A
CJP E A IGREJA
Antonio
Carlos Ribeiro Fester
A Comissão Justiça e Paz de São Paulo é filha adulta da
Igreja de São Paulo. Quando, após 1964, a burguesia vê seus
filhos presos, recorre, literalmente, ao bispo. O novo Cardeal
causa escândalo na Igreja e fora dela ao desfazer-se de seu palácio
para investir na formação de CEBs na periferia da cidade e seu
primeiro ato, após sua posse, em 1970, é visitar os religiosos
presos. O Cardeal Arns oferece cerca de dez jantares individuais a
pessoas a quem queria delegar um grupo na defesa dos direitos
humanos. Estas
recusam alegando motivos diversos, o que na verdade
significa medo, diz D.Paulo.
Dalmo de Abreu Dallari diz sim e surge, em 1972, a Comissão
Justiça e Paz de São Paulo, inicialmente constituída por
pessoas cujo renome internacional lhes garantia uma certa
imunidade. D. Paulo Evaristo foi e tem sido estímulo e modelo
para os nossos trabalhos, orientados pelos direitos humanos e pela
Teologia da Libertação. Um trabalho ativista sempre à luz da
oração e do Evangelho. Inúmeras pessoas foram atendidas pela
CJP, familiares de presos políticos, clandestinos, foragidos de
outros países. Neste perído heróico não podemos esquecer a
contribuição das funcionárias Yvy N. Nico e Ivani B.
Piccablotto, nossas companheiras até o início da década de 90.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados-ACNUR começa
a funcionar nas dependências da Comissão, no porão da Cúria.
Outras entidades, como o Centro Santo Dias de Direitos Humanos
surgem para atender às demandas crescentes.
Em 1973, preso e morto o estudante Alexandre Vanucchi Leme,
celebra-se missa de sétimo dia na Sé. No mesmo ano, a Rádio 9
de Julho é fechada. Os advogados e demais membros da Comissão,
sempre presentes, ao lado do Cardeal. Em 1975, D. Paulo assume ato
ecumênico, na Catedral, pela morte de Wladmir Herzog no DOI-CODI.
Um advogado da CJP, Marco Antonio Rodrigues Barbosa, obtém do
Estado o reconhecimento pela responsabilidade desta morte, abrindo
o precedente jurídico. Em 1977, os advogados da CJP apoiam, por
indicação de D. Paulo, os estudantes processados e os feridos em
consequência da invasão da PUCSP. Em 1978, muitos de seus
integrantes estão presentes nas greves do ABC. Em 1979, apoiam D.
Paulo na busca de crianças desaparecidas na América Latina, em
especial na Argentina, Uruguai e Bolívia. Em 1980, por ocasião
da primeira visita do Papa João Paulo II ao Brasil, Dalmo
Dallari, então presidente da entidade, sofre violento atentado,
mas ainda assim, de maca, comparece à missa no Campo de Marte.
Com Belisário dos Santos Júnior e outros, D. Paulo funda e
preside, em 1987, o Comitê Internacional de Peritos pela Prevenção
da Tortura. Em 1988, fazendo um curso no Instituto Interamericano
de Direitos Humanos de São José da Costa Rica, dou-me conta da
real significação da importância de D. Paulo e da CJP a nível
internacional, como uma referência de Igreja na defesa dos
direitos humanos. Tornado, de surpresa, representante da Igreja de
São Paulo, eu precisava, ao contrário dos demais representantes
de cerca de 30 países, ser sóbrio na linguagem e nas atitudes.
Como disse José Carlos Dias recentemente, todos crescemos e nos
evangelizamos na convivência amorável com D. Paulo. Ele confia e
não há como não retribuir, acrescento. A CJP tem atuado também
no interior da Igreja, quando solicitada e de acordo com suas
possibilidades. Não posso encerrar sem lembrar, por exemplo, que
do interior da Comissão surgiu a redação, por parte de diversos
juristas entre os quais Fábio Konder Comparato, do artº V da
Constituição de 1988,
do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana (agora já
existente em outros estados do Brasil), além do processo de
impeachement do então Presidente da República. Em 1995,
Margarida Genevois funda a Rede Brasileira de Educação em
Direitos Humanos,
O número de membros da CJP amplia-se nos últimos anos,
abrindo frentes de trabalho em diversos setores da sociedade. Uma
luta que, creio, no atual momento pode-se resumir na luta contra a
exclusão, pois o grande problema brasileiro para a vigência dos
direitos humanos é a ausência da igualdade de fato e da noção
de igualdade entre as pessoas, o que inclui a questão da exclusão
moral. Como diz o documento da CNBB, Direito de Gente Assunto de Fé
(p.38) :“O processo de exclusão moral depende de se conseguir pôr na cabeça
das pessoas certas idéias falsas. Uma delas é o 'mito do mérito':
as pessoas se convencem de que a vida é só para quem 'merece'.
(...) O mito do mérito é profundamente anticristão. Para quem
crê em Jesus, a vida é vista fundamentalmente como um dom que
Deus nos oferece, independentemente de merecermos.”
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