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CONVERSANDO COM O DR. MIGUEL NAVARRO SOBRE SAÚDE E PRECONCEITO

 

O Dr. Miguel Perez Navarro, dos mais importantes psicodramatistas de São Paulo e formador de terapeutas, além de ser um dos homens mais éticos que conheço, não ficou satisfeito com as informações que lhe atribui, neste jornal, datado de 10 de novembro último, em meu artigo intitulado “Irracionalismos assassinos”. Começou nossa conversa, lembrando-me das placas ao lado dos elevadores advertindo para a criminalidade de possíveis discriminações, inclusive por doença. Assim, ao contrário do que escrevi, o problema não era se o matador do Shopping Morumbi era doente ou não quando de seu ingresso na faculdade. Na verdade, pelo conjunto de documentos internacionais que tratam dos direitos humanos, a partir da Declaração de 1948, nenhuma faculdade ou empresa tem o direito de impedir o acesso de qualquer doente à faculdade ou ao emprego. A faculdade tem o dever de selecionar o aluno quanto ao aspecto de sua capacidade cognitiva. Tendo capacidade cognitiva, o doente não está incapacitado para o exercício estudantil e profissional. Entre outras coisas, todo indivíduo tem direito à saúde, educação e saneamento básico (medicina preventiva), conforme a carta das Nações Unidas, obrigações do Estado.

Estas conversas, segundo ele, são raras entre os próprios médicos e mais do que necessárias. Acostumamo-nos com exames médicos para ingresso em empregos, os quais defendem muito mais os interesses dos empregadores e não os direitos humanos.

Lembrei-o de que, anos atrás, foram identificadas duas prostitutas cursando medicina na USP. O Dr. Miguel advertiu-me para o meu moralismo e preconceito. As prostitutas tinham todo o direito de estar no curso e só seriam objeto de sanções se transformassem seus consultórios médicos em bordéis. Desde que não misturassem as coisas, não haveria porque coibí-las.

Lembrei-me ainda de Renato Pompeu, um dos grandes escritores e jornalistas do Brasil, que encerra seu livro “Memórias da Loucura”(Ed. Alfa-Omega), com a seguinte frase : “Mas os loucos ou podem ser curados ou podem aprender a conviver produtivamente com a loucura”. Renato Pompeu foi ou ainda é doente mental, experiência que descreve neste livro. É autor de outros livros indispensáveis : “Quatro olhos”, “A Greve da Rosa”(sobre a vida operária), “Samba-Enredo” (sobre o samba de crioulo doido que é o Brasil, com seus carnavais e esquadrões da morte). Lembrei-me também de convênio que a Caixa Econômica Federal mantinha com a AACD, quando lá trabalhei, na década de 60, e da qualidade dos trabalhos e das pessoas deficientes, iniciativa que ainda é tímida no Brasil, sempre recomeçando e falando destas coisas como se estivessem acontecendo pela primeira vez. Creio que questões como saúde e preconceito precisam ser repensadas e discutidas. Ao Dr. Miguel, o meu muito obrigado pela conversa e por sua amizade, desejando-lhe vida longa.

Mas já que falei de escritor, não posso deixar de registrar a morte de meu amigo Paulo Colina, outro homem ético e defensor dos direitos humanos, escritor reconhecido internacionalmente, orgulhoso e digno de sua negritude, que, despedido pela multinacional em que trabalhava, foi assassinado pelo desemprego prolongado, morrendo de morte súbita há cerca de um mês, aos 49 anos.

A esta perda se soma a Ressurreição do nosso querido padre Francisco Readon, o padre Chico, benfeitor dos presos, rico em ternura para com todos nós, e que, em sua autodoação total, também encontrou a morte súbita e precoce, deixando-nos seu exemplo, testemunho e memória. Paulo Colina e Padre Chico, saudades.

 

Antonio Carlos Ribeiro Fester

(artigo publicado em O São Paulo, jornal da arquidiocese paulistana)

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