ANTONIO
CANDIDO, 80 ANOS DE HUMANIZAÇÃO
Antonio
Carlos Ribeiro Fester
Humanização
é “o processo que
confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o
exercício da reflexão, a aquisição do sabner, a boa disposição
para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de
penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção
da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A
literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em
que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a
sociedade, o semelhante”.
Ao
definir humanização, em uma palestra sobre direitos humanos em
1988, Antonio Candido definiu-se. E agora, quando em 24 de julho
comemora 80 anos, gostaria de fundamentar, ainda que
superficialmente, esta minha afirmativa.
Antonio
Candido de Mello e Souza, membro do Conselho da Comissão Justiça
e Paz de São Paulo, para quem não sabe, é considerado o mais
importante crítico literário do país e autor de obras
fundamentais como Formação da Literatura Brasileira (Momentos
decisivos) , Os parceiros do Rio Bonito e muitos
outros, inclusive Vários Escritos (Liv. Duas Cidades), que
inclui a palestra acima citada, sob o título O
direito à literatura (antes editada pela Comissão Justiça e
Paz e Ed. Brasiliense, sob o título Direitos
Humanos e Literatura, no 1º volume de Direitos Humanos e
...).
Esta
obra e este trabalho atestam o exercício da reflexão e a aquisição
do saber. O afinamento das emoções e a boa disposição para com
o próximo, além de presentes em seus textos, são evidentes na
cordialidade que Antonio Candido tem para todos os que dele se
aproximam e
na lealdade para com seus amigos. Juntamente com a percepção
da complexidade do mundo e dos seres, estas características
tornaram Antonio Candido, por exemplo, um dos rapazes fundadores
da Revista Clima (1941), elaborador do projeto do “Suplemento
Literário” do jornal O Estado de São Paulo (1956), além de
partícipe da fundação do Partido Socialista Brasileiro (1947) e
do Partido dos Trabalhadores (1980). Mas estas características e
esta militância permanente integram seu cotidiano, integram sua
postura coerente e generosa na vida, sou testemunha.
O
senso da beleza do homem (mas sem ilusões, como veremos) e da
vida, levam Antonio Candido a ser compreensivo, como bem poucos,
com o ser humano em geral. Uma compreensão que o leva a responder
ao general que atacou o Cardeal Arns (Folha de S. Paulo,
07.04.82), a brigar contra a cidadania mutilada dos negros
(Fl.S.P. 07.09.82) e a não revoltar-se, antes apiedar-se, perante
um erro médico de que foi vítima. Esta capacidade de compreensão
é fruto da lucidez de ver, em si mesmo e no outro, a coexistência
do divino e do diabólico, do anjo e do monstro, da santidade e do
pecado. Lembramos, inclusive, quantos assassinos primários estão
na prisão por julgarem-se incapazes de matar. O desarmamento é
mais seguro.
É
nesta consciência, fundamental a meu ver e da qual partilho, que
podemos encontrar a base para um conceito que, na educação em
direitos humanos, leve a uma vivência da igualdade.. Conheço
poucas pessoas com o senso de igualdade de Antonio Candido. Ele a
fundamenta, e isto muito me alegra, na condição humana. O
conceito de igualdade perante a Lei ou a resultante por sermos
todos filhos de Deus têm, até agora, revelado-se inoperantes.
Somos diferentes, mas não somos desiguais. E é exatamente a ausência
da noção de igualdade o maior empecilho para a vigência dos
direitos humanos no Brasil. O objetivo maior da educação em
direitos humanos é a humanização, para que possamos construir
um mundo justo e fraterno.
Seu
senso de humor, bastante conhecido, fica patente nas gargalhadas
que permeiam nossas conversas, tal como aconteceu dias atrás.
Antonio Candido diz-se ateu. Eu não acredito. Ele insiste que não
acredito porque temos uma cultura comum e mostra suas prateleiras
com livros de Cristologia. Rimos juntos. Talvez se julgue ateu
porque não toma o nome de Deus em vão, ao contrário de tantos
de nós. Julga-se ateu racionalmente, mas emocionalmente é um
religioso. Ora, a fé não é sempre um ato de amor ?
Cita-me
Maritain que, em resposta a Jean Cocteau, disse que santos são os
que conhecem verdadeiramente o mal e o ultrapassam. Os estóicos,
agora não sei se para Jacques Maritain ou Antonio Candido, seriam
os reprimidos, que ignoram o mal. Lembrei-lhe D. Helder, que diz
que a santidade consiste em cair a cada dia e levantar-se sempre.
Depois, emocionado, Antonio Candido contou-me de uma prima
carmelita que não deseja ir para um céu em que ele não esteja.
Como ela, eu também não quero, professor, ir para um lugar onde
o senhor não esteja. Na dúvida, vamos ficando por aqui, para que
eu possa escrever mais, nos seus noventa anos.
|