PRÁTICA
DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS.
Antonio
Carlos Ribeiro Fester[i]
1.
Algumas reflexões iniciais
2.
Histórico
3.
A Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos
4.
Conteúdos específicos da educação em direitos humanos
5.
Principais dificuldades
6.
Metodologia da Interdisciplinaridade
7.
Processo de construção coletiva da interdisciplinaridade :
8.
Sugestões
9.
O Professor
10
Dos resultados, até
agora
1.
Algumas reflexões iniciais.
Parece-me
que “educação em direitos humanos” é uma expressão mais
abrangente e libertadora do que “cidadania”. Esta, como muitos
autores já mencionaram, é um status- quo outorgado e retirado
(especialmente durante as ditaduras) pela classe dominante à
sociedade em geral, de caráter censitário e machista[ii].
Cidadania é termo manipulável, inclusive do ponto de vista ideológico.[iii]
Desde
os escritos bíblicos e da patrística, da Grécia e Roma antigas
até Rousseau, e deste até Paulo Freire e outros já
encontramos o que poderíamos chamar de práticas de e em
“educação em Direitos Humanos”. A História, a história dos
direitos humanos, a história da educação e a história da educação
em direitos humanos é um processo, um processo que veio se
construindo e se concretizando através de teorias e experiências
que, articulando princípios e metodologias, constituíram as práticas
atuais
O
diálogo é a principal prática da educação em direitos
humanos, no meu entender, mas diálogos entre sujeitos e não
entre sujeitos e objetos, seja entre as pessoas, grupos ou nações.[iv]
A
humanização é o seu principal objetivo. Humanização, define
Antonio Candido, é “o
processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos
essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do
saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das
emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso
da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o
cultivo do humor”[v]
2.
Histórico
O
Projeto Educação em Direitos Humanos da Comissão Justiça e Paz
de São Paulo (CJP-SP) teve início com duas reuniões, em 1987,
em Recife e Petrópolis, de membros da Comissão com professores
das Universidades Católicas do Rio de Janeiro, da Paraíba, de
Pernambuco, e com representantes do Instituto Interamericano de
Direitos Humanos, sediado em São José da Costa Rica. Destas
reuniões, entre outros frutos[vi],
resultou o Seminário Internacional sobre Educação em Direitos
Humanos, que realizou-se em São Paulo, no ano seguinte. O Projeto
baseava-se nas idéias de Paulo Freire e da Teologia da Libertação.[vii]
Para fins de sensibilização do grande público,
organizamos três ciclos de Palestras sobre Direitos Humanos[viii].
Especificamente
para professores, a Comissão promoveu, no período de agosto a
outubro de 1988, curso para professores e diretores da rede
estadual de ensino, em São Paulo, na FDE-Fundação para o
Desenvolvimento da Educação. Deste curso, resultou um projeto da
DRE-5 Leste, região de Mogi das Cruzes, que veio a desenvolver o
trabalho em 48 escolas-piloto da região, com resultados
significativos. De maio a junho de 1989, a Comissão ofereceu um
curso para a 19ª Delegacia de Ensino, região de Campo Limpo, na
capital de São Paulo.
2.1.O
Projeto na Secretaria de Educação do Município de São Paulo.
Tendo
Paulo Freire assumido a Secretaria Municipal da Educação, em
janeiro de 1989, nada mais natural do que a Comissão firmar um
termo de cooperação técnica, uma vez que aquela administração
comprometeu-se na construção de uma educação pública popular
que tivesse como marca principal a educação como prática de
liberdade.
A
concretização desta educação exigiu repensar o currículo. E a
nova proposta curricular não seria imposta autoritariamente,
respeitando o trabalho educacional digno, mesmo se divergente, que
estivesse sendo conduzido; construindo-se gradativamente a partir
de experiências criticamente avaliadas em escolas-piloto e,
majoritariamente por atuação voluntária de setores da rede
escolar.
Os
eixos básicos da reorientação curricular, na Secretaria
Municipal da Educação-SME, foram a construção coletiva; o
respeito ao princípio de autonomia da escola; a valorização da
unidade teoria-prática que se traduz na ação-reflexão-ação
sobre experiências curriculares; e a capacitação permanente dos
profissionais de ensino. Para tanto, criaram-se colegiados a
diversos níveis, que, por representação, comunicavam-se a nível
vertical, garantindo a coletividade e efetivação dos trabalhos.
