DOM
DANIEL, UM CONFESSOR
Antonio
Carlos Ribeiro Fester
Em
primeiro de fevereiro de 1908, em Munich, nasceu Anton Sutner, de
família católica. De sua casa, avistava a Catedral da cidade.
Hoje, resta-lhe um sobrinho, Gunther, filho da irmã mais velha,
casado e com dois filhos.
Em
1928, se não me falha a memória, veio para São Paulo, passando
pelo Rio de Janeiro, fazer seu noviciado junto aos benedetinos.
Escolheu o Brasil porque queria evangelizar os índios, talvez ser
mártir entre eles. Nunca os viu. Deixou-se ficar no coração da
selva de pedra plantada em Piratininga, na igreja em que Fernão
Dias repousa, no afã de preservar a cidade humana. Rezou sua
primeira missa em um 27 de dezembro, dia do discípulo amado.
Conheceu
D. Miguel Kruse, o abade responsável pela edificação
da atual igreja de São Bento. Viu o Cantabona
tocar quando o padrinho do sino, Washington Luiz,
passou pelo largo, rumo exílio. Conviveu com diversos
intelectuais que frequentavam São Bento, com Taunay,
Walter Seng e muitos outros que, como ele, fazem
parte da história da transformação da cidade de
São Paulo em metrópole. Conhece a história da
paulicéia desvairada como poucos e alegra-se e
sofre com a cidade e com os problemas do país,
dando testemunhos de cidadania. Vi-o abatido quando
as chamas tomaram o edifício Joelma no dia de
seu aniversário. Tem a alegria não apenas de ensinar
a história paulistana, mas de sempre aprender
mais, como demonstrou quando, há poucos anos,
leu A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz, com
imenso prazer. Partilhamos do interesse por um
mesmo poeta, o inglês e católico Francis Thompson,
sobre quem me forneceu tudo o que pôde, com a
generosidade que o caracteriza. Entre as muitas
leituras que me indicou, propiciou-me a de Leonardo
Boff, leitura decisiva para as minhas trajetórias
de vida. Lecionou inglês, anos a fio, no Colégio
São Bento, um professor eficiente e enérgico,
agradável lembrança para os seus ex-alunos que
conheço. E foi diretor espiritual, por um bom
tempo, das Cônegas de Santo Agostinho.
É
um apaixonado pela vida ou por Deus, dá no mesmo, o que mantém
seu sorriso jovial. Esta paixão torna-o um permanente interessado
por tudo o que se refira ao convento, sobre o qual sabe tudo,
inclusive os mínimos detalhes de um afresco recém descoberto sob
uma restauração. É, assim, o guia privilegiado para quem quiser
conhecer o Mosteiro e, de certa forma, o seu fotógrafo oficial.
Acrescente-se que é um melômano discreto, mas é, especialmente,
um ser reverente e amável com o ser humano. Conheço poucas
pessoas com a sua capacidade de amar. Ama as pessoas como são,
talvez ame Deus nelas, sabe procurar Deus no interior das pessoas
e revelá-Lo para elas mesmas.
Confessor
ímpar. Dom Daniel é, acima de tudo, um confessor. Procurado por
boa parte do clero, por religiosos e religiosas, por leigos de
todos os tipos e procedências. Atende o dia inteiro, o ideal é
que se marque hora. O andar firme, prussiano, anuncia a chegada de
um homem forte e alto. Muito barulho para pouca estatura física.
Mas chega sempre com um sorriso de menino, alegre e tímido. Muito
silêncio para sua grande estatura espiritual. Um grande ouvinte,
a quem a surdez não impede de perceber o essencial. É de poucas
palavras, mas de palavras sábias e amáveis. Jamais me
desqualificou ou a alguém, nestes vinte e oito anos em que tem me
ouvido em confissão. Ao contrário, parece ter olhos só para o
que é bom na vida e nas pessoas. E assim as converte, como
converteu a mim, dando um testemunho quase anônimo da gratuidade
do amor de Deus.
Cansa-se
atendendo tanta gente. Peço-lhe que se poupe. Recusa-se. O
cristão, insiste ele, deve ser como uma vela, deixar-se queimar
para dar a luz. Dom Daniel sabe que a perfeição, a santidade, o
amadurecimento enfim, é um longo processo, questão de tempo.
Sabe também que cada pessoa tem seu próprio ritmo. Ele não tem
pressa, não força nada, tudo suporta, tudo espera. Ele vive
plenamente 1 Coríntios 13.
Primeiro
de fevereiro deste ano caiu em um domingo. Nada mais oportuno para
comemorar os noventa anos de Dom Daniel do que as duas leituras da
missa : Jeremias 1 (“Antes de formar-te no ventre materno, eu te
conheci”) e 1 Cor. 13,4-13 (“O amor jamais acabará”). Fui
assistir à missa rezada por ele. Todos os dias ele o faz, no
altar de Santa Gertrudes. Outros amigos dele lá estavam.
Emocionados, eu e ele pouco nos falamos. Mas ele me deu aquele
lindo sorriso de menino, de menino feliz porque o seu coração
repousa em Deus. E eu, agora, escrevo o que deveria ter dito e
não disse : Dom Daniel, eu o amo; obrigado por tudo, Dom Daniel;
louvemos a Deus, que fez e faz em nós maravilhas !
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