O
DIREITO DOS EXCLUÍDOS
Na
rua em que trabalho, vive, há anos, uma moradora de rua, na calçada
próxima à esquina da av. Paulista. Esta mulher, uma mulher de
meia idade, chamava a atenção de todos os frequentadores do pedaço
pela sua dignidade, limpeza e organização. Organização,
inclusive, de seus poucos pertences, arrumados com economia de
espaço e até com alguma estética. Geralmente dormia de dia, o
que me faz pressupor que passava a noite vigilante. Quando
acordada, estava sempre tricotando ou fazendo crochê, belos
trabalhos que certamente lhe garantiam; a freguesia junto aos
moradores e passantes do local e algum sustento. Eventualmente,
cumprimentávamo-nos. Há mais de mês, funcionários da
Prefeitura sequestraram seus pertences e a desalojaram. Passou uns
dias sumida e depois voltou ao local. Aos poucos vai reerguendo o
que poderíamos chamar de sua banca, assento, leito, moradia a céu
aberto. Tentei conversar com ela. O quase monólogo que se seguiu
foi o de uma pessoa profundamente revoltada e desequilibrada
emocionalmente. Ainda ontem a vi, pé descalços, olhar alheio,
andando pelas imediações, uma mulher profundamente ferida em sua
dignidade.
Todo
ser humano possui uma dignidade inerente à sua própria condição
humana. Todo ser humano tem direito à vida e à vida com
dignidade, é este o direito humano fundamental. Ora, numa
sociedade cínica como a nossa, que não garante os direitos
fundamentais de todos os homens, tais como trabalho, moradia,
assistência médica, educação, saneamento básico (a imprensa
noticiou há dias que a falta de saneamento básico mata mais do
que os crimes) etc., é inadmissível o desrespeito que vem
sofrendo a população de rua, seja através de atos isolados como
este acontecido na rua em que trabalho, seja na forma como vem se
processando a desocupação dos viadutos, privando as pessoas de
seus já p;arcos meios de subsistência. Age-se violentamente
contra os excluídos, provoca-se a sua revolta e, depois, eles é
que são os violentos ?
É
o que parecem tentar fazer crer certas versões quanto à revolta,
nos primeiros dias de agosto, dos moradores de diversos conjuntos
habitacionais populares, indevidamente ameaçados de despejo. E é
para conjuntos habitacionais que se pretende remover os habitantes
dos baixos de viadutos, uma remoção discutível do ponto de
vista das liberdades individuais. Todos falam e arriscam soluções
que visam apenas a elidir os sintomas do mal estar social e não a
atacar as suas causas, como a concentração de renda ou a
concentração de terras, só para ficar em dois exemplos primários
e mundialmente notórios.
Triste
cidade, esta nossa, em que os mais aquinhoados têm medo dos excluídos
e estes, em sua fragilidade sob todos os aspectos, têm medo de
tudo. As classes mais favorecidas, infelizmente, quando lutam,
lutam ape;nas pela manutenção de seus privilégios. E os excluídos
sequer sabem que têm direitos. Conhece-se a cultura de uma país
pela forma como trata suas crianças e os excluídos. Está bem
claro que país é este. Cabe a todos nós, enquanto cidadãos,
lutarmos por uma sociedade justa, equitativa, onde todos possam
ter a esperança de dias melhores com a plena vigência de uma
cultura de respeito aos direitos humanos.
Guilherme Amorim Campos da Silva
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Presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo
(publicado em O SÃO PAULO)
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