Hélio
Bicudo*
Convém,
antes de mais, na discussão da problemática dos direitos humanos na
perspectiva do terceiro milênio, uma breve menção aos movimentos e
aos documentos que a pouco e pouco se foram consolidando numa verdadeira
doutrina dos direitos humanos, com uma abrangência que poderíamos
qualificar de universal.
Assim,
depois da Magna Carta de 1215, vieram, bem mais tarde, as declarações
dos direitos do homem adotadas nos Estados Unidos às vésperas da
declaração da independência, em 1776, e na França, a partir da
revolução de 1789, marco de uma nova dimensão na vida jurídica em
suas relações povo/poder.
É
interessante ressaltar, quando se fala no reconhecimento dos direitos
das pessoas enquanto indivíduos ou enquanto povo, a influência do
pensamento filosófico nas discussões que tiveram lugar na Assembléia
Nacional francesa e que, depois, inspirou a própria declaração dos
direitos do homem e do cidadão então promulgados.
A
esse propósito, vale assinalar a influência revolucionária do
pensamento romano, que se fazia sentir mais evidente ao fim do século
XVIII, muito especialmente na obra de Rousseau. No livro IV do Contrato
Social encontramos a idéia de um modelo constitucional inspirado nas
instituições do povo romano, modelo esse já definido no “Discours
sur l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes”
(modelo de todos os povos livres). Foi desse modelo que os jacobinos se
apropriaram, com algumas adaptações.
A
história jurídica da Europa continental do século XIX
caracterizou-se, é certo, pela repulsa do direito público romano,
assim como pela utilização, com diversas deformações e amputações
do direito privado romano. É esse um dos aspectos de recusa que a
burguesia opunha à revolução republicana jacobina e aquilo que Volney
definira como uma hostilidade, a “adoração supersticiosa dos
romanos”.
Essa
recusa da burguesia ao modelo constitucional romano tem suas raízes teóricas
no pensamento de Benjamin Constant que pretendeu distinguir entre
“liberdade dos antigos” (isto é, participação do poder) e
“liberdade dos modernos” (quer dizer, direitos individuais),
considerando a liberdade “antiga” como perigosa para os modernos.
Assim,
o modelo constitucional democrático e ao mesmo tempo suas raízes
romanas foram condenadas ao esquecimento pelos intelectuais da burguesia
dominante após “Thermidor”.
Foi
a partir daí que esses direitos passaram a ser inscritos nas cartas políticas
das nações ocidentais. No entanto, a trajetória da humanidade
demonstra que aos povos não bastam, para o seu aperfeiçoamento, os
direitos e deveres inscritos em seus códigos de conduta. A exigência
de novos direitos e deveres surge na medida em que o homem se insere na
comunidade - que não é estática, mas cada vez mais dinâmica - e se
qualifica como cidadão.
Em
especial durante a segunda guerra mundial (1939/1945), esses direitos
foram esmagados pelas ditaduras que se instalaram na Alemanha, Itália e
Japão, ao mesmo tempo em que se esqueciam, por interesses políticos
imediatos, as atrocidades que ocorriam na União Soviética, com a
implantação do regime stalinista.
Em
1945, com a Conferência sobre problemas da Guerra e da Paz, realizada
na cidade do México, de 21 de fevereiro a 8 de março desse ano,
pensou-se na elaboração de um instrumento que regulasse o regime dos
direitos humanos. Nessa ocasião, as repúblicas americanas respaldaram
a idéia de estabelecer um sistema internacional para a proteção
desses direitos e, de conseqüência, encomendaram ao Comitê jurídico
interamericano a redação de um anteprojeto de “Declaração de
direitos e deveres Internacionais do Homem”, com a perspectiva de
preparar os caminhos para futuros compromissos a propósito da matéria.
Prosseguindo:
por ocasião da 9a Conferência Internacional Americana,
celebrada em Bogotá, de 30 de março a 2 de maio de 1948, os Estados
Americanos aprovaram dois importantíssimos instrumentos jurídicos em
matéria de direitos humanos: a Carta da Organização dos Estados
Americanos e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem,
que proclama os direitos fundamentais da pessoa, sem distinção de raça,
nacionalidade, credo religioso, sexo, e estabelece como um dos direitos
fundamentais dos Estados o de respeitar os direitos da pessoa humana
ambas aprovadas a 2 de maio de1948, sete meses antes da adoção da
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Mas,
então não se instituía nenhum órgão que se encarregasse da promoção
e proteção dos direitos humanos. Em conseqüência, resolução
aprovada, ainda, na Conferência de Bogotá, encomendou-se ao Comitê
Jurídico Interamericano a elaboração de um projeto de estatuto para a
criação de um Tribunal Internacional que se encarregaria de garantir a
proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Contudo,
obstáculos e dificuldades das mais variadas espécies fizeram com que
este assunto fosse sendo postergado, na espera de um momento
politicamente mais conveniente e favorável para que se concretizasse o
mandado da aludida Conferência de Bogotá.
