Em defesa dos Defensores dos Direitos Humanos
Anistia Internacional
Existem homens e mulheres que dedicam suas vidas a lutar contra
a arbitrariedade e o despotismo quando os direitos de uns
são
negados ou a dignidade de outros ameaçada. Por toda época
e lugar a história oferece testemunhos de indivíduos
e grupos que trabalham para tornar realidade o ideal proclamado na
Declaração Universal dos Direitos Humanos: que os seres
humanos se vejam um dia "libertados do medo e da miséria".
O trabalho da comunidade internacional tem sido frutífero
para o reconhecimento de um conjunto de direitos que, se fossem respeitados
e promovidos, apontariam o caminho em direção àquele
ideal. Sobretudo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o que hoje
chamamos "direitos humanos" foi concebido como a proposta
de um sistema de vida integral que abarcasse os âmbitos cultural,
econômico, político e social, tanto a nível individual
como coletivo, e aplicável a todos, sem qualquer discriminação.
As longas negociações que conduziram ao reconhecimento
dos direitos humanos foram - e ainda são - produto de lutas
e, frequenntemente, de dolorosas confrontações, através
das quais indivíduos e povos oprimidos obtêm as conquistas
que se plasmam no direito internacional e na lei local.
Nessas lutas e negociações pelo reconhecimento formal
e pela vigência efetiva dos direitos fundamentais, se inscreve
o trabalho dos denominados "defensores dos direitos humanos".
A comunidade de direitos humanos é a soma das organizações
não-governamentais especializadas em direitos humanos, de
associações de outra natureza, como sindicatos e grupos
religiosos e populares, e de particulares que se dedicam ao tema.
Eles se opõem de forma pacífica, porém ativa, às
violações dos direitos humanos, promovem denúncias,
apoiam as vítimas e lutam contra a impunidade. Mas também
buscam o consenso necessário para avançar, promovem
o entendimento e procuram encurtar distâncias entre povos e
governos, muitas vezes geradas por razões históricas
ou culturais.
Entretanto, apesar dos sucessos já contabilizados,
o trabalho dos defensores dos direitos humanos
está longe de acabar - e possivelmente
nunca acabará. Isso se deve, em primeiro
lugar, à dinâmica do desenvolvimento
social, que sempre produzirá debates
em torno da aceitação de "novos"
direitos, que irão agregar-se à
lista dos consagrados, e de propostas para melhorar
a interpretação e a implementação
daqueles já reconhecidos.
Em segundo lugar - e talvez seja esta a principal razão para
a existência dos defensores dos direitos humanos -, porque
apesar dos progressos realizados para obter seu reconhecimento, da
elaboração de uma grande quantidade de leis visando
protegê-los ou das promessas dos governos de respeitá-los,
os direitos humanos sempre correm o risco de serem vilipendiados.
A vigência e o respeito pelos direitos humanos são áreas
onde a distância entre a retórica e a realidade, entre
a intenção expressada pelos governos e seu resultado
concreto, ainda é abismal. Por essa mesma razão, se é certo
que uma atitude vigilante da comunidade internacional torna-se necessária
para preservar os direitos já conquistados e prosseguir avançando, é ainda
mais certo que a presença e o trabalho de grupos ou indivíduos
que defendem os direitos humanos dentro das fronteiras de um país
resulta fundamental. Há, portanto, que se proteger e não
impor restrições ao seu trabalho, porque eles dão
uma contribuição de vital importância à sociedade,
independentemente do momento político ou histórico
pelo qual a mesma atravessa.
Os defensores dos direitos humanos estão, geralmente, na vanguarda
do debate da sociedade civil quando esta discute a criação
ou o fortalecimento das instituições e da sua legislação
nacional de proteção, ou o papel que a nação
deve desempenhar na esfera internacional. Os defensores proporcionam
informação, injetam idéias novas e dinamizam
antigos conceitos, apresentando-os à opinião pública
e aos governos para sua discussão e aperfeiçoamento.
