A
PRÁTICA DOS NOVOS VALORES
Trajetória pessoal e a história
recente do Brasil
Solicitaram
que eu falasse da militância, da importância do estudo para os
militantes e dos valores da nova sociedade. Estive pensando como
enfrentar os três temas numa só tacada. Resolvi partilhar com vocês
a minha história de militância.
Comecei
na militância aos 13 anos, em 1957. Tenho hoje 5 anos. Isso
significa que tenho 41 anos de militância. Iniciei num movimento
chamado JEC - Juventude Estudantil Católica -, que me ensinou a
unir fé crista e luta política. O Evangelho, para mim, sempre foi
uma fonte de inspiração para a militância. Uma das grandes
descobertas da minha vida foi tomar consciência que todos nós,
cristãos, somos discípulo de um prisioneiro político.
Há
quem diga que a fé não tem nada a ver com política. Ora, Jesus não
morreu na cama, nem de desastre de camelo numa rua de Jerusalém.
Morreu sob dois processos políticos, condenado à pena de morte na
cruz. Sofreu um processo político movido pelas auto judaicas e,
outro, movido pelas autoridades romanas.
Ser
cristão é querer transformar o mundo, de modo a resgatar o projeto
original de Deus, aquilo que Ele queria para nós e consta da
primeira página da Bíblia: um paraíso na Terra. Se o paraíso não
existe hoje, a culpa é da nossa ambição, do nosso egoísmo, da
nossa opressão, da nossa desigualdade.
Portanto,
descobri aos 13 anos que, ser cristão, é lutar pela transformação
das pessoas e do mundo. E não adianta perguntar o que vem primeiro:
o ovo ou a galinha. É mudando as pessoas que a gente muda o mundo;
é se mudando que a gente muda o mundo; e é mudando o mundo que a
gente se muda e muda os outros. Está tudo ligado.
Em
1959, aos 15 anos, fui eleito dirigente da União Municipal de
Estudantes de Belo Horizonte. Naquela época, nós cristãos fazíamos
aliança, na política estudantil, com militantes comunistas –
contra os militantes da direita. Aprendi, então, que a diferença
entre um cristão e um comunista pode até existir quando um crê e
o outro não, mas os dois estão unidos se vivem na mesma
bem-aventurança da fome e da sede de justiça.
Quando
eu estava preso, a maioria dos meus companheiros de cadeia eram
comunistas ateus. As vezes, alguns debatiam comigo a existência de
Deus. Eu dizia: “Cara, não creio em Deus, tenho certeza da existência
Dele, sinto que Ele é uma experiência muito forte na minha vida.
Agora, não vamos discutir isso não, pois quando a gente chegar no
céu, vamos ter muito tempo para discutir essas coisas. Agora, temos
que tratar de como mudar essa realidade aqui, porque é isso o que
Deus quer, para que a gente possa fazer dessa terra de injustiça
uma terra de justiça ou, como diz a Bíblia, uma terra onde corra o
leite e o mel”.
No
dia 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou à
presidência da República. Nós, que apoiávamos o Jânio, temíamos
que o Brasil caísse nas mãos de uma ditadura militar, o que veio a
acontecer três anos depois. Fomos para as ruas lutar pela volta do
Jânio à presidência da República. Foi a primeira vez na minha
vida que enfrentei polícia e bomba de gás lacrimogêneo, nas rua
de Belo Horizonte.
Naquele
dia, descobri duas coisas importantes para nossa militância.
Primeiro, quem entra na militância, tem que entrar com o coração;
não basta entrar com a cabeça. Quem entra com a cabeça tem medo.
Quem entra com o coração, ama tanto a causa que defende, que
enfrenta situações de risco sem medo. E a segunda coisa: o contrário
do medo não é a coragem, é a fé. Quanto mais a gente tem fé,
quanto mais confia naquele caminho que a gente está levando, certo
de que a luta que Deus quer para a gente; quanto mais se sente irmão
do companheiro Jesus, que deu a vida por essa causa de esperança e
de libertação, menos medo a gente sente.