A
oportunidade surgiu com a convocação da 5a. Reunião de
consulta de Ministros de Relações Exteriores, localizada em Santiago
do Chile de 12 a 18 de agosto de 1959.
Nessa
ocasião se encomendou ao Conselho Interamericano de Jurisconsultos a
tarefa de elaborar um projeto de Convenção sobre direitos humanos e se
resolveu criar, nesse ínterim, uma Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, cuja missão seria a de promover o respeito a esses direitos.
Essa
função, de mera promoção, se viu rapidamente superada pelos fatos.
Na verdade, aqueles que participaram da adoção desse instrumento não
puderam imaginar que essa estrutura normativa que estavam estabelecendo
seria desafiada anos depois por massivas e cruéis violações de
direitos humanos, inéditas até então na América Latina e que
resultaram de um verdadeiro terrorismo de Estado, para o qual,
obviamente, essa estrutura não estava prevista.
Tendo
em conta esses antecedentes e a circunstância de que a origem da Comissão
não derivava de nenhum tratado mas, simplesmente, de uma instrução de
um dos órgãos da OEA, aprovada somente por maioria de seus membros, é
preciso salientar que a Comissão teve, em seus primeiros anos, uma
condição jurídica bastante ambígua; como se pode perceber, ela
carecia de bases constitucionais sólidas para atuar contra a vontade
dos Estados. De fato, alguns governos objetaram que um órgão da
natureza da CIDH não poderia instituir-se ao cabo de uma simples reunião
de Consulta, sem que resultasse de uma reforma da Carta da OEA ou da adoção
de um tratado.
Cerca
de dez anos depois, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
subscrita em São José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969, depois
de enumerar e definir os deveres dos Estados e os direitos protegidos,
passa a tratar da CIDH, de sua organização, de suas funções, competência
e procedimento.
Ainda,
com o Pacto de São José instituiu-se a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, dispondo sobre sua organização, competência e funções.
A
partir daí, quer dizer, da Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do homem e, posteriormente, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, voltaram, agora, esses direitos a serem cogitados não
apenas como direitos pessoais mas como direitos dos povos, certo,
entretanto, que determinados países concebem os direitos dos povos,
muitas vezes em contradição com os direitos das pessoas. Se
determinadas exigências de desenvolvimento e de integração nacional são
reais, como assevera Roberto Papini (Droits des peuples, droits de l’homme)
na introdução ao estudo do tema à luz desses princípios, certos
Estados podem apresentar seus próprios direitos particulares como se
estes fossem os direitos dos povos no seu aspecto mais geral. Semelhante
coincidência pode se constituir numa trágica maquiagem.
Em
realidade, nós estamos no momento de viver - e estão aí as conclusões
da Conferência sobre direitos humanos promovida pela Organização das
Nações Unidas (ONU) e que se realizou em Viena em 1993 - uma transição
da problemática dos direitos do homem em nível nacional, onde tem sido
confinada a um patamar internacional. Esta fase tem início, sem dúvida,
com a Carta das Nações Unidas de 1945, a qual, entretanto, não contém
normas de procedimento bem claras, permanecendo ainda num estado fluído
e nebuloso. De uma época durante a qual esses direitos estavam
suficientemente protegidos pelos Estados, passamos a um período durante
o qual são os próprios Estados postos em questão, porque é deles
que, muitas vezes, é preciso proteger a pessoa humana.
Parece,
destarte, evidente, que se põe um problema de relação entre os
direitos do homem e dos povos e aqueles do Estado. Uma concepção
Hobesiana da soberania do Estado se constitui num obstáculo para o
exercício normal desses direitos, enquanto uma concepção de serviço,
“instrumental” do Estado (como dizia J. Maritain), constitui-se no
seu pressuposto natural.
Hoje
temos uma situação, por assim dizer, paradoxal: os Estados são ao
mesmo tempo os juízes e os acusados de violações dos direitos
humanos.
Veja-se:
se reconhecemos o direito dos povos a dispor deles mesmos, é preciso não
somente reconhecer o seu direito de existir enquanto uma entidade política,
mas ainda admitir que eles possam escolher livremente o estatuto das
pessoas, conforme suas tradições culturais e religiosas. Para tomar um
só exemplo, a regra da igualdade dos sexos deverá ceder o passo diante
da realidade da poligamia. De uma maneira geral, entre o universalíssimo
jurídico e o pluralismo cultural que se impõe, se desejarmos respeitar
a identidade étnica e política das comunidades, a conciliação parece
difícil. Os sistemas de valores sobre os quais repousa a civilização
dessas comunidades são por vezes muito diferentes para ser reduzidas a
uma união sobre certos pontos importantes.