Através das suas atividades de promoção, de
denúncia e de proteção, cumprem uma função
reguladora das tendências autoritárias que se encontram
em qualquer comunidade e contribuem para consolidar os valores de
tolerância e pluralismo que cimentam a convivência democrática.
Mesmo os sistemas que contam - ao menos teoricamente - com perfeitos
mecanismos de proteção, não conseguiram eliminar
completamente as violações aos direitos humanos. Diante
disso, os defensores cumprem uma função vital ao assumir
a voz dos que não têm voz e a defesa dos despossuídos,
das minorias e de outros setores vulneráveis de uma sociedade.
Em resumo, em sociedades civis mais ou menos estabelecidas, o trabalho
dos defensores dos direitos humanos surte um efeito essencialmente
civilizador, consolidando as conquistas e projetando essas sociedades
para o futuro.
Os defensores cumprem um papel fundamental naquelas sociedades
que não são abertas e tolerantes ou que sofrem os efeitos
de um conflito violento ou de uma ditadura. Quando os sindicatos
e os partidos políticos são proscritos, quando o parlamento é dissolvido
e calada a imprensa livre, quando os dissidentes são encarcerados,
torturados, assassinados ou obrigados a se exilar, os defensores
dos direitos humanos constituem, com freqüência, o último
sistema de defesa em pé contra o abuso e a arbitrariedade.
Os defensores dos direitos humanos também desempenham um importante
papel nas sociedades em transição. São os primeiros
a aproveitar as possibilidades de abertura democrática, por
mais tímidas que sejam. Ajudam a ocupar os espaços
vazios que vão sendo ganhos, organizam as primeiras manifestações
públicas, participam delas e aproveitam a menor liberdade
de expressão. Quando se mobilizam por causas que transcendem
as fronteiras dos partidos políticos, os defensores podem
facilitar a criação das expressões de consenso
civil, que quase sempre sucedem os governos ditatoriais. Ao mesmo
tempo, preocupam-se em preservar alguns valores fundamentais, que
costumam ser presas fáceis da negociação política
partidária no marco da confusão, urgência e pragmatismo
que caracterizam muitos processos de transição. Os
defensores também constituem uma garantia de que o exercicio
da justiça não será utilizado vingativamente
contra os antigos opressores, e de que a verdade sobre as violações
passadas não será instrumentalizada por interesses
setoriais.
A defesa internacional dos direitos humanos persegue os mesmos
fins pelos quais lutam os defensores em seus próprios países.
Quando os defensores dos direitos humanos atuam a nível internacional,
amplificam e difundem o trabalho dos defensores locais. Em suas campanhas,
dão a conhecer a situação das vítimas,
solidarizam-se com elas e sensibilizam a opinião pública
mundial para que também aja. Nos foros e organismos internacionais
estimulam a adoção de resoluções sobre
países ou situações onde os direitos humanos
são violados e trabalham para expandir as fronteiras do direito
internacional que consagra e fortalece aqueles direitos. A defesa
e a promoção internacional dos direitos humanos e a
defesa a nível local se nutrem uma da outra e são,
na verdade, uma só.
Trabalhar em prol dos direitos humanos requer uma tarefa adicional:
defender os direitos dos defensores e obter seu reconhecimento
e proteção. Porque, sobretudo no interior dos seus países,
os defensores dos direitos humanos costumam enfrentar ameaças
e riscos diversos. Defender as vítimas e promover seus direitos
não afastam os perigos, os atraem. Costumeiramente, os próprios
defensores se convertem em vítimas de prisão, tortura,
assassinato e "desaparecimento", e as acusações
de "dar apoio a subversivos" ou "atuar contra os interesses
nacionais" são igualmente correntes. A proteção
daqueles que defendem e promovem os direitos humanos é, assim,
uma questão de alta prioridade para todos quantos estão
compromissados com o futuro da humanidade, em especial os advogados.