Medo
nos sentimos quando pensamos primeiro em nós. Quando pensamos na
causa, no movimento, no Brasil sem miséria, sem mortalidade
infantil, vale a pena correr riscos.
Sob
a ditadura militar
Depois,
fui para o Rio de Janeiro, para ser um dos dirigentes nacionais da
Juventude Estudantil Católica. Dos 17 aos 20 anos, andei esse
Brasil todo duas vezes, de ponta a ponta, fazendo isso que vocês
estão fazendo aqui: organizando grupos de jovens, despertando
esperança, abrindo a visão dos jovens, dando força para que se
organizassem e entrassem na luta.
Naquela
época, acreditávamos que o Brasil ia mudar logo, até porque o
governo foi assumido por partidos progressistas. O presidente era o
João Goulart. Achávamos que as tais reformas de estruturas iriam
acontecer logo. Mas, ficou claro uma coisa: o Brasil, desde que foi
invadido pelos portugueses, sempre foi governado por uma elite sem
nenhuma sensibilidade para o social.
Em
2000, vamos comemorar 500 anos de invasão do Brasil. Vamos
comemorar uma história de dor e de sofrimento. Havia cinco milhões
de índios quando os portugueses chegaram aqui; hoje, estão
reduzidos a 300 mil. Os índios brasileiros, ao contrário dos índios
de outros países da América Latina, tiveram o mérito de jamais se
deixar escravizar pelos colonizadores. Devemos ter isso muito
presente. Somos filhos de nações indígenas que, jamais, o
colonizador português conseguiu escravizar. Dizimou, matou, afogou,
queimou, mas não conseguiu escravizar o índio. Tanto não
conseguiu que os portugueses tiveram que trazer da África homens e
mulheres livres, como escravos, para trabalhar na lavoura e nas
minas do Brasil. O Brasil foi o país das Américas com o mais longo
período de escravidão - 320 anos. Vieram para cá, calcula-se,
cerca de 10 milhões de africanos, dos quais cinco milhões morreram
na travessia do oceano e têm o Atlântico como túmulo.
Essa
mesma elite que promoveu o genocídio indígena e manteve os 320
anos de escravidão nesse pais, continua governando o Brasil. O
Brasil passou de Monarquia para a República, mas a elite,
infelizmente, ainda não mudou. Agora, temos a história do
Brasil capitalista que vocês conhecem. Não somos, hoje, campeões
mundiais de futebol, mas sim campeões mundiais de desigualdade
social.
Ora,
em 1964, em nome dessa elite, os militares brasileiros rasgaram a
Constituição do Brasil. Deram um golpe de estado e implantaram uma
ditadura, que durou 21 anos. Pois bem, o tempo de vida que muitos de
vocês têm é o tempo que durou a ditadura militar no Brasil, de
1964 a 1985.
Em
1964, eu morava numa república de estudantes, no Rio, muito
frequentada por dirigentes estudantis. Muitas vezes dormia lá o
Betinho, que todos conheceram da campanha da fome. Nossa república
foi invadida pelo serviço secreto da Marinha, a 6 de junho. acordei
com uma metralhadora na cabeça. Eram quatro horas da manhã. Achei
que era um pesadelo. Virei-me de lado. Um sujeito cutucou minhas
costas com a metralhadora. Então me dei conta de que era realidade,
e não pesadelo. Fomos todos presos, levados para o quartel dos
Fuzileiros Navais, que fica ao lado do aeroporto santos Dumont. Ao
chegar lá, vi uma montanha de livros numa sala. Livros que eles
tinham apreendidos, naquela noite, na casa de vários militantes que
foram presos.
Foi
a primeira vez que senti na pele o que é uma ditadura militar.
Ficamos presos só 15 dias. Depois, descobrimos que a luta contra a
ditadura não podia se restringir às manifestações estudantis.
Tinha que ser uma luta mais profunda, o que nos fez desencadear,
inclusive, a luta armada.