A
ação internacional nesses casos comporta, sem dúvida, riscos de
manipulação política. As recentes intervenções americanas em favor
dos direitos das minorias no Oriente Médio - veja-se o que aconteceu
durante a chamada “guerra do golfo” e seus desdobramentos - têm os
direitos humanos como pretexto e objetivam, em última análise,
resguardar os interesses americanos, sobretudo no domínio da produção
do petróleo e derivados. A garantia dos direitos supõe que se ponha em
prática mecanismos apropriados, tais como a possibilidade de apropriação
de recursos e a organização de jurisdições especiais, de sanções e
de meios de contenção. Mais adiante, voltaremos a esses pontos.
Assim,
à falta de uma instância internacional apropriada, toda intervenção
no domínio dos direitos humanos pode se constituir em mera manobra,
sobretudo política, ou num gesto muitas vezes inútil.
Portanto,
é preciso não subestimar esta dimensão da questão. Na verdade, a
solução do problema nas cortes internacionais irá progredir na medida
em que se tome consciência da dimensão política do problema. Isso não
significa, entretanto, que se deva pensar somente em solicitações, em
procedimentos políticos tendo em vista resolver casos particulares,
mas, sobretudo, que a defesa dos direitos do homem e dos povos está em
função do desenvolvimento de uma consciência universal. Já na década
dos anos 60 buscava-se passar a barreira imposta pelas fronteiras das nações,
para alcançar uma interpretação de maior amplitude, que extravasasse
os limites nacionais, ou seja, uma interpretação que deveria objetivar
a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos,
periodizando-se os direitos sociais e os direitos coletivos em geral. A
partir daí, assistimos a uma afirmação progressiva da parte dos
Estados, como é possível constatar no conteúdo da Declaração das Nações
Unidas, a propósito da segurança nacional, e, bem assim, na Carta dos
direitos e deveres dos Estados ou mesmo na Ata final de Helsinki.
No
México, em 1947, na 12ª Conferência Internacional da UNESCO, Jacques
Maritain interrogava-se sobre as “possibilidades de cooperação num
mundo dividido”. Ele desenvolveu sua doutrina sobre a necessidade de
um acordo “prático” sobre os princípios fundamentais
universalmente reconhecidos, formulando o que poderíamos denominar uma
“lista” dos direitos do
homem, que seria depois adotada como filosofia de base da Declaração
de 1948.
Maritain,
embora reconhecesse a importância de uma reflexão fundamental capaz de
alcançar a crença em uma doutrina geral e coerente, pensava que o
acordo sobre a ação prática comum poderia se constituir “não sobre
um pensamento especulativo comum, mas sobre um pensamento prático
comum, não sobre uma mesma concepção de mundo, do homem e do
conhecimento, mas sobre a afirmação das convicções práticas
comuns.”
É
sem dúvida importante fazer-se uma reflexão sobre o conteúdo dessas
“convicções práticas comuns”, às quais se referia Maritain, para
melhor compreender o conteúdo, a interdependência e a indivisibilidade
dos direitos do homem, assim como sobre a necessidade de se acordar
sobre uma certa hierarquia de valores necessária ao exercício e à
organização concreta dos diversos direitos.
É,
assim, indispensável que se proceda a uma classificação antropológica.
“Como reivindicar", escreve
Étienne Borne, "os direitos do homem contra os poderes ou contra
os contra-poderes absolutistas e terroristas, sem uma referência tangível
a uma verdade do homem, que o homem não tem o poder de travestir? E a
experiência mostra que os opressores de todas as cores não podem
manipular os homens e as consciências, senão antes ter manipulado a
verdade” (La Croix, 16,
octobre 1982).
Como
escreve Roberto Papini, é tempo de tornarmos ao trabalho com novos
instrumentos para melhor compreender quem é o homem contemporâneo. Ao
trabalho para desenvolver uma cultura personalista, personalizante e não
alienante da vida do homem e dos povos, uma cultura que prepare o
estabelecimento de condições adequadas - culturais, políticas e
sociais - para a promoção dos direitos do homem, sem as quais o apelo
ao respeito a esses direitos não tem suporte real. (Droits des peuples,
Le Centurion, p. 18).
Ora,
aí está.
A
comunidade internacional vem envidando esforços para construir todo um
sistema que permita, de um lado, a promoção desses direitos, e, de
outro, a sua proteção. E quer fazê-lo como um tema Global.
Segundo
José Augusto Lindgren Alves, que chefiou o Departamento de Direitos
Humanos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, eliminada a
divisão simplificadora do mundo em dois grandes blocos estratégicos,
foi possível verificar, com maior clareza, o estado deplorável dos
direitos humanos em vastas áreas territoriais e o grau de ameaça que
isso significa à estabilidade internacional.
Realmente,
como assinala o lúcido diplomata brasileiro, enquanto o embate de
concepções ideológicas do período da Guerra Fria permitia, a alguns
Estados, argüir que a consecução de uma melhor situação econômico-social
era condição prévia para que as respectivas populações pudessem
usufruir dos direitos fundamentais, hoje o entendimento predominante é
de que os direitos humanos, inclusive os de primeira geração, civis e
políticos, são fatores essenciais ao próprio desenvolvimento (cf. Os
direitos humanos como tema global, ed. Perspectiva, p. 3/4).
