Responsabilidade
social das empresas
Por
*Frei Betto
Toda
empresa é uma comunidade de pessoas voltadas à produção,
administração e/ou serviços. E nenhuma delas é uma ilha. Para
bem funcionar, depende de uma teia de relações com outras
empresas, bancos, setores do poder público e a mídia.
Se os pontos de partida de uma empresa são a criatividade e o
investimento do empresário, o ponto de chegada é o público. O
equilíbrio dá-se entre esses dois pontos. Para o empresário,
sua empresa pode ser apenas uma galinha dos ovos de ouro,
destinada a multiplicar o patrimônio de sua família. Para o público,
a empresa é sempre encarada como um serviço.
Um olhar egocêntrico sobre a própria empresa pode induzir o
empresário ou o grupo empresarial a perder de vista o contexto em
que se situa o empreendimento.
Uma empresa é a qualidade de seu produto ou serviço, somada à
imagem que projeta na opinião pública. Essa imagem é tão
importante a ponto de mobilizar bilhões de dólares anuais, através
de agências de publicidade e veículos da mídia. Uma empresa que
mantém duas caras sabe que corre o sério risco de desabar sob a
perda de credibilidade. Não há imagem publicitária que restaure
a beleza desse rosto maculado.
A teia de relações da empresa tem seu ápice no contato com o público.
Em outras palavras, no mercado. E aqui dá-se uma contradição
que, se não for bem compreendida, pode comprometer a empresa.
Esta sabe que o jogo competitivo do capitalismo é uma batalha sem
tréguas. Não há solidariedade entre empresas. Por outro lado,
as relações com o poder público e os bancos também não são
nada fáceis. A burocracia emperra os negócios, sem lobby não se
avança, os fiscais nem sempre atuam com transparência. Feliz do
empresário que tem amigos poderosos, políticos e banqueiros
interessados no bom êxito de seus negócios!
O público, entretanto, não sabe nada disso, exceto uma minoria.
Manter-se fiel à marca do produto é sinal de confiança. A
empresa que sonega informações ao consumidor, não leva a sério
as suas queixas, não reconhece nem corrige seus erros, caminha
para a ruína, sobretudo neste momento histórico em que o
consumidor passa a ser ativo controlador dos produtos e serviços
que utiliza.
A teia de relações em que se situa a empresa é, contudo, muito
mais vasta do que o arco que se estende entre o empreendedor e o
mercado. Uma empresa não pode ignorar a conjuntura social e histórica
em que se situa. Como uma família, ela deve possuir um código de
ética, que deve valer tanto para a vida interna da empresa,
quanto para a sua inserção no contexto social em que atua.
Uma empresa convencida de sua responsabilidade social não se
restringe a cumprir rigorosamente as leis trabalhistas. Ela avança
na direção de constituir-se numa comunidade. Transformar a
empresa numa comunidade não consiste apenas em recusar mão-de-obra
infantil e oferecer aos funcionários condições dignas de
trabalho e benefícios. É, sobretudo, inserir no quadro de
alcance da empresa o tendão de Aquiles de todo ser humano: a família.
Se a empresa oferece à família oportunidades de educação e
lazer, serviços de saúde e qualificação profissional,
possivelmente ela caminhará para se transformar em comunidade. A
elevação do clima de confiança terá seu reflexo no bom
andamento da empresa.
Ocorre que a empresa brasileira ou estrangeira operando em nosso
país está cercada por um vulcão de problemas sociais prestes a
reativar-se. Somos 170 milhões de habitantes, dos quais 64 milhões
são trabalhadores e, desses, 8% encontram-se desempregados. Hoje,
só 61,3% têm carteira assinada. O índice de 1992 era de 64%.
Enquanto na Europa a distância entre os mais ricos e os mais
pobres é de 1 para 9, aqui é de 1 para 30. Segundo o IBGE (Pnad
99), a participação dos 10% mais ricos na renda nacional é de
45,7%. Dos 10% mais pobres, 1%.
A pobreza que atinge 52 milhões de brasileiros, somada à miséria
de mais 35 milhões, não é culpa da indolência de nosso povo,
nem do clima tropical do país ou de nossa pouca inteligência ou
cultura, mas de uma história que insiste em manter o Brasil como
nação periférica, dependente e, internamente, excludente.
Nossos governos jamais promoveram a reforma agrária, apesar dos
600 milhões de hectares agricultáveis.
Mesmo considerando que, hoje, a zona rural abriga apenas 20% da
população brasileira, é a agricultura que mais emprega mão-de-obra,
cerca de 23%, bem acima da indústria de transformação, que caiu
de 28% para 12%, e pouco acima dos serviços, com 20% da população
economicamente ativa.
O governo federal não tem uma política agrícola satisfatória e
promove, a meu ver, uma política equivocada de privatizações. O
Brasil é mantido como refém das imposições monetaristas do
FMI, voltadas unicamente a satisfazer os credores externos. Não
defendo o calote, mas concordo se ao menos 1/3 da fortuna
reservada aos credores fosse acrescido à verba de investimentos,
com certeza acabaríamos com a miséria no país e, portanto,
reduziríamos a violência urbana.
A globalização que prefiro qualificar de "globocolonização"
exige maior estreitamento de relações comerciais entre países.
A carga tributária do Brasil equivale a 33% do PIB, uma das mais
altas do mundo, sobretudo considerando a baixa qualidade dos serviços
oferecidos pelo governo.
Nessa conjuntura, o que significa responsabilidade social da
empresa? Em primeiro lugar, envolver-se com projetos que visem
minorar as contradições sociais, como propõe o Instituto Ethos
e fazem a Fundação Abrinq, a Fundação Roberto Marinho e tantas
outras instituições e empresas.
Há bons exemplos de empresas com responsabilidade social, que
investem na cidadania de seus quadros, ampliando o nível de
cultura e de consciência cívica. A Ford do Brasil criou a Gerência
de Responsabilidade Social e, em termos concretos, apóia entre
outros projetos ambientais e educacionais, o programa
governamental de Alfabetização Solidária.
O Brasil talvez seja o país do mundo com maior número de
movimentos sociais. Todos eles, dos que atuam junto aos sem-terra
ou teto, aos que se empenham em questões ecológicas, precisam de
parceria com empresas. Isso traria benefícios para ambos os
lados. Mas, para que se torne realidade, faz-se necessário
quebrar tabus e preconceitos e um dar o passo na direção do
outro. Uma coisa é certa: o Projeto Brasil, de uma nação justa,
livre, solidária e feliz, ainda é uma utopia. E o que vemos à
nossa volta exige urgentemente que arregacemos as mangas para
transformar o sonho em realidade.
*Frei Betto
é teólogo e escritor.
Artigo
publicado no jornal Valor Econômico, Empresas & Tecnologia,
25 de abril de 2001, pág B2
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