UM
BILHETE PARA PAULO COLINA
Quando
você lançou Plano de Vôo, escreveu na dedicatória para mim :
“E que tenhamos muito tempo de vôo juntos”. Tivemos apenas
vinte anos de uma forte amizade que você era o primeiro a
alardear, para minha grande alegria. Há vinte anos, éramos
jovens e esperançosos. Após as reuniões da UBE, você e eu íamos
para o Ponto Chic do largo do Paiçandú e contavamo-nos as vida,
repartiamos alegrias e frustrações, fazíamos planos.
Apresentou-me muitos de seus amigos, entre eles o notável Oswaldo
Camargo. Tínhamos muito em comum, embora diferentes. Em comum,
tantos amigos, a UBE, a literatura, a admiração por
norte-americanos como Luther King e James Baldwin, a consciência
da realidade brasileira, uma profunda indignação contra toda e
qualquer injustiça. Você era profundamente ético e exibia, com
orgulho, a dignidade da raça negra. Rimos juntos, bebemos juntos,
choramos juntos. Ficávamos felizes juntos, caminhando pela noite,
frequentemente às gargalhadas. Quero e estou falando de você
pessoa. Outros, melhor que eu, estarão falando do brilhante poeta
e escritor que você sempre será, conhecido no exterior. Triste
Brasil. Bem empregado em uma multinacional, você foi um das vítimas
do desemprego. Seus filhos Lígia e Thiago, de quem você tanto
falava, com muito carinho e respeito, assim como de sua mulher,
Terezinha, e de seus pais, que você procurava para ouvir
conselhos e recobrar alento, preferem acreditar que você morreu
por causa do mal de Chagas. Sou da opinião de que você foi
assassinado pelo desemprego, pelo neoliberalismo, por esta política
excludente que assola nosso país.
Você sobrevivia, nestes últimos anos, dando palestras
aqui e ali, fazendo teatro infantil nas escolas. Já não era tão
alegre. A última vez que nos vimos você estava dando um show em
um bar na Cardeal Arcoverde. Músicas com letras suas, a MPB bem
viva, sambas que me lembraram os bons tempos de Elizeth Cardoso,
Clementina de Jesus, Ciro Monteiro, para minha surpresa. Regina
Porto, jornalista e crítica musical da Revista Bravo, queria
ouvir sua fita. Com sua voz de baixo, não sei porque, esperava
ouví-lo cantar The old man river e outros clássicos
norte-americanos, já que você conhecia tanto da cultura negra
norte-americana, além da cultura brasileira e da japonesa. Você
cantou de terno, gravata e colete, com a dignidade que lhe era
característica. Recebeu-me com o calor de sua amizade. Eu só não
podia imaginar o que você ia me aprontar em seguida. Não podíamos
imaginar, você e eu, no Fogo Cruzado (título de outro livro seu)
desta vida, que dias depois você teria morte súbita. Você
escreveu outro livro que chama-se A Noite Não Pede Licença. Você
também não nos pediu licença para partir. Nós não daríamos,
Paulo Colina. Sem você, não apenas a literatura, mas a vida de
muitos de nós, ficou mais vazia. Fomos amigos por vinte anos
apenas. Para quem tem amigos há cinquenta anos, não é muito.
Mas a vida, dissemo-nos mais de uma vez, não é uma questão de
quantidade, mas de qualidade. Que bom que você passou por aqui.
Obrigado pela amizade. Espero que nos reencontremos a qualquer
hora, onde quer que você esteja e possamos cantar, dizer poesias
e rir da piada que é esta vida, rir da vaidade dos outros, você
tão simples, tão cônscio da precariedade e do múltiplo
esplendor da vida. Vinte anos de amizade. Que beleza que tenha
sido assim. Mas isto não elimina a dor da sua perda.
Antonio
Carlos Ribeiro Fester
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