Há
aqui uma reflexão a fazer, a propósito do chamado “direito
internacional humanitário”,
também chamado “direito de Haia”
ou direito dos conflitos armados, para verificarmos sua gradual aproximação
ou convergência, embora em planos distintos, com a proteção dos
direitos humanos, pois não há nenhuma razão plausível para a separação
ainda hoje pretendida por juristas e políticos.
O
direito humanitário é, sem dúvida, capítulo dentro do horizonte mais
amplo dos direitos humanos. Os princípios comuns, mencionados por Jean
Pidet e lembrados por Cançado Trindade, como o princípio da
inviolabilidade da pessoa (englobando o respeito a vida, à integridade
física e mental, e aos atributos da personalidade), o princípio da não-discriminação
(de qualquer tipo), e o princípio da segurança das pessoas, abarcando
a proibição de represálias e de penas coletivas e de tomadas de reféns,
as garantias judiciais, a inalienabilidade dos direitos e a
responsabilidade individual, são pressupostos, por assim dizer, dos próprios
direitos humanos, tomados agora do ponto de vista de sua universalização
(cf. Cançado Trindade, Evolução e fortalecimento da proteção
internacional dos direitos da pessoa humana em sua ampla dimensão, in
publicação do IIDH/1992, págs. 43 e seguintes).
Dentro
ainda desse plano global, na forma do disposto no artigo 2º do Pacto de
Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas de 1966, os Estados
Partes assumem a obrigação de respeitar e assegurar os
direitos protegidos. Isso requer atividades específicas dos Estados
Partes, de modo a capacitar os indivíduos a gozarem de seus direitos.
Semelhante posição pode incluir a adoção de medidas para a eliminação
de obstáculos governamentais e possivelmente também privados ao gozo
daqueles direitos e podem requerer a adoção de leis e de outras
medidas contra a interferência privada, impeditiva, por exemplo, da
efetivação daqueles direitos.
Direitos Humanos e Proteção Erga
Omnes
Pois
bem, como respeitar e assegurar direitos, sem que se dê aos tratados,
pactos e convenções, uma proteção erga omnes?
Essa
obrigação, consagrada em tratados de proteção dos direitos da pessoa
humana, como o Pacto de Direitos Civis e Políticos (artigo 21), a
Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 2º), a Convenção
Européia de Direitos Humanos (artigo 1º), a Convenção Americana de
Direitos Humanos (artigo 1º), as Convenções de Genebra sobre o
Direito Internacional Humanitário (artigo 1º), pode ser entendida como
determinante da devida atuação dos Estados Partes na prevenção e
punição das violações dos direitos humanos ali reconhecidos.
A
questão é da maior pertinência, pois situações até comuns nos países
do terceiro mundo, como as decorrentes da atuação dos grupos de extermínio,
muitas vezes ligados aos órgãos de segurança pública dos Estados, se
não se admitir uma interpretação mais ampla dos limites cogentes das
convenções internacionais, não permitiriam maiores resultados nos
esforços que vêm sendo feitos para o reconhecimento da universalidade
e internacionalização dos direitos humanos. Se as decisões dos
tribunais internacionais valem apenas como declarações de princípios,
estar-se-á estimulando, por parte dos Estados subscritores, a sua violação
pura e simples. Se, por exemplo, os órgãos de direitos humanos - não
apenas os não-governamentais, mas também os governamentais - não
podem atuar stricto sensu, e se o Estado como tal se
recusa a fazê-lo e, pior do que isso, parte para a violação dos
direitos humanos, e se não se reconhece força coativa às decisões
das cortes internacionais, elas acabam por se fechar sobre si mesmas,
estiolando-se nas suas atividades afins.
É
evidente que os Estados, ainda quando subscritores dessas convenções,
escudam-se no princípio da soberania, para não reconhecer aos
tribunais internacionais essa competência contenciosa. Essa competência,
no caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, criada pelo
“Pacto de São José”, ratificado pelo Brasil, não alcança, entretanto, dentre
outros, o nosso país do ponto de vista contencioso, pois, para tanto se
faz de mister o nosso reconhecimento expresso a essas cláusulas, o que
até hoje não aconteceu. Não é por outro motivo que a maior atividade
da Corte se tem concentrado na jurisdição consultiva.
Cumpre,
neste passo, destacar a atuação da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos criada em 1959. Também neste caso o princípio da
soberania aparece como o biombo atrás do qual se escondem as violações
ocorrentes dos Direitos Humanos. A Convenção Americana estabelece o
reconhecimento obrigatório pelos Estados Partes da competência da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos para a consideração de
queixas individuais, enquanto - como acontece com a Corte - as queixas
interestaduais, para serem acolhidas, requerem declaração expressa de
aceitação. Não obstante esse pequeno grande entrave, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos tem largo campo de ação. Ela busca,
antes de mais, uma solução amigável entre as partes. Se o Estado
apontado como violador não adotar, em prazo razoável, as medidas
recomendadas, a questão vai para o domínio público, geralmente na
forma de resolução incluída no relatório anual da entidade. Essas
decisões, quando julgam queixas apresentadas, têm configuração quase
judicial, pois são declaratórias, ou não, de culpa, e indicam medidas
concretas para sua reparação, isto, depois de audiências individuais
e até mesmo de investigações nos países incriminados.