Entre estes colegiados, na qualidade de representante da CJP-SP,
integrei o Grupo de Assessoria Universitária (com professores da
USP, PUCSP e UNICAMP) e o Grupo de Reorientação Curricular pela
via da Interdisciplinaridade (constituído por representantes das
NAES-Núcleos de Ação Educativa-antigas Delegacias de Ensino),
ora trabalhando em conjunto, ora em separado, a nível do
Departamento de Orientação Técnica-DOT, daquela Secretaria, com
reuniões semanais de cada grupo, quando não mais.[ix]
Em 1990, dez escolas-piloto envolveram-se no Projeto de
Reorientação Curricular pela via da Interdisciplinaridade; em
1991, mais cem escolas aderiram ao Projeto.
Dentro
do Projeto de Formação Permanente de Professores, a SME-SP e a
CJP-SP oferecemos catorze cursos, além de palestras avulsas ou
participação em seminários, mesas-redondas etc. Sete desses
cursos atingiram, por representação, todas as escolas envolvidas
na reorientação curricular pela via da interdisciplinaridade.[x]
Diversos encontros com os alunos-educadores dos cursos foram
realizados para trocas de experiências e acompanhamento dos
trabalhos em andamento junto aos alunos em sala de aula. Um curso
foi oferecido ao público em geral na VI Conferência Brasileira
de Educação-CBE, em 1991. Alguns NAES e algumas escolas
organizaram seus próprios cursos, multiplicando a sensibilização
dos educadores para a educação em direitos humanos. Diversos
membros e amigos da CJP-SP participaram dos cursos e conferências
promovidos, tanto pela DOT como pelos NAES.[xi]
Todos
os cursos oferecidos pela CJP-SP possuem três momentos básicos e
contaram com palestras de diversos de seus integrantes ou
simpatizantes. O primeiro trata da conceituação e histórico dos
direitos humanos; o segundo, de problemas brasileiros abordados à
luz dos direitos humanos; e, o terceiro, da educação em direitos
humanos propriamente dita.
2.2.
O Projeto na Secretaria do Estado da Justiça do Paraná.
Em
1992 e 1993, trabalho análogo foi realizado em Curitiba.
Assessorando o Centro Heleno Fragoso de Direitos Humanos e a
Secretaria do Estado da Justiça e da Cidadania do Paraná, que
desenvolveram o Projeto Educação em Direitos Humanos junto às
escolas estaduais daquele Estado, sempre na qualidade de
representante da CJP-SP, participei de reuniões, assessorias e
proferi palestras ou aulas em eventos diversos.[xii]
Em outubro de 1993, diversos membros da CJP-SP participamos
do Congresso Latino-Americano de Direitos Humanos, realizado em
Curitiba pelos promotores do Projeto Educação em Direitos
Humanos daquele Estado. O Congresso contou com a participação de
Luiz Perez Aguirre, jesuita uruguaio com assento na UNESCO pelos
seus trabalhos em educação em direitos humanos. Naquela ocasião,
os relatos e mostra dos trabalhos efetuados em diversas regiões
do Paraná foram muito gratificantes. Em 1997, recomeçamos o
trabalho em Curitiba, mas , agora, no âmbito da municipalidade.
3.
A Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos.
Em
abril de 1995, fundou-se na Sede do Projeto Nova América (RJ), a
Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos, sob a coordenação
de Margarida Genevois, filiada à Rede Latino-Americana de Educação
em Direitos Humanos e ao CEAAL- Centro de Educação de Adultos
para a América Latina.
Integram
a Rede, por enquanto (pois seu objetivo é a expansão), além dos
educadores da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, o Projeto
Nova América (RJ), o Centro Heleno Fragoso de Direitos Humanos
(Paraná), a Comissão de Justiça e Direitos Humanos de Porto
Alegre (RS), o Grupo de Direitos Humanos de Ijuí (RS) e o Grupo
Regional de Educação em Direitos Humanos de Recife.
