Ação Federal no Espírito
Santo
Por Orlando Fantazzini
Podemos considerar a recente a intervenção que não
houve no Espírito Santo sob o prisma do intenso debate que
a sociedade brasileira tem travado quanto ao papel da União
no combate à criminalidade. Se a autoridade local mostra-se
impotente e se o crime organizado ultrapassa fronteiras estaduais
e até nacionais, torna-se necessário coordenar e uniformizar
as ações das diferentes esferas de governo. A maneira
como essa coordenação deve se dar vem sendo discutida
pelo Congresso Nacional, pelos Estados e, principalmente, pelos
eleitores brasileiros.
Muitas pessoas disseram que, se a União interviesse no Espírito
Santo, teria que fazê-lo também em São Paulo
e no Rio de Janeiro. Os defensores desse argumento parecem não
compreender os motivos de uma intervenção federal.
Não são os índices de violência que justificam
a intervenção. Nunca se esperou da União que
chegasse a Vitória e, num passe de mágica, acabasse
com o crime organizado. Se isso fosse possível, acredito que
todos defenderíamos qualquer intervenção, onde
quer que fosse. O objetivo da intervenção não
seria acabar com a criminalidade, e sim restaurar a integridade das únicas
instituições em que capixabas e brasileiros podem depositar
suas esperanças: as instituições da ordem democrática.
A população capixaba, principal vítima de todo
o descalabro, sabe que o principal acusado de chefiar o crime organizado,
através da chamada Scuderie Le Coq, é o presidente
da Assembléia Legislativa. Sabe também que o governador
foi salvo do impeachment por esse grupo criminoso, que o transformou
em seu refém. No Espírito Santo, o núcleo dirigente
do crime organizado está infiltrado no próprio aparelho
de Estado – nos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo.
Essa não é uma avaliação pessoal. Trata-se
de uma realidade fartamente documentada em processos e investigações
realizadas nos últimos anos, entre os quais a CPI do Narcotráfico
e os trabalhos do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Acumula-se a impunidade em numerosos casos de extermínio de
pessoas, ameaças de morte, tráfico de drogas e armas,
corrupção e jogos de azar ilegais. O dinheiro e a intimidação
calam políticos e magistrados, enquanto cidadãos que
denunciam os abusos são executados ou forçados a abandonar
seus lares. Nessas circunstâncias, o que se há de
esperar da autoridade local?
A intervenção federal para assegurar a prevalência
dos direitos humanos está respaldada por instrumentos internacionais
e pela Constituição brasileira. Se fosse decretada
no Espírito Santo, traria o benefício do afastamento
imediato do governador e do presidente da Assembléia Legislativa,
facilitando o desmonte do esquema político que sustenta o
crime organizado. Entretanto, ainda que permaneçam obscuras
as razões que impediram o Presidente e o Procurador Geral
da República de promover a intervenção, resta
apostar em formas alternativas, porém eficazes, de atuação
da União.
Há pouco tempo, no Acre, a atuação coesa de
autoridades locais com órgãos federais como o Ministério
Público, a Câmara dos Deputados e o Ministério
da Justiça, possibilitou a prisão do chefe mais visível
do crime organizado, o ex-deputado Hildebrando Pascoal. Embora o
grupo ainda exista, sua capacidade de atuação foi seriamente
abalada. Nos Estados Unidos, só a persistência do poder
federal logrou desestruturar o racismo institucional no sul do país,
mediante a presença firme do FBI e a prisão de membros
influentes da Klu Klux Klan. Outro exemplo de atuação
bem-sucedida da autoridade central foi a Operação Mãos
Limpas, na Itália.
Do Acre à Itália, passando pelos Estados Unidos, o
que há de comum é o que devemos garantir para o Espírito
Santo: a ação decidida e coesa de instituições
nacionais em parceria com a sociedade civil. Os direitos humanos
constituem bens supremos de uma democracia. Cabe a todos garantir
sua eficácia.
O deputado Orlando Fantazzini (PT-SP) é advogado e presidente
da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados