Direitos
Humanos
Hoje
Antonio
Carlos Fester
Em
1945, a segunda guerra mundial chegou ao fim com a bomba atômica
lançada sobre Hiroshima e Nagasaki e consequente capitulação do
Japão. Teve início o Tribunal de Nuremberg para julgar os
criminosos nazistas. Entre 25 de abril e 26 de junho teve lugar a
Conferência de São Francisco, que concluiu com a assinatura da
carta de fundação da ONU-
Organização das Nações Unidas, firmada inicialmente por
cinquenta países, visando a defesa da paz mundial, a defesa dos
direitos do homem, a igualdade de direitos para todos os povos e a
melhoria do nível de vida em todo o mundo. Criou-se também a
Corte Internacional de Haia para resolver os conflitos entre os
países membros. Além dissso, criaram-se orgãos como o FMI, o
Banco Mundial, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a
Organização de Alimentação e Agricultura (FAO) e a
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura. Os intelectuais e alguns políticos viam tudo isto com
grande otimismo, acreditando que depois dos campos de
concentração, das bombas atômicas norte-americanas sobre
Hiroshima e Nagasaki, estes fatos não se repetiriam mais. No
Brasil, o I Congresso Brasileiro de Escritores, em janeiro,
fortaleceu o movimento que levou à deposição de Getúlio
Vargas, ditador desde 1937, em 29 de outubro de 1945.
Em
1946, após as greves operárias de janeiro e fevereiro, a Lei nº
9070, de março, as proíbe no Brasil. Em maio, há uma repressão
brutal a um comício do PC. Em setembro é criada a
CGTB-Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil. Josué de
Castro publica “Geografia da fome”, um livro que precisa ser
redescoberto pois prova que a fome é resultante da má
distribuição das riquezas e não do excesso populacional. Sartre
publicou “O Existencialismo é um Humanismo”, em que afirma
que “os homens são
liberdades em situação” (isto é, determinados pelo
momento histórico, lugar etc), e publicou também “Reflexões
sobre o racismo”. O anti-semita, escreveu ele, “é
um homem que tem medo. Não dos judeus com certeza, mas de si
próprio, de sua consciência, de sua liberdade, de seus
instintos, de suas responsabilidades, da solidão, da
modificação da sociedade e do mundo, de tudo, salvo dos judeus.
É um covarde que não quer confessar sua covardia...O judeu não
é no caso senão um pretexto, em outra parte será utilizado o
negro e, em outra, o amarelo. A existência do judeu permite ao
anti-semita sufocar no embrião suas angústias, persuadindo-se de
que seu lugar sempre esteve consignado no, mundo, que esse lugar o
esperava e que possui, por tradição, o direito de ocupá-lo. O
anti-semitismo, em suma, é o medo diante da condição humana. O
anti-semita é o homem que deseja ser rochedo implacável,
torrente furiosa, raio devastador : tudo, menos um homem.
Em
1948, no mesmo ano em que Gandhi foi assassinado, foi promulgada
em 10 de dezembro, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, um documentos de natureza
moral que serve de referência para a promoção e o respeito
efetivo dos direitos humanos em todas as partes do mundo. No
Brasil, tivemos a cassação do mandato dos parlamentares
comunistas e a criação da SBPC- Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência. No ano seguinte, quando Florestan Fernandes
publicou “Organização social dos Tupinambás”, começaram a
funcionar a Escola Superior de Guerra (ESG) e a Fábrica Nacional
de Moores (FNM).
Mas
em 1950, teve início a guerra da Coréia, que durou 3 anos e
marcou o auge da guerra fria, com a participação dos EUA e da
URSS. No ano seguinte, Hannah Arendt, filósofa judia alemã,
publicará "As origens
do totalitarismo" e, em 52, no Brasil, foi criada a CNBB.
Em 54, os EUA intervém na Guatemala; a Argélia inicia guerra
para libertar-se da França, sua colonizadora; o Abbé Pierre
começa a trabalhar, em Paris, pelos sem-teto; Getúlio Vargas
cria a Petrobrás e é acusado de estar armando
pacto-antiamericano. Em maio, Getúlio Vargas aumentou o salário
mínimo e em agosto, sob diversas denúncias de corrupção,
suicidou-se. As revoltas populares contra os seus “assassinos”
retardam por dez anos (1964) o golpe de seus opositores. Em
Pernambuco, Francisco Julião organiza a primeira Liga Camponesa.