Ainda
hoje, lutamos por direitos fundamentais. A nossa luta ainda não é
por direitos humanos. Explico. As vezes, quando viajo para fora do
Brasil, me perguntam: “Como a luta de vocês, no Brasil, por
direitos humanos?” Eu respondo: “Falar em direitos no Brasil é
luxo. Infelizmente, ainda lutamos por direitos animais, porque isso
de comer, defender-se do frio, educar a cria é coisa de bicho, que
a maioria da população do meu país ainda não tem assegurada
pelas estruturas políticas.”
Precisamos
mudar esse país. Mas tendo claro quais são os nossos métodos de
luta. Isso é curioso: quem decide os nossos métodos não somos nós.
É a elite que governa o Brasil. Podemos e devemos lutar na
legalidade e na legitimidade. Devemos esgotar todas as formas de
lutas e todas as formas legítimas e legais possíveis. Mas, quem
diz, a um certo momento, que determinadas formas de luta já não são
mais possíveis? O governo e a elite que controlam o país.
Durante
muito tempo, sob a ditadura, a nossa luta no movimento estudantil
expressava-se em grandes manifestações, passeatas, protestos. Até
que a ditadura proibiu todas as formas democráticas, legais e legítimas
de luta. Diante de uma ditadura que nos reprimia com armas, tanques,
metralhadoras, fuzil, prisão, tortura, morte e desaparecimento de
companheiros, não nos restou outra alternativa senão a resistência
armada.
O
meu “crime” foi fazer contrabando de gente. Por isso fui preso
em 1969. Estive um mês detido no Rio Grande do Sul; depois, fui
trazido para São Paulo. Aqui fiquei dois anos preso, sem
julgamento. Não tinha idéia se ia sair vivo da prisão, nem se ia
ficar dois, três, dez ou quinze anos. Dois anos depois, fui
condenado a quatro anos de prisão. Meu advogado fez o recurso,
pedindo a redução da pena. Ela foi reduzida, de quatro para dois
anos, faltando um mês para eu completar os quatro anos de cadeia.
De modo que tenho dois anos de crédito com a liberdade.
As lições da prisão
A
prisão foi uma grande escola para todos nós que sobrevivemos a
ela. Infelizmente muitos companheiros morreram na prisão, como o
meu companheiro frei Tito de Alencar Lima que, aos 28 anos, foi
torturado até a loucura. Vocês sabem que prisão é um sofrimento,
mas a prisão tem duas grandes vantagens. Primeiro, ali pode-se
falar de tudo, porque não há o perigo de ser preso. Segundo,
aprende-se a deixar de ser egoísta.
O grande
inimigo nosso não é a elite, o capitalista ou o opressor. O grande
inimigo está dentro de nós. E o homem ou a mulher velha que
carregamos no coração. Esse é o grande inimigo, e que multas
vezes se disfarça de combatente, de militante, de revolucionário.
Enche a boca de palavras novas mas, no fundo, é movido pela
vaidade, pela pretensão, pela vontade de estar por cima do outro,
pela ambição.
Isso
é uma das coisas que me doem quando olho para trás: vejo
companheiros que foram para a prisão comigo, assumiram riscos de
vida na luta aqui fora, provocava inveja a firmeza que demonstravam;
diante deles eu me perguntava: “Saindo da cadeia, serei ao menos
10% militantes como eles?” Mas esses companheiros, ao saírem ,
foram cooptados, engolidos pelo sistema, não souberam cultivar
neles os valores do homem novo e da mulher nova. Deixaram-se levar
pela ambição, pela maracutaia da política, pelo uso da mentira
para conquistar posição, por um poderzinho de sindicato, de
movimento popular, pela convicção de ser melhor do que o coletivo
ou, tal pelo excesso de militância.
Quem
diz: “Sou um super militante, participo do MST, da CUT, dos
movimentos populares, da pastoral, estou em todas”. Eu respondo:
“Não, você não é militante, você é um militonto”.
