A era dos direitos
Direitos Humanos, um tema do século
XX
Vencidas as dúvidas que boa parte da população manifestaram quanto à
data da mudança de século (e na circunstância também de Milénio), o
que talvez derive do nosso já histórico défice em saber fazer contas,
é inelutável que em 1 de Janeiro de 2001 entrámos, finalmente, no Século
XXI e no 3º Milénio.
Estamos, por isso, no momento de
ensaiarmos um primeiro Balanço sobre o Século XX, no âmbito da temática
que ocupa esta 'coluna': os Direitos Humanos. Naturalmente tamanho
desiderato envolve uma grande audácia, porquanto, enquanto parte
interessada, não teremos a independência necessária para,
cientificamente, cumprirmos esta missão . Porém , importa adiantar
umas quantas notas que, no mínimo, constituam uma primeira pedrada no
charco da nossa, também ela tradicional, apatia na reflexão .
Apesar de muitos dos seus enunciados
centrais aparecerem no discurso religioso, filosófico e em práticas
políticas e códigos de épocas muito diferentes, pode dizer-se que a
introdução dos Direitos Humanos no Ocidente é herdeira da filosofia
grega , do direito romano, da tradição judaico-cristã, do humanismo,
da luta pela democracia.
Os Autores vêm coincidindo na ideia de
que as primeiras manifestações relativas aos Direitos Humanos
ocorreram no Código de Hamurabi, na Mesopotâmia , as leis de Sólon e
Péricles, na Grécia, as Leis das XII Tábuas e a jurisprudência de Cícero,
na Roma Republicana.
No decurso do Milénio anterior, dos
aludidos movimentos, derivaram documentos de grande significado como,
entre outros, a Magna Carta, o Édito de Nantes (1598), o Bill of Rights
( 1689), o instituto do Habeas Corpus (1679), a Declaração de Independência
e a Constituição dos Estados Unidos (1776), a Declaração Universal
dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que enunciaram que todos os
homens nascem livres e iguais perante a Lei, que tem direito à
liberdade de opinião, expressão de pensamento, à propriedade e á
segurança, e até à resistência à opressão .
O Século que agora terminou , a que já
chamaram "O Século do Povo", foi palco de significativas
mudanças em todos os domínios do conhecimento e, naturalmente, também,
no âmbito dos Direitos humanos.
Os direitos individuais civis e políticos,
apesar de formalmente consagrados em várias Constituições nacionais,
só adquiriram verdadeiro reconhecimento e dimensão durante o século
(XX) que agora terminou, ultrapassando a dimensão estritamente doméstica
e nacional com que eram anteriormente apreciados.
O mesmo se passou com os movimentos
sociais e as lutas dos trabalhadores que estiveram na base de novos
direitos colectivos, económicos, sócio-culturais, cujo reconhecimento
nacional e internacional ocorreu também neste século.
Pela primeira vez, eles são consagrados
em Constituições, como a do México ( 1917), da Alemanha (dita de
Weimar, 1919), a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e
Explorado da Rússia (1918), a constituição da URSS (União das
Republicas Socialistas Soviéticas, que se desmembrou após a queda do
Muro de Berlim), entre outros .
Apesar destes progressos, a verdade é
que até à aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948
(reunida em Paris), a protecção dos direitos humanos era embrionária,
fragmentada e meramente "defensiva" face aos abusos e
monstruosidades cometidas pelos estados, e os horrores que se viveram
durante a segunda grande guerra mundial.
De então para cá a evolução tem sido
vertiginosa, constituindo hoje os direitos humanos uma temática nova e
em permanente desenvolvimento, ultrapassando a dimensão da soberania
dos Estados ou governos. Nos nossos dias, entre as entidades que exercem
justiça em questões de violação dos direitos humanos, não são
apenas os tribunais nacionais, nem tribunais simbólicos "de opinião
pública" (como o Tribunal Russel, que ajudou a denunciar as violações
cometidas pelos Estados Unidos no Vietnam), mas efectivos tribunais
internacionais reconhecidos pelos Estados ( o Tribunal Penal
Internacional, aprovado pelo tratado de Roma em Julho de 1998 , que
aguarda que o seu estatuto seja ratificado, pelo menos, por 60 países
), ou criado no âmbito das Nações Unidas ( Tribunais especiais para
os crimes cometidos no Ruanda e ex- Jugoslávia ).
Surgiram igualmente novos Actores,
sujeitos de direito internacional, tais como as Organizações Não
Governamentais (por exemplo a Amnistia Internacional), e até o próprio
cidadão individual (já reconhecido pela Convenção Europeia dos
Direitos Humanos, 1950) .
Neste limiar do terceiro Milénio,
ultrapassado o confronto leste-oeste, ganha raízes o multilateralismo,
enquanto forte consciência de que os problemas que a humanidade
enfrenta, exigem soluções que não podem ser encontradas pelos Estados
isoladamente, antes na interdependência - a que agora se chama
globalização - que é uma realidade indesmentível , e que por isso é
necessário que a segurança e a paz internacional, a economia e o comércio
mundial, se rejam, por um lado, por regras formuladas em conjunto, e,
por outro lado, no respeito pelos direitos e valores universais e
inalienáveis.
Nesta Era dos Direitos em que vivemos,
passou a intervir, a opinião pública (nacional e internacional),
constituindo-se num factor decisivo e influenciador das relações
internacionais e do novo (e salutar) protagonismo da Comunidade das Nações,
de que é exemplo marcante os acontecimentos vividos em Timor.
A herança que , porventura, poderá ser
legada ao novo Século e Milénio é a consagração dos Direitos
Humanos , prevalecentes sobre os demais direitos (sejam "dos
povos", "de classe", "do desenvolvimento", ou
outros).
António Nabais Caldeira, Representante
da Amnistia Internacional nos Distritos da Guarda, Castelo Branco e
Viseu.
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