No
plano global, com a promulgação da Carta das Nações Unidas, em 26 de
junho de 1945, a comunidade internacional nela organizada comprometeu-se
a implementar o propósito de “promover e encorajar o respeito dos
direitos humanos e liberdades fundamentais de todos, sem distinção de
raça, sexo, língua ou religião”.
Para esse fim, a Comissão de Direitos Humanos, principal órgão
das Nações Unidas sobre a matéria, recebeu a incumbência de elaborar
uma Carta Internacional de Direitos.
Em
10 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral das Nações Unidas
proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que definiu
pela primeira vez em nível internacional, como “padrão comum de
realização para todos os povos e nações”,
os direitos humanos e as liberdades fundamentais, noções até então
tratadas de maneira difusa em declarações e legislações
constitucionais ou infraconstitucionais dos Estados.
A
partir daí, a Comissão de Direitos Humanos da ONU tem sido de destaque
no sentido da chamada internacionalização e universalização dos
Direitos Humanos. Essa caminhada desaguou na Conferência de Viena
(1993) que buscou assegurar, mediante mecanismos a serem implementados
segundo decisões de suas Assembléias Gerais, as três gerações de
direitos humanos: o direito à liberdade (civis e políticos); o direito
à igualdade (econômicos e sociais); e o direito à solidariedade (paz,
desenvolvimento, meio ambiente saudável e usufruto dos bens definidos
como patrimônio comum da humanidade). Se a inclusão dos direitos de
“segunda geração” ao lado dos direitos civis e políticos não foi
alcançada senão depois de muita oposição, os de “terceira geração”
encontram objeções ainda não respondidas.
São
de se anotar a iniciativa e o trabalho da diplomacia brasileira para a
inserção na Declaração de Viena de recomendação para o
“estabelecimento de um programa abrangente, no âmbito das Nações
Unidas, para ajudar os Estados na tarefa de criar e fortalecer
estruturas nacionais adequadas que tenham um impacto direto sobre a
observância geral dos direitos humanos e a manutenção do Estado de
Direito”.
As
contribuições para o cumprimento desse programa, que deverá prestar
assistência técnica e financeira a projetos nacionais de reforma de
estabelecimentos penais e correcionais, de educação e treinamento de
advogados, juízes e forças de segurança em direitos humanos e a
projetos em qualquer outra esfera de atividade relacionada com o bom
funcionamento da Justiça, não são esperadas de imediato, mesmo porque
dependem da disposição dos países mais ricos em prestar sua contribuição.
Mas parece óbvio que se trata de abrir a porta para uma cooperação
mais ampla, afim de que os países que buscam a solidariedade universal
possam erguer a infra-estrutura imprescindível ao cumprimento dos
deveres que o respeito aos direitos humanos impõe.
Mas,
o ponto alto da Conferência de Viena se constitui no reconhecimento da
universalidade dos direitos definidos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948. Como pondera ainda José Augusto Lindgren
Alves, trata-se de fato do maior significado porque, diante dele, já não
se pode mais, pelo menos coerentemente acusar de etnocêntricos os
direitos proclamados em 1948, nem fazer uso do relativismo cultural como
justificativa para sua inobservância. Tendo o artigo 1º da Declaração
de Viena afirmado que “a natureza universal desses direitos e
liberdades não admite dúvidas”, põe-se de maneira indisponível a
sua essência (op. cit., p. 139).
A Proteção Internacional
No
Brasil, a proteção dos direitos humanos, até a última década,
fazia-se mediante a atuação dos órgãos internos, principalmente não
governamentais, e que passou a ser assumida pelo Ministério Público,
mediante os instrumentos que a Constituição brasileira de 1988
conferiu à instituição (artigo 129). Essa mesma proteção também
encontra amparo nas comissões estaduais e municipais de direitos
humanos, até certo ponto coordenadas pela Comissão de Direitos Humanos
da Câmara dos Deputados. A partir da paulatina aceitação do que poderíamos
chamar de generalização dessa proteção, foi ela ganhando espaços a
nível nacional e internacional, diante mesmo da unidade conceitual dos
direitos humanos.