Militante que não ri, não faz festa, não tira férias, não
namora, não se diverte comece a desconfiar dele, porque vai dar
zebra. Como dizia o companheiro Che, não se pode ser apenas duro,
perder a ternura. Por quê? Porque como temos que parar para dormir,
descansar a cabeça, temos também que parar para se divertir,
celebrar, resgatar as energias. Caso contrário, nossa saúde psíquica
vai para o brejo. Começamos a ficar duro com os companheiros,
agindo como militante fariseu, e não como militante sadio. O
militante fariseu é aquele que é duro com os outros, mas não
consigo mesmo; o sadio é tolerante com os outros e exigente
consigo. Mas, essa exigência tem que apoiar-se na festa e na fé.
Isso é fundamental.
A
repressão da ditadura conseguiu acabar com todos os movimentos
armados. Por que nos derrotou? Onde falhamos? Tínhamos quase tudo:
coragem - vários companheiros deram a vida na luta -, teorias,
armas, dinheiro das expropriações bancárias etc. Faltou um
detalhe: apoio popular. Não tínhamos o principal e, por isso, a
ditadura conseguiu criar um fosso entre nós e o povo.
Prestem
atenção: quando a gente começa a achar que a gente é a
vanguarda, que o povo não sabe, é ignorante, atrasado, sem querer
começamos a fazer o jogo da direita, porque tudo o que ela quer é
que a vanguarda fique separada da massa. A minha geração sentiu
isso na resistência armada. Ora, um revolucionário assume todas as
dimensões importantes para o povo, e uma dessas dimensões é a
religiosidade. Fico multo desconfiado de companheiros que fazem um
cursinho por aí, aprendem meia dúzia de teorias revolucionárias e
já saem torcendo o nariz para a fé do povo. Isso é um perigo. Lênin,
que não era médico, mas entendia de revolucionário, já tinha
diagnosticado isso. Chama-se esquerdismo, “a doença infantil do
comunismo”. Tomem cuidado com esse sintoma.
Temos
que caminhar no ritmo do povo, para ajudá-lo a caminhar no ritmo
das mudanças sociais. Se a minha avó e a minha mãe são
agricultoras semi-analfabetas, não estão entendendo, o problema não
é delas, o problema é meu. Como militante tenho que encontrar uma
pedagogia, de modo que elas venham a entender a nossa língua. Que o
povo não entenda certas coisas, isso não é problema, é resultado
do sistema de dominação em que vivemos.
O trabalho com o povo
Saí
da prisão em 1973 e fui viver em uma favela, em Vitória, no Espírito
Santo. Vivi ali cinco anos. Ao chegar lá torci o nariz., porque
domingo, dia em que eu podia encontrar os vizinhos, encontrava todo
mundo trancando dentro de casa, vendo o programa do Silvio
Santos!”. E eu dizia: “Como esse povo é alienado, passa o
domingo vendo o Sílvio Santos!” Até descobrir que o alienado era
eu, que não entendia por que o povo ficado ligado na TV. Descobri
que o povo vê Sílvio Santos porque é muito pobre e não tem
dinheiro passear no domingo, não tem espaço para ir no teatro. A
única maneira de distrair a cabeça e não pensar no sufoco da vida
é, no fim de semana, sentar diante da televisão e ficar vendo as
bobagens do Sílvio Santos.
Como
é importante conhecer a cabeça do povo e não achar que a nossa
cabeça entende tudo, porque pensamos diferente. Se não tomamos
cuidado, acabamos como aquele vigário que resolveu tirar as imagens
da igreja e pôr a de São Sebastião na garagem da casa paroquial.
No domingo, a igreja estava vazia. Todo mundo se reuniu na garagem
da casa paroquial. Ou seja, ele nem perguntou para o povo se queria
ou não que tirasse a imagem. Achou que sabia o que era bom para o
povo e quebrou a cara, porque o povo tem uma relação com os santos
que é diferente da relação do vigário.
Após
anos na favela, vim para São Paulo, onde trabalha há 20 anos,
sobretudo no ABC. Participei de todas aquelas greves dos metalúrgicos,
e continuo fazendo esse trabalho. O que aprendi ao longo desses
anos? Aprendi algumas coisas importantes. Só vamos construir a nova
sociedade se começarmos agora, e começarmos por cada um de nós.
