Teologias da
Guerra
Frei Betto(*)
Para Santo Agostinho, a paz é o maior bem da cidade terrestre.
Para
defendê-lo, justifica-se a guerra. É o princípio da guerra
justa. Para
declará-la, requer-se que a causa seja justa, a autoridade legítima,
a
intenção reta e os danos limitados.
Tomás de Aquino retomou a questão no século 13, afirmando que a
guerra e
o amor cristão se contradizem. Assim, todas as guerras são
injustas,
exceto quando se trata de legítima defesa, resguardada a limitação
de
danos. Isso significa evitar a morte de civis.
Na I Guerra Mundial (1914-1918), as vítimas civis corresponderam
a 5%.
Na II Guerra (1940-1944), a 50%. No Vietnã, a 85%. Hoje, as
guerras de
limpeza étnica, como a da Bósnia, sacrificam quase 90% da população
civil, sem que os militares, que atiram bombas do alto de seus aviões,
sofram qualquer arranhão.
Na I Guerra, o papa Bento XV assumiu posição pacifista,
condenando-a,
sem dar razão a franceses ou alemães. Na II Guerra, Pio XII
considerou-a
injusta, embora reconhecendo o direito de autodefesa dos inocentes
agredidos.
Na encíclica Pacem in Terris (1963), o papa João XXIII reafirmou
que a
guerra não é justificável em nenhuma hipótese, pois consiste
sempre num
ato contra a humanidade. E propôs o desarmamento como exigência
de paz.
O Concílio Vaticano II atenuou tal posição, influenciado pelo
cardeal
Spelmann, capelão das Forças Armadas dos EUA que, naquele
momento,
bombardeavam o Vietnã. O cardeal justificou a fabricação de
armas,
alegando que a única maneira de assegurar a paz era pelo equilíbrio
do
terror nuclear. Porém, o Concílio repudiou qualquer ação bélica
que tem
em vista a destruição indiscriminada de cidades inteiras ou de
vastas
regiões, com seus habitantes (Gaudium et Spes 80,4).
O Catecismo, aprovado por João Paulo II em 1997, admite que não
se
poderá negar aos governos o direito de legítima defesa (2308),
retomando
o princípio da guerra justa. Condena, no entanto, como pecado
mortal, o
extermínio de um povo, de uma nação ou de uma minoria étnica
(2313).
No Sínodo dos Bispos, reunido em outubro, em Roma, a condenação
ao
terrorismo e ao ataque dos EUA à população civil do Afeganistão
veio da
boca de dom Cláudio Hummes, cardeal de São Paulo. Devido à
pressão dos
bispos dos EUA, que apóiam o presidente Bush, o documento final não
assumiu uma posição mais contundente a favor da paz como fruto
da
justiça.
Segundo o profeta Isaías, a paz não deriva do equilíbrio de forças,
mas
é fruto da justiça (32,17). Hoje, ele faria eco ao papa João
Paulo II e
clamaria que não haverá paz enquanto não for reduzida a
desigualdade
entre o Norte e o Sul do mundo, cancelada a dívida externa dos países
mais pobres, reduzido o arsenal bélico e a acumulação de
riqueza em mãos
de poucos, protegido o meio ambiente e reconhecidos os direitos do
próximo. Porque a paz precisa ter sabor de pão. Sem o pão
nosso, a paz e
o Pai não virão até nós.
(*)Frei Betto é escritor, autor de "A mula de Balaão"
(Salesiana),
entre outros livros.
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