Em
1955, foi criada a CELAM-
Conselho Episcopal Latino-americano e morreu o padre Teilhard
de Chardin, que escreveu :“A
única religião daqui por diante possível para o Homem é aquela
que lhe ensinará primeiro a reconhecer, amar e servir
apaixonadamente o Universo do qual ele faz parte”. Em 1956,
o monge trapista Thomas Merton publica “Sementes
de Contemplação”, no qual escreve: “Nasci
egoísta e é isto o pecado original”. No mesmo ano, Kruchov
denuncia os crimes da era stalinista e os sindicalistas, em São
Paulo, criam o Dieese. Em 58, no Brasil, a Escola Superior de
Guerra começa a estudar e a difundir a “doutrina de segurança
nacional” que, na década de 80, será condenada pelo Tribunal
Tiradentes, organizado pela Comissão Justiça e Paz de São
Paulo. Em
1959, a revolução cubana é vitoriosa; a França reconhece o
direito da Argélia a auto-determinação e a ONU aprova a Declaração
dos Direitos da Criança, a partir das idéias do educador
polonês Januz Korczak. Antonio Candido publica “Formação da
Literatura Brasileira”.
Em
1960, tivemos a fundação de Brasília e a criação da sua
universidade-UnB. Houve uma greve de ferroviários e marítimos
pela paridade com os salários militares. Em 1961, ano da
construção do Muro de Berlim, Jánio Quadros renunciou e a UNE e
os sindicatos precisaram defender a posse de Goulart. Em 1962 foi
criado o CGT-Comando Geral dos Trabalhadores e a UNE atua através
dos CPC- Centros Populares de Cultura
Também
em 1962, no papado de João XXIII, teve início o Concílio Vaticano II, com os objetivos de assegurar a renovação
da Igreja face ao mundo moderno e preparar a unidade cristã. Em
1963, a Encíclica Pacem In
Terris afirma o respeito aos direitos humanos como condição
para a Paz. No mesmo ano, Paulo VI é eleito Papa e Paulo Freire
propõe, no Brasil, a adoção, à nível nacional, de seu método
de alfabetização. Em 28 de agosto, Martim Luther King participa
de marcha sobre Washington, com 60.000 brancos e 200.000 negros,
declarando : “Eu sonho
que meus filhos viverão em um país onde não serão julgados
pela cor da pele..”. Aos 3 de junho morre o Papa João XXIII
e, em 22 de novembro, John Kennedy foi assassinado em Dallas,
Texas.
Em
13 de março de 1964, João Goulart reune 300.000 em um comício
na Central do Brasil, RJ, a favor das Reformas de Base, inclusive
da reforma agrária. No dia 31 de março foi depostos e o Gal.
Castelo Branco assumiu a Presidência da República. Dias depois,
Tristão de Athayde publicou, no Jornal do Brasil, artigo
posicionando-se contra o novo regime, intitulado “Terrorismo
Cultural”, denunciando a repressão da liberdade do pensamento.
Em
1966, foi criado o Tribunal Bertrand Russel, com intelectuais de
diversos países, para julgar os crimes dos EUA na guerra do
Vietnã. A ONU aprova e abre para assinaturas o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, que só entraram em
vigor em 1976. Em 1967, a ONU aprova a Declaração
sobre a Eliminação da Discriminação Contra a Mulher. Em 9
de outubro, Ernesto Che Guevara foi morto no interior da Bolívia.
Em
1968, a morte do estudante Edson Luís em conflito com a polícia
deu margem à passeata dos cem mil, no Rio de Janeiro. Nos EUA, em
abril, foi assassinado Martim Luther King. Foram presos 1.200
estudantes que faziam o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, SP, em
setembro Em 10 de dezembro morreu, em Bangoc, o monge Thomas
Merton, um dos principais místicos católicos do século. Em 14
de dezembro, o Ato Institucional nº 5, que extinguiu as
liberdades no país, está em todos os jornais.