Em
Convênio com a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do
Estado de São Paulo, a Rede promoveu cursos junto à Imprensa
Oficial do Estado, ao Serviço Médico Legal e participou da
organização de Seminário sobre o Preconceito, em abril-maio de
1996.[xiii]
Em maio de 1997, a Rede organizou o Congresso Brasileiro de
Educação em Direitos Humanos e Cidadania; e, em novembro do
mesmo ano, um encontro de educadores para melhor definir as metas
e metodologias de trabalhos da Rede. Até agora, foram publicados
dois números do Jornal da Rede. Em abril e maio de 1998, a Rede
organizou, em Convênio com a Secretaria Nacional dos Direitos
Humanos, dois cursos para o Serviço Civil Voluntário, realizados
em Brasília e no Rio de Janeiro.
4.
Conteúdos específicos da educação em direitos humanos.
Como
conteúdos específicos, temos a conceituação e histórico dos
direitos humanos, o conhecimento de todas as declarações, pactos
etc, que vêm aperfeiçoando a declaração de 1948 (entre os mais
recentes, lembremos a Declaração de Princípios da Tolerância,
da UNESCO, em 1995, precedida pela Carta da Transdisciplinaridade,
que teve um comitê de redação constituído por Lima de Freitas,
Edgar Morin e Bassarab Nicolescu, em Portugal, em 1994.). Integram
ainda, os conteúdos específicos, o conhecimento das virtudes
democráticas (o amor à igualdade, rejeição aos privilégios,
aceitação da vontade da maioria e respeito aos direitos da
minoria) e das virtude republicanas ( o respeito à lei acima da
vontade dos homens, ao bem público acima do interesse privado, à
responsabilidade no exercício do poder, isto é, o poder visto
como um serviço e não como um privilégio)[xiv].
Acrescente-se o estudo da história recente do respeito (criação
do Estatuto da Criança e do Adolescente, das delegacias de
mulheres, dos Conselhos de Defesa da Pessoa Humana e outros ) e do
desrespeito (chacinas, violência, desigualdade, fome, ausência
de direitos sociais etc) aos direitos humanos. Não se trata de
uma disciplina, de momentos ou aulas reservadas aos direitos
humanos, mas de princípios e debates dos temas supra citados, que
devem permear toda a prática escolar.
Educação
igual para todos = Dalmo Dallari diz ter medo da expressão
educação popular, porque geralmente significa educação para
pobre. Antonio Candido defende que todos têm direito à leitura
de Guimarães Rosa e que cada leitor o entenda como puder ou
quizer.
A
metodologia para concretizar tais princípios pressupõe vivência
global dos direitos humanos, uma conquista contínua e cotidiana;
a participação como método, pressupondo respeito, colaboração,
tolerância e pluralismo.
A
metodologia deve estimular a participação de todos os envolvidos, especialmente
dos alunos, no processo pedagógico; possibilitar a contradição;
abrir-se para uma visão
universal
que, respeitando as diferenças, transcenda estas mesmas diferenças
( de língua, de cultura, de cor, de nacionalidades e outras) para
que todos se reconheçam iguais enquanto seres humanos; garantir a
reflexão crítica, ativa e permanente (ensinar a pensar);
fortalecer os vínculos com a comunidade e com toda e qualquer
pessoa, a partir dos mais próximos; ter como referencial a
realidade.
Uma
metodologia, que busca a interdisciplinaridade, baseia-se na relação
entre os conteúdos e sua realidade; na realidade como objeto de
estudo, dando significado aos conteúdos; na procura de
conteúdos significativos que expliquem a realidade
concreta. Os conteúdos escolares devem ser não uma finalidade,
mas meios que explicam e desvelam a realidade, podendo modificá-la.
O
conceito de interdisciplinaridade ainda está sendo construído.
Ela pressupõe a dialogicidade. A interdisciplinaridade deverá
ser não apenas o intercâmbio entre as disciplinas, mas,
especialmente, entre os temas, metodologias e procedimentos a
partir da atitude docente, planejados e executados à luz dos
Direitos Humanos e rumo à sua plena vigência, formando o indivíduo
para o pleno gozo da plenitude de suas potencialidades.
“A
disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade
e a transdisciplinaridade são quatro flechas de um só e mesmo
arco : o do conhecimento”, escreve Bassarab Nicolescu.[xv].
Creio podermos concluir que uma educação voltada para os
direitos humanos pode utilizar-se de diversas metodologias.
5.
