Pinochet e
direitos humanos
por Flávia Piovesan
A detenção de
Pinochet em Londres, a pedido da Justiça espanhola, tem sido
objeto de intensos debates. Como poderia a Espanha pretender
julgar Pinochet? O que poderia fundamentar a decisão unânime da
Justiça espanhola no tocante ao pedido de extradição de
Pinochet para a Espanha? A soberania chilena estaria sendo ameaçada?
E qual seria o destino da Lei de Anistia chilena?
A resposta está
absolutamente relacionada com a concepção contemporânea de
direitos humanos. Ao afirmar a universalidade desses direitos, em
1948, a Declaração Universal implicou: a) revisão do conceito
de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer relativização
em prol da observância dos direitos humanos, na medida em que
estes passam a constituir tema de legítimo interesse da
comunidade internacional; b) cristalização do indivíduo como
sujeito de direito internacional.
É sob esse enfoque
que há de ser compreendido o caso Pinochet, acusado de tortura,
morte e desaparecimento forçado de 94 pessoas, dentre elas cidadãos
espanhóis. O crime de tortura, por sua gravidade, viola o direito
internacional. Dai a Convenção da ONU contra a Tortura,
ratificada por dezenas de países, incluindo Chile, Espanha e
Inglaterra.
Da convenção,
decorrem obrigações jurídicas internacionais dos Estados/partes
e direitos fundamentais dos indivíduos. Por ser crime
internacional, a competência para julgar a prática da tortura é
fixada de forma diferenciada; a jurisdição poderá ser
disciplinada pela nacionalidade da vítima, nos termos do art. 5º,
"c", da convenção. Esse critério justifica o pedido
de extradição: segundo o art. 8º da convenção, para esse fim
será considerado não apenas o lugar do crime, mas também o
Estado de nacionalidade da vítima.
O art. 9º prevê a
cooperação internacional para assegurar o julgamento de pessoas
acusadas de tortura. Aos acusados são asseguradas as garantias de
um tratamento justo em todas as fases do processo (art. 7º, 3).
Não há que falar
em afronta à soberania chilena. O Estado chileno, no livre exercício
de sua soberania, ratificou a convenção. A própria constituição
chilena (art.5º) expressamente estabelece que o exercício da
soberania reconhece como limite o respeito aos direitos humanos,
sendo dever dos órgãos estatais respeitá-los.
Quanto à Lei de
Anistia, adotada pelo Chile em face do processo de transição
democrática, não pode subsistir em face de obrigações
internacionalmente contraídas. A impunidade há de ser afastada
em prol do direito à verdade e à justiça. Não há como
transigir em matéria de direitos humanos nem há verdadeira
democracia sem sua absoluta prevalência. Flávia Piovesan, 29,
procuradora do Estado e doutora em direito constitucional, é
coordenadora do grupo de trabalho de direitos humanos da
Procuradoria Geral do Estado (SP), professora de direito
constitucional da PUC/SP e membro da Comissão de Justiça e Paz.
(Folha de São Paulo, 7/11/98)
Flávia Piovesan
29, procuradora do Estado e doutora em direito constitucional,
é coordenadora do grupo de trabalho de direitos humanos da
Procuradoria Geral do Estado (SP), professora de direito
constitucional da PUC/SP e membro da Comissão de Justiça e Paz.
(Folha de São Paulo, 7/11/98)
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