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Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Hélio Bicudo
Jurista, representante do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA 


A atual Constituição brasileira, a exemplo das anteriores, ao enumerar os direitos fundamentais, não pretende ser exaustiva ao estabelecer os setenta e sete incisos do artigo 5º. Além desses direitos explicitamente reconhecidos, admite a Lei Maior existirem outros, "decorrentes do regime e dos princípios por ela (a Constituição) adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (artigo 5º, parágrafo 2º). Assim, dever-se-á deduzir que, além da enumeração do artigo 5º, outros direitos são como tais considerados e que se desumem do regime e dos princípios constitucionais como também de normas internacionais que integram nosso ordenamento jurídico.

É assim que vamos encontrar direitos fundamentais enunciados ao longo do texto constitucional como acontece, entre outros, com os chamados direitos sociais, econômicos e culturais, assim considerados segundo os princípios adotados pela Conferência de Viena, em 1993. 

A propósito, convém notar que a Declaração de Viena passou a ser o primeiro documento internacional a consagrar o nexo indissolúvel entre a democracia, o desenvolvimento e os direitos humanos, afirmando em seu artigo 8º que "a democracia, o desenvolvimento e o respeito
pelos direitos humanos e liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente. A democracia se baseia na vontade livremente expressa pelo povo de determinar os próprios sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais e em sua participação em todos os aspectos de sua vida". 

Se os chamados direitos civis e políticos asseguram bens da vida (liberdade, igualdade, propriedade) outros direitos, por igual relevantes na concepção globalizante dos direitos da pessoa, encontram-se enunciados no Pacto de San Salvador, adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos subscrito em 1988 e em vigor a partir de novembro de 1999, o qual impôs aos Estados-partes a obrigação de adotar medidas legislativas ou de outro tipo que sejam necessárias para efetivar os
direitos sociais, econômicos e culturais essenciais ao desenvolvimento do ser humano. E, entre eles, o direito ao trabalho, com condições justas, equitativas e satisfatórias, os direitos sindicais, o direito à seguridade social, além do direito à educação e aos benefícios da cultura. 

Esses direitos encontram-se, em verdade, elencados pela Constituição de 1988, em especial em seu artigo 7º, justamente, no objetivo de alcançar o desenvolvimento harmônico do Estado brasileiro. E mais. Estão, na sua atualidade, protegidos pelo disposto no artigo 60 da Lei Maior, insuscetíveis de alteração para pior mediante emenda (§ 4º). A proteção decorre da sua qualificação como cláusulas pétreas, a não permitir que emendas apresentadas a respeito sejam, sequer, objeto de deliberação pelo Congresso Nacional. 

Serão, nessa hipótese, rejeitadas in limine. Isso decorre, como se assinalou, de claros dispositivos que, não obstante imposições do Poder Executivo e o silêncio do Judiciário, vêm considerando que princípios basilares de nosso ordenamento jurídico-constitucional não podem ser desvalorizados ou esquecidos, pois sustentam, com a sua rigidez, a organização democrática do Estado, voltado para seu fim, que é o bem comum. 

Ora, a República brasileira é um Estado Democrático baseado no respeito e na garantia da efetivação dos direitos e liberdades fundamentais do povo. É o que decorre dos princípios constitucionais fundamentais de seu Título I. Isso importa em que, uma vez alcançados ou conquistados direitos
sociais e econômicos (ex: direitos dos trabalhadores), passam a constituir, simultaneamente, garantia constitucional e direito subjetivo. Dessa forma, e independentemente do problema "fáctico" da irreversibilidade das conquistas sociais, o princípio do não-retorno social justifica, na
lição do eminente constitucionalista Gomes Canotilho, pelo menos, a subtração à livre e oportunística disposição do legislador, a diminuição de direitos adquiridos(segurança social, susbsídio de desemprego, prestações de saúde) em clara violação do princípio da proteção da
confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural. 

Não tem, portanto, fundamento jurídico, segundo as normas do direito interno e internacional, ao qual o país se atrela, pretender-se estabelecer novas linhas, ainda que pela via de uma reforma constitucional constitucionalmente inviável, que se irão caracterizar por retrocesso
evidente nas linhas de convivência entre capital e trabalho. 


Publicado origináriamente no jornal Correio Braziliense, em 23 jan. 2000.

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