Principais dificuldades
A
principal questão, corroborada por Fábio Comparato, é a
dificuldade de lidar-se com o conceito de igualdade. O brasileiro,
bem ou mal, tem idéia do que seja a liberdade, mas não tem a
menor noção do que seja a igualdade. Isto é decorrência de sua
formação escravocrata, onde o escravo era objeto e não ser
humano, uma vida descartável; além de consequência da cultura
lusitana, mais voltada para a particular - a família e o clã -
do que para o público, o que explica, em nossa história, a
permanência do mandonismo local ( ACM é o exemplo e Maria Isaura
Pereira de Queiroz a grande estudiosa da questão) Acrescente-se a
isto a segunda distribuição de renda mais injusta do planeta e
outros problemas análogos, do conhecimento de todos, inclusive os
de ordem cultural, como se cultura e sabedoria fossem sinônimos.
Em uma sociedade injusta como a nossa, saber também torna-se uma
forma de poder (mandarinatos).
Nesta
linha de falta de noção de igualdade, há a dificuldade de
trabalhar-se em grupo, especialmente nas lideranças, onde
vaidades e pretensões, disputas de poder e outras características
da fragilidade humana, impedem uma construção realmente
coletiva, tônica fundamental de uma educação em direitos
humanos. Nas bases, frente às dificuldades da linha de frente, no
confronto direto com as questões de desumanidade, ainda que
presentes, estas questões interferem menos.
Acrescente-se
os problemas de competência, formação, ética, disponibilidade
e vontade política, quando se sabe que os governos criam
"políticas em direitos humanos" sem destinar-lhes as
verbas necessárias, que as tornariam viáveis.
Por
outro lado, a violência exarcebada da sociedade em que vivemos,
seja pela violência explícita, como a das ruas, seja a
estrutural, como o desemprego, não induz, na maioria das pessoas,
infelizmente, tendências à cooperação e solidariedade. Além
da falta de noção de igualdade, o brasileiro, em geral, não tem
o hábito de racionalizar
5.1.
Algumas sugestões frente
aos problemas
Há
que trabalhar-se com as mentalidades e ideologias. Entendo
mentalidade como forma de pensar, sentir e reagirm de maneira
expontânea e acrítica e ideologia como um conjunto de valores
que se evoca para defender o interesse de um grupo, geralmente da
classe dominante, portador de uma verdade particular que se
pretende universal. Como reiteram Alfredo Bosi, Chauí, Claude
Lefort e outros, tanto a ideologia quanto a mentalidade podem ser
desmontadas através do contra-discurso, isto é, através do
discurso que analise a ambas através do raciocínio crítico do
conhecimento. “É função do intelectual desvendar os véus que
encobrem as relações de poder no discurso competente.”(Helenice
Ciampi). Lembramos que atitudes e comportamentos também
constituem, a seu modo, uma forma de discurso, pois significam.
Pode-se
ter mentalidade sem ideologia. É o homem comum que representa a
mentalidade de sua comunidade. O sábio tem espírito científico,
o sábio burocrata tem mentalidade científica. Mentalidade tem a
ver com consciência de classe. A mentalidade é forma de
auto-preservação do grupo ou comunidade, chegando a tornar-se
agressiva, intolerante ou autoritária. A mentalidade cria
preconceitos, o empecilho maior para construção do conceito de
igualdade. A mentalidade dissimula-se a si mesma. Exemplo : é a
mentalidade da Igreja tridentina que impede os avanços do
Vaticano II dentro da própria Igreja.
Creio
ainda que o enfoque deve estar voltado para a construção do que
Herbert de Souza chamou de ética da resistência democrática:
aquela baseada nos princípios de liberdade, igualdade,
diversidade, participação e solidariedade
Esta ética, humanizadora, tem como características de ação
que o privado se subordine ao público, que o interesse comum da
maioria afirme-se com respeito à minoria; que a lei exista para
produzir a igualdade entre todos e respeite a diversidade e a
liberdade como condições de exercício da cidadania.