As
Declarações Interamericana e Universal dos Direitos Humanos de 1948,
como se tem afirmado, foram o marco inicial de um movimento que
prossegue até hoje, justamente na linha de sua proteção além das
fronteiras dos Estados. Dessa data até nossos dias, “os instrumentos
voltados ao propósito comum de salvaguarda dos direitos humanos formam
um corpus de regras bastante complexo, de origens diversas
(Nações Unidas, agências especializadas, organizações regionais), de
diferentes âmbitos de aplicação (global e regional), distintos
também quanto a seus destinatários ou beneficiários, e,
significativamente, de conteúdo, força e efeitos jurídicos desiguais
ou variáveis (desde simples declarações até convenções
devidamente ratificadas) e de órgãos exercendo funções também
distintas (e.g., informação, instrução, conciliação e tomada
de decisão). São igualmente distintas as técnicas de controle e
supervisão (e.g., reclamações ou petições de diversas modalidades,
relatórios periódicos, investigações) (cf. Cançado Trindade, A
Proteção Internacional dos Direitos Humanos, Saraiva, 1991, p. 3).
A
despeito de sua diversidade, salienta o professor Cançado Trindade,
constitui traço distintivo da rationale dos tratados e
instrumentos de direitos humanos o de que se dirigem eles à proteção
de seres humanos e de que a solução de reclamações nesse campo deve
assim ser guiada e basear-se no respeito aos direitos humanos, in
genere (cf. op. loc. cit.).
A
verdade é que, a pouco e pouco, foi-se superando o entendimento de que
a proteção dos direitos humanos se esgota na atuação dos Estados,
naquilo que Cançado Trindade denomina de “competência nacional
exclusiva”, que se equipara ao chamado “domínio reservado do
Estado”.
Segundo
o ilustre autor, essa linha de pensamento não passa de “um reflexo,
manifestação ou particularização da própria noção de soberania,
inteiramente inadequada ao plano das relações internacionais”,
porquanto originalmente concebida, tendo em mente o Estado in
abstracto (e não em suas relações com outros Estados), e como
expressão de um poder interno, de uma supremacia própria de um
ordenamento de subordinação, claramente distinto do ordenamento
internacional, de coordenação e cooperação, em que todos os Estados
são, ademais, de independentes, juridicamente iguais” (op. cit., p.
4). Daí, conclui: “não há como sustentar-se que a proteção dos
direitos humanos recairia sob o chamado “domínio reservado do
Estado”, como pretendiam certos círculos há cerca de três ou quatro
décadas atrás” (id. ib.).
Em
conseqüência, no processo da atuação e não apenas de interpretação
internacional dos documentos internacionais - como dos tratados em geral
- não deveria haver lugar para a invocação do dogma da soberania.
O
mesmo Cançado Trindade, em parecer da Consultoria Jurídica do Ministério
das Relações Exteriores do Brasil (parecer MRE - CJ/01), aprecia com
grande acuidade a problemática que quer impor um conceito já
ultrapassado de soberania, aos princípios universalmente aceitos de
proteção dos direitos humanos, para afirmar que “não há razões de
cunho verdadeiramente jurídico que justifiquem a posição estática e
mecânica de não-adesão aos tratados relativos à proteção
internacional dos direitos humanos”. A rigor, não há motivos para
discutir-se sobre a violabilidade de adesão a eles, a não ser na
pretensão de conservar-se a atitude inviolabilista que nos últimos
anos e até o presente tem sido por vezes mantida.
Juristas
brasileiros, de renome internacional, como Clóvis Bevilacqua,
Hildebrando Accioly e Raul Fernandes já advertiam que a noção de
soberania, acatada e reconhecida pelo direito dos povos no tocante ao
ordenamento interno do Estado, tornava-se inadequada para fundamentar o
ordenamento internacional, que só encontraria base sólida na noção
de solidariedade.
Na
verdade, na apreciação do desenvolvimento histórico da proteção
internacional dos direitos humanos, verifica-se a gradual superação de
barreiras, na compreensão de que a proteção dos direitos básicos da
pessoa humana não se esgota na atuação do Estado, na pretensa e
demonstrável “competência nacional exclusiva” (Cançado Trindade,
op. cit., p. 4).
De
conseguinte, passa-se a admitir que normas do direito internacional se
dirijam diretamente aos indivíduos como pessoas protegidas no nível
internacional.
Ora,
se as pessoas são sujeitos da proteção internacional, não se pode
excluí-las do acesso aos tribunais internacionais. E se isto é
verdade, de nenhum sentido a submissão, no reconhecimento da ampla
jurisdição dessas cortes, ao direito positivo nacional.
A
tradição brasileira se afirma nessa direção, pois, de lembrar-se que
na IX Conferência Internacional Americana (Bogotá, 1948), foi
precisamente a Delegação do Brasil que propôs a criação de uma
Corte Interamericana de Direitos Humanos, proposta aprovada e adotada
como XXI Resolução daquela Conferência, a qual ressaltava a
necessidade da criação de um órgão judicial internacional para
tornar adequada e eficaz a proteção jurídica dos direitos humanos
internacionalmente reconhecidos.
Mais
tarde, o nosso constituinte de 1986/87 afirmou, no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, que “O Brasil propugnará pela formação
de um tribunal internacional dos direitos humanos” (artigo 7º).
