O Direito
Internacional dos Direitos Humanos e o Brasil
FLÁVIA PIOVESAN
Professora Doutora em Direito
Constitucional e Direitos Humanos da PUC/SP e Procuradora do
Estado de São Paulo
O movimento de internacionalização
dos direitos humanos deflagrou-se no Pós Guerra, em resposta às
atrocidades cometidas ao longo do Nazismo. Se a Segunda Guerra
significou a ruptura do valor dos direitos humanos, o Pós Guerra
deveria significar sua reconstrução.
A partir da Declaração Universal
de Direitos Humanos de 1948 começa a ser delineado o chamado
Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de
importantes tratados de proteção dos direitos humanos, de
alcance global (emanados da ONU) e regional (emanados dos sistemas
europeu, interamericano e africano). Inspirados pelos valores e
princípios da Declaração Universal, os sistemas global e
regional compõem o universo instrumental de proteção dos
direitos humanos, no plano internacional. Em face deste complexo
aparato normativo, cabe ao indivíduo, que sofreu violação de
direito, a escolha do aparato mais favorável. Nesta ótica, os
diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagem em
benefício dos indivíduos protegidos. Ao adotar o valor da
primazia da pessoa humana, estes sistemas se complementam,
somando-se ao sistema nacional de proteção, a fim de
proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção
de direitos fundamentais.
É somente com o processo de
democratização, iniciado em 1985, que o Estado Brasileiro passa
a ratificar os principais tratados de proteção dos direitos
humanos. Impulsionado pela Constituição de 1988 – que consagra
os princípios da prevalência dos direitos humanos e da dignidade
humana – o Brasil passa a se inserir no cenário de proteção
internacional dos direitos humanos. Assim, a partir da Carta de
1988 foram ratificados pelo Brasil: a) a Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de
1989; b) a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) a Convenção
sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; d) o
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de
janeiro de 1992; e) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) a Convenção
Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; h) o Protocolo à
Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em
13 de agosto de 1996 e i) o Protocolo à Convenção Americana
referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo
de San Salvador), em 21 de agosto de 1996.
Adicione-se que, em 03 de dezembro
de 1998, o Estado Brasileiro reconheceu a competência
jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por
meio do Decreto Legislativo n.89/98. Em 07 de fevereiro de 2000, o
Brasil assinou o Estatuto do Tribunal Internacional Criminal
Permanente. Note-se ainda que, atualmente, dois brasileiros notáveis
assumem a presidência dos principais órgãos do sistema
interamericano (Antônio Augusto Cançado Trindade, é presidente
da Corte Interamericana e Hélio Bicudo, é presidente da Comissão
Interamericana). Recente, portanto, é o alinhamento do Brasil à
sistemática internacional de proteção dos direitos humanos.
Faz-se, assim, fundamental
desenvolver o estudo da normatividade internacional de direitos
humanos, na medida em que consagra parâmetros mínimos a serem
respeitados pelos Estados. Além disso, o aparato internacional
conjuga-se com o Direito interno, ampliando, fortalecendo e
aprimorando o sistema de proteção dos direitos humanos, sob o
princípio da primazia da pessoa humana. Há que se combinar a
sistemática nacional e internacional de proteção, à luz do
princípio da dignidade humana.
Em um momento marcado pela
crescente “justicialização” do Direito Internacional dos
Direitos Humanos (a exemplo, vide a criação do Tribunal
Internacional Criminal Permanente), bem como pela intensa adesão
do Brasil ao aparato internacional de proteção dos direitos
humanos (com destaque ao reconhecimento da jurisdição da Corte
Interamericana em 1998), impõe-se à cultura jurídica o desafio
de criar, desenvolver e aprofundar a doutrina nacional voltada à
matéria.
Há que se propagar o esforço de
desvendar uma visão renovada e contemporânea de direitos
humanos, caracterizada pela dinâmica interação da ordem jurídica
nacional, regional e global, movidas por uma mesma racionalidade e
sentido: a absoluta prevalência da dignidade humana. Neste cenário,
a crescente internacionalização dos direitos humanos passa a
invocar os delineamentos de uma cidadania universal, da qual
emanam direitos e garantias internacionalmente assegurados.
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