Escrevendo
sobre as raízes subjetivas do projeto revolucionário, o filósofo
contemporâneo Castoriadis reivindica autonomia, igualdade,
liberdade e participação para todo e cada indivíduo. Usando uma
linguagem psicanalítica, lembra que, na situação infantil, a
vida e a Lei são dadas. Permanece, na situação infantil, “o
conformista ou o apolítico, pois aceita a Lei sem discutí-la e não
deseja participar de sua formação”. O que Castoriadis deseja,
desejando que desejemos também, é poder assumir o seu ser e a
possibilidade de ser um com os outros. “Desejo que o outro seja
livre porque minha liberdade começa onde começa a liberdade do
outro, e, sozinho, posso, no máximo, ser virtuoso na
infelicidade”. Aceitar o princípio da realidade é aceitar a
necessidade do trabalho, de uma organização social do trabalho,
fazer a própria vida, dar para a vida, dar a Lei para si mesmo.
5.2.
Algumas observações frente aos problemas :
-
ninguém se educa sózinho
-
ninguém educa ninguém, os seres humanos se educam em comunhão
-
todos somos agentes pedagógicos na medida em que praticarmos os
direitos humanos.
-
os direitos humanos não se aprendem de memória; vivem-se,
praticam-se ou, ao contrário, morrem e desaparecem da consciência
da humanidade.
-
ninguém tem o monopólio dos elementos humanizantes : todos temos
algo a dar e a receber - Os seres educação em comunhão
(cf Paulo Freire e Luiz Perez Aguirre)
-
educar não é apenas informar, mas sobretudo formar, transmitir
convicções, esperanças, afetos, desenganos e compromissos.
-
não educamos com o que sabemos e sim com o que somos (o professor
é aceito ou não por seu comportamento, valor pessoal,
credibilidade e postura ética)
-
a liberdade só se ensina com a liberdade
-
o educador em direitos humanos é aquele que, com sua presença,
desafia o outro a ser mais humano.
Currículo
- tudo o que acontece na escola e em torno dela.
O
currículo formal é diferente do currículo oculto. Currículo
"como, porquê, o quê, para quê ?
5.3.
Principais temas
-
relação entre os conteúdos e sua realidade
-
a realidade deve ser o objeto de estudo, dando significado aos
conteúdos.
-
procurar conteúdos significativos que expliquem a realidade
concreta
-
os conteúdos escolares não
são uma finalidade, mas meios que explicam e desvelam a
realidade, podendo modificá-la.
-
pensá-los à luz da interdisciplinaridade.
6.
Metodologia da Interdisciplinaridade
O
conceito de interdisciplinaridade ainda está, sob muitos aspectos,
para ser construído.
A
interdisciplinaridade não se confunde com multidisciplinaridade,
pluridisciplinaridade, integração etc.
Ela
pressupõe a dialogicidade (capacidade
de A conversar com B de tal forma que ambos elaborem, a partir dos
conhecimentos A e B - que pode ser, A do aluno e B do professor -
novos conhecimentos C, D, E, F...isto é, em que ambos saiam
recriados, transformados) . O diálogo costuma ser os monólogos
entre A e B, dos quais ambos saem como entraram.
6.1.Princípios
metodológicos
-
vivência
global dos direitos humanos
-
conquista contínua e cotidiana
-
a participação como método, pressupondo respeito, colaboração,
tolerância e pluralismo
-
transformar conceitos relativos aos direitos humanos em temas de
maior alcance
-
a dignidade individual traduzindo-se no respeito às minorias
-
relacionar justiça pessoal com normas de convivência entre as nações
-
segurança econômica do grupo seja a certeza de que ninguém no
mundo passe fome
-
a síntese cultural e a reflexão sobre os direitos humanos deve
integrar a reconstrução do conhecimento.
As
metodologias devem :
-
estimular a participação de todos os envolvidos, especialmente
dos alunos, no processo pedagógico
-
possibilitar a contradição
-
abrir-se para uma visão universal que, respeitando as diferenças,
transcenda estas mesmas diferenças ( de língua, de cultura, de
cor, de nacionalidades e outras) para que todos se reconheçam
iguais enquanto seres humanos
-
garantir a reflexão crítica, ativa e permanente (ensinar
a pensar)
-
fortalecer os vínculos com a comunidade e com toda e qualquer
pessoa, a partir dos mais próximos, pais, familiares, amigos,
colegas, etc.