O
Tribunal já existe e o Brasil dele participa. Como então restringir-se
a sua competência àquilo que se harmonize ao nosso direito positivo?
Quando
a Constituição brasileira propugna pela criação de um tribunal
internacional para a proteção dos direitos humanos, sem qualquer
distinção, está evidente que se submeterá à sua jurisdição. Ora,
esse Tribunal ou tribunais já existem: as Cortes Internacionais de Haia
e Interamericana. Portanto, não há como sair-se pela tangente e,
segundo os interesses do Estado, escapar-se pela porta esquiva de um
conceito de soberania, inteiramente ultrapassado nos dias de hoje.
Direitos Sociais e Econômicos
Para
finalizar convém destacar a maior relevância na inserção do direito
ao desenvolvimento, em toda a sua extensão, como um dos direitos
humanos fundamentais. Foi nesse sentido que a Assembléia Geral das Nações
Unidas, em sua reunião de dezembro de 1986, adotou projeto de declaração
sobre o direito ao desenvolvimento. Uma consulta mundial foi organizada
em Genève, de 8 a 12 de janeiro de 1990 e em 1993, sob o influxo das idéias
da Conferência de Viena, a Comissão de Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas nomeou um grupo de trabalho para assegurar a aplicação
daquela declaração.
Segundo
o Grupo de Trabalho, trata-se de um direito inalienável do homem, um
direito multidimensional, dinâmico e progressivo e supõe:
§
direito a uma participação efetiva em todos os aspectos do
desenvolvimento e em todos os estágios da tomada de decisões;
§
direito à igualdade de oportunidades no acesso aos recursos;
§
direito a uma repartição eqüitativa dos frutos do
desenvolvimento;
§
direito ao respeito dos direitos civis, políticos, econômicos,
sociais e culturais;
§
direito a um "environment" internacional, onde todos
esses direitos possam ser plenamente realizados.
Vai
daí que os direitos do homem e o "laissez-faire" econômico
radical adotado neste momento são incompatíveis.
Sublinhe-se,
neste instante, que o fim da Guerra Fria trouxe um novo alento à causa
dos direitos do homem. Esse “élan” chegou a elevar os direitos do
homem ao nível mais alto da agenda internacional, como reconhecido pela
Conferência de Viena de 1993.
Esse
fato, do qual nos regozijamos implica, entretanto, numa contradição no
mundo de hoje, a qual se reporta à situação econômica, não apenas
internacional, mas também de todos os países.
Ao
mesmo tempo em que os direitos do homem são vistos como o meio de se
atender aos objetivos de liberdade e paz social, a maioria dos homens e
mulheres, sujeitos desses direitos universais, não alcançam condições
mínimas para o gozo desses direitos. Não é necessário que se leiam
os jornais ou se vejam os telejornais dos canais internacionais, para
verificar até que ponto o desemprego e a pobreza chegaram mesmo nas
sociedades mais desenvolvidas.
Nessas
condições, podemos nos perguntar que direitos do homem são esses que
merecem tanta atenção da agenda internacional? Aparentemente, serão
apenas os direitos civis e políticos.
Pois
bem, os direitos civis e políticos são essenciais. Isto está escrito
na Declaração de Viena, adotada por consenso, por todos os países.
Mas a Declaração de Viena estabelece também a interdependência de
todos os direitos do homem - civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais. E o fez com sabedoria, pois sabemos e todo o mundo sabe, que
sem um mínimo de condições materiais, os direitos em geral, mesmo os
civis e políticos não passam de uma ficção.
A
causa dessa contradição, acima apontada, está presente num fato bem
conhecido e pouco reconhecido: os direitos do homem e o
“laissez-faire” econômico radical que prevalece na época contemporânea
são incompatíveis. É preciso, então, que tenhamos presente ao mesmo
tempo todas essas questões, se quisermos verdadeiramente encontrar uma
nova força na luta internacional pelos direitos do homem.
Mais
do que reconhecer a interdependência de todas as categorias dos
direitos do homem, a Declaração de Viena, reafirmou, também por
consenso, o direito ao desenvolvimento. Nas suas dimensões individuais
e coletivas, o direito ao desenvolvimento é, de uma certa maneira, o
que Hanna Arendt chamava de “o direito de ter direitos”.
De
fato, é o desenvolvimento econômico que permite, sem dúvida, o acesso
das pessoas à comunidade internacional a partir de sua comunidade de
origem.
A
intenção de manter um Estado capaz de romper o poder dos sindicatos e,
ao mesmo tempo, de controlar a massa monetária, mas parco em todos os
gastos sociais e nas intervenções econômicas, revitaliza o sistema de
dominação dos ricos sobre os pobres. O deus da estabilidade monetária
- meta suprema dos governos - implica na contenção dos gastos com
bem-estar e na restauração da taxa natural de desemprego, o retorno de
um exército de reserva de trabalhadores para quebrar os sindicatos.
