Cançado Trindade Questiona a Tese de
"Gerações de Direitos
Humanos" de Norberto Bobbio
O
Sr. Antônio Augusto Cançado Trindade
– Há duas perguntas dirigidas diretamente a mim, pelas quais agradeço,
porque me dão oportunidade de formular algumas reflexões adicionais. Há
também uma consideração de ordem geral, a qual eu comentarei apenas
no que se refere ao aspecto do acesso aos órgãos internacionais
Em
primeiro lugar, agradeço a Sra. Selma Aragão pelas expressões e quero
recipro?????t???t?car enviando também, por seu intermédio, a Tânia da Silva
Pereira e aos muitos amigos meus da PUC do Rio de Janeiro e da UERJ,
também as minhas cordiais saudações, esperando vê-los no Rio de
Janeiro em data futura.
Eu
não aceito de forma alguma a concepção de Norberto Bobbio das teorias
de Direito. Primeiro, porque não são dele. Quem formulou a tese das
gerações de direito foi o Karel Vasak, em conferência ministrada em
1979, no Instituto Internacional de Direitos Humanos, em Estrasburgo
Pela primeira vez, ele falou em gerações de direitos, inspirado na
bandeira francesa: liberté, egalité, fraternité. A primeira geração,
liberté: os direitos de liberdade e os direitos individuais. A segunda
geração, egaIité: os direitos de igualdade e econômico-sociais. A
terceira geração diz respeito a solidarité: os direitos de
solidariedade. E assim por diante.
Eu
sou seu amigo pessoal, foi meu professor. Fui o primeiro
latino-americano a ter o diploma do Instituto. Foi meu examinador, é
meu amigo pessoal e agora tive a grata satisfação de colaborar com um
artigo em homenagem a ele, publicado pela UNESCO, em Paris.
Sou
isento para falar sobre o assunto. Sou amigo dele e não concordo com a
tese que ele apresentou pela primeira vez em 1979, e que Norberto Bobbio
copiou.
Para
falar dos seguidores de Norberto Bobbio, aqui, neste País, como em
todos os países da América Latina, temos a mania de copiar ipsis
Iiteris, como se fosse a última palavra, o que dizem os europeus. Eu não
estou de acordo com essa tese de Norberto Bobbio e do meu querido amigo
Karel Vasak. Por que razões? Tenho relação de amizade com seguidores
dessa tese aqui no Brasil, mas não estou de acordo com seus
fundamentos.
Em
primeiro lugar, essa tese das gerações de direitos não tem nenhum
fundamento jurídico, nem na realidade. Essa teoria é fragmentadora,
atomista e toma os direitos de maneira absolutamente dividida, o que não
corresponde à realidade. Eu conversei com Karel Vasak e perguntei:
“Por que você formulou essa tese em 1979?”. Ele respondeu: “Ah,
eu não tinha tempo de preparar uma exposição, então me ocorreu fazer
alguma reflexão, e eu me lembrei da –bandeira francesa” – ele
nasceu na velha Tchecoslováquia. Ele mesmo não levou essa tese muita a
sério, mas, como tudo que é palavra “chavão”, pegou. Aí Norberto
Bobbio começou a construir gerações de direitos etc.
Quais
são as razões de ordem jurídica que me fazem rechaçar essa tese nos
meus livros e nos meus votos? Inclusive, citei aqui no caso dos meninos
de rua, é um rechaço à tese de gerações de direitos, porque creio
que o próprio direito fundamental à vida é de primeira, segunda,
terceira e de todas as gerações. É civil, político, econômico-social
e cultural. Em primeiro lugar, essa tese não corr?????t???t?esponde à verdade
histórica. É certo que houve as declarações dos séculos XVII e
XVI1I e a Revolução Francesa, e parece-me que a doutrina brasileira
parou por aí. Houve a revolução americana e depois a Declaração
Universal.
Essa
conceituação de que primeiro vieram os direitos individuais e. nesta
ordem, os direitos econômico-sociais e o direito de coletividade
correspondem à evolução do direito constitucional. É verdade que
isso ocorreu no plano dos direitos internos dos países, mas no plano
internacional a evolução foi contrária. No plano internacional, os
direitos que apareceram primeiro foram os econômicos e os sociais. As
primeiras convenções da OIT anteriores às Nações Unidas, surgiram
nos anos 20 e 30. O direito ao trabalho o direito às condições de
trabalho é a primeira geração, do ponto de vista do Direito
Internacional. A segunda geração corresponde aos direitos individuais,
com a Declaração Universal e a Americana, de 1948. Então, a expressão
“gerações é falaciosa, porque não corresponde ao descompasso, que
se pode comprova; entre o direito interno e o direito internacional em
matéria de direitos humanos. Esta é a primeira razão histórica.