-
ser abrangentes (currículo
amplo)
-
ter como referencial a realidade
Um
professor em direitos humanos deve adotar a teoria da ação dialógica
(Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido. Ver também Pedagogia
da Esperança e Pedagogia da Autonomia, esta a última obra de
Freire) : a colaboração, a união, a organização, a síntese
cultural, a reconstrução do conhecimento
Interdisciplinaridade
: não apenas o intercâmbio entre disciplinas, mas,
especialmente, todos os conteúdos, metodologias e procedimentos a
partir da atitude docente, planejados e executados à luz dos
Direitos Humanos e rumo à sua plena vigência, formando o indivíduo
para o pleno gozo da plenitude de suas potencialidades.
7.
Processo de construção coletiva da interdisciplinaridade :
-
equipes multidisciplinares
-
colegiados em diversos níveis
-
assessoria universitária (especialmente para a reorientação
curricular).
-
redescoberta de cada um como sujeito do fazer educativo,
reassumindo sua própria identidade e não como mero cumpridor de
conteúdos pré-estabelecidos
7.1.Princípios
e prioridades :
participação
x descentralização =>
autonomia =>
poder compartilhado.
1)
Prédisposição do grupo-escola às mudanças, manifesta sob a
forma de adesão :
-
da equipe técnica
-
da maioria dos professores (por série ou por período)
-
do conselho da escola.
2)
Garantia de trabalho coletivo (através da organização de
colegiados a diversos níveis e com horário de trabalho coletivo
extra-classe)
3)
Formação permanente de professores, por representação.
7.2.Momentos
pedagógicos
(
Organizadores da prática sistemática do diálogo)
7.2.1)
o momento da fala do outro = Estudo
da Realidade (ER)
7.2.2)
o momento da fala do organizador (propõe atividades para a
conquista do conhecimento) = Organização do Conhecimento (OC)
7.2.3)
o
momento de junção da fala do outro com a fala do organizador (síntese)
= aplicação do
conhecimento (AC).
A
síntese entre
as duas diferentes visões do mundo ou, ao menos, da percepção
de sua diferença e finalidade. É um momento em que uma fala não
predomina sobre a outras, mas, juntas, exploram as perspectivas
criadas, reforçam os instrumentos apreendidos, fazem um exercício
de generalização e ampliação dos horizontes anteriormente
estabelecidos.
7.3.
Etapas para a organização do programa :
a)
Levantamento preliminar da realidade local.
b)
Análise interdisciplinar do material coletado
c)
Círculos de investigação temática ( testam se os temas ou
situações escolhidas são, de fato, significativas para a população)
d)
Os temas possíveis são vistos sob a ótica de todas as
disciplinas, buscando-se a articulação entre as diferentes visões.
Aqui inicia-se o trabalho de redução temática.
e)
Os temas são trabalhados pelos professores que planejam suas
atividades e as confrontam com os outros professores da mesma série.
Em seguida, discutem com os alunos, em sala de aula,
apresentando-lhes a lógica do programa elaborado, ainda aberto às
mudanças que se façam necessárias.
(Processo
necessariamente coletivo, programado e organizado com antecedência)
8.Sugestões
:
-
os direitos humanos jamais podem constituir uma disciplina. Pois
são princípios que embasam ou deveriam embasar as mais diversas
áreas do conhecimento do homem e do mundo, bem como a postura do
ser no mundo.
-
classes heterogêneas (nada de classes dos fortes, adiantados,
fracos ou atrasados)
-
avaliação não comparativa, mas baseada no processo de
aprendizagem do próprio aluno, isto é, o aluno avaliado em si
mesmo e a partir de si mesmo ( Vide Revista de Educação AEC -
Associação de Educação Católica do Brasil. Ano 19, nº 77 -
outubro/dezembro de 1990, artigo de Celso dos S. Vasconcellos :
“Avaliação Escolar - Perversão dos direitos humanos”, p.53)
8.1.Outras
sugestões :
A)
- as
trocas ou partilhas entre
os professores devem ser permanentes e periódicas (bimensais,
trimestrais...) :
-
troca de experiências
-
troca de materiais
-
cursos para os colegas (formas de sensibilização)
-
ajuda mútua
-
grupos de estudo (apoio)
B)
- o
mesmo para a troca
ou partilha entre as escolas ( e é assim que a escola-piloto
se divulga e se difunde) :
-
correspondência entre alunos de diferentes escolas
-
teatro de uma escola para outra
-
coral da outra escola para a uma
-
feiras de trabalho sobre educação em direitos humanos
-
atividades, festividades, eventos conjuntos (por exemplo:
esportivos, excursões etc)
Objetivos
das trocas e partilhas : socialização, solidariedade, participação,
descentralização => autonomia => poder compartilhado
9)
O PROFESSOR
Um
professor em direitos humanos deve adotar a teoria da ação dialógica
: a colaboração, a união, a organização, a síntese cultural,
a reconstrução do conhecimento.[xvi]
Os
grandes homens foram grandes servidores : Jesus (“Humano assim
como ele foi, só podia ser Deus mesmo”, Leonardo Boff) ,
Gandhi, Freud, Einstein, Martim Luther King, Che Guevara, Madre
Thereza, Betinho e outros.