É
nesse sentido que a globalização não poderá ser considerada somente
em termos econômicos e não pode ser enfrentada sem se ter em conta a
necessidade de acordos baseados na justiça social internacional, em que
ficarão sem qualquer equacionamento os problemas da fome, da pobreza,
das desigualdades sociais na distribuição de renda, a deterioração
do meio ambiente e, por último, a própria estabilidade das instituições
democráticas.
De
conseqüência, são grandes riscos que a comunidade dos homens passa a
suportar pela ausência de um ente democrático que atue como agente
regulador e estabilizador das relações comerciais interestatais.
Da
consideração, pois, de que o modelo de crescimento econômico da América
Latina prescinde de maiores níveis de equidade e equilíbrio social,
que a consolidação democrática impõe a eliminação da pobreza e da
exclusão social, de sistemas de participação eficazes, e de um justo
equilíbrio na distribuição da riqueza, é relevante que os futuros
acordos de cooperação econômica e social sejam acompanhados de
protocolos financeiros que incluam um aumento substancial dos recursos
destinados à colaboração com os países da América Latina. E que
esses acordos suponham também uma abertura negociada e recíproca dos
mercados. Quero lembrar aqui as escaramuças que se armam para
inviabilizar o Mercosul, para manter o domínio dos Estados Unidos da América
sobre o mercado das Américas.
É,
ainda, nessa linha de considerações, que é de mister examinar a
possibilidade de aplicarem-se fórmulas inovadoras para equacionar-se o
problema da "dívida externa" dos países subdesenvolvidos da
América Latina, a fim de que os países devedores, a partir do início
do próximo século possam avançar em seus projetos de meio ambiente,
saúde e educação e que se dê prioridade às lutas contra a pobreza e
a exclusão social.
Mecanismos de Proteção
No
âmbito das Américas e previdentemente da América subdesenvolvida, é
consensual que a observância dos direitos humanos se constitui na pedra
de toque do Estado de Direito Democrático.
De
conseguinte, não se pode deixar que as decisões relativas a esses
direitos - sejam os direitos sociais, sejam os direitos econômicos -
repousem no arbítrio dos Estados desenvolvidos.
Nesse
sentido, é de suma importância que se estabeleçam mecanismos que
possam intervir no processo de integração política e econômica, não
apenas para estabelecer propostas de ação, mas para atuar mediante
processos de ajuda técnica e econômica, cogentes se assim for necessário,
relativamente aos países que, por assim dizer, detêm as rédeas do
poder econômico.
Do
ponto de vista dos direitos e liberdades individuais, na forma já
exposta, a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos podem
contribuir eficazmente para que sejam eles respeitados, desde,
entretanto, que seja reconhecido o seu poder cogente, o que ainda não
acontece, pois alguns países da América não subscreveram o Pacto de
San José e outros que o subscreveram não reconhecem esse poder, como
é o caso, dentre outros, do Brasil.
Na
área da integração econômica, tudo a fazer. Pode parecer utópica -
mas não devemos ter medo da utopia - a criação de uma entidade de notáveis
dos Estados Americanos, para que possam avaliar e impor medidas
corretivas a fim de que o processo de abertura das economias não seja
negativo frente aos direitos humanos. Seria esse o instrumento hábil a
aferir até que ponto a abolição de tarifas e a acentuada
competitividade estaria a interferir e a violar a observância dos
direitos da cidadania. De que vale, na verdade, o sofisticado aperfeiçoamento
tecnológico diante do incremento do desemprego e da miséria?
Por
último, cabe destacar a tarefa importante a ser desempenhada pelos
parlamentos de nossos países. No Brasil, na medida em que a Câmara dos
Deputados instituiu, há pouco mais de três anos, sua Comissão de
Direitos Humanos, este fato serviu de estímulo à criação de comissões
nas Assembléias Legislativas dos Estados, bem como da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República. O Plano Nacional de
Direitos Humanos, baixado por decreto de 1996, teve em consideração os
resultados da I Conferência Nacional de Direitos Humanos (abril de
1996), convocada por aquela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados. E o seu acompanhamento, através da II Conferência Nacional
de Direitos Humanos, também convocada pela Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados (1997), ressaltou a necessidade de
reajustes indispensáveis ao seu aperfeiçoamento.
Essas
comissões são órgãos coletivos que recebem denúncias, investigam,
promovem eventos, debates, conferências, julgamentos simulados,
organizam grupos de estudo para a formulação de políticas e projetos
capazes de implementar medidas protetoras dos direitos humanos.
Nesse
sentido se constituem em órgãos de fiscalização e, de conseqüência,
de pressão para que os poderes Executivo e Judiciário atuem dentro de
padrões que qualifiquem o respeito pelos direitos da cidadania.
São
problemas de hoje e do amanhã. De nossa vontade depende a construção
de um mundo justo. E da nossa omissão, a deterioração das relações
entre os povos, submergindo, então, os nossos ideais de Justiça,
considerada esta última como o fruto opimo da paz.
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