos. De outro lado, a Comissão poderá afirmar essa vocação de órgão protetor dos direitos individuais, à semelhança da evolução constatada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O mecanismo, entretanto, é fortemente restritivo. Assim, as recomendações da Comissão não podem ser dirigidas diretamente aos Estados concernentes, mas devem ser feitas ao órgão supremo da Organização da União Africana que decide da oportunidade de publicar as recomendações da Comissão (art. 59, § 3º). O órgão intergovernamental da Organização da União Africana joga portanto o papel de intermediário obrigatório e protetor da soberania estatal: a eficácia do sistema parece, assim, bastante duvidosa.

Segundo o protocolo adotado em Ovagadongou, em 09 de junho de 1998, já em vigor, trata da criação de uma Corte Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, cuja intervenção pode ser solicitada pelos indivíduos e pelas organizações não – governamentais, sob a reserva da aceitação prévia de sua competência pelo Estado parte. A decisão da corte, é revestida de autoridade de coisa julgada definitiva; o acompanhamento de sua execução é confiada ao Comitê de Ministros da Organização da União Africana.

Como se vê, os três sistemas têm um objetivo comum – a proteção e defesa dos Direitos Humanos – que é alcançado segundo as peculiaridades de cada um. Não se trata aqui, de concluirmos qual seja o melhor, mas de encontrarmos em todos eles a maior eficiência segundo o mandato que lhes é determinado.

A plena jurisdicionalização do sistema será a solução?

Se o objetivo, buscado pelo Conselho da Europa, está encontrando dificuldades, dada a avalanche de solicitações que acorrem à Corte Européia no nosso hemisfério, o sistema se ressente da imprescindível universalização e de um mecanismo que imponha, aos Estados partes, o cumprimento das decisões da Corte e das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Por outra parte, o sistema africano, implantado faz pouco tempo, terá sua eficiência comprovada no correr dos próximos anos.

Mas o que me parece fundamental é que, a par da universalização dos sistemas – o que ainda não aconteceu no caso das Américas e do Caribe – aperfeiçoando-se, com a experiência já acumulada, as práticas na apuração das violações e responsabilização dos Estados, e do cumprimento obrigatórios das decisões e recomendações dos órgãos, guardando sempre o princípio de que o primeiro combate pela implementação dos Direitos Humanos deve ocorrer no interior dos Estados, mediante sua própria atuação, segundo os princípios que conformam o Estado de Direito Democrático, pode-se concluir que os sistemas internacionais de defesa e promoção dos direitos humanos ora assinalados são subsidiários e só atuam quando os Estados negam esses direitos fundamentais que qualificam a cidadania de nossas mulheres, homens e crianças.

 

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