Para
a dialogicidade precisamos saber ouvir, ouvir os que não têm
voz. Para
construirmos juntos os currículos, a interdisciplinaridade e uma
nova humanidade, precisamos apreender a ouvir. Ainda são poucos
os que falam em nome de muitos. Quando todos tiverem voz,
certamente teremos a democracia, a igualdade.
Na
medida em que a educação em direitos humanos se pretende uma
educação para a mudança de mentalidades:
-
o primeiro trabalho é levar o professor a se auto-rever, a
efetuar uma auto-crítica da sua mentalidade, a conscientizar-se
-
a partir daí, levar o professor à compreensão e vivência dos
direitos humanos, através das formas de trabalho na escola :
colaboração, respeito, pluralismo, responsabilidade, prestação
de contas, participação.
-
levar o professor à constatação da presença ou ausência de
quaisquer direitos humanos no cotidiano escolar
-
levar o professor à constatação da defesa ou violação de
quaisquer direitos humanos no cotidiano escolar.
-
levar o professor a ver a realidade social, econômica, política
e cultural do meio, como referencial básico
-
levar o professor à compreensão efetiva da integralidade e
indivisibilidade dos direitos humanos, seu contexto histórico,
seu caráter público e reclamável.
Uma
ética para os direitos humanos é um estilo de vida, um modo de
ser perante o acinte da pobreza extrema da América Latina, um
compromisso por uma ação coletiva transformadora que entregue a
História na mão dos despossuídos (Luiz
Perez Aguirre)
10.
Dos resultados, até agora.
Dos
resultados do trabalho desenvolvido, um é fundamental: a modificação
das relações humanas nas escolas envolvidas. Escolas
frequentemente depredadas deixaram de sê-lo. O envolvimento com a
comunidade circundante foi essencial.
As comunidades foram levadas a descobrir que a escola pública
não é do Estado (entidade abstrata), mas dos cidadãos. Houve
significativa melhoria no aproveitamento escolar, com consequente
diminuição de repetência e evasão.
Mas
a educação em direitos humanos, na medida em que cria práticas
alternativas, não pode ser avaliada pelos critérios da educação
em vigor. Não se trata de resultados imediatos, estatísticos,
mas muito mais de resultados a serem alcançados a médio e longo
prazo, porque o que se almeja é a mudança das mentalidades, é a
construção de uma mentalidade nacional solidária, igualitária,
democrática; trata-se de uma educação para a paz, para o
respeito à profunda dignidade de todo e qualquer ser humano, seja
ele quem for.
Os
trabalhos destes anos, expressam a convicção de que esta educação,
muito mais do que conteúdos, é uma questão de postura do ser no
mundo, de uma ética baseada nos princípios dos direitos humanos.
NOTAS
[i]
Mestre em Letras pela USP, membro da Comissão Justiça e Paz
de São Paulo e da Rede Brasileira de Educação em Direitos
Humanos.
[ii]
CHAUÍ, Marilena. Cultura
e democracia - o discurso competente e outras falas. SP,
Moderna, 1980.
______________.
“Direitos Humanos e medo”. In Fester.ACR (org). Direitos Humanos e.... Prefácio de D. Paulo Evaristo Arns. Diversos
autores. SP, Comissão Justiça e Paz/ Brasiliense, 198, 1º
vol.
DALLARI,
Dalmo. O que são
direitos da pessoa. SP, Brasiliense, 1981 (Col. Primeiros
Passos)
[iii]
Estou utilizando ideologia, neste texto, como a verdade de
grupos particulares, geralmente dominantes, que se pretendem
universais.