Em
1969, a Convenção Americana de D.H. elabora o Pacto de São José da Costa Rica, criando a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, o qual o Brasil assinou apenas no governo
Collor, por pressões internas e externas. Em 1970, foi criado, no
Brasil, o DOI-CODI e, em 1972, para fazer face à truculência do
regime militar, foi
criada a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, por
iniciativa do Cardeal Arns. Em 1973, D. Paulo celebra a
eucarístia pela morte do estudante Alexandre Vanucchi e, em 1975,
assume ato ecumênico, pela morte de Wladmir Herzog, na Sé. O
Cardeal Arns estará presente, também, nas exéquias de Santo
Dias, operário assassinado.A morte de Herzog e a consequente
queda do comandante do II Exército abalam o regime militar face
aos movimentos populares.
Em
1976, a ONU aprova em Argel, capital da Argélia, a Declaração Universal dos Direitos dos Povos, com a preocupação
de construir uma nova ordem internacional, sem colonialismos,
solidária e cooperativa. Em 1978, começam as graves dos
metalúrgicos no ABC, apoiados por D. Cláudio Hulmes, então
bispo de Santo André, e, em Paris, a UNESCO aprova a Declaração
sobre Raça e Preconceitos Raciais e a ONU, a Declaração
sobre cuidados com a Saúde. Em 1985, com a campanha das
Diretas Já e a eleição de Tancredo Neves, o Brasil começa a
tentar a construção da democracia. É o ano em que a
Arquidiocese de São Paulo lança e divulga o projeto “Brasil Nunca Mais”. Muitos são dos documentos e fatos referentes
aos d.h., que merecem ser conhecidos e estudados. Vale ainda
lembrar que em 1987, o Cardeal Arns tornou-se presidente do Comitê Internacional de Peritos pela Prevenção da Tortura.. No
Brasil, com a 2ª maior concentração de renda do mundo, a
injustiça social é um clamor. O brasileiro não tem noção do
que seja a igualdade. Podemos concluir que os direitos huamnos
constituem um trabalho e uma conquista diária, especialmente
através da educação e das lutas sociais. Muitos iniciativas
positivas vêm ocorrendo. Além dos trabalhos em educação em
direitos humanos, foram criados os Estatutos da Criança e do
Adolescente, o Estatuto do Consumidor, os Conselhos Estaduais de
Defesa da Pessoa Humana, o Plano Nacional de Direitos Humanos e
respectivos planos estaduais e municipais, Ouvidorias de Polícia,
o Movimento dos Sem Terra, a Central de Movimentos Populares e
outros. Mas, cada um de nós, tem muito o que fazer.
O desemprego aí está, a saúde e a educação vão mal, o
governo adota o neoliberalismo, sem dúvida alguma uma política
desrespeitadora dos direitos humanos. A UNESCO, em 1995, aprovou a
Declaração de Princípios
sobre a Tolerância, o que não significa aceitar o
intolerável. A execração pública e internacional do Gal
Pinochet, neste final de 1998, é motivo de grande júbilo para os
defensores dos Direitos Humanos, por anunciar o fim da impunidade
e, quiçá, o fim das ditaduras. Qualquer que seja o desfecho do
caso Pinochet, seu efeito pedagógico já é inquestionável.
Mas
vale encerrar, lembrando, com Norberto Bóbbio, que o século XX
é o da era dos direitos, especialmente a partir da segunda
guerra, quando passam para a esfera internacional, envolvendo,
pela primeira vez na história, todos os povos. Este debate tão
intenso, a nível internacional, só pode ser interpretado como um
“sinal premonitório” do progresso moral da humanidade, embora
não seja demais lembrar que a história é ambígua. De qualquer
forma, vivemos uma era em que a abolição da escravidãoi, da
tortura, da pena de morte tornaram-se palavra de ordem, ao lado de
movimentos ecológicos e pacifistas e de uma maior participação
da sociedade civil através das ONGs-Organizações não
governamentais, sindicatos, associações e outros mecanismos.
Está havendo uma revolução resultante da inversão do ponto de
vista de observação. Temos, agora, o ponto de vista dos
governados. Em agosto de 1992, a ONU, na Assembléia de Viena,
emitiu a Declaração dos
Direitos dos Idosos. Com relação às grandes aspirações
dos homens de boa vontade já estamos demasiadamente atrasados.
Busquemos não aumentar esse atraso com a nossa incredulidade, com
a nossa indolência, com o nosso ceticismo. Não temos muito tempo
a perder.
Antonio
Carlos Ribeiro Fester
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