DÉCIO
DE ALMEIDA PRADO, HERÓI CIVILIZADOR.
Antonio
Carlos Fester
O
Professor Décio de Almeida Prado, nasceu e faleceu em São Paulo,
aos 14 de agosto de 1917 e em 3 de fevereiro de 2.000. Escreveu os
seguintes livros : Apresentação
do Teatro Brasileiro Moderno (1956); Teatro
em Progresso : Crítica Teatral, 1955-1964 ( 1964); João
Caetano: o Ator, o Empresário e o Repertório (1972); João Caetano e a Arte do Autor (1984); Procópio Ferreira (1984); Exercício
Findo (1987); Teatro de
Anchieta a Alencar (1993); Peças,
Pessoas e Personagens (1993); O
Drama Romântico Brasileiro (1996); Seres,
Coisas, Lugares : do Teatro ao Futebol (1997); História
Concisa do Teatro Brasileiro (1999).
Sobre
ele, dois livros, Homenagem
a Décio de Almeida Prado (Antonio Candido, Fábio Lucas e outros, 1995) e Décio
de Almeida Prado - Um Homem de Teatro (João Roberto Faria, Flávio
Aguiar e Vilma Areas - organizadores, 1997). Neste, escreveu
Walnice Nogueira Galvão :
“Um
homem de teatro ? Com certeza, como quem mais o seja. Considerá-lo
assim, o que já não seria pouco, satisfaria sem dúvida a sua
proverbial discrição. Entretanto, faltaria mencionar seu
desempenho em vários ramos da alta cultura. Será então melhor
chamá-lo de herói civilizador”.
De
tudo fica um pouco, escreveu o poeta. Deste herói civilizador
fica muito. Ficam seus doze livros e uma das escritas mais belas
da literatura brasileira do século XX, um texto de estilo único,
prenhe de delicadeza e ritmo. Fica o moderno teatro brasileiro,
que ajudou a criar e a
crescer, através sua participação pessoal e de suas críticas
sempre construtivas. Um teatro que precisamos ressuscitar,
assassinado, que foi, pelos a-is cinco da ditadura e da vida, pela
política econômica (concentradora) e (in) cultural de nossos
dias.
Fica
a Revista Clima (1941) e o Suplemento Literário (1956-1968) do
jornal O Estado de São Paulo. Ficam suas aulas, inesquecíveis,
na Universidade de São Paulo. Ficam os prêmios da Academia
Brasileira de Letras (1998) e da U.B.E. (
), que o alegraram quando avançava em idade, a saúde já
não era a mesma, e a viuvez, uma dor calada pela lucidez
extraordinária que o acompanhou até o fim. Este o intelectual,
dos mais notáveis que o Brasil já teve.
Mas
Décio de Almeida Prado era intelectual e muito mais. Fica, para
os que tiveram o privilégio de frequentar sua casa, a sala em
dois níveis : abaixo, a sala de estar, de visitas, fotos dos
netos, um pequeno busto de Procópio Ferreira, alguns livros;
acima, como um palco (onde, certamente, aconteceram muitos
ensaios), a grande mesa em que orientava seus alunos, na qual tomávamos
chá, aquecidos pelo sorriso de dona Ruth. Cordialidade do casal,
da casa; cordialidade do professor de sorriso franco e verdadeiro,
da mão estendida, do ouvinte de corpo inteiro, sofrendo e rindo
as dores e as alegrias do outro, solidário, compassivo.
Fica
o Amigo. Era o mais puro de nós, não sabia mentir, era-lhe
impossível mentir, disse-me Antonio Candido quando saíamos do
velório ( e mais não disse sobre o amigo, naquela tarde triste,
mas há um quarto de século que ouço um elogiar o outro, nesta
amizade pudica e notória, elogios para terceiros, jamais um
elogiou o outro conforme testemunha Décio em “O Clima de uma época”, in Antonio
Candido - Pensamento e Militância. Flávio Aguiar, org.
1999).
Fica
o homem ético, ético em todos os níveis de sua vida, até
porque a ética é algo inteiriço, íntegro. Ético porque
amoroso, no mais profundo sentido da palavra, como
testemunharam-me (embora já o soubesse) seus filhos Silvia e
Rodrigo, no velório. A morte de Décio, uma orfandade imprevista
para os que, como eu, foram seus alunos; o tapete puxado,
desequilibrando-nos por momentos; esta perda agressiva que não
condiz com a tranquilidade do Professor, a qual acaba por
sobrepor-se à nossa dor. Mestre até na morte. Na morte de Décio,
o imponderável de uma brisa, de um aflar de asas, do surgimento
de uma estrela, da beleza dos crepúsculos que víamos pela janela
de sua sala, a música de sua risada, epifanias, ressurreições.
Quando se tem a ventura de conviver com homens da estatura de um Décio
de Almeida Prado, homens que ficam, não morrem, fica este legado
que nos obriga a acreditar e a amar a vida e os seres humanos.
Antonio
Carlos Ribeiro Fester.
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