[iv]
Sobre o diálogo são fundamentais não só as idéias de
Paulo Freire (o conceito de dialogicidade está presente em
diversos de seus livros), mas também as de Martim Buber,
Emmanuel Lévinas, Jacob Levy Moreno, Edgar Morin, Cornelius
Castoriadis e Jürgen Habermas (“a razão comunicativa”),
entre outros.
[v]
CANDIDO, Antonio. “Direitos Humanos e Literatura”, em Direitos
Humanos e...Vide nota 2, p. 117. Posteriormente, com o título
"O direito à literatura", Antonio Candido
republicou esta palestra, pronunciada em 28.4.88, em Vários
Escritos - Terceira Edição Revista e Ampliada, SP, Duas
Cidades, p.235.
[vi]Os
livros Direitos Humanos
- Um debate necessário, com diversos autores, em 2
vols.,, editados pela Brasiliense em 1988 e 1989 são exemplos
destes encontros.
[vii]Projeto
idealizado por Margarida Genevois e de autoria de Marco
Antonio Rodrigues Barbosa, aprovado por unanimidade pela
Comissão Justiça e Paz de São Paulo, em 1988.
[viii]Destes
ciclos de palestras resultaram os dois volumes sob o título Direitos
Humanos e..., com diversos autores, prefácio de D. Paulo
Evaristo Arns, também editados pela Brasiliense, em 1989 e
1992.
[ix]
Na Prefeitura de São Paulo, meu trabalho centralizou-se
especialmente no DOT- Departamento de Orientação Ténica, em
que tive como interlocutores privilegiados Ana Maria Saul,
Meire Venci Chieff e Edson Gabriel Garcia, além de muitos
outros educadores. Para maiores detalhes, ver o livro Ousadia
no diálogo - Interdisciplinaridade na escola pública,
organizado pela profª Nídia Nacib Pontuschka, da Edições
Loyola (SP, 1993), no qual quinze autores relatamos esta
experiência.
[x]
Vide Tema Gerador e a Construção do Programa.
Uma nova relação entre currículo e realidade.
Cadernos de Formação nº 3. Série Ação Pedagógica
da Escola pela via da Interdisciplinaridade. SP., SME-DOT,
1991.
[xi]A
Comissão Justiça e Paz de São Paulo cedeu à Municipalidade
cópia de seu acervo de vídeos, bem como apostilas e
bibliografia básica. Desta, o livro Direitos
Humanos - Pautas para uma educação libertadora,
de Luiz Perez Aguirre e Juan José Mosca, da
Editora Vozes, foi adquirido para cada escola municipal, por
indicação da CJP-SP., por se tratar de livro básico para
todos os educadores que queiram ocupar-se da questão.
[xii]
Este trabalho, no Paraná, foi
coordenado por Wagner D'Angelis, do Centro Heleno Fragoso de
Direitos Humanos, e por Maria das Graças Espíndola Corrêa,
pela Secretaria da Justiça e da Cidadania do Estado do Paraná.
Vide “O
compromisso da educação com a cidadania”, em Educar para
os Direitos Humanos (Coletânea de Textos) - vol.III,
Secretaria do Estado da Justiça e da Cidadania - Curitiba,
1994, p.22; e ainda “Ética
e Direitos Humanos”, em Educar
para os Direitos Humanos (Coletânea de Textos) - vol.IV,
Secretaria do Estado da Justiça e da Cidadania -
Curitiba, 1994, p.28.
[xiii]
Deste Seminário resultou o livro O
Preconceito, com diversos autores, tendo Júlio Lerner
como editor.
SP, Imprensa Oficial do Estado, 1996/1997.
[xiv]
Virtudes republicanas e democráticas segundo fala de Maria
Victória Benevides em reunião da Rede Brasileira de Educação
em Direitos Humanos.
[xv]
NICOLESCU, Bassarab.“Transdisciplinaridade : nascimento
de um termo”. In : RANDOM, Michel. La
pensée transdiscilinaire et le réel.
Paris, Éditions Dervy, s/d (Diversos autores).
[xvi]
A ação dialógica e o seu oposto, por parte dos professores,
está muito bem definida e clara em FREIRE,
Paulo, Pedagogia
do Oprimido. RJ, Paz e Terra, 1974.
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