Trata-se de construção vazia de sentido e que não corresponde à
realidade histórica.
Segundo,
é uma construção perigosa, porque faz analogia com o conceito de gerações.
O referido conceito se refere praticamente a gerações de seres humanos
que se sucedem no tempo. Desaparece uma geração, vem outra geração e
assim sucessivamente. Na minha concep?????t???t?ção, quando surge um novo
direito, os direitos anteriores não desaparecem. Há um processo de
cumulação e de expansão do corpus juris dos direitos humanos. Os
direitos se ampliam, e os novos direitos enriquecem os direitos
anteriores.
Do
ponto de vista jurídico, a teoria das gerações de direitos não tem
nenhum fundamento. Vou dar dois exemplos práticos, concretos, sobre os
perigos da teoria das gerações de direitos. Primeiro, a concepção
que prevalece no mundo ocidental e sobretudo ao norte do Equador, na América
do Norte, onde, para a maioria das pessoas, os direitos humanos são sinônimos
de civil rights e os direitos econômico-sociais seriam puramente
programáticos, o que ainda é a visão que prevalece em países como
Estados Unidos e Canadá, como todos sabemos. For outro lado, há a visão
que prevalece no extremo oriente. Tive oportunidade de visitar a China
duas vezes, através do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Na
segunda visita, estive com um juiz da Corte Européia. Foram dois
convidados: um do sistema interamericano e um do sistema europeu.
Acompanhou-me um juiz da Dinamarca, St Foighel. O tema de que tratamos
foi “O devido processo legal”.
O
Juiz Foighel, da Corte Européia, falou sobre a jurisprudência em matéria
de devido processo legal na Europa, e eu falei sobre a jurisprudência
incipiente interamericana.
Os
chineses nos escutavam um tant atônitos e diziam: “Aqui damos um
fair trail and then we hang everybody”. Eles não têm essa mesma noção
de direitos de devido processo que, na verdade, permeia os direitos
civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais.
Essa
concepção tem causado grande dano à evolução dos direitos humanos.
Por exemplo, por que razão a discriminação é combatida e criticada
somente em relação aos direitos civis e políticos e é tolerada como
inevitável em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais?
Porque são supostamente de segunda geração e de realização
progressiva.
Então,
vemos uma condenação absoluta de qualquer tipo de discriminação
quando se trata de direito individual ou mesmo de direitos políticos
mas uma tolerância absoluta quando se trata de disparidades em matéria
de salário, de renda, e assim por diante. Em vez de ajudar a combater
essa visão atomizada, essa teoria de geração de direitos convalida
esse tipo de disparidade.
Estava
mencionando que, no caso da China, para os chineses, ao contrário dos
americanos do Norte, os verdadeiros direitos são os econômicos e
sociais, Os direitos civis e políticos, os direitos ao devido processo
ficam para o século XXI ou para o século XXII. Da mesma maneira, na América
Latina é o contrário. Os direitos econômicos e sociais vão deixar o
bolo crescer, como já se dizia na época da ditadura, e depois que?????t???t?m
sabe no futuros vamos dividi-lo. Vejam os perigos dessa teoria.
Para
mim, o testemunho mais eloquente da falta de fundamento dessa teoria são
essas distorções que verificamos em diferentes partes do mundo e que
requerem a visão da indivisibilidade e inter-relação entre todos os
direitos humanos.
Esta
pergunta me ofereceu a oportunidade de explicar a minha posição. Estou
absolutamente convencido disso. Creio que o futuro, na proteção
internacional dos direitos humanos passa pela
indivisibilidade e pela inter-relação de todos os direitos, como tenho
dito em meus livros. Estou absolutamente convencido disso também devido
à experiência nos casos sobre os quais tenho sido chamado a me
pronunciar.
Seminário
Direitos Humanos das Mulheres: A Proteção Internacional
Evento
Associado à V Conferência Nacional de Direitos Humanos
Dia
25 de maio de 2000
Câmara dos Deputados, Brasília, DF
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