Ninguém vai poder construir a sociedade nova deixando os nossos
defeitos virarem tiririca na sociedade velha. Trabalhei muitos anos
nos países socialistas. Estive na Rússia, na China, em Cuba inúmeras
vezes, na Nicarágua, na Tchecoslováquia, na Polônia e na Alemanha
Oriental, antes da queda do muro de Berlim. E se vocês me
perguntassem: “Por que o socialismo fracassou na Europa e caiu o
muro de Berlim?” Eu responderia: “Porque quiseram construir uma
casa nova com material velho.” Não dá. Se queremos construir uma
sociedade nova, temos que fazer esforço, desde agora, para sermos
homens e mulheres novos. Em nome da casa nova não podemos agir de
uma maneira velha. Podem ter certeza, não dá para construir casa
nova com material velho. Bate um pé de vento da história e vem
tudo abaixo, como o Muro de Berlim foi abaixo e nos desmoralizou,
porque defendemos o socialismo como uma etapa superior de sociedade.
Outro
fator que explica o fracasso do socialismo no Leste europeu: o ser
humano tem duas grandes fomes - a de pão e a de beleza. Beleza é
tudo isso que dá sentido à vida, tudo isso que não é material,
mas é essencial. Fome de beleza é a fome de amor, de festa, de
alegria, de fé; é a fome de amizade e de companheirismo.
A primeira fome o socialismo respondeu – a fome de pão.
Mas, infelizmente, não respondeu à Segunda, a fome de beleza. Por
quê? Porque era tudo de cima para baixo. O povo não tinha direito
de sonhar como gostaria. então, a cabeça do povo começou a sonhar
com o sonho do capitalismo, como se fosse melhor, e o povo acabou
indo para a rua, para derrubar o socialismo, para virar capitalismo.
Hoje aquele povo sabe que vive numa situação pior do que no
socialismo. Mas, agora é tarde.
Ora,
isso e muito importante para nós. Para não cometermos os mesmos
erros no futuro, temos que conhecer a história do passado.
O estudo e a militância
Pediram-me
para falar da importância do estudo. Vou dar algumas dicas de como
você deve cuidar do estudo. Primeiro, ande sempre com um livro.
Seja lá o que for fazer, onde for fazer, ainda que tenha idéia
que, hoje, não vai dar tempo de ler uma linha. Ande sempre com um
livro, pois, no fim da semana, você vai ver quanto conseguiu ler.
Se você não andasse com aquele livro, não teria lido tanto.
Segundo,
leia do começo ao fim os romances, os livros de ficção. Mas, nos
outros livros, leia apenas o tema que interessa. Não caia na
besteira de ficar lendo livro de ensaio, livro de história, do começo
ao fim, como quem lê um romance, senão vai ficar muito chato.
Se
você quer, por exemplo estudar o que foi a luta de Canudos: pegue
três ou quatros livros que falam disso e procure nos índices os
capítulos que tratam de Canudos. Aprenda a ler a partir dos índices
dos livros. Aprenda a consultar dicionários e enciclopédias. nunca
ninguém sabe tudo. Não devemos ter vergonha de aprender e de
perguntar. Pintou uma palavra que você não entende, procure-a no
dicionário. Pintou um tema que você não compreende, consulte a
enciclopédia. Faça ficha daquilo que você está aprendendo,
anote, guarde. Daqui a cinco anos, se você tiver que falar sobre
Canudos numa palestra, não vai precisar encontrar mais aqueles
livros que leu. Basta pegar as fichinhas, as anotações mais
importantes que fez, e você poderá discorrer facilmente sobre
Canudos.
Adquira
o gosto pela informação e pela leitura. Na medida do possível, não
deixe de ler jornal. Jornal é importante, porque traz informação
atualizada. Você lê a notícia e vai formando idéias da
conjuntura, vai descobrindo quem é quem na sociedade brasileira.
Leia sempre com espírito crítico; toda vez que a grande imprensa
elogia muito alguém, fique com um pé atrás; e toda vez que descer
o pau, fique com um pé na frente. É preciso ter senso crítico.
