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 Um
              grão de mostarda.
      
              Antonio Carlos Ribeiro Fester
              
              O
              Intelectual do Ano de 1990, D. Paulo Evaristo, o Cardeal Arns, ao
              completar oitenta anos de vida, em 14 de setembro p.p., lançou o
              livro Da Esperança à Utopia – Testemunho de uma Vida 
              (RJ. Sexatante, 2001, 479 págs.). O estilo é coloquial,
              quem conhece a voz do autor pode até ouví-la. Mas não se
              iludam, atrás da aparente simplicidade estilística, temos um
              texto denso, complexo, uma vida intensa, das mais exemplares que
              um brasileiro já viveu. 
              
               A
              fé, a simplicidade e o espírito de serviço do autor estão
              presentes a cada passo, embasando seu caráter profundamente
              democrático, que o tornou um cardeal ímpar, na medida em que
              criou colegiados, as mais variadas instâncias de participação,
              quer de religiosos, quer de leigos ou simplesmente de homens de
              boa vontade, na arquidiocese de São Paulo. 
              Assim, esta arquidiocese teve uma atividade ecumênica e
              mesmo política como poucas na história da Igreja. Não por
              acaso, quando o arbítrio se estendia sobre o país, a PUC teve
              eleições para a reitoria, assim como (caso único na Igreja da
              época) uma reitora mulher. Dom Paulo estendeu seu braço protetor
              não apenas ao Brasil mas a muitos países, especialmente
              latino-americanos, onde os direitos do homem eram (e,
              infelizmente, em muitos casos, ainda são) desrespeitados.
              
               A
              coragem, o profetismo e a transparência do autor também permeiam
              o livro. Não hesita em dar nome aos bois, em nomear os que
              defendiam ou atacavam os direitos humanos, não se furta mesmo a
              contar, entre as inúmeras incompreensões que sofreu e sofre, os
              desencontros com seu antecessor, quando tomou conhecimento das
              torturas a que eram submetidos os religiosos presos pelo governo
              militar. Ou, como quando da visita de Jimmy Carter ao Brasil : 
              
               “...coloquei-me
              ao lado do próprio presidente norte-americano e fiz-lhe com toda
              a clareza a pergunta quase audaciosa : ‘É verdade o que aqui se
              conta, que os Estados Unidos, ou melhor, a CIA ensinou os nossos
              militares e torturarem os presos sem nele deixcarem marca ?’.
              Como de costume, Carter se voltou para a esposa Rosalyn e lhe
              perguntou numa altura que me permitisse ouvir: ‘O que posso
              responder a uma pergunta tão justa quanto incômoda ?’ Ela
              afirmou, num tom muito tranqüilo : ‘Diga ao senhor cardeal de São
              Paulo que isso pode ter acontecido ’.
              
               Para
              outros a resposta poderia parecer evasiva. Para mim era a certeza
              do sim. “
              
               Este
              é o homem, o justo que muitas vezes incomoda, porque desacomoda,
              fazendo novas todas as coisas. Apesar das inúmeras biografias já
              publicadas, do Cardeal Arns, este livro inova e surpreende. A visão
              mística, teológica, o homem, o pastor, o padre, o bispo estão
              presentes a cada linha.  A
              obra está dividida em três partes : I – Pela mão de São
              Francisco para a Igreja toda : frade e bispo; II – Arcebispo de
              São Paulo : construindo a esperança; e, III – Igreja em tempos
              de ditadura.  Entre os apêndices, um texto de importância relevante : “Notas
              sobre a Libertação e a Igreja na América Latina”.
              
               Um
              posfácio de seu auxiliar de tantos anos, frei Gilberto Gorgulho,
              nos diz : “Quando era
              jovem presbítero, vi o bispo auxiliar Dom Paulo Evaristo plantar
              um grão de mostarda na região norte da cidade de São Paulo.
              Hoje aprecio a grande árvore que floresceu na maior e ais rica
              cidade do Brasil. Em sua sombra vieram sentar-se intelectuais do
              CEBRAP, metalúrgicos do ABC, os grande advogados da Comissão
              Justiça e Paz, os grupos de rua, os aidéticos, as mães
              solteiras, os menores abandonados, bispos e teólogos do mundo
              inteiro, jornalistas, um presidente dos Estados Unidos, estadistas
              daqui e de forae um grande número de jovens ‘subversivos’
              para o regime militar”.
              
               Este
              livro estenderá esta sombra sobre cada um dos leitores. Este
              livro já nasce um clássico da literatura católica, em
              particular, e da literatura em geral.  
              
              
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