Depoimento de Helena
Grecco
"Um dos mais
cruéis exercícios da opressão é a espoliação das lembranças."
Eclea Bosi
Participei da
gloriosa luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita como
fundadora e presidente do Movimento Feminino Pela Anistia de Minas
Gerais (1977-79) e como fundadora e vice-presidente do Conselho
Brasileiro de Anistia de Minas Gerais (1978-80). Em Minas Gerais
CBA e MFPA atuaram organicamente vinculados.
Primeiro, gostaria
de destacar a importância do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA)
onde, mais uma vez, as mulheres jogaram papel de vanguarda na história.
Se, num primeiro momento, foram as mães, irmãs e filhas dos
atingidos que se aglutinaram em torno de um objetivo comum - a
busca de familiares desaparecidos e a defesa dos familiares presos
- logo em seguida esse movimento se ampliou, politizou e envolveu
os mais diversos setores da sociedade.
Além de feminino,
o MFPA teve caráter também feminista. O seu programa tinha a
centralidade na luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita e na
luta contra a discriminação e opressão de gênero. Foram os
MFPAs que iniciaram no Brasil a comemoração do 8 de março, Dia
Internacional da Mulher. Sua radicalidade é inquestionável:
- pela primeira vez foi constituído
legalmente movimento de enfrentamento direto à ditadura
militar;
- esses movimentos tinham
funcionamento em cada estado (reuniões regulares, núcleos,
conselhos, categorias diferenciadas de sócios, etc) e se
articulavam nacionalmente;
- sua visibilidade era
significativa: as atividades promovidas eram amplamente
divulgadas, possibilitando mobilização efetiva, o que
colocou limites concretos à repressão que se abateu feroz
sobre eles.
As pressões
partiram principalmente do braço clandestino da repressão (o
Comando de Caça aos Comunistas e suas variantes): bombas, ameaças,
intimidações, grampos telefônicos, violação de correspondência.
Só no ano de 1978, o MFPA e o CBA/MG foram atingidos por cinco
atentados a bomba - um deles na minha casa - assumidos por esses
grupos. O MFPA acumulou forças e abriu espaço para a constituição
dos Comitês Brasileiros pela Anistia (CBAs) que se organizaram
pelo Brasil afora e adentro. Os CBAs significaram um salto de
qualidade na luta pela anistia, potencializando sua politização,
ganhando radicalidade e promovendo tamanha ampliação que podemos
dizer que o movimento assumiu caráter de massa.
Houve importante
processo de interiorização e aperfeiçoamento da organicidade,
com a criação da Comissão Executiva Nacional, que unificava a
agenda e articulava lutas e campanhas por todo o país. Houve também
importante processo de internacionalização: os companheiros
exilados (cerca de dez mil) e banidos (118) espalhados pelo mundo
se organizaram para denunciar os horrores da ditadura brasileira e
angariar o apoio das entidades de direitos humanos dos países que
os acolheram. Outra frente importante foi a dos presos políticos,
que se organizaram nos cárceres e denunciaram as torturas e as péssimas
condições a que eram submetidos.
Além disso, se
houve uma internacional da repressão (como a Operação Condor)
formada pelas ditaduras que se instalaram no Cone Sul na década
de 70, houve também uma internacional da resistência formada
pelos movimentos de direitos humanos e anistia desses países.
Na minha opinião,
o I Congresso Nacional pela Anistia (São Paulo, nov./78), o
Congresso pela Anistia no Brasil em Roma (jul./79) e o II
Congresso Nacional pela Anistia (Salvador, nov./79, primeiro e último
depois da promulgação da Lei de Anistia, 6683/79) foram os
momentos mais marcantes da luta. Os três, em suas cartas e resoluções
políticas, reafirmaram os princípios da luta, que atingiam em
cheio a essência do regime militar, a própria Doutrina de
Segurança Nacional:
- Anistia Ampla, Geral e
Irrestrita X anistia parcial e recíproca;
- erradicação da tortura:
- esclarecimento da circunstâncias
em que ocorreram as mortes e desaparecimentos políticos;
- responsabilização jurídica do
Estado e dos agentes da repressão;
- desmantelamento do aparelho
repressivo.
O Congresso de Roma
- no qual tive a honra de ser a representante do Brasil,
juntamente com o companheiro Luís Eduardo Greenhalgh - reafirmou
todas estas bandeiras e começou a preparar o retorno. O Congresso
de Salvador demonstrou que houve a compreensão do caráter político
da repressão policial à medida que ela provoca sentimento de
medo e impotência frente ao Estado todo-poderoso; a vinculação
com o movimento operário e popular emergente foi colocada na prática
como prioridade.
Todos sabemos que a
anistia aprovada na Lei 6683/79 não foi aquela que queríamos.
Ela foi parcial para os opositores do regime e ampla, geral e
irrestrita para os torturadores e membros da repressão, antes
mesmo de qualquer julgamento. Todas as bandeiras do movimento pela
anistia continuam valendo; aí está a sua importância. A partir
da luta pela anistia, sem dúvida, foi estabelecida nova gramática
de direitos humanos no Brasil.
*Helena Grecco,
professora; fundadora e presidente do MFPA/MG, fundadora e
vice-presidente do CBA/MG.
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