É
importante debater em grupos aquilo que se leu. Por isso que é bom
estudar em grupo. Um mesmo grupo pode ler sobre tema ou o mesmo
livro e, depois, debater. Ou assistir a um mesmo programa de TV ou a
mesmo vídeo e, em seguida, discutir; um mesmo grupo assistir ao
mesmo filme e, depois, trocar idéias. Isso cria sensibilidade,
consciência critica, capacidade de análise dos meios de comunicação.
Os valores da nova sociedade
O
nosso desafio é construir uma sociedade de valores novos. Sabemos
quais são os valores: partilha, solidariedade, companheirismo etc.
Queremos sim, construir uma sociedade socialista, sem os erros do
socialismo da Europa. Também não queremos trazer o modelo cubano
para o Brasil. Queremos construir o socialismo brasileiro, com a
nossa maneira de ser - muita religião, carnaval e futebol. ou seja,
cada socialismo tem que corresponder à índole do seu povo.
Queremos um socialismo com muita democracia e justiça. Para isso,
temos que fazer de nossos movimentos, ensaios da nova sociedade que
queremos criar. Ou seja, não é esperar o Brasil mudar para, em
seguida, começarmos a nova sociedade. É já, agora, dentro da
velha sociedade, Como Jonas na barriga da baleia, ir criando o
ensaio da nova sociedade nas nossas comunidades. E desenvolver uma
da cultura da solidariedade.
Essa
cultura da solidariedade, segundo o Evangelho, tem uma outra palavra
- cultura do amor. Nós nascemos capitalista. Já repararam num bebê?
Nada mais capitalista do que um bebê. Ele só pensa nele. As três
horas da madrugada põe a boca no trombone, porque está com fome, e
não pensa nos pais que estão dormindo. Por isso o capitalismo é tão
forte, pois corresponde ao que temos de pior, o egoísmo. Amar é o
resultado de uma educação.
Como
se desenvolve essa educação? Dizendo, eu agora vou amar? Não
basta isso, é mais do que isso. É aceitar que o grupo, no qual
trabalho, me faça críticas. O Evangelho conta que Jesus perguntou
para os apóstolos, “O que é que vocês pensam de mim?” Em
seguida, “o que o povo pensa de mim?” (Mateus 16, 13-15).
Um
dirigente que não tem coragem de perguntar aos seus dirigidos: “O
que vocês pensam de mim?”, é porque ele já começa a desconfiar
que o pessoal não pensa o que ele gostaria que pensasse. É multo
importante saber ouvir críticas.
Quando
abençôo casamentos, sempre recomendo aos casais, combinem que,
durante o mês inteiro, ninguém pode criticar ninguém, nem o
marido a mulher, nem a mulher o marido. Mas, fica acertado que, na
segunda terça-feira de cada mês, OS dois vão se encontrar frente
à frente, para colocar em pratos limpos tudo que está atravessado
na garganta e no coração.
Podem
seguir a receita que o resultado é ótimo. Nada pior do que um
estar alegre e outro vir com reclamações ou vice-versa. Quando se
sabe que tem que esperar a segunda terça-feira do mês para pôr
tudo em pratos limpos, aí não tem surpresa. Saber ouvir críticas
ajuda a crescer. Quando eu critico você e você me critica, eu não
estou querendo destrui-lo, mas quero fazer de você uma pessoa
melhor, e vice-versa.
Como
dizia o velho Marx, “ninguém é juiz de si próprio”. Temos uma
capacidade incrível de justificar os próprios erros. Também não
vamos bancar o fariseu, como disse Jesus. Fariseu é aquele capaz de
catar piolho na cabeça do outro, mas não cata um camelo que está
na cabeça dele. Como diz o Evangelho, cata um cisco no olho do
outro, mas não cata a trave que está no seu. Temos que ser
tolerantes, éticos, capazes de suportar a diferença do
companheiro, da companheira, sem transformar a diferença em divergência.
Tem gente que é mais tímida e gente que é mais sociável; gente
que é mais séria e gente que é mais alegre. Uma coisa importante
é cada um descobrir o seu jeitão, a sua vocação, e saber
respeitar e valorizar o outro.
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