Ao gosto do mercado
Frei Betto
A globalização nada mais é do que
a redução do mundo a um mercado, onde investem os donos do
capital e no qual a condição de cidadão importa menos que a
de consumidor.
Tudo transforma-se em mercadoria:
idéias, projetos, relações, objetos etc. Vendem-se empresas,
estradas, influências e governos. O valor de troca de um
produto adquire mais importância que seu valor de uso. Sua
grife cobre-se de fetiche, a ponto de imprimir mais valor ao
usuário do que aquele que é inerente à sua natureza humana.
O homem, em si, parece não valer
nada. Mas se revestido de mansão com piscina, carro importado e
roupas sofisticadas, passa a ser visto como tendo mais valor que
o aquele outro que mora numa meia-água de periferia,
locomove-se de ônibus e veste camisa de malha.
Topa-se tudo por dinheiro. O
mercado não tem preconceitos, apenas interesse de lucro. Assim,
transforma Che Guevara em cerveja inglesa, liturgia em show
business e os filhos de Gandhi em bloco carnavalesco. O
importante é mercantilizar e reificar tudo: do emblema
revolucionário às nádegas da dançarina. Tornar o supérfluo
necessário. Só assim dilata-se o consumo.
Para isso, há uma poderosa
engrenagem publicitária. Vendem-se sabão em pó e propostas
políticas, nudez da atriz e sorriso do candidato, anjinhos de
gesso e bordéis telefônicos.
Os novos paradigmas dessa
sociedade da abastança virtual são os modelos publicitários a
quem, para efeito de propaganda, nada falta: beleza, saúde,
fortuna e fama. Chiques e famosos, de tal modo suas caras são
revestidas de plenitude que, do outro lado da linha de
observação, o consumidor é induzido à carência, não do que
lhe falta, mas do que o paradigma consumista lhe impõe como
indispensável.
Nem a religião escapa. Criada
para elevar as pessoas a outro nível de consciência, para que
vivenciem a comunhão com Deus e entre si, e fundada em valores
derivados de revelação transcendente, aos poucos perde sua
dimensão profética, de denúncia e anúncio. Despe-se de seu
caráter ético, de crítica ao que desumaniza, para adequar-se
à embalagem que a torna, no mercado, um produto atrativo.
Assim, ela brilha sob as luzes da
ribalta, trocando o silêncio pela histeria pública, a
meditação pela emoção trucada, a liturgia pela dança
aeróbica. Na esfera católica, torna o produto mais palatável,
destituindo-o de três fatores fundamentais na constituição da
Igreja, mas inadequados ao mercado: a inserção dos fiéis em
comunidades; a reflexão bíblico-teológica; e o compromisso
pastoral no serviço à justiça. As homilias se reduzem a
breves exortações que não incomodam as consciências.
Faz bem a CNBB em alertar para a
manipulação comercial dos “padres cantores” que, com
exceção do padre Zezinho, não pregam sobre a Campanha da
Fraternidade, não convocam para o Grito dos Excluídos, não
promovem Semanas Sociais, alheios à pauta pastoral da Igreja
Católica no Brasil. É preocupante ver seminaristas mais
interessados em aprender a dançar do que em estudar teologia,
servir aos enfermos, à população de rua, aos encarcerados e
aos que lutam por justiça.
Tivesse adotado estilo semelhante,
Jesus não teria sofrido perseguição, nem sido preso,
torturado e assassinado na cruz. A multidão teria clamado por
ele, e não por Barrabás. Na entrada de Jerusalém, o burrinho
cederia lugar ao cavalo branco dos imperadores.
Afinal, um Deus poderoso não
combina com a fragilidade de um nazareno que acolhe prostitutas
e pecadores, nem a bondade divina se coaduna com as diatribes de
um galileu que chama o governador de “raposa” e, armado de
um chicote, expulsa os que fazem da casa de Deus um “covil de
ladrões”. Um Jesus travestido de pop-star convém melhor às
exigências do mercado, ainda que essas não correspondam às do
Evangelho. Frei Betto é escritor, autor do romance policial
Hotel Brasil (Ática), à venda no Sindicato com abatimento (R$
18,00), assim como todos os seus outros livros. Encomendas após
as 15h, pelo tel. 233-2113.
Frei Betto é escritor,
autor do romance policial Hotel Brasil (Ática), à venda no
Sindicato com abatimento (R$ 18,00), assim como todos os seus
outros livros. Encomendas após as 15h, pelo tel. 233-2113.
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