A segunda leitura de
Adélia
O
que quer a mulher ? O que querem a mulher e o homem ? O desejo é
um bem ou um mal ? Quem terá a última palavra, a psicanálise ou
a poesia ? A vida, a vida sempre terá a última palavra,
parece-nos dizer este magnífico livro, FIGURAS DO FEMININO na canção de
Chico Buarque, com que Adélia Bezerra de Menezes brinda e
brinca com o público leitor (SP, Ateliê Editorial / Boitempo
Editorial, 168 páginas).
Um
??i??c???alivro que denota amor, muito amor à literatura, à cultura e à
psicanálise, transcendendo-as por um amor generoso à humanidade,
às mulheres e aos homens, ao Pepi, a quem o livro é dedicado. O
estilo da autora sugere um livro escrito sem pressa, com esmero,
no mesmo ritmo em que um corpo feminino gera um filho.
O
livro serve-se dos poemas de Chico e torna-se, ele próprio, um
outro poema, um ensaio-poema, fruto de Adélia, uma figura
complexa e que trata de complexidades com uma maturidade que
simplifica seu texto, tornando-o acessível ao grande público.
Livro que confirma uma autora erudita, mas sem pedantismos e, por
isto mesmo, sóbria; sem pudor de ser intelectual, mas sem pudor,
especialmente (Ah ! Adélia, se todas fossem sem pudor como você),
sem pudor de ser humana, humanista no melhor sentido da palavra..
Um
livro que analisa poemas. Um livro que todo homem e mulher
precisariam ler. Para conhecerem-se melhor, a si mesmos, um ao
outro. Analisando poemas, na esteira de seu analisado, com açúcar
e com afeto ( e com ilustrações adequadamente justapostas ao que
o texto diz ), a autora analisa as relações entre os gêneros,
sob todos os aspectos, mas com a leveza e o peso que só os
grandes intelectuais ou grandes artistas sabem obter.
Pois
Adélia já é ganhadora do Prêmio Jabuti de 1982 na categoria
Ensaio, por um outro livro: Desenho Mágico : Poesia e Política
em Chico Buarque (reeditado
agora pelo Ateliê Editorial). Portanto, este livro, salvo engano,
constitui a segunda leitura de Adélia sobre a obra de Chico
Buarque. Entre outros livros, escreveu A Obra Crítica de Álvaro
Lins e sua Função Histórica (Vozes, 1979) e Do Poder da
Palavra: Ensaios de Literatura e Psicanálise (Duas Cidades,
1995).
De
músicas conhecidas ( ainda assim o livro faz-nos recolocar os
discos de Chico no aparelho de som ), Adélia, de repente, nos
deixa com os olhos marejados ao abordar Zuzu Angel, a partir da música
Angëlica (de 1977, que Chico dedicou a esta mãe heroina),
acompanhando-se das reproduções de Enterro na Rede (Portinari) e
Pietá (Vicente do Rego Monteiro), e também ao abordar a mãe do
marginal retratada em Meu Guri (1981). É o que ela chama de
maternidades feridas, o que, para muitos de nós, a visão de uma
Pietá sempre evoca. Ao reunir a mãe de um herói e a mãe de um
delinquente, Adélia nos lembra que a dor materna é uma só.
Lembra-nos, ainda, que somos iguais, isto é, simultaneamente bons
e maus.
Analisando
Terezinha, escreve a autora : “se
há em Terezinha uma pedagogia do desenvolvimento afetivo e sexual
da mulher nos seus confrontos com o masculino, há também uma do
homem, ao defrontar-se com o feminino. Como se vê, não dá para
falar da mulher, sem falar do homem - e vice-versa.” Que bom
que Adélia sabe disto, numa época de tanto individualismo e
auto-afirmação, de tantos feminismos e machismos equivocados, em
detrimento do amor e da vida..
Antonio
Carlos